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203 53 Destaques tRataMeNtO NO PaCIeNte PeDIÁtRICO NeuROLÓGICO HOsPItaLIZaDO Guilherme Herrera Fernanda de Cordoba Lanza Mariana Rodrigues Gazzotti INtRODuçãO O ambiente hospitalar vem se tornando cada vez mais especializado. É crescente o número de serviços que atendem crianças e, dentro destes, diferentes tipos de enfermarias são criadas para dar atenção especial às diversas enfermidades. Enfermarias neuropediátricas, em particular, são unidades que necessitam, cada vez mais, de fisioterapeutas especia- lizados que acumulem conhecimentos para atuar de forma ampla, considerando a criança como um todo. No ambiente hospitalar há grande preocupação com o bom funcionamento do sistema respiratório; entretanto, quando tratamos de crianças, seja qual for a faixa etária, além de nos preocuparmos com o sistemas respiratório e musculoesquelético, não podemos deixar de considerar os fatores que influenciam e otimizam o seu desenvolvimento neuropsicomotor. Esta seção não tem como objetivo traçar receitas de tra- tamento para o portador de disfunções neurológicas; pelo contrário, o principal fundamento desse texto é discutir as diversidades de situações encontradas no âmbito da enfer- maria neuropediátrica e definir que o tratamento fisiotera- pêutico deve estar baseado em uma avaliação criteriosa de todos os sistemas, para que os objetivos específicos a cada criança possam ser encontrados. A impossibilidade de traçarmos um protocolo de atendi- mento está relacionada ao fato de haver crianças de diferen- tes faixas etárias, diferentes sítios lesionais (suprassegmentar, segmentar, sistema nervoso periférico [SNP] e musculo- esquelético), diferentes fases da doença (aguda, subaguda e crônica), portadores de lesões adquiridas ou congênitas, progressivas ou estacionárias. Portanto, há a necessidade de profunda análise para definirmos estratégias de atendimento eficazes para cada uma dessas condições. Geralmente, o profissional inexperiente acredita que, para tratar a criança com disfunções neurológicas, é indis- pensável o aprimoramento em cursos de manuseio, pois estes t Ra ta d o d e Fi si o te Ra pi a H o sp it a La R – a ss is tê n Ci a in te G Ra L a o p a Ci en te 204 ofereceriam mais condições e possibilidades de intervenção. No entanto, esse pode ser um grande equívoco, pois os bons manuseios são aprendidos ao longo da vida profissional e, como qualquer processo de aprendizagem, dependem da prática com o paciente. O manuseio é próprio de cada pro- fissional e é influenciado pela estatura, pela força e pela expe- riência deste. Os conhecimentos de anatomia, de princípios de alavanca e da biomecânica das atividades funcionais são informações básicas que devem estar bem claras para que a escolha correta do apoio a ser realizado, e do movimento a ser treinado, possa cursar com a estimulação adequada. É importante ficar claro que os exercícios que serão reali- zados com os pacientes são o componente final de um com- plexo raciocínio que deve estar fundamentado em uma ava- liação minuciosa para que o fisioterapeuta possa descobrir as necessidades individuais de cada criança e, finalmente, estruturar o plano de tratamento com a melhor intervenção e os melhores manuseios. No complexo processo de recupe- ração funcional, as crianças precisam aprender as atividades básicas que serão importantes para o seu desenvolvimento até a vida adulta, ou reaprender aquilo que já haviam viven- ciado. Se considerarmos que o princípio da aprendizagem está baseado na repetição, passamos a intervir de forma que essas crianças continuem se desenvolvendo mesmo sem a presença do terapeuta. Este capítulo não tem a pretensão de esgotar os temas relacionados à intervenção fisioterapêutica no universo da enfermaria neuropediátrica. O principal objetivo é direcio- nar o raciocínio para que o profissional inserido nesse am- biente possa abordar as disfunções dos diferentes sistemas e contemplar as necessidades individuais de cada criança. Para que a associação com os objetivos de tratamento sejam mais claras, inicialmente discutiremos alguns as- pectos relevantes relacionados às experiências vivencia- das pelas crianças dentro da unidade de terapia intensiva (UTI), e alguns fatores que influenciam o desenvolvimento neuropsicomotor. asPeCtOs Da utI NeONataL Segundo o Comitê de Normas da Organização Mundial de Saúde, crianças nascidas com menos de 37 semanas com- pletas de gestação, ou seja, a partir do primeiro dia da gesta- ção, são consideradas pré-termo ou prematuras. Há dificul- dades em se definir os limites inferiores da prematuridade, mas há conhecimento de recém-nascidos pré-termo (RNPT) que sobreviveram com 22 semanas de idade gestacional (IG) pós-conceptual. Entretanto, as morbidades relacionadas premiam as doenças respiratórias, neurológicas, distúrbios visuais entre outros (Tabela 53.1). As experiências dolorosas repetidamente vivenciadas pelo RNPT no período neonatal podem causar efeitos neu- robiológicos prolongados na estrutura cerebral e nas futuras reações comportamentais, como déficits cognitivos ou até motores diagnosticados na idade pré-escolar e escolar. Os componentes neuroanatômicos, fisiológicos e neuro- químicos necessários para a percepção da dor desenvolvem- -se durante a gestação, mas não estão totalmente organizados tabeLa 53.1 PRINCIPaIs DOeNças que aCOMete O ReCéM-NasCIDO PReMatuRO e seu quaDRO CLíNICO Doenças Quadro clínico anóxia perinatal ou neonatal Geralmente leva a tetraparesia, pois compromete o encéfalo globalmente. Comprometimento cognitivo e convulsões. Kernicterus/encefalopatia bilirrubínica: excesso de bilirrubina que acumula nos gânglios da base Caso haja lesão, haverá distúrbio do tipo coreia e atetose. Hemorragia peri- intraventricular: a lesão ocorre próxima aos ventrículos laterais Geralmente cursa com quadro de diparesia, pois as fibras nervosas relacionadas aos membros inferiores se localizam mais próximas aos ventrículos laterais. as grandes hemorragias, com sangramento no encéfalo, levam a tetraparesia com comprometimento cognitivo, espasticidade, consulvões, hidrocefalia. insuficiência respiratória causada pela síndrome do desconforto respiratório no Rnpt, ou por doenças pulmonares crônicas Hipoxemia, hipercapnia, desconforto respiratória, e atraso no desenvolvimento neuropsicomotor (dnpM), caso este quadro persista por tempo prolongado. enterocolite necrotizante Cursa com má absorção intestinal, desnutrição, diarreia infecciosa também comprometendo o dnpM. deficiência de nutrientes (cálcio, fósforo/ zinco/ferro/ vitamina a e vitamina e) osteopenia, fraturas, raquitismo/atraso do desenvolvimento cerebral/ anemia/infecções do trato respiratório, deficiência do sistema imunológico. ao nascimento. A mielinização incompleta não implica ausência de função, mas velocidade de condução lentificada. Em prematuros com 24 semanas ou mais de gestação, são identificados neurônios e vias nervosas suficientes para pro- cessar a sensação dolorosa no tronco encefálico. Na medula, os estímulos são submetidos a um sistema regulador, conhecido como sistema de comporta (gate con- trol), no qual se dá a inibição ou a facilitação da passagem do estímulo doloroso. As fibras grossas, quando estimula- das, exercem ação inibidora, bloqueando ou diminuindo a transmissão dos estímulos dolorosos, conduzidos pelas fibras finas. Dessa forma, ocorre modulação equivalente a um sis- tema de comporta, que regula a intensidade do estímulo que será conduzido até os centros suprassegmentares. 53 • TR AT A M EN TO N O P A C IE N TE P ED IÁ TRIC O N EU RO LÓ G IC O H O SP IT A LI ZA D O 205 Os mecanismos modulatórios do sistema de transmissão da dor amadurecem mais tardiamente do que os excitatórios. Assim, o recém-nascido, em especial o prematuro, responde de maneira evidente ao estímulo doloroso, mas essa respos- ta, em vez de específica, é na maioria das vezes exagerada e generalizada. O recém-nascido humano tem os componentes anatômicos e fisiológicos requeridos para a percepção dos es- tímulos dolorosos na forma completa a partir da 30ª. semana de gestação. Calcula-se que cada recém-nascido internado em UTI receba, diariamente, cerca de 50 a 150 procedimentos poten- cialmente dolorosos. A identificação da dor e do desconforto do RNPT pode não ser fácil, pois ainda não apresenta condi- ções verbais e motoras de expor o que sente. Por isso, escalas específicas que avaliam movimentos da face e a postura estão disponíveis para identificar dor ou estresse em RNPT (Escala de Dor para Recém-nascidos – NIPS; Perfil de Dor do Pre- maturo – PIPP; Escore para Avaliação da Dor Pós-operatória do Recém-nascido – CRIES). O estímulo doloroso intenso no período neonatal sugere deixar as vias sensoriais sensibilizadas, alterando a resposta à dor durante a infância. Além disso, alterações a longo prazo, como distúrbio de atenção e hiperatividade, já são sintomas descritos em crianças prematuras acompanhadas por alguns anos. A dor prolongada, persistente ou repetitiva induz mu- danças fisiológicas e hormonais que, por sua vez, modifica- riam os mecanismos moleculares neurobiológicos operantes nesses pacientes e desencadeariam uma reprogramação do desenvolvimento do sistema nervoso central (SNC). Os bebês expostos à estimulação nociceptiva repetida e/ ou persistente passam também a exibir reações comporta- mentais, como o choro e a irritabilidade diante de estímulos táteis não dolorosos e de estímulos desagradáveis como barulho alto, e ainda aversão ao