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O livro aborda, de maneira bastante didática, cinco das principais verten- tes do conhecimento no campo da Psicologia e indaga: É possível um diálogo entre elas? Em que medida abordagens teóricas que partem de perspectivas epistemológicas tão díspares como as que encontramos na Psicologia podem encontrar pontos de convergência? Pode o psicólogo lançar mão de contributos dessas perspectivas teóricas diversas sem resvalar no ecletismo? Buscando debater questões desta natureza, os capítulos que constituem este livro foram elaborados num formato bastante elucidativo: começam loca- lizando, de forma breve, as bases epistemológicas das teorias abordadas, para, em seguida, discutir as suas implicações no campo da Psicologia, com destaque para os principais protagonistas dessas teorias. Com a leitura, o leitor será instigado a pensar em outras importantes ques- tões: A relação sujeito-objeto presente em cada referencial implica em uma única metodologia de trabalho? Uma pesquisa temática empírica pode utilizar diferentes modelos teóricos? Desta forma estamos diante de uma obra que tem uma importante contri- buição que oferece um valioso material de consulta para os cursos de formação em Psicologia. Nunca é demais enfatizar que o livro trata de questões essen- ciais para a psicologia contemporânea que são, muitas vezes, negligenciadas nos nossos cursos. Para finalizar, cabe ressaltar um aspecto de fundamental importância: o livro que ora se apresenta ao leitor foge de uma tendência corrente na academia, que às vezes troca a diversidade pelo caminho da intolerância. O que este livro busca é exatamente o oposto, ou seja, resgatar uma tradição cara à academia, que é o estabelecimento de imprescindíveis espaços de interlocução. Boa leitura. A publicação desse livro tem como principal objetivo abordar diferentes perspectivas em psicologia, possibili- tando ao leitor um acesso às principais abordagens e, buscando, a diversidade e o diálogo como uma forma de reflexão. Os capítulos foram elaborados num formato bastante elucidativo: começam localizando, de forma breve, as bases epistemológicas das teorias abordadas, para, em seguida, discutir as suas impli- cações no campo da Psicologia, com des- taque para os principais protagonistas dessas teorias. Desta forma, estamos diante de uma obra que tem uma importante contribui- ção e que oferece um valioso material de consulta para os cursos de formação em Psicologia. Nunca é demais enfatizar que o livro trata de questões essenciais para a psicologia contemporânea que são, muitas vezes, negligenciadas nos nossos cursos. Autores Adriano da Silva Rozendo Álvaro Marcel Palomo Alves Amélia de Lourdes Menck Claúdia Aparecida Valderramas Gomes Deborah Karolina Perez Elizabeth Piemonte Constantino Flávia Cristina Oliveira Murbach de Barros Joana Sanches-Justo José Sterza Justo Katia Hatsue Endo Leonardo Lemos de Souza Luciane Guimarães Batistella Bianchini Luís Fernando Rocha Luiz Bosco Sardinha Machado Júnior Marcelo Carbone Carneiro Márcio Alessandro Neman do Nascimento Maria Elvira Bellotto Mário Sérgio Vasconcelos Tânia Pinafi Wiliam Siqueira Peres Mário Sérgio Vasconcelos Marcelo Carbone Carneiro Elizabeth Piemonte Constantino (Orgs.) São Paulo - 2014 1ª Edição Copyright© Cultura Acadêmica, 2014 Editora Unesp Praça da Sé, 108 01001-900 – São Paulo - SP www.editoraunesp.com.br feu@editora.unesp.br Psicologia: reflexões sobre as relações sujeito-objeto / Mário Sérgio Vasconcelos, Marcelo Carbone Carneiro e Elizabeth Piemonte Constantino (organizadores). São Paulo: Cultura Acadêmica, 2014. 116 p. ; 21 cm. Inclui bibliografia. ISBN 978-85-7983-514-8 1. Psicologia. 2. Relações sujeito-objeto. I. Vasconcelos, Mário Sé- rgio. II. Carneiro, Marcelo Carbone. III. Constantino, Elizabeth Pie- monte. IV. Título. CDD: 150.1 P9742 Comissão Editorial e Científica João Batista Martins (UEL) Valéria Amorin Arantes (FEUSP) Francisco Haschimoto (FCLAssis/UNESP) Jonas Gonçalves Coelho (FAAC – Bauru/UNESP) Sumário Prefácio .............................................................................................................7 Apresentação .................................................................................................11 Construtivismo e epistemologia genética ...............................................15 Mário Sérgio VASCONCELOS, Leonardo LEMOS DE SOUZA, Maria Elvira BELLOTTO, Marcelo Carbone CARNEIRO, Amélia de Lourdes MENCK e Luciane Guimarães Batistella BIANCHINI Teoria histórico-cultural: implicações para a psicologia .....................39 Elizabeth Piemonte CONSTANTINO, Alvaro Marcel Palomo ALVES, Flavia Cristina Oliveira Murbach de BARROS e Cláudia Aparecida Valderramas GOMES Representações sociais no contemporâneo .............................................55 Elizabeth Piemonte CONSTANTINO, Deborah Karolina PEREZ, Kátia Hatsue ENDO, Luís Fernando ROCHA e Luiz Bosco Sardinha MACHADO JÚNIOR A vinculação do sujeito ao seu mundo: o construcionismo social ......71 Joana Sanches JUSTO, Mário Sérgio