contato humano e apneia à aproximação de pessoas. Ou seja, nos pacientes submetidos a múltiplos estímulos dolorosos, os não dolorosos passam a ser percebidos como dor, e os estímulos dolorosos passam a ser desencadeados em limiares cada vez mais baixos, com efeitos deletérios acumulativos. Para prevenção da dor no recém-nascido deve-se contro- lar a incidência de luzes fortes sobre a criança, diminuir o ru- ído a sua volta e racionalizar a manipulação do paciente, de tal modo que os cuidados apropriados sejam realizados, mas que se preservem períodos livres para o sono. Além disso, o contato com os pais e o contato físico “pele-pele” são extre- mamente importantes para o bem-estar do recém-nascido. Quanto à terapêutica da dor propriamente, pode-se lançar mão de recursos não farmacológicos, como a sucção não nutritiva (chupeta), o enrolamento e posicionamento (Fig. 53.1), glicose e sedação – que devem ser prescritas pela equipe médica. O uso da chupeta e o posicionamento inibem a hiperatividade e modulam o desconforto do recém- -nascido, ou seja, ajudam o RNPT a se organizar após o estímulo agressivo, minimizando as repercussões fisiológicas e comportamentais. As dificuldades motoras relacionadas aos prematuros, principalmente de coordenação motora fina, podem resultar Fig. 52.1. posicionamento do recém-nascido pré-termo (Rnpt) para minimizar dor e estresse. o Rnpt deve ser mantido “enrolado” para contenção dos movimentos, manutenção da temperatura e ganho de peso, além de estimular o posicionamento na linha média, favorecendo o desenvolvimento neuropsicossensório motor. em dificuldades no manejo de objetos que exijam maior destreza manual, comprometendo tanto a escrita e o desem- penho acadêmico quanto a execução das atividades de vida diária (AVDs). Além do comprometimento devido à dor no RNPT, doenças no sistema nervoso podem também compro- meter o DNPM. Assim, o estímulo na UTI neonatal pode ser nocivo caso gere dor ou estresse. O protocolo de manipulação mínima deve ser considerado nessas situações para reduzir complica- ções a longo prazo. Diante dessas agressões ao RNPT, sabe-se que este terá atraso do DNPM, entretanto o estímulo motor deve ser realizado apenas quando este estiver próximo da IG a termo, pois, antes disso, não há necessidade de estimular um bebê que, pela IG, deveria estar na via intrauterina. O posicionamento e estímulo sensorial adequado e sem exage- ros, desde que o paciente esteja clinicamente estável, são os melhores tratamentos ao RNPT (Fig. 53.2). DOeNças ResPIRatÓRIas A incidência das doenças respiratórias em pacientes com comprometimento neurológico é alta. Muitos são os fatores que aumentam essa incidência, entretanto são pouco elu- cidados na literatura. Os sinais geralmente observados nas doenças respiratórias primárias muitas vezes são rotineiros em pacientes com doenças neurológicas, em virtude da al- teração estrutural que acompanha a doença; dessa forma, a identificação precoce do comprometimento pulmonar fica prejudicada. No Brasil, 25% das hospitalizações foram por doen- ças respiratórias no ano de 2005, mas não são conhecidas quantas crianças com doenças neurológicas internam por complicações respiratórias. Há relatos em outros países de t Ra ta d o d e Fi si o te Ra pi a H o sp it a La R – a ss is tê n Ci a in te G Ra L a o p a Ci en te 206 Fig. 52.2. diferentes formas de realizar estímulo sensorial no Rnpt. a estimulação sensorial no Rnpt é realizada quando há estabilidade hemodi- nâmica e pode ser feita antes de alcançar a iG a termo. a estimulação motora deve ser feita apenas quando o paciente tiver alcançado a iG a termo. Estímulo tátil Estímulo vestibular Cartões para estímulo visual que mais de 70% das mortes de pacientes com doença neu- rológica dá-se por pneumonias, e 52% por outros problemas respiratórios. Pacientes com doenças neurológicas, degenerativas ou não, devem ser avaliados e tratados por uma equipe que aborde todas as complicações já existentes e a prevenção de outras que possam fazer parte do quadro clínico. A avaliação diária é primordial para identificar e modificar os objetivos do tratamento no decorrer da evolução. Várias causas podem justificar as associações entre as doenças neurológicas e respiratórias. O déficit de degluti- ção nos pacientes com encefalopatia crônica não evolutiva (ECNE) aumenta o risco de broncoaspiração e infecções pulmonares; o aumento do tônus abdominal, que eleva a pressão intra-abdominal, favorece o refluxo gastroesofágico (RGE), que também leva à brocoaspiração. Deformidades estruturais ósseas, como a escoliose e demais alterações de caixa torácica, também contribuem para a redução de volume de ar inspirado que prejudica a troca gasosa e reduz o transporte mucociliar, favorecendo o acúmulo de secreção pulmonar. As alterações do parênqui- ma pulmonar, obstruções e hiperinsuflação, causadas pelas infecções de repetição, podem interferir na habilidade dos músculos respiratórios de gerar pressão subatmosférica para a simples realização do volume corrente (VC). A integridade do sistema respiratório não depende ape- nas da habilidade muscular, mas também do centro respi- ratório e córtex íntegros e nervos periféricos com adequada condução. Dessa forma é fácil concordar que um paciente com comprometimento neurológico, independentemente do sítio primário da doença, cursa com complicações respirató- rias e acúmulo de secreção, portanto é de extrema importân- cia identificar o limiar de cada paciente no que diz respeito à infecção pulmonar. Alguns preditores podem identificar o momento da intervenção medicamentosa pela equipe médi- ca e até mesmo a transferência para UTI, como a avaliação de volumes e capacidades pulmonarese força de músculo respi- ratório; dessa forma, a avaliação clínica é a melhor forma de predizer a evolução do doente. INfLuêNCIa DO sIsteMa NeRvOsO NO DeseNvOLvIMeNtO Da CRIaNça O crescimento e desenvolvimento da criança não depen- dem apenas da maturação de órgãos e sistemas, mielinização e de determinantes genéticos; as experiências e interação com o meio ambiente interferirão nesse acontecimento. Des- ta forma, o atraso do desenvolvimento neuropsicossensorio- motor (DNPSM) é observado quando há lesão no neurônio motor superior ou inferior, déficit de cognição, visual e audi- ção. Essas alterações comprometem a interação com o meio, a biomecânica para efetivar os movimentos, e o treinamento motor para aquisição de habilidades. A estrutura fisiológica do prematuro difere do nascido a termo, portanto as lesões que ocorrem em neonatos prema- turos diferem muito das lesões dos neonatos a termo, e mais ainda daqueles lactentes que já iniciaram seu desenvolvi- mento e tiveram lesão cerebral. Aparentemente, os circuitos corticais e subcorticais do cérebro têm maior capacidade de reorganização nos prematuros, entretanto o aprendizado prévio pode facilitar muito no restabelecimento da função. As lesões no SNC são comuns na prematuridade. A matriz germinativa, estrutura que origina as células do SNC, involui por volta da 35ª. de IG; com o nascimento prematuro e a manutenção dessa estrutura na vida extrauterina, há fa- vorecimento de hemorragia local, com aumento da pressão intracraniana e lesão encefálica por processo isquêmico e/ou hemorrágico. As sequelas dessa lesão dependerão da área de acometimento e da persistência da hipertensão intracraniana (HIC) (Fig. 53.3). Dessa maneira, nos primeiros dias após uma lesão extensa, o prematuro apresentará redução do tô- nus muscular, hopotonia, podendo estar associado ao rebai- xamento de nível de consciência (RNC). Entretanto, a lesão ocorreu em neurônio motor superior, e esperam-se sinais de espasticidade; essa mudança ocorrerá dias após o acometi- mento, quando o lactente iniciar a motricidade voluntária. A anóxia perinatal e neonatal são fatores importantes que influenciam o DNPSM, comumente observados em prematuros (Tabela 53.1). O tempo de trabalho de parto 53 • TR AT A M EN TO N O P A C IE N TE P ED IÁ TR IC O N EU RO LÓ G IC O H O SP IT A LI ZA D O 207 Fig. 52.3. esquema representativo da região acometida pela hemorragia peri-intraventricular. na hemorragia peri-intraventricular, a lesão inicia nos membros inferiores pela compressão das fibras no homúnculo de penfield. prolongado, parto prematuro, circular de cordão umbilical, descolamento prematuro da placenta (DPP), pré-eclâmpsia e eclâmpsia são situações que levam à redução e até inter- rupção da oxigenação no SNC do recém-nascido, podendo causar grande lesão. Nessa situação, o comprometimento do SNC dependerá do tempo e da extensão da lesão; entretanto, o atraso do DNPSM e as sequelas observadas dependerão de outros fatores, como recidiva ou agravamento da lesão durante o período neonatal, intervenção precoce e estímulos adequados. O sistema hepático imaturo no prematuro também contribui para lesões no SNC. O excesso de bilirrubina e o tropismo dessa substância pelas células encefálicas causam destruição, principalmente nos gânglios da base, e podem ocasionar o Kernicterus, ou encefalopatia bilirrubínica (Ta- bela 53.1). Essa lesão caracteriza-se pela presença de movi- mentos involuntários (atetose, coreia) e posturas anormais (distonia). As movimentações voluntárias transformam-se em movimentos de amplitude inadequada, com pouca efe- tividade comprometendo o desenvolvimento. A alteração de fala e deglutição nesse tipo de paciente favorece a bron- coaspiração, e frequentemente infecções pulmonares são observadas nesses casos. A paralisia cerebral (PC) indica alteração no desenvolvi- mento que afeta o cérebro do neonato ou lactente. A área de lesão pode limitar-se ao córtex motor ou sensitivo, ao cerebe- lo ou aos gânglios da base, mas pode também ser uma lesão mais extensa, comprometendo inúmeras partes do cérebro. As doenças descritas até aqui podem levar à lesão irreversível do cérebro, ou seja, à PC. Os acidentes vasculares encefálicos (AVEs) podem com- prometer, além do DNPSM, o comando respiratório, en- tretanto, apenas o comando voluntário da respiração (trato corticoespinal). Há comprometimento de apenas uma he- micúpula do diafragma, pois cada hemidiafragma é repre- sentado separadamente no lado contralateral do córtex. As respirações automáticas serão mantidas normalmente, pois o comando vem do centro respiratório, do trato bulboespinal (Fig. 53.4). A pressão inspiratória máxima (PImáx) nesses pacientes pode estar em torno de 40% a 60% menores que em indivíduos sadios, gerando padrão restritivo. A redu- ção do VC e da capacidade pulmonar total (CPT) pode ser observada; o estímulo dos receptores pulmonares auxilia na manutenção da ventilação alveolar, com aumento da frequên cia respiratória, entretanto reduzindo o limiar de fadiga. O atraso no DNPSM ocorre pelo comprometimento motor e também pela condição cardiopulmonar que limita as atividades motoras e funcionais. A redução gradativa da força muscular na doença neuro- muscular afeta o sistema respiratório reduzindo a ventilação, entretanto essa redução parece imperceptível até o apareci- mento de infecção pulmonar por broncoaspiração ou cor pul- monale por hipoxemia crônica. Esse retardo no diagnóstico pode ser explicado, pois a diminuição dos movimentos, pela redução global da forma muscular, contribui para a não ne- cessidade de utilização da totalidade de sua capacidade vital; entretanto diante de doenças do parênquima pulmonar, essa capacidade passa ser exigida, ocasião em que se nota o com- prometimento. Essa redução será mais precoce, dependendo do tipo de amiotrofia em questão. O padrão pulmonar ado- tado será restritivo, com redução do VC, da CPT e da CRF (capacidade residual funcional). O aumento da frequência respiratória pode manter valores normais de gases arteriais, entretanto, com a redução de 25% da força muscular, é pos- sível observar hipercapnia. A redução do volume alveolar, a hipoventilação, será observada inicialmente no período noturno, quando haverá maior relaxamento dos músculos respiratórios. A redução em 50% do VC e da força dos mús- culos inspiratórios causará hipoventilação ao menor esforço. Fig. 53.4. Centro respiratório. identificação do bulbo, inervação dos músculos respiratórios e centro carotídeo. Representação no homúnculo de Penfield Ventrículo lateral dilatado Cérebro Bulbo Corpo carotídeo Músculos intercostais Costelas Diafragma Pulmão User Highlight Sr. autor: favor rever trecho; ficou “solto”.null t Ra ta d o d e Fi si o te Ra pi a H o sp it a La R – a ss is tê n Ci a in te G Ra L a o p a Ci en te 208 As alterações pulmonares funcionais serão observadas nesses pacientes por quadro de insônia diurna, dores de cabeça ou redução da produtividade intelectual; a oximetria de pulso poderá identificar precocemente essas alterações. A pressão inspiratória máxima (PImáx) pior que -35 cmH2O é fator de alteração diurna causada pelo distúrbio do sono. As alterações na força dos músculos expiratórios contribuem para a redução da efetividade da tosse e facilitam a infecção pulmonar por reduzir um importante reflexo de defesa do pulmão. O retrocesso no DNPM será observado nesse grupo de paciente quão mais avançada estiver a doença. Em alguns casos, limitar a deambulação ou até mesmo evitá-la reduz o consumo de energia e poupa os músculos respiratórios,pre- venindo a fadiga. O sistema respiratório também está sujeito à fadiga muscular perante a mínima alteração, pela redução do número de fibras do tipo I no diafragma, e os músculos acessórios da respiração não estarão hábeis para manter esforço em demasia, dessa forma a insuficiência respiratória está instalada. OutROs fatORes que INfLueNCIaM O DeseNvOLvIMeNtO As lesões do SNC e SNP comprometem o DNPSM, independentemente da origem da lesão. Entretanto, outros fatores além da lesão per se, podem também comprometer o DNPSM. As doenças da prematuridade, doenças respira- tórias e desnutrição são fatores que devem ser lembrados e investigados. Não é raro encontrarmos na UTI neonatal recém-nas- cido prematuro com comprometimento de vários sistemas concomitantemente. A prematuridade dos órgãos favorece a lesão, que pode perdurar por toda a vida. A evolução do tratamento dirigido ao neonato faz com que, atualmente, recém-nascidos cada vez mais prematuros sobrevivam. O advento do surfactante natural, a utilização dos glu- cocorticoides antenatal e a modernização da ventilação mecânica proporcionaram redução da mortalidade neo- natal e aumento em grande proporção da morbidade nos recém-nascidos. As doenças do SNC no período neonatal limitam o DNPSM e podem cursar com comprometimen- to respiratório, e este, por sua vez, limitar ainda mais o desenvolvimento. As doenças do sistema respiratório no prematuro são cada vez mais frequentes e graves, em virtude da imaturidade do sistema pulmonar (síndrome do desconforto respiratório – SDR); consequentemente, as lesões causadas em pulmões tão prematuros perduram pelos primeiros anos de vida (displasia broncopulmonar – DBP). A DBP causa lesões im- portantes no parênquima pulmonar, comprometendo muito a troca gasosa; o resultado é um lactente com hipoxemia e hipercapnia crônica. A destruição de algumas unidades alveolares e a inflamação crônica nessa região definem o padrão pulmonar hiperinsuflado. Este, por sua vez, altera a mecânica respiratória por manter a caixa torácica elevada, com retração escapular, retificação e até inversão da cúpula diafragmática que reduz a efetividade da contração. Desta forma, a utilização de músculos acessórios da respiração passa ser o motor primário, gerando constante desconforto respiratório a esse lactente. O gasto energético para manter a respiração basal nos lactentes com DBP pode exceder em 50% o de crianças sem comprometimento pulmonar; dessa forma, há dificuldade em ganho de peso. Perante todas essas alterações e com tamanho gasto energético apenas para realizar a respiração espontânea, o atraso do DNPSM ocorre não devido à lesão do SNC, mas sim à impossibilidade de essas crianças explo- rarem o meio e serem estimuladas. O excesso de oxigênio (O2) em prematuros durante o período neonatal pode acarretar lesões na retina, além das lesões pulmonares. A retinopatia da prematuridade é resul- tado da vasoconstrição na retina decorrente da elevada PaO2. Dessa forma, pode ocorrer a redução da acuidade visual ou até mesmo a cegueira completa, em casos extremos. A alte- ração visual limita o DNPSM e outros estímulos devem ser utilizados, como tátil, auditivo, para que não ocorra o atraso no desenvolvimento. A desnutrição é a combinação de alguns fatores como a falta da ingestão adequada de proteínas, carboidratos e micronutrientes. Como resultado dessa má ingestão, várias complicações podem ocorrer, como infecções de repetição e mau desenvolvimento motor e cognitivo. Estruturalmente, a desnutrição causa dano encefálico, retardo do crescimen- to, redução das sinapses e neurotransmissores, retardo na mielinização, consequentemente, alterações cognitivas em longo prazo. A falta de proteínas e micronutrientes dificulta o desenvolvimento do sistema musculoesquelético, reduz o trofismo muscular e a capacidade da criança em explorar o meio e se desenvolver. A alteração do sistema imunológico também favorece infecções de repetição, principalmente as pulmonares, por ser o órgão com maior contato com o meio externo. Assim, as internações passam ser frequentes e pre- judicar ainda mais o DNPSM. abORDaGeM Das COMPLICações ResPIRatÓRIas As internações hospitalares dos pacientes com neuro- patias geralmente ocorrem por complicações respiratórias. A broncoaspiração devida à incoordenação da deglutição e à hipertonia que aumenta a pressão abdominal são fatores causais. A diminuição da imunidade, devida à desnutrição, também é um fator que contribui para as doenças respira- tórias. Nesses pacientes, a remoção da secreção pulmonar é indispensável para a manutenção da troca gasosa e redução do desconforto respiratório. Durante o estímulo do desenvolvimento neuropsico- motor (DNPM), a mobilização do paciente é indispensável. A cada troca postural há aumento da ventilação pulmonar, contribuindo para a mobilização da secreção. Quanto maior o VC e o fluxo pulmonar, maior a depuração da secreção; dessa forma, não é necessário fragmentar a terapia em fisio- terapia respiratória e fisioterapia motora. A atuação global traz benefícios respiratórios e ao desenvolvimento motor. Algumas técnicas respiratórias podem ser utilizadas conjuntamente com a terapia motora para incrementar a User Highlight pressão parcial de oxigênio?null 53 • TR AT A M EN TO N O P A C IE N TE P ED IÁ TR IC O N EU RO LÓ G IC O H O SP IT A LI ZA D O 209 eliminação da secreção. Quando o paciente está em sedesta- ção ou bipedestação, a compressão torácica e/ou abdominal aumenta o fluxo expiratório e auxilia a tosse. A drenagem postural também auxilia no deslocamento da secreção, e pode ser realizada durante o estímulo do DNPSM. Frequentemente, esses pacientes apresentam déficit cognitivo não respondendo à solicitação de tosse, então o estímulo de fúrcula para induzir o reflexo