VASCONCELOS, José Sterza JUSTO e Adriano da Silva ROZENDO Sobre acasos e acontecimentos: a proposta do método cartográfico .87 Márcio Alessandro Neman do NASCIMENTO, Tânia PINAFI e Wiliam Siqueira PERES Sobre os autores ...........................................................................................109 “Dancing on the edge” foi o tema escolhido para o Quinto Con- gresso Europeu de Psicologia realizado em Dublin, no ano de 1997, tendo como referência a então recente comemoração do primeiro centenário da criação do Laboratório de Psicologia de Wundt, em Leipzig. A ambiguidade inerente ao tema propicia inúmeras inter- pretações, tais como as tensões entre avanço do conhecimento e a aplicação da tecnologia dela resultante, e entre as realizações da Psicologia no século anterior e as perspectivas no limiar do novo século e milênio, para mencionarmos apenas duas. Desse evento, para o qual foram convidados pesquisadores de diversas subáreas da Psicologia para fazer um balanço dos seus respectivos campos, resultou um livro organizado por Ray Fuller, Patricia Noonam Wal- sh e Patrick McGinley denominado A century of Psychology. Nele, os organizadores avaliam que o século teria testemunhado um explo- sivo crescimento da Psicologia, mudando irremediavelmente nossa concepção do significado do ser humano. Por essa razão, afirmam, “corrigindo” o título que deram ao livro, de que se tratou não de um século de Psicologia, mas do século da Psicologia. O século XX, que os autores acima referidos afirmam ser da Psicologia, foi avaliado pelo historiador marxista Eric Hobsbawm como o século dos extremos. De uma lado, os resultados alcançados PREFÁCIO 8 | Psicologia: reflexões sobre as relações sujeito-objeto pela ciência e pela tecnologia no século XX certamente ultrapas- saram as expectativas do mais otimista visionário do século XIX. Não é preciso ir longe: basta lembrar o que mudou em um século no transporte aéreo, nas telecomunicações, no processamento da infor- mação, na biotecnologia, apenas para citar alguns exemplos. Toda- via, Hobsbawm lembra, invocando o testemunho de personalidades marcantes do século XX, que foi o século mais destrutivo da história da Humanidade. Os extremos podem, também, ser representados pelo avanço no domínio da natureza pelas ciências naturais e pela tecnologia, assim como pela imensa incapacidade da Humanidade em equacionar as questões humanas fundamentais. Embora não se possam imputar esses fracassos às ciências do homem, é impossível negar a nossa responsabilidade:avançamos pouco nesse campo. Ou teria a Psico- logia, em seu século, contribuído decisivamente para o que Berthold Brecht definia como o único objetivo admissível para a ciência, a de “reduzir a miséria da existência humana”? No campo da produção de conhecimento, o crescimento do volume das publicações da área é extraordinário, tanto em termos mundiais, como no caso brasileiro. Nosso país é liderança absoluta entre as nações latino-americanas, ocupa uma posição de destaque no grupo dos países do BRICS e se situa à frente da maior parte das nações europeias quanto ao volume de publicações indexadas. E a Psicologia e a Psiquiatria estão na linha de frente desse crescimento. Não é possível, portanto, negar o imenso avanço no conheci- mento produzido pela Psicologia nesse século. Todavia, para que possamos subscrever a tese de que se tratou do século da Psicologia, teríamos de admitir que algumas das questões fundamentais da Psi- cologia como campo do saber e como uma tecnologia de intervenção nas questões cruciais enfrentadas pela Humanidade no século que findou teriam sido, minimamente, equacionadas. Ao lado das avaliações mais otimistas, teses (polêmicas) como a de que a Psicologia constitui uma disciplina pré-paradigmática, as constatações de que ela é um espaço de fragmentação, as críticas 9Prefácio | com relação às insuficiências do saber psicológico em compreender as novas configurações da sociabilidade humanas, são abundantes. É nesse terreno de polêmica que se situa esta obra, Psicologia: reflexões sobre as relações sujeito objeto. O livro aborda, de maneira bastante didática, cinco das principais vertentes do conhecimento no campo da Psicologia. E indaga: É possível um diálogo entre elas? Em que medida abordagens teóricas que partem de perspectivas epistemológicas tão díspares como as que encontramos na Psicolo- gia podem encontrar pontos de convergência? Em que medida pode o psicólogo lançar mão de contributos dessas perspectivas teóricas diversas sem resvalar no ecletismo? A estruturação do texto é um dos seus pontos fortes: inicia situando o leitor no campo epistemoló- gico, no qual a discussão da Psicologia se coloca, para, na sequência, apresentar os rebatimentos para a Psicologia. Certamente, a tarefa abraçada pelos autores e organizadores do livro, docentes e discentes vinculados à Universidade Estadual Pau- lista Júlio de Mesquita Filho, campus de Assis, não é simples. Mas ela não poderia ser diferente, dada a complexidade do campo em que os autores se movimentam. Não tenho dúvidas de que estamos