torna-se neces- sário. Entretanto, o reflexo de tosse pode existir, mas ser ineficaz; nesses casos, a aspiração nasal e/ou nasotraqueal deve ser realizada para remover a secreção previamente mobilizada. OxIGeNOteRaPIa Consiste na administração de O2 numa concentração de pressão superior à encontrada na atmosfera ambiental para corrigir e atenuar deficiência de O2. Deve ser indicada quando a saturação arterial de oxigênio (SaO2) estiver menor que 90%. A maior parte dos pacientes hospitalizados tem como diagnóstico a doença pulmonar, portanto é frequente a ne- cessidade de suplementação de O2 para esses pacientes. O paciente com hipoxemia apresenta taquipneia, desconforto respiratório (retração intercostal, batimento de asa do nariz), cianose progressiva; taquicardia (inicialmente), bradicardia, hipotensão, parada cardíaca, agitação, prostração, convulsão e coma, palidez. Diversas formas de administração da oxige- noterapia podem ser realizadas: cateter nasal de oxigênio – concentrações baixas de O2 até 3 l/min. É de fácil aplicação, mas nem sempre bem tolerado, pois pode provocar irritação na muco- sa nasal. Apresenta como vantagens ser econômico e utilizar dispositivos simples de fácil aplicação; e como desvantagem o fato de não permitir nebulização e de a respiração bucal diminuir a fração inspirada de O2 (Fig. 53.5a); máscara de Venturi – método seguro e exato para li- berar a concentração necessária de O2. Pode variar de 24% a 60%. Para a exata fração de O2 inspirado, deve- -se utilizar o número de litros por minuto estipulado pelo fabricante (Fig. 53.5b); tenda – dispositivo de acrílico que recobre a cabeça e o tronco superior do paciente e alcança fração ins- pirada de oxigênio (FiO2) mais elevada (Fig. 53.5c). Deve-se usar gás aquecido e umidificado. Apresenta como desvantagem o ruído em seu interior e a difi- culdade com a alimentação e com a aspiração de vias aéreas. Geralmente é administrada associada com ar comprimido, com o objetivo de aumentar o fluxo e com isso diminuir o risco de retenção de dióxido de carbono (CO2). Para calcular a FiO2 ofertada ao paciente quando administrado O2 e ar comprimido, deve ser feita a seguinte conta: Fio2 = o2 x 1 + ar comprimido x 0,21 o2 + ar comprimido Fig. 53.5. diversas formas de realizar oxigenoterapia. a: Catéter de oxigênio; B: Máscara Venturi. C: tenda de oxigênio. a B C Os efeitos colaterais do uso de O2 observados com con- centrações acima de 50% são retinopatia da prematuridade, doença pulmonar crônica e DBP em prematuros, atelectasia por altas concentrações de O2 e lesão epitelial pulmonar de- vida ao estresse oxidativo, depressão da atividade mucociliar, portanto o O2 deve ser utilizado com indicações precisas. A saturação de O2 abaixo de 85% pode resultar em aumento da resistência pulmonar, limitação do crescimento somático e morte súbita em crianças com doença pulmonar crônica. Recomenda-se a oxigenoterapia após avaliação rigoro- sa quanto à real necessidade de sua utilização e, durante seu uso, monitoração contínua de todos os parâmetros do paciente como saturação periférica de oxigênio (SpO2), frequência respiratória e cardíaca, bem como os sinais de desconforto respiratório. Nos casos de hipoxemia importante acompanhada de grande desconforto respiratório, ou seja, na vigência da insuficiência respiratória, pode ser utilizada a ventilação me- cânica não invasiva para reverter o processo. Em pacientes com doença neuromuscular é aconselhável que utilize modo “a volume” para garantir boa ventilação alveolar. Nos demais pacientes, a utilização de modo “a pressão” garante boa oxi- genação e reduz o desconforto respiratório. Dois níveis pres- sóricos, pressão de suporte e PEEP, são os mais utilizados, entretanto em neonatos a melhor opção ainda é a utilização de pressão positiva contínua em vias aéreas (CPAP). A ventilação pulmonar mecânica será indicada caso o paciente não tenha melhora do desconforto respiratório, da hipoxemia e/ou hipercapnia. A equipe multidisciplinar deci- dirá a respeito da intubação orotraqueal. DReNaGeM POstuRaL A drenagem postural é um recurso terapêutico simples e amplamente empregado na fisioterapia respiratória, baseada em um princípio físico: a ação da gravidade. A partir das ramificações pulmonares, a secreção segue das vias aéreas distais para os brônquios principais e a traqueia e, finalmen- te, para fora do sistema respiratório. Tem como finalidade deslocar o excesso de secreção broncopulmonar em direção aos hilos pulmonares. Em geral é usada associada a técnicas de higiene brônquica, mas a associação com a manipulação durante o estímulo do DNPSM também é eficaz. As posi- ções de drenagem postural e o grau de inclinação variam de acordo com a posição da área pulmonar a ser drenada, os segmentos brônquicos e a traqueia. Em crianças deve ser evitada a posição de Trendlemburg, com pés abaixo da cabeça, pois pode aumentar a pressão t Ra ta d o d e Fi si o te Ra pi a H o sp it a La R – a ss is tê n Ci a in te G Ra L a o p a Ci en te 210 intracraniana e o risco de hemorragia peri-intraventricular. Essa posição também deve ser evitada em lactentes e crian- ças com distensão abdominal e em crianças com história pregressa de RGE. As principais complicações que podem ocorrer durante a terapia são hipoxemia, aumento da pressão intracraniana, hipo- tensão aguda, hemorragia pulmonar, vômitos, aspiração e arrit- mias. Todas estas podem ser facilmente identificadas pela ava- liação clínica do paciente e monitoração durante toda a terapia. CuIDaDOs COM a tRaqueOstOMIa e GastROstOMIa O cuidado com a traqueostomia envolve habilidade de observações e detecção precoce de complicações. A traque- ostomia é utilizada com frequência em crianças neuropatas e pode ser indicada por obstrução alta de vias aéreas, ventila- ção mecânica prolongada e para facilitar a higiene brônquica. A gastrostomia é a criação de um orifício artificial ex- terno no estômago para alimentação e suporte nutricional, quando há impossibilidade ou perigo de usar a via oral. Crianças com neuropatias podem ser incapazes de sugar, mastigar e engolir, levando consequentemente à subnutrição e à broncoaspiração, desencadeando pneumonias de repeti- ção. A sonda é presa à parede do abdome, mas, para mani- pular o paciente, deve-se ter cuidado para não tracioná-la, causando lesão na incisão. Pacientes traqueostomizados têm aumento na produção de secreção brônquica reflexa à perda de umidificação das vias aéreas, e necessitam de assistência da fisioterapia e da enfermagem. É necessário aspirar com frequência esses pa- cientes para que possam respirar confortavelmente. Muitas vezes é necessário repetir esse procedimento com frequência, o que pode causar sangramento na traqueia. A melhora da umidificação das vias aéreas pode ser conseguida pela hidratação adequada do paciente e também pela realização de inalação ou nebulização ultrassônica com solução fisiológica, evitando que o ar seco cause irritação das vias aéreas, além de promover fluidificação das secreções. abORDaGeM Das DIsfuNções MOtORas O DNPSM é dependente da maturação do SNC, do ambiente, da biomecânica, do comportamento e da função cognitiva. Cada um desses fatores tem importância crítica para que a criança possa de se desenvolver de forma plena. Dentre eles, três podem ser manipulados com finalidade terapêutica: ambiente, biomecânica e a função cognitiva. O ambiente deve ser estruturado de forma que estimule e possibilite a interação da criança com o meio em que está inserida. Quanto mais enriquecido for o ambiente, maiores serão as chances de ampliar seu repertório motor, e conse- quentemente, maiores serão suas experiências sensoriais e cognitivas. Entretanto, o termo “estimulante” não é sinônimo de muitos estímulos. O ambiente deve ser organizado de acordo com as necessidades de cada criança. Por exemplo, caso a criança apresente déficit de concentração, um ambien- te estimulante é aquele que contém estímulos suficientes para promover sua interação sem dispersá-la. A biomecânica das atividades deve ser analisada com bas- tante critério para que o terapeuta possa facilitar o processo de aquisições motoras. Para ilustrar a importância desse tópico, vamos considerar a aquisição do controle cervical. Diferen- temente do que se acreditava, o decúbito ventral não facilita a aquisição do controle cervical, pois a ação do vetor da força da gravidade incide na região occipital forçando a cabeça para baixo e estimulando principalmente os músculos extensores que, no caso das crianças com comprometimento neurológico, muitas vezes apresentam-se hiperativos. A criança necessita adquirir controle adequado sobre os diversos grupos muscu- lares que atuam nos movimentos da cabeça (flexão, extensão, inclinação e rotação). Para tanto, a postura que mais favorece a aquisição do controle cervical é a postura vertical (colo do cuidador, posturas sentada e bípede), pois o vetor da força da gravidade incide sobre o eixo longitudinal facilitando as aquisições motoras desse segmento. Em se tratando de uma criança com tetraparesia que apresenta déficit no controle cervical e permanece a maior parte do tempo sentada na ca- deira de rodas adaptada, a postura bípede, com os dispositivos adequados (por exemplo: tala extensora e órtese rígida para tornozelo e pé [ORTP]), parece ser mais efetiva para estimular o controle cervical, pois é uma postura com a qual a criança não está acostumada e, portanto, mais estimulante (Fig. 53.6). A estimulação cognitiva deve estar presente em qualquer terapia.Há a necessidade de inserir a criança em atividades objetivas e contextualizadas para que consiga realizar asso- ciações e assim possa realizar tentativas mesmo na ausência do fisioterapeuta. O terapeuta deve adequar as atividades e brincadeiras de acordo com a faixa etária e a função cogniti- va de cada paciente. A aquisição da motricidade depende das experiências que a criança tem durante o seu desenvolvimento, enquanto o aprimoramento das habilidades motoras depende da repe- tição da tarefa. Os conceitos de que a criança se desenvolve no sentido craniocaudal e próximo-distal, assim como o de que o desen- volvimento ocorre em uma sequência invariável, devem ser analisados de forma bastante criteriosa, principalmente, em relação à reabilitação neurológica. Fig. 53.6. paralisia cerebal do tipo tetraparesia espástica em ortostatis- mo, com auxílio de tala extensora e órtese rígida para tornozelo e pé. 53 • TR AT A M EN TO N O P A C IE N TE P ED IÁ TR IC O N EU RO LÓ G IC O H O SP IT A LI ZA D O 211 O desenvolvimento motor ocorre simultaneamente em todos os segmentos corporais. Todavia, o grau de complexi- dade das atividades motoras define que as menos complexas se estabelecerão mais rapidamente do que as mais complexas, pois estas necessitarão de mais treino até que sua função plena seja alcançada. Sendo assim, a capacidade em contro- lar um único segmento, como a coluna cervical, ocorrerá primeiro que o sentar sem apoio, que envolve também a habilidade em controlar o tronco. O mesmo raciocínio deve ser utilizado ao se analisar, por exemplo, o desenvolvimento da motricidade do membro superior. As extremidades, proximal e distal entram em ação sempre que a criança interage com o meio. Durante a mani- pulação de objetos há a necessidade de contrair a musculatura proximal para realizar o alcance, e a distal para a apreensão, no entanto, é mais fácil controlar os movimentos grosseiros das articulações proximais do que adquirir a destreza nos seg- mentos distais. Além disso, a função do membro superior está intimamente relacionada à maturação da função cognitiva. Na população em geral, os marcos do desenvolvimento ocorrem dentro em uma sequência que parece ser invariável, mas na verdade está relacionada ao grau de complexidade. Dentre as formas de deslocamento, o rolar apresenta grau de complexidade menor que posturas mais altas, e por isso se instala primeiro, permitindo uma maior interação com o ambiente. O sentar sem apoio, o engatinhar, a postura bípede e a marcha apresentam, nesta ordem, graus de com- plexidades crescentes. Apesar das posturas mais altas serem mais complexas, apresentam vantagens funcionais mais atraentes para a criança. Por isso, assim que preenchidos os pré-requisitos básicos para instalação de cada habilidade, a criança avançará para as posturas mais elaboradas. Apesar da aparente necessidade de passar por todas as posturas, devemos lembrar que não há semelhança biomecânica entre elas e, portanto, a criança não deve necessariamente engati- nhar para conseguir deambular. No contexto da reabilitação neurológica, mesmo a criança com déficit motor severo, sem controle cervical e que não tem prognóstico de marcha deve ser submetida ao ortostatismo precocemente para que tenha a vivência e receba os benefícios fisiológicos dessa postura. A seguir serão abordados os objetivos de tratamento para a criança com déficit neurológico. Apesar de serem separa- dos em tópicos, é importante ressaltar que essa divisão é me- ramente didática, e que todos devem ser abordados simulta- neamente. Como exemplo, vamos considerar uma criança, com dois anos de idade, que apresenta quadro de tetraperesia espástica e está no leito da enfermaria para tratamento de um quadro de pneumonia. As infecções pulmonares são bastante frequentes nesses casos, tendo como causas principais a falta de movimentação, e consequentemente a diminuição das capacidades pulmonares, o quadro de disfagia e o próprio agente infeccioso. Como o déficit motor é grave, as posturas de decúbito dorsal e sentada em cadeira de rodas prevalecem e favorecem o comprometimento da função respiratória. Na postura sentada, a cifose torácica é aumentada, ocasionan- do uma restrição à expansibilidade pulmonar. O decúbito dorsal geralmente está associado à hiperextensão cervical, o que favorece a broncoaspiração. Já a falta de mobilidade da criança faz com que a caixa torácica diminua sua complacên- cia e se torne cada vez mais rígida com o avançar da idade. Torna-se evidente que, além de tratar da infecção pulmonar, essa criança necessita de outras abordagens como estimular o controle cervical, treinar o rolar, promover a formação do esquema corporal, prevenir deformidades e a perda da densidade mineral óssea, orientar os cuidadores e adaptar o domicílio. Ao colocar essa criança na postura bípede na presença dos cuidadores, todos os objetivos – exceto o rolar, que depende de treino específico – são contemplados. Nesse caso, se não for realizada uma abordagem sistêmica visando não somente ao período de internação, mas também após a alta hospitalar, aos riscos de reinternação tornam-se maiores. Além da abordagem específica do fisioterapeuta, ainda há a necessidade de encaminhar essa criança para que seja avalia- da e receba os cuidados do fonoaudiólogo e do nutricionista, com intuito de prevenir novas infecções; do terapeuta ocupa- cional, para auxiliar nas adaptações e estimulação da criança; e do assistente social, caso haja a dificuldade financeira em adquirir os dispositivos ortopédicos. Os profissionais da en- fermagem devem ser instruídos para manipulá-la de forma que otimizem o DNPSM, e a posicionem para favorecer a drenagem postural. tReINO fuNCIONaL A aprendizagem motora é descrita como uma série de processos associados à prática ou à experiência, que levam às mudanças relativamente permanentes na síntese de novas proteínas, e no crescimento de novas conexões sinápticas, aprimorando a habilidade. Tanto o sistema sensorial quanto o perceptivo fornecem informações sobre a interação entre os segmentos corporais, sua posição no espaço, e as caracte- rísticas do ambiente, críticas para a regulação do movimento. Os processos cognitivos que compreendem a atenção, a intenção, a motivação, o raciocínio e a memória são também essenciais para o controle motor. O desenvolvimento global é dependente dessa função. Ao inserimos a criança em um contexto lúdico prazeroso, tanto a motivação quanto a aten- ção estarão presentes na realização das atividades. Sendo as- sim, é mais provável que a aprendizagem ocorra em tarefas e ambientes relevantes e significativos para o paciente, uma vez que o encéfalo percebe e integra os aspectos mais relevantes. A relação entre a motricidade voluntária e a função cognitiva confere ao ser humano a capacidade de ser fun- cional. Existe um grupo muito característico de crianças que apresentam motricidade normal, no entanto, em razão de seu severo déficit cognitivo, não são funcionais. São aquelas crianças que se movimentam bastante, mas sem um objetivo definido. Incapazes de estabelecer associações entre a mo- tricidade e os estímulos sensitivos oferecidos pelo meio am- biente, tornam-se totalmente dependentes e, muitas vezes, não realizam ao menos as trocas posturais mais básicas como o rolar e sentar sem apoio. A abordagem terapêutica nessa condição é bastante específica. Uma vez constatado que o principal fator limitante do desenvolvimento é a função cog- nitiva, essas crianças devem ser forçadas a adotar as posturas t Ra ta d o d e Fi si o te Ra pi a H o sp it a La R – a ss is tê n Ci a in te G Ra L a op a Ci en te 212 com o mínimo de apoio possível. Sempre que o terapeuta fornecer apoio amplo, a tendência é que a criança literal- mente se jogue, pois, além de ter um maior gasto energético, não há ainda um significado ou um fator motivacional para a permanência na postura. Para ilustrar a explicação anterior vamos observar uma criança com essas características. Ao tentar colocá-la na postura bípede realizando o apoio na região superior do tronco, a criança flexiona ambos os membros inferiores im- possibilitando a tarefa (Fig. 53.7). Mesmo com uso de talas extensoras, enquanto o terapeuta mantém o apoio manual na região abdominal, a criança se solta e mantém o tronco des- locado anteriormente (Fig. 53.8). No instante em as mãos do terapeuta são deslocadas para o segmento da coxa, a criança não tem mais onde se apoiar e ativa instintivamente a mus- culatura extensora do quadril e tronco (Fig. 53.9). As atividades lúdicas, embora com os mesmos objetivos, devem ser realizadas de formas variáveis, considerando que a aprendizagem não se deve apenas à extensão da prática, mas também à sua variabilidade. Quando um indivíduo aprende uma nova capacidade motora, há uma tendência em ativar vários músculos simul- taneamente, e somente com a prática essas contrações são eliminadas e apenas os músculos necessários se contraem. Fig. 53.9. Criança com déficit cognitivo sendo colocada em ortostático com tala extensora e apoio na coxa. Fig. 53.7. Criança com déficit cognitivo sendo colocada em ortostático. Fig. 53.8. Criança com déficit cognitivo sendo colocada em ortostático com tala extensora e apoio na região abdominal. O treino de tarefas específicas e a repetição podem ser alcançados e potencializados de diversas formas. A seguir serão apresentadas duas intervenções largamente descritas na literatura e que podem, se bem indicadas, influenciar de forma positiva o processo de recuperação funcional. A