diante de uma obra que tem uma importante contribuição a dar no tratamento da relação epis- temologia/psicologia e que oferece um valioso material de consulta para os cursos de formação em Psicologia. Nunca é demais enfatizar que o livro trata de questões essenciais que são, muitas vezes, negli- genciadas nos nossos cursos. Gostaria, para finalizar, de ressaltar um aspecto que julgo de fundamental importância: o livro que ora se apresenta ao leitor foge de uma tendência corrente na academia, que se poderia denominar “solipsismo intelectual”. Eventualmente, poderemos chegar à con- clusão de que a Psicologia é inexoravelmente um campo de diversi- dade, mas não pelo caminho da intolerância. O que este livro busca é exatamente o oposto, ou seja, resgatar uma tradição cara à academia, que é o estabelecimento de imprescindíveis espaços de interlocução. Um pequeno passo, mas indispensável no caminho de uma efetiva 10 | Psicologia: reflexões sobre as relações sujeito-objeto consolidação da Psicologia, para, quiçá, fazer jus à avaliação de co- nhecimento desse século. Natal, maio de 2013 Oswaldo H. Yamamoto É possível um diálogo aprofundado entre diferentes modelos teóricos no campo da Psicologia? Distintas bases epistemológicas permitem aproximações conceituais entre teorias? A relação sujeito- -objeto presente em cada referencial implica em uma única meto- dologia de trabalho? Uma pesquisa temática empírica pode utilizar diferentes modelos teóricos? Foram questões desta natureza, surgi- das nas discussões realizadas no Grupo de Pesquisa “Epistemologia e Psicologia: processos e contextos de desenvolvimento humano”, que despertaram nosso interesse em organizar este livro. A partir do confronto de ideias a respeito da relação sujeito e objeto nas dife- rentes abordagens psicológicas subjacentes aos projetos de pesquisa dos participantes do grupo, ficamos instigados para compor uma obra que pudesse oferecer aos estudantes de graduação e iniciantes de pós-graduação elementos teórico-metodológicos fundamentais para o debate sobre o fazer científico em Psicologia. Nesta perspectiva, os capítulos que constituem este livro foram elaborados num formato semelhante: começam localizando, de for- ma breve, as bases epistemológicas das teorias abordadas, para, em seguida, discutir as suas implicações no campo da Psicologia, com destaque para os principais protagonistas dessas teorias. APRESENTAÇÃO 12 | Psicologia: reflexões sobre as relações sujeito-objeto Assim, o primeiro capítulo focaliza as várias vertentes teóricas que englobam o construtivismo, cujo principal representante é, sem dúvida, Jean Piaget. Na epistemologia construtivista, desde sua ori- gem na filosofia, o processo de construção do conhecimento é inte- rativo, não cabendo a clássica distinção que separa e coloca em pó- los antitéticos o sujeito e o objeto. Para Piaget, abordar o problema do conhecimento pressupõe ultrapassar a ideia de uma adaptação simples e, inevitavelmente, nos remete ao problema da permanen- te construção de novidades e de novas possibilidades criativas. A atualização de uma ação ou de uma ideia pressupõe, antes de tudo, que elas tenham sido tornadas possíveis no processo interativo entre sujeito e objeto. Uma novidade, na medida em que se diferencia de construções cognitivas anteriores, é compreendida como uma reor- ganização dos elementos estruturais num novo sistema de relações que amplia o âmbito das abstrações e do pensamento humano. O capítulo seguinte trata da teoria histórico-cultural de Vygotsky, autor que, sem dúvida, contribuiu de maneira significati- va para análise das questões metodológicas em Psicologia. Em seus escritos, ele discute a crise dos paradigmas objetivistas e idealistas, predominantes na ciência psicológica do século XX, que produzi- ram as dicotomias entre interno/externo, indivíduo/sociedade e, principalmente, entre sujeito/objeto. Baseando-se nos princípios do materialismo histórico e dialético, Vygotsky viu a possibilidade de romper com tendências conflitantes na compreensão do psiquismo, da aprendizagem e do desenvolvimento humano. Neste sentido, a importância do sujeito ativo e a existência objetiva do objeto são mantidas e formam uma unidade de contrários que agem continua- mente um sobre o outro. Outra tentativa de superação dessas dicotomias é apresentada, no terceiro capítulo, através da Teoria das Representações Sociais formulada por Moscovici. A representação social, entendida como processo de assimilação da realidade pelo indivíduo, atua como elemento de mediação entre o homem e a sociedade, vinculando o objeto a um sistema de valores, noções e práticas, conforme a visão 13Apresentação | de mundo do sujeito. Isso não significa que o sujeito é passivamente determinado por uma representação exterior a ele, nem que a re- presentação é moldada na mente individual. Desse modo, sujeito e objeto formam uma relação dialética, um processo no qual o sujeito é ativo, reelabora o próprio objeto e o reconstrói em seu sistema cog- nitivo, a partir de sua história pessoal e do contexto social e