primeira, estimulação elétrica (EE), baseia-se no treino es- pecífico direcionado, enquanto a segunda, terapia induzida por contenção do movimento (TICM), está relacionada à repetição por período prolongado. estimulação elétrica funcional Na última década, a EE ganhou destaque em virtude dos estudos em indivíduos adultos com condições neurológicas como AVE, lesões medulares ou traumatismos cranioence- fálicos. Atualmente, seu uso na população neuropediátrica cresce de maneira consideravel, no entanto, ainda deve ser alvo de futuros estudos. Apesar dos muitos questionamentos ainda não respondi- dos, os resultados das pesquisas científicas são promissores e, portanto, fazem da estimulação elétrica funcional (EEF) uma importante ferramenta no tratamento das disfunções neurológicas. Como a EEF é especificamente utilizada para estimula- ção do nervo periférico, não tem efeito nas condições em que há denervação total. Nas lesões nervosas periféricas parciais, tem como objetivo auxiliar a criança a recrutar as unidades motoras intactas. Nas lesões medulares agudas incompletas pode auxiliar na lentificação da atrofia, até que se tenha o retorno da contração voluntária. Nas lesões suprassegmentares, a EEF pode ser utilizada de diferentes formas. Quando a criança não consegue ativar determinado grupo muscular (plegia ou falta de aprendizado motor), a EE é utilizada inicialmente para realizar a contra- ção, sem a participação da criança. Mesmo nessas condições, após as primeiras contrações, a criança é estimulada a tentar contrair voluntariamente durante a passagem da corrente. Os objetivos terapêuticos nessa condição são prevenção de atrofia, manutenção da ADM, diminuição da espasticidade dos músculos antagonistas, estimulação da formação do esquema corporal e aprendizagem motora. 53 • TR AT A M EN TO N O P A C IE N TE P ED IÁ TR IC O N EU RO LÓ G IC O H O SP IT A LI ZA D O 213 Já nas condições em que há paresia seletiva, a corrente elétrica é utilizada para auxiliar e direcionar o movimento voluntário. Espera-se que o seu emprego em associação com as AVDs possa intensificar o aprendizado motor por meio da retenção do conhecimento adquirido com a tarefa funcional. Obviamente, as sugestões aqui citadas não fazem parte de protocolos, e a indicação da EE deve estar respaldada na avaliação individual. Nos casos em que a criança tem medo da corrente, deve- -se iniciar com intensidades baixas e aumentá-las de acordo com as possibilidades. Quanto maior o grau de função cognitiva, mais funcional se torna a EE, no entanto, mesmo em crianças de tenra idade, ou naquelas com déficit cognitivo importante, o uso da EE pode trazer benefícios. Os eletrodos devem ser posicionados, de preferência, com o eletrodo ativo sobre o ponto motor do músculo e o eletrodo inativo posicionado distalmente ao ventre muscular. Na literatura científica, não há consenso em relação aos parâmetros a serem utilizados. Sendo assim, devemos nos reportar à neurofisiologia e aos objetivos de tratamento para ajustar o eletroestimulador da forma mais adequada. Considerando a neurofisiologia do ato motor, a força muscular é definida pelas estruturas suprassegmentares, mais especificamente o córtex motor, dependendo da tarefa e do contexto em que o indivíduo está inserido. O estímulo parte do córtex e vai à medula para ativar as unidades mo- toras, que são compostas por um motoneurônio α e as fibras musculares inervadas por ele. Existem basicamente dois tipos de unidades motoras: tônicas e fásicas. Nas unidades motoras tônicas (UMts), o motoneurônio α tônico apresenta baixo limiar de disparo, e as fibras musculares são do tipo I, altamente vascularizadas (vermelhas), e utilizam o processo de oxidação para gerar energia, o que as torna resistentes à fadiga. Nas unidades motoras fásicas (UMfs), o motoneu- rônio α fásico apresenta alto limiar de disparo e as fibras musculares são do tipo II, pouco vascularizadas (brancas), e utilizam a glicólise para produzir energia, possibilitando a contração potente, no entanto, por pouco tempo (fadigáveis). Antes mesmo de ocorrer a contração muscular, o en- céfalo integra todas as informações relevantes do ambiente e da tarefa a ser realizada para definir as características do impulso descendente em relação à intensidade e frequência. Existem dois mecanismos de ativação da unidade motora para aumento da força muscular. O primeiro, denominado “sequência ordenada de ativação”, está relacionado com a intensidade do estímulo emitido pelo córtex motor. Como a UMt tem baixo limiar de disparo, estímulos de baixa inten- sidade são capazes de estimulá-la, portanto, ela é a primeira a ser ativada. A UMf tem alto limiar de disparo, e, para que seja ativada, a intensidade do estímulo descendente deve ser maior, o que faz com que seja ativada posteriormente. Esse mecanismo é uma forma inteligente de o nosso SNC retardar os efeitos da fadiga. O segundo mecanismo, denominado “aumento da fre- quência de disparo”, como o próprio nome sugere, está rela- cionado com a frequência com que o impulso para do córtex motor. As UMts são ativadas por volta de 20Hz e as fásicas por volta dos 50Hz, portanto, estímulos com frequências bai- xas ativam as UMts, e estímulos com frequências mais altas ativam também as fásicas. Considerando que os músculos são mistos, sugere-se que o aparelho seja ajustado com frequência por volta de 60Hz para ativação de ambas as fibras, e que a intensidade seja ajustada de acordo com o objetivo da estimulação. Por exemplo, intensidades mais altas promovem a contração muscular, e intensidades mais baixas promovem apenas o estímulo sensitivo. Outro parâmetro importante é a largura de pulso, repre- sentada pela letra “T”; ele deve ser ajustado com o dobroda frequência para que a corrente se torne mais confortável. Em relação às rampas de subida e descida, o terapeuta deve ajustá-las respeitando a tolerância da criança e o mús- culo estimulado. Por exemplo, nos casos de estimulação do músculo antagonista ao espástico, a rampa de subida deve ser mais longa, para evitar a estimulação da espasticidade que é velocidade-dependente. Logicamente, para os músculos mais espásticos a rampa de subida deve ser mais duradoura. Já o ajuste dos tempos de contração e de repouso não tem regras e deve respeitar a tarefa executada. Não é o paciente que deve se adaptar aos parâmetros do aparelho, e sim o contrário. Existem eletroestimuladores com disparadores manuais em que o terapeuta pode ativar a corrente elétrica no momento adequado para auxiliar o paciente (Figs. 53.10 e 53.11). Fig. 53.10. aparelho de eletroestimulação com disparadores manuais. Fig. 53.11. Criança recebendo a estimulação elétrica funcional. User Highlight Sr. autor: favor rever trecho.null t Ra ta d o d e Fi si o te Ra pi a H o sp it a La R – a ss is tê n Ci a in te G Ra L a o p a Ci en te 214 terapia induzida por contenção do movimento A TICM baseia-se na restrição do membro superior não afetado para encorajar o uso frequente do membro superior parético durante as AVDs. Os resultados também promis- sores de sua aplicação na população adulta encorajaram sua prática na população pediátrica. A recuperação da função motora do membro superior de crianças portadoras de assimetria funcional ainda é um desa- fio. Pelo fato de a lesão encefálica ocorrer no período da ma- turação, essas crianças, durante todo o seu desenvolvimento, vivenciam dificuldades e insucessos ao tentar utilizar o mem- bro superior acometido e, portanto, desenvolvem estratégias para não utilizá-lo. Esse fenômeno foi descrito em 1980 por Edward Taub e ficou conhecido como learned nonused, que, na tradução literal, corresponde ao “aprendizado do desuso”. Sendo assim, há uma falha na estruturação do esquema cor- poral da criança e o seu repertório motor é desenvolvido de forma a contemplar as AVDs sem ter de utilizar o segmento que apresenta maior déficit motor. Com o objetivo de otimizar o processo de recuperação nas assimetrias funcionais dos membros superiores foi de- senvolvida a TICM, que recentemente vem sendo estudada na população pediátrica. Entre todos os estudos disponíveis até o momento, há um consenso sobre os benefícios que a TICM promove na recuperação funcional do membro superior parético. Entre eles encontramos a melhora na qualidade e quantidade do uso espontâneo do membro afetado, melhora na preensão e liberação de objetos, ganho de habilidades motoras finas e grossas, e aumento da interação entre as duas extremidades superiores. Acredita-se que esses benefícios estejam relacio- nados à reorganização encefálica, pelo recrutamento de no- vas vias descendentes para incremento da destreza muscular. Alguns pacientes podem apresentar problemas quanto à aderência ao tratamento. Não se trata de uma regra, mas existem casos em que as crianças ainda não têm cognição suficiente para entender a necessidade da contenção, e ao se deparem com as dificuldades em utilizar o segmento parético rejeitam a restrição. Por sua vez, muitas vezes o sentimento de pena, ao observar as dificuldades do filho, se sobrepõe à compreensão da intervenção, e os pais se tornam resistentes ao tratamento. No entanto, a conscientização dos cuidadores pode facilitar a aceitação. Não há descrição de qualquer contraindicação relativa ou absoluta para o uso da TICM. A idade é um fator que pode influenciar o desempenho durante a execução das tarefas. Se, por um lado, crianças mais jovens podem ter dificuldade em manter a atenção durante as atividades propostas, por outro, não apresentam