ideoló- gico em que está inserido. Na teoria do construcionismo social, foco do quarto capítulo, as terminologias sujeito eobjeto se completam, uma vez que não há supremacia de um sobre o outro. Diferentemente da teoria das representações sociais, essa teoria postula que a construção de sen- tidos pelo sujeito acontece nas práticas sociais cotidianas e emerge da interação, não estando nem no polo de uma interioridade indivi- dual, nem no polo de determinações objetivas. Portanto, o sentido é uma construção social, intermediada pela linguagem e pelos siste- mas de significação que dão sentido ao mundo. Sendo rejeitados os discursos universalizantes e generalizáveis sobre a relação sujeito e objeto, os saberes sobre o objeto devem ser construídos no contato direto com ele, delegando-se a autoria do saber ao sujeito que narra a sua própria história. Em contraste aos enfoques acima abordados, o quinto e último capítulo se ocupa do método cartográfico, que propõe a emergência de um novo paradigma para as ciências contemporâneas. Tal atitude abandona as intenções da ciência moderna e pretende compreender a relação sujeito - objeto – campo social numa tríade discursiva. Fica claro, no texto, que a pesquisa cartográfica é sempre um rizoma, aberto para entender o fluxo do desejo e, principalmente, do discur- so social que busca aprisionar a vida e, por conseqüência, o sujeito. Para finalizar, devemos enfatizar que os textos que compõem esta publicação representam apenas o ponto de partida para o co- nhecimento das singularidades de cada aporte teórico aqui discu- tido. É preciso lembrar, ainda, que existem muitas questões sobre as quais não nos debruçamos, mas, mesmo assim, acreditamos que 14 | Psicologia: reflexões sobre as relações sujeito-objeto esta obra propicie o debate e contribua para o aprofundamento da pesquisa no campo da Psicologia. Elizabeth Piemonte Constantino Marcelo Carbone Carneiro Mário Sérgio Vasconcelos O termo construtivismo tem sido utilizado em diferentes áreas do conhecimento e carrega consigo aquecidos debates epistemoló- gicos no campo da filosofia, história da ciência, física, psicologia, sociologia, literatura e artes. Possui variações em suas definições e em algumas áreas chegou a alcançar dimensão de sistema teórico- -metodológico. Embora na atualidade o uso do termo seja frequente, a “ideia” construtivista não é nova. Perpassa discussões desde a Gré- cia antiga e, em sua concepção mais abrangente, traduz uma visão de mundo e realidade retratada na relação entre sujeito e objeto. No teatro, por exemplo, o construtivismo caracterizou-se como uma nova forma de representação estética. Representou o rompi- mento com o naturalismo divino, propondo um estilo de cenogra- fia e encenação que, no palco, se materializa em gestos e estruturas tridimensionais formada por praticáveis, escadas, caixas, andaimes, manequins etc., expressivamente simplificadas, por meio das quais se objetivava a abstração e estilização do real. O teatro construtivista difundiu-se em vários países e muitos atores e teatrólogos assumi- ram essa estética. Entre os mais conhecidos estão Meyerhold, Tairov, Construtivismo e epistemologia genética Mário Sérgio VASCONCELOS Leonardo LEMOS DE SOUZA Maria Elvira BELLOTTO Marcelo Carbone CARNEIRO Amélia de Lourdes MENCK Luciane Guimarães Batistella BIANCHINI 16 | Psicologia: reflexões sobre as relações sujeito-objeto Bauhaus, Kantor, Schlemmer e outros1. Tadeusz Kantor (1915-1990), artista polonês, referindo-se a esse movimento expressou-se da se- guinte maneira: o construtivismo reivindicava a emancipação da arte das rédeas da reprodução naturalista da vida. Tal emancipação era a condição necessária para criar uma obra autônoma, independente, uma cria- ção no mesmo nível hierárquico da natureza, ou de Deus. A obra humana e não a obra da natureza ou obra divina. (KANTOR, 1993, p. 30). Nas artes plásticas o construtivismo se constituiu num movi- mento semelhante ao do teatro e, no início, tendo como principal protagonista Vladimir Tatlin (1885-1953), se desenvolveu princi- palmente entre artistas russos no período revolucionário da extinta União Soviética. Ganhou notoriedade pela disposição rigidamente formal do espaço, das massas e dos volumes e pela utilização de materiais e técnicas industriais modernas (plásticos, metal, vidros, etc.). No cinema, também da Rússia, o nome de maior destaque foi Serguei Eisenstein (1898-1948), diretor da obra prima O Encouraça- do Potemkin (1925). Sua câmera filmou fatos cotidianos assim como eles se apresentavam, num sentido de urgência e especialmente de imprevisto. Defendia a necessidade do registro das imagens sem que o processo de filmagens interferisse no comportamento natural des- sa realidade, isto é, os fatos do cotidiano precisavam ser filmados sem destruir a espontaneidade do registro. Como técnica, explorava 1 No Brasil, nas artes, o construtivismo não se constituiu num movimen- to artístico articulado, mas ganhou fôlego entre os concretistas. No te- atro e no cinema, alguns diretores como José Celso Martinez Correa, Amir Haddad, Glauber Rocha, vez ou outra, foram denominados cons- trutivistas. 17Construtivismo e epistemologia genética | profundamente o contraste de imagens para expressar a realidade histórica. O construtivismo soviético, em suas várias modalidades, in- fluenciou artistas, escritores e educadores em todo o mundo. Tam- bém ganhou notoriedade através de trabalhos e instalações críticas e reflexivas confeccionadas com metais e sucatas, nos quais a junção de várias peças de diferentes utilidades articulava-se em um novo significado (VASCONCELOS; MELLES, 2004). Nessa perspectiva, a utilização de sucatas coloca a pessoa em contato com objetos descar- tados, com possibilidades de resignificá-los por meio de sua própria ação. As partes resignificadas tornam a formar uma nova totalidade. A arte com sucata traz consigo o elemento da transformação: era sig- nificado, deixou de ser e será significado. A sucata pode permane- cer com aspecto de “lixo”, de amontoado, de cacarecos misturados e confusos de serem distinguidos. Mas pode também, mediante o ato criativo, dar origem a novos objetos expressivos. A novidade deses- truturada (sucata) provoca o espanto e o desequilíbrio instigando “o novo fazer”. Procura-se a superação, expressão da construção do conhecimento e de novas estruturas. A sucata inclui o objeto des- manchado rumo a uma nova ordem, não desvencilhada do real, mas a ordem humana da construção simbólica e do pensamento. A abrangência do termo construtivismo perpassou discussões epistemológicas e posicionamentos sobre os mistérios do processo criativo e do conhecimento humano. Dessa forma, incluí a discussão filosófica e científica e, em tais esferas, de um modo geral, dois prin- cípios podem ser anunciados. Em primeiro lugar, que o construtivis- mo, em sua diversidade de interpretações, traz uma regularidade de significado, pois sempre aparece como uma construção e invenção humana. Em segundo lugar, concebe o sujeito e objeto como entida- des interdependentes. 18 | Psicologia: reflexões sobre as relações sujeito-objeto Na filosofia e na ciência Na história da filosofia não é possível afirmar com precisão, quando o termo construtivismo começou a ser utilizado. Pérez (1996), afirma que o primeiro construtivista foi Protágoras. Nascido aproximadamente no ano 490 a.C., Protágoras viveu em Atenas e na Sicília. Chegando a Atenas em 444 a.C., ganhou apreciável fama como mestre sofista. Dedicou-se ao ensino de jovens baseado na arte do discurso persuasivo, exercitando as técnicas de arguir a favor das duas faces de um mesmo argumento. Num ambiente acostumado a ouvir que a verdade, “produzida por deuses”, era eterna e imutável, expôs provocativamente a frase com a qual inicia seu texto Sobre a Verdade, dizendo: “O homem é a medida de todas as coisas:das coi- sas que existem, como existentes; das coisas que não existem, como não existentes” (PROTÁGORAS apud PÉREZ, 1996, p. 27). Para um mundo cuja tradição intelectual considerava como fato as essências permanentes, Protágoras provocou uma ruptura ao apresentar uma proposta na qual o homem é o “único” responsável por suas ideias. Surge, assim, pela primeira vez, uma formulação do homem como construtor da realidade e uma proposição não deter- minista relativa à origem, ao sentido e ao valor do conhecimento para os homens, já que “a verdade é somente aquilo que se manifesta ante a consciência, nada é em si e para si, pois tudo contém uma ver- dade relativa” (PROTÁGORAS apud PÉREZ, 2002, p. 4). Com um olhar que antecipa os pressupostos do iluminismo e da ilustração do séc. XVIII, Protágoras nega toda a autoridade externa, os oráculos, os mitos e lendas heróicas para impor os direitos do pensamento. Enfatiza que nada que sustenta o pensamento tem sua origem na vontade divina. Tal posição denota “responsabilidade e consciência” humana no ato de pensar e está relacionada com ques- tões e relações sociais, que inevitavelmente envolvem as interações como ponto de partida de constituições de pensamentos, persuasão e conflitos. 19Construtivismo e epistemologia genética | Ainda no período de ascensão das ideias gregas podemos encon- trar outros pensadores precursores do construtivismo. Na escola fi- losófica do ceticismo2, fundada por Pirrón de Elis (360-270 a.C.), foi proposto, pela primeira vez, de forma sistemática, um conjunto de argumentos para se questionar a possibilidade de um conhecimento totalmente absoluto. Entende-se por ceticismo a dúvida radical sobre o conhecimento verdadeiro. Pirrón de Elis considerou fracassado o propósito de se fixar um critério firme para determinar a verdade ou a falsidade das coisas. Sua crítica ao “objetivo” e ao “absoluto” se apoia na ideia de que os homens são incapazes de conhecer os obje- tos fora dos limites de sua percepção sensorial, pois esta não garante uma apreensão das coisas tal qual elas são. A percepção revela o que parece, mas não se tem jamais o testemunho direto do que é. Von Glasersfeld (1996b), psicólogo e filósofo protagonista de uma corrente atual de pensamento que denomina de construtivismo radical3, fez as seguintes considerações sobre o ceticismo: Os céticos sustentavam que o que chegamos a co- nhecer passa por nosso sistema sensorial e o nosso sistema conceitual, e nos brinda com um quadro ou uma imagem verdadeira de um mundo externo; o que vemos é visto de novo, através de nosso sis- tema sensorial e nosso sistema conceitual. Fomos apanhados, pois, num paradoxo. Queremos acre- ditar que somos capazes de conhecer algo sobre o mundo externo, mas jamais poderemos dizer se tal conhecimento é ou não verdadeiro, já que, para es- tabelecer esta verdade, deveríamos fazer uma com- paração que simplesmente não podemos fazer. Não 2 Há uma multiplicidade de concepções céticas, nos restringiremos as te- ses fundamentais do ceticismo pirrônico. 