total maturação encefálica, o que teoricamente facilita a reorganização cortical. Os adolescentes demonstram maior concentração durante as atividades, motivados pela melhora da sua função motora e inclusão social. Portanto, a TICM não é idade–dependente, sendo benéfica em todas as fases do desenvolvimento. A TICM é utilizada, na maioria dos estudos, como for- ma de tratamento para crianças com diagnóstico de PC do tipo hemiparesia espástica. Entretanto, outras crianças com hemiparesia decorrente de malformações, AVE e trauma cra- nioencefálico também foram beneficiadas. Existem também relatos do uso dessa técnica para o tratamento de crianças com paralisia braquial obstétrica. Existem diferentes tipos de contenção que podem ser utilizados: tala (Fig. 53.12), órtese para punho e dedos com apoio palmar, tipoia, luva, luva com tala, órtese longa bivalva- da em fibra de vidro, contenção manual e gesso (Fig. 53.13). Com relação ao tempo diário de permanência com a contenção, existem estudos nos quais a contenção foi usada o máximo de tempo em que a criança permaneceu acordada. Outros determinaram as horas de uso da contenção durante as terapias, sem que os pacientes utilizassem o dispositivo em casa. Ainda não existe um protocolo específico que determine o período da intervenção. Há uma variação entre dez dias a dois meses, com resultados positivos tanto nas intervenções de curta quanto nas de longa duração. Acredita-se que intervenções por longos períodos sejam mais adequadas para indivíduos que estejam na fase crônica da lesão. Se considerarmos uma criança com cinco anos de idade, com diagnóstico de PC do tipo hemiparesia espástica por uma lesão perinatal, que durante o seu período de desen- volvimento e estruturação encefálica desenvolveu estratégias para não utilizar o segmento mais comprometido e, portanto, estruturou seu esquema corporal de forma assimétrica, é es- perado que seja necessário um período bastante prolongado para minimizar as consequências do “aprendizado do desuso”. Fig. 53.13. tiCM realizada com gesso. Fig. 53.12. tiCM realizada com tala extensora. User Highlight órtese para punho e mão com apoio palmar.null 53 • TR AT A M EN TO N O P A C IE N TE P ED IÁ TR IC O N EU RO LÓ G IC O H O SP IT A LI ZA D O 215 Embora a indicação precisa da TICM seja para crianças com paresia seletiva e, portanto, capazes de realizar ativida- des com o segmento mais comprometido, é imperativo que todas as AVDs sejam submetidas a uma criteriosa avaliação, com objetivo de analisarmos as reais dificuldades, e para que sejam realizadas as adaptações necessárias para facilitar o uso. A criança com dificuldade em segurar o talher durante a alimentação em razão do déficit de motricidade fina, possi- velmente se beneficiará com o aumento do diâmetro do cabo do talher e, consequentemente, será estimulada a utilizar esse segmento. Evidentemente, a TICM nunca deve ser utilizada de for- ma isolada. Um conjunto de intervenções, como adaptações nos ambientes, domiciliar e escolar, e orientações aos fami- liares quanto às estratégias para estimular o membro mais comprometido (tarefas específicas para treinamento das principais dificuldades), deve ser realizado para aperfeiçoar o processo de recuperação funcional do membro superior. tROCas POstuRaIs Durante a transição entre diferentes posturas, grandes grupos musculares se contraem, há adaptação do sistema cardiorrespiratório, o sistema vestibular é ativado, o esquema corporal desenvolvido. Quanto mais a criança se movimenta, melhor é o seu desenvolvimento global. O objetivo desta seção não é descrever todas as trocas posturais, mas sim alertar sobre a importância das transições entre posturas. Apesar de não existir um único padrão do rolar na popu- lação comum, podemos considerara importância de grupos musculares específicos que podem auxiliar no treinamento funcional. Para transitar de DD para DL, os principais gru- pos musculares envolvidos são os flexores e rotadores do tronco e da cervical, e os flexores da coxa e do braço. Para transitar de DV para DL, precisamos da ativação principal- mente dos extensores e rotadores do tronco e da cervical, e os extensores da coxa e braço. A principal função do rolar é permitir que a criança seja mais independente para explorar o meio. Além disso, à medida que a criança consegue rolar com frequência, os músculos envolvidos se tornam mais condicionados e fortes, permitindo a evolução para posturas mais complexas. A transição da postura de DD para sentada (plano sagi- tal) envolve intensamente os músculos flexores do tronco e cervical. Caso a criança não possua controle suficiente, pode ser utilizada uma cunha de espuma com inclinação específica para cada grau de dificuldade. Essa transição é extremamente necessária para que posturas mais altas sejam alcançadas. A postura sentada torna o campo visual mais amplo e aumenta as possibilidades de exploração por meio dos membros superiores. O controle de tronco frequentemente é alvo de intervenções terapêuticas, pois quanto mais rápido a criança adquire essa habilidade, melhor é o seu prognóstico de marcha. A biomecânica dessa postura vem sendo estuda há alguns anos e podemos utilizar esses conhecimentos para aprimorar as tomadas de decisão. Para se manter em sedestação, o indivíduo tem de ser capaz de controlar os desequilíbrios nos três planos (sagital, frontal e transversal). Como já citado, se o tronco está inclinado posteriormente, são recrutados os flexores do tronco para atingir a postura ereta, porém, a partir do momento que o tronco é inclinado anteriormente, entram em funcionamento os extensores da coluna e da coxa. Esse conhecimento básico pode impedir conclusões inadequadas. Vamos considerar o caso de uma criança com quadro de paraplegia baixa. Durante o exa- me funcional, ela é colocada em sedestação e avalia-se a capacidade de permanecer na postura. Frequentemente, o terapeuta promove alguns deslocamentos (ântero-posterior e látero-lateral) para verificar os ajustes posturais. Nesse caso específico, ao ser deslocada anteriormente, a criança é incapaz de se manter na postura, o que pode ser interpretado de forma equivocada como déficit no controle de tronco. Se considerarmos a topografia da lesão, os músculos do tronco estão preservados, no entanto, os extensores da coxa são in- capazes de impedir que o tronco se desloque anteriormente. Portanto, os extensores da coxa são fundamentais para o cor- reto posicionamento do tronco. É por esse motivo que, nos casos de mielomeningocele, níveis torácico e lombra-alto, nas distrofias musculares avançadas e lesão de cauda-equina, as cadeiras de rodas devem ser equipadas com cinto de segu- rança para evitar a queda anterior. Na postura bípede, essas crianças necessitam de órteses longas com cinto pélvico. A transição entre as posturas, sentada e bípede, é com- plexa e requer atenção durante o treinamento. Partindo da postura inicial, com o tronco em discreta inclinação anterior e com os joelhos e tornozelos em 90º, essa transição pode ser dividida em duas fases: pré-extensão e extensão. Na fase de pré-extensão, há a contração concêntrica dos flexores da perna, levando ao aumento do ângulo de flexão dos joelhos e posicionando os tornozelos em flexão dorsal. Essa aproximação entre as bases de apoio (pés e quadris) ser- ve para minimizar o gasto energético durante a transição. Ao mesmo tempo, a musculatura extensora do tronco mantém sua atividade praticamente isométrica, enquanto os exten- sores do quadril excentricamente permitem o aumento da inclinação anterior do tronco, produzindo o efeito da inércia que auxilia o deslocamento. A fase de extensão tem início assim que os glúteos perdem o contato com o assento. No tornozelo há inicial- mente o aumento do ângulo de flexão dorsal permitido pela contração excêntrica dos flexores plantares, com objetivo de deslocar o centro de massa corporal por sobre a base de apoio; logo em seguida, os flexores plantares realizam a contração concêntrica para que o tornozelo se posicione em neutro na postura bípede. Simultaneamente aos movimentos do tornozelo, o joelho se desloca anteriormente e a atividade concêntrica dos extensores de perna e coxa coloca o indiví- duo em posição vertical. Como podemos observar, nessa transição alguns gru- pos musculares foram alongados, outros se contraíram, o equilíbrio foi desafiado, o esquema corporal aperfeiçoado, o sistema cardiorrespiratório exigido. As forças musculares produzidas nessa transição, assim como os movimentos angulares, dependem da altura do assento. Portanto, simples User Highlight Uso do quê? Não ficou claro. Favor rever.null User Highlight membro superior afetado.null t Ra ta d o d e Fi si o te Ra pi a H o sp it a La R – a ss is tê n Ci a in te G Ra L a o p a Ci en te 216 modificações biomecânicas são capazes facilitar ou dificultar o processo de aprendizagem motora e, consequentemente, todos os aspectos envolvidos na tarefa. Devemos proceder da mesma maneira com as transições entre as posturas “de gato”, ajoelhado, semiajoelhado, bípede e transposição de obstáculos, sempre identificando a limita- ções e otimizando o potencial da criança. A intervenção terapêutica baseada na biomecânica das atividades funcionais é insubstituível. esqueMa CORPORaL A consciência que a criança tem do próprio corpo é estruturada desde o nascimento e tem relação direta com as experiências motoras às quais foi submetida durante o seu desenvolvimento. Desvios importantes podem se instalar no processo de estruturação do esquema corporal, interferindo na aquisição de novas habilidades. A Fig. 53.14 mostra uma criança com 5 anos de idade que, apesar de apresentar apenas um importante encurta- mento dos músculos flexores plantares bilateralmente, possui também o padrão de flexão das coxas e pernas, e inclinação anterior do tronco, que são alterações compensatórias para manutenção do equilíbrio. Após o alongamento cirúrgico do complexo musculotendíneo, mesmo com o pé em posi- ção plantígrada, observa-se a permanência das alterações compensatórias (Fig. 53.15). Isso ocorre porque o esquema corporal anterior demorou anos para ser estruturado e ainda influencia a postura da criança. No entanto, com a interven- ção fisioterapêutica, e sem a interferência do equinismo dos pés, as novas experiências motoras serão capazes de promo- ver o ajuste para a postura mais ereta. Nos casos de hemiparesia, a assimetria funcional com- promete não só o esquema corporal como também o desen- volvimento dos próprios segmentos. Com o passar do tempo é observada a diferença entre as dimensões, principalmente dos membros superiores. Espera-se que intervenções como a TICM, os adaptadores manuais e a EEF possam estimular a formação do esquema corporal e minimizar as diferenças funcionais. Fig. 53.14. Criança com encurtamento dos flexores plantares. Fig. 53.15. Criança após alongamento cirúrgico dos flexores plantares. Crianças com déficit motor severo estão privadas das experiências motoras e sensoriais, o que compromete a formação do esquema corporal e dificulta ainda mais o desenvolvimento motor. Espera-se que medidas simples, como colocar a criança em diferentes posturas e permitir a interação com as tarefas, mesmo que passivamente, possam trazer algum benefício. Para tornar mais claro esse tópico, vamos considerar o momento da alimentação em duas situ- ações distintas. Na primeira, o cuidador coloca diretamente o alimento naboca da criança, e na segunda coloca o talher na mão da criança, nomeando as partes do corpo envolvidas e descrevendo a atividade, fazendo com que ela seja parte integrante da tarefa. Apenas na segunda situação a criança poderá fazer alguma associação entre o segmento estimulado e o prazer da alimentação. Obviamente, a percepção corporal desenvolve-se conjun- tamente ao movimento, no entanto, a estimulação sensitiva, principalmente a proprioceptiva, pode facilitar esse processo. estIMuLaçãO seNsORIaL GLObaL Qualquer postura ou tarefa funcional é capaz de promo- ver todos os estímulos sensoriais de que a criança necessita para se desenvolver globalmente. Durante as atividades lúdicas, o terapeuta pode fazer uso de bolas, rolos e redes de balanço para estimular principalmente os sistemas vestibular e proprioceptivo. Esses recursos tornam-se especialmente importantes para aquelas crianças que têm aversão aos mo- vimentos rápidos do segmento cefálico. Apesar das estimulações, visual e auditiva, facilitarem a interação com o meio, muitas crianças apresentam déficit dessas funções e, portanto, devem ser encaminhadas à avalia- ção de profissionais competentes para se ter uma noção dos estímulos que são capazes de assimilar. PReveNçãO De DefORMIDaDes Até recentemente, este tópico foi tratado de forma pouco científica por alguns profissionais que associavam a pre- 53 • TR AT A M EN TO N O P A C IE N TE P ED IÁ TR IC O N EU RO LÓ G IC O H O SP IT A LI ZA D O 217 venção de deformidades ao alongamento passivo manual durante a sessão de fisioterapia. No entanto, estudos recentes contestam esse tipo de intervenção. A instalação dos encur- tamentos musculares ou deformidades ósseas não ocorre su- bitamente. Em virtude da grande plasticidade, tanto o tecido ósseo quanto os tecidos moles (músculos, tendões, cápsula articular e ligamentos) são capazes de se modificar, como ocorre durante o crescimento da criança, mas também se modificam de acordo com exigências que lhes são impostas (imobilismo, forças deformantes). Para que haja a perda de sarcômeros em série e, consequentemente, o desenvolvimen- to do encurtamento, o músculo deve permanecer com sua origem e inserção aproximadas por um longo período (dias ou meses). Assim, para prevenir a instalação das deformida- des, as intervenções devem ser prolongadas. Ao tratarmos uma criança com PC do tipo tetraparesia espástica que apresenta tendência ao encurtamento de, pelo menos, seis grandes grupos musculares, em cada hemicorpo, e utilizarmos apenas o alongamento passivo manual, sere- mos capazes de realizar, em uma terapia de uma hora, apenas cinco minutos de alongamento para cada grupo muscular, o que torna a terapia completamente ineficaz. Vejamos agora o caso de uma criança que apresenta padrão de flexão, abdução e rotação lateral do segmento da coxa, e flexão da perna (Fig. 53.16). Em razão dos impor- tantes déficits, motor e cognitivo, essa criança permanece a maior parte do tempo sentada ou deitada, o que favorece o encurtamento muscular. Com uma adaptação simples, como a perna de uma calça tamanho adulto (Fig. 53.17), e orienta- ção de uso ao cuidador, é possível reverter ou impedir a ins- talação dessa alteração. Se considerarmos apenas o período em que a criança dorme, serão cerca de oito horas com os membros inferiores mais bem posicionados. O alongamento passivo manual deve ser sempre utili- zado previamente ao treino funcional ou posicionamento do paciente. Considerando uma criança com espasticidade moderada ou severa dos flexores plantares, é indicado o alongamento para facilitar a colocação da órtese para torno- zelo e pé. Nos casos de crianças cadeirantes que necessitam adotar a postura bípede terapeuticamente, o alongamento dos flexores da coxa e perna pode facilitar a colocação da tala extensora. Portanto, como o alongamento passivo manual não é capaz de manter o músculo em posição de alongamento o tempo necessário para manutenção ou acréscimo de sarcô- meros em série, esse tipo de intervenção tem como função aumentar momentaneamente a flexibilidade dos componen- tes elásticos dos tecidos moles, promovendo melhor alinha- mento biomecânico e conforto ao paciente. Outra associação que deve ser analisada com critério está relacionada à utilização de rolos feitos de toalhas, lençóis e travesseiros, também para a prevenção de encurtamentos. Nos casos em que há presença de espasticidade, essa medida torna-se totalmente ineficiente por não ser capaz de impedir a atividade muscular. Apesar de não existir respaldo cientí- fico, esse tipo de intervenção ainda é largamente difundido. A prevenção de deformidades não é tarefa fácil. Engloba um conjunto de intervenções integradas e complexas, e de- pende de uma equipe composta por profissionais capacitados e com ações coordenadas, promovendo assistência mesmo após a alta hospitalar. Estudos científicos demonstram que as órteses são fer- ramentas importantes no combate às deformidades. Esses dispositivos são capazes de proteger, alinhar e estabilizar ar- ticulações e estruturas adjacentes, facilitar a função e impedir a ocorrência de movimentos indesejados. O fisioterapeuta deve ter conhecimentos específicos para realizar a prescrição adequada. A produção das órteses destinadas aos membros supe- riores é simples, e tanto o fisioterapeuta quanto o terapeuta ocupacional podem confeccionar esses dispositivos em ma- terial termomoldável. Em razão da exigência de maquinário mais complexo para produção das órteses para os membros inferiores, muitos hospitais já contam com técnicos que fa- zem o molde dentro da própria UTI ou enfermaria, e depois confeccionam as órteses em oficinas especializadas. Caso não seja possível esse procedimento, o fisioterapeuta é capaz de produzir dispositivos gessados resistentes que exercem a mesma função. Após a prescrição da órtese, tanto os profissionais que lidam diretamente com o paciente quanto os próprios cui- dadores devem ser orientados quanto à forma correta de utilizá-la. A seguir são listadas as órteses que são prescritas com mais frequência no ambiente hospitalar e suas indicações: mola de Codivila – mantém o tornozelo em posição neutra durante toda a fase de balanço e o contato inicial. Indicada para a lesão do nervo fibular comum (pé caído) (Fig. 53.18); Fig. 53.16. postura de “abandono”. Fig. 53.17. postura de “abandono” corrigida. t Ra ta d o d e Fi si o te Ra pi a H o sp it a La R – a ss is tê n Ci a in te G Ra L a o p a Ci en te 218 órtese rígida para tornozelo e pé (ORTP) – previne deformidade em flexão plantar, promove estabilidade no apoio e mantém o tornozelo em posição neutra durante toda a fase de balanço e o contato inicial (Fig. 53.19). Prescrita para crianças não deambuladoras que apresentam os flexores plantares hiperativos ou paralisia distal, para prevenir o equinismo do seg- mento tornozelo-pé e estabilizá-lo durante o ortos- tatismo terapêutico. Utilizada também nos casos de crianças deambuladoras que apresentam importante fraqueza muscular distal, por exemplo, na doença de Chacot-Marie-Tooth. Nesses casos, a fase de balanço está comprometida pela fraqueza dos flexores dorsais, e a fase de apoio por fraqueza dos flexores plantares. órtese articulada para tornozelo e pé (OATP) – indi- cada para crianças deambuladoras que apresentam os flexores plantares hiperativos. Facilita a fase de balanço e o contato inicial por posicionar o segmento tornozelo-pé em neutro. Na fase de apoio, permite que o pé permaneça na posição plantígrada e estável enquanto a tíbia avança, facilitando atividades como passar
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