3 Mais adiante faremos algumas considerações a respeito do construtivis- mo radical. 20 | Psicologia: reflexões sobre as relações sujeito-objeto temos maneira de chegar ao mundo externo senão através de nossa experiência dele; e, ao ter essa ex- periência, podemos cometer os mesmos erros; por mais que o víssemos corretamente, não teríamos como saber que nossa visão é correta. (VON GlA- SERSFElD, 1996b, p. 77). Para os céticos, a natureza das coisas não pode ser conhecida; não existe uma natureza sólida essencial para decidir sobre a certeza do conhecimento. Os juízos sobre a realidade seriam construções e “convenções”, baseadas em sensações mutáveis. Anuncia-se a neces- sidade de não se considerar verdadeiros os juízos formulados sobre as coisas, pois são relativos aos modos que temos de percebê-los. Vários séculos depois, no séc. XVIII, Gianbattista Vico (1686- 1744) reivindica um valor maior para as manifestações das fantasias mentais e do pensamento que não pretende a objetividade. Destaca que o valor do conhecimento está no saber humano e em sua cons- trução. Afirma, ainda, que “(...) a verdade humana é o que o homem chega a conhecer ao construí-la, formando-a por suas ações” (VICO, 1961, p. 38). Nessa perspectiva a ciência é o conhecimento das ori- gens, das formas e da maneira com a qual foram feitas as coisas. Sob o princípio de que só podemos conhecer aquilo que criamos, Gian- battista Vico separa o conhecimento divino do conhecimento hu- mano. O ato de criar e de constituir algo é o que permite chegar ao domínio dos elementos que tornam possíveis o conhecimento. Para Vico, o conhecimento decididamente é uma construção humana. Ainda no séc. XVIII, Immanuel Kant (1724-1804) elaborou uma teoria4 que busca a compreensão de elementos envolvidos na cons- trução do conhecimento. Buscando desvendar a relação desses ele- 4 A discussão sobre o Conhecimento em Kant aparece nos seguintes tex- tos: na Dissertação de 1770, na 1. edição da Crítica da Razão Pura (1781), nos Prolegômenos (1783) e na 2. edição da Crítica da Razão Pura (1787). 21Construtivismo e epistemologia genética | mentos, indaga: na relação do sujeito com as coisas (objetos), como conhecemos? A contribuição da experiência é inegável na teoria do conheci- mento de Kant, no entanto, para o autor, é o sujeito que organiza os dados externos (construção) e estabelece relações que possibilitam o conhecimento. O projeto crítico de Kant consiste em substituir a ideia de uma harmonia entre o sujeito e o objeto (acordo final) pelo princípio de uma submissão necessária do objeto ao sujeito, pois a faculdade de conhecer é legisladora. Para Kant o conhecimento é uma construção das faculdades da mente que organizam os objetos. Portanto, deve-se abandonar a busca da essência dos objetos e procurar investigar as condições do conhecimento no sujeito, quer dizer, os objetos devem gravitar em torno das formas a priori5 do sujeito. Todo o nosso conhecimento inclui a experiência, pois este desperta a faculdade da mente para o exercício e funciona como matéria-bruta das intuições sensíveis. Mas, nem por isso se inicia na experiência, pois as faculdades da mente organizam os objetos segundo formas a priori. Portanto, não é a nossa percepção sensível que se regula pela natureza dos objetos e não é nosso intelecto que se deve regular pelos objetos para extrair os conceitos, mas são os objetos que se regulam pelas formas inter- nas ao sujeito. No séc. XIX ganharam forças orientações filosóficas antagôni- cas aos pressupostos que valorizavam o papel do indivíduo na “cons- trução” do conhecimento, e que serviram de base para correntes científicas modernas e “objetivas”. O positivismo de Auguste Comte (1798-1857), por exemplo, serviu de referencial para o objetivismo psicológico de John B. Watson (1878-1958)6. A maioria das ciências 5 A priori significa anterioridade cronológica (anterior à experiência) e lógica (condição necessária para que algo seja). 6 O sistema de psicologia objetiva, denominado por Watson de behavio- rismo, desejava aplicar as técnicas e os princípios da psicologia animal aos seres humanos. A esse aspecto positivo do behaviorismo foi dado o 22 | Psicologia: reflexões sobre as relações sujeito-objeto que se ancoraram nos pressupostos positivistas se dispôs a reconhe- cer e a compreender o mundo em seu caráter objetivo, independen- te do sujeito. Essa forte tendência sustentou-se em paradigmas que viam a possibilidade de uma epistemologia científica livre de qual- quer contaminação “subjetiva”7. Contudo, desde o final do séc. XIX, tal posição tem sido muito contestada, pois “exterminar” o sujeito é tornar impossível a obser- vação e o conhecimento. Os filósofos Willian James (1842-1910)e John Dewey (1859-1952), criticando a objetividade absoluta, se per- guntavam como as coisas se tornaram reais para as pessoas. Mesmo considerando as devidas diferenças entre as ideias desses dois pensa- dores, é conhecido que ambos propunham que toda distinção entre o real e o irreal se baseava em atividades mentais ativas. Destacaram que é possível pensar de maneira diferente um mesmo objeto e valo- rizaram o fato de que é possível eleger, por interesse, uma dessas ma- neiras de pensar e desejar outras. Dewey, por exemplo, argumentava que o ser humano tinha interesses profundos e interesses superfi- ciais; o interesse era sempre o sinal de alguma capacidade subjacente que deveria ser interpretada e utilizada8. James (1889) dizia que cada mundo é real à sua maneira, mas sua realidade desaparece quando desaparece a atenção. Longe de estarmos afirmando que James e Dewey se enquadram em qualquer denominação construtivista contemporânea, o fato é nome de behaviorismo metodológico ou empírico. O seu principal ponto metodológico se fundamentou na insistência da primazia do comporta- mento (behavior) como fonte dos dados psicológicos. 7 Desde essa época iniciou-se uma longa discussão que culminou em con- fusões extremas como, por exemplo, a associação irredutível de objeti- vidade com neutralidade. 8 As ideias de Dewey tinham como referência o pragmatismo de William James. A noção de interesse conservou lugar de primeiro plano na histó- ria da educação, principalmente no denominado Movimento da Escola Nova que se desenvolveu em vários países no final do séc. XIX e início do séc. XX. 23Construtivismo e epistemologia genética | que ambos valorizaram ainda mais o sujeito exaltando a ideia de atividade. Nesse sentido, à ideia de construção individual é adicio- nada a ideia de sujeito ativo, que mais tarde, no início do séc. XX, ganharia mais destaque, no campo da psicologia, através de Édou- ard Claparède (1961) em suas pesquisas sobre psicologia genética e pedagogia experimental, e depois através da epistemologia genética de Jean Piaget. O sociólogo construtivista Alfred Schutz, simpatizante das ideias de William James, ao expor sua concepção de conhecimento, afirma que: [...] todo nosso conhecimento do mundo, tanto no sentido comum como no pensamento científico, supõe construções, quer dizer, conjuntos de abs- trações, generalizações, formalizações e idealiza- ções próprias do nível receptivo de organização do pensamento. Em termos estritos, os fatos puros e simples não existem. O que constitui a realidade não é a estrutura ontológica dos objetos, mas a in- teração entre os sujeitos e esses objetos. (SCHUTZ, 1978, p. 35). Recentemente na área das ciências exatas, bastante receptiva ao debate que envolve a questão da objetividade e subjetividade no fa- zer científico, o construtivismo também se faz presente. O matemá- tico, físico e cibernético austríaco Heinz Von Foerster (1911-2002), estimou que é uma ilusão peculiar de nossa tradição ocidental, presa na objetividade, pretender que as propriedades do observador não entrem nas descrições de suas observações. Este autor, que no cam- po da física é reconhecido como um pensador construtivista tem, por reiterada vezes, insistido que “a objetividade é a ilusão de que as observações podem fazer-se sem um observador” (VON FOERS- TER, 1991 apud WATZLAWICK & KRIEG, 1994, p. 19). 24 | Psicologia: reflexões sobre as relações sujeito-objeto Paul Watzlawick (1921-2007), psicólogo e filósofo, ao analisar o problema das relações entre subjetividade e objetividade, no campo da comunicação, apontou uma diferenciação entre uma realidade de pri- meira ordem e uma realidade de segunda ordem. Conforme essa di- ferenciação, na primeira ordem estão os objetos físicos com suas pro- priedades, o sentido, o significado e o valor que lhes atribuímos. Na segunda ordem já existem critérios objetivos e a realidade de segunda ordem é constituída de processos de comunicação mais complexos (WATZLAWICK, 1981, p. 149). Para esse autor, de um enfoque causal e linear, passamos a um tipo interacionista, circular e sistêmico. As análises feitas por Watzlawisck o levaram a afirmar que, em termos gerais, no devir cotidiano, os homens não são conscientes dos processos de construção da realidade. Para o autor: o construtivismo moderno analisa aqueles processos de percepção, de comportamento e de comunicação, através dos quais nos inventamos propriamente e não encontramos – como ingenuamente supomos – nossas realidades individuais, sociais, científicas e ideológicas. (WATZlAWICK, 1981, p. 123). De um modo geral, o construtivismo ganhou distintas conota- ções em diferentes épocas e áreas, mas manteve certa regularidade conceitual sobre a valorização da atividade do sujeito e a tendência interacionista nas relações sujeito objeto. Talvez a forma mais direta de corroborar o espírito das ideias filosóficas nomeadas como “construtivistas” tenha sido expressa por Gregory Bateson (1904-1980) na área da epistemologia da comuni- cação ao afirmar que “a realidade é coisa da fé” (1972, p. 9). Fé no sentido de criação humana, pois para Bateson não há dúvida de que é a intervenção humana que outorga existência à realidade. A ideia de que a realidade está ali, sem depender do sujeito, não tem lugar em seu referencial construtivista. 25Construtivismo e epistemologia genética | Na psicologia No campo da psicologia, o trajeto do termo construtivismo não foi diferente, pois vários modelos teóricos são denominados cons- trutivistas. Nas últimas décadas, ganhou destaque o construtivismo radical, expressão difundida pelo filósofo e psicólogo Ernest von Glasersfeld (1996b)9. Para esse autor, radical em sua recusa em fo- calizar outra coisa que não seja os modelos construídos pela mente humana, sempre existe uma interdependência entre o observador e o mundo observado, mas essa relação, necessariamente, é uma ela- boração cognitiva do sujeito. A esse respeito, Von Glasersfeld (1996b, p. 34) comenta que “o construtivismo é uma teoria do conhecimento ativo, não uma epistemologia convencional que trata o conhecimen- to como uma encarnação da verdade que reflete o mundo em si mes- mo independente do sujeito cognoscente”. A partir dessa premissa o autor reconhece dois princípios bási- cos no construtivismo radical. De um lado entende que o conheci- mento não se recebe passivamente, nem surge meramente por ação dos sentidos, nem por meio da comunicação, mas é construído pelo sujeito cognoscente. Por outro lado, concebe que a função da cog- nição é adaptativa e serve à organização do mundo experiencial do sujeito, e não simplesmente ao descobrimento de uma realidade on- tológica objetiva. Em síntese, nessa perspectiva, o construtivismo é uma proposta de situar-se frente à experiência. No séc. XX, sem sombra de dúvida, duas correntes teóricas fo- ram as que mais se destacaram com a denominação de construtivis- ta10. Uma foi a epistemologia genética de Jean Piaget, a outra, para 9 Cabe destacar que esse autor não apresenta o construtivismo radical como uma corrente dentro do construtivismo. Na realidade, entende que o construtivismo é radical e que essa radicalidade já se faz presente na obra de Jean Piaget. 10 São várias as teorias que são relacionadas como construtivistas na psi- cologia. Infinitamente maior é a quantidade de pesquisadores na área 26 | Psicologia: reflexões sobre as relações sujeito-objeto muitos inadequadamente, a psicologia que emana das ideias de Lev Semenovich Vygotsky (1896-1934) e que recebeu as diferentes de- nominações de psicologia sócio-interacionista, socioconstrutivista, sociocultural e sociohistórica, conforme o enfoque dado pelo pes- quisador e/ou leitor de sua obra. Vygotsky, ao estudar as relações entre sujeitoe objeto, procurou situar essa discussão no âmbito das condições históricas de consti- tuição do sujeito. Buscou superar tanto a visão idealista quanto o materialismo mecanicista que reduz o pensamento a determinações empíricas. A postura assumida ao abordar o estudo do conflito en- tre observador e observado, caminha para longe das ciências natu- rais e se aproxima das ciências do homem. Considera os planos da linguagem e da cultura como lugares privilegiados para investigar a mente humana. Do ponto de vista de Vygotsky e seus colaboradores, as pergun- tas relacionadas ao como ocorre o desenvolvimento do pensamento, devem ser respondidas levando em conta que o desenvolvimento hu- mano é um processo e um produto social e que a aprendizagem é a novidade prospectiva de todo esse processo. Dando intenso relevo às condições como a vida se processa, Vygotsky acredita que o homem pode se constituir enquanto sujeito de várias maneiras, dependendo das situações concretas em que vive. É pela apropriação ativa, que se dá nas e pelas interações humanas organizadas em atividades, que os seres humanos se constituem como sujeitos capazes de pensar au- tonomamente. A maior facilidade ou dificuldade para criar, assim como as muitas diferenças entre os indivíduos, nessa perspectiva, teriam origem na complexa trama de relações que caracteriza a inte- ração e a participação de diferentes grupos na vida social e no modo de fazer parte da cultura. da psicologia e da educação. Porém, neste capítulo, não é nossa intenção nomear todas e todos ou fazer um estudo comparativo entre suas ideias. No entanto, enquanto teorias, não poderíamos deixar de mencionar os nomes de Henry Wallon e a Teoria da Ação Simbólica de Ernst Boesch. 27Construtivismo e epistemologia genética | Portanto, como vimos, o construtivismo engloba diferentes áre- as e vertentes teóricas que garantem essa denominação por tratarem a realidade remetendo-a ao sujeito e suas interações com o objeto. Nessa vertente, o processo de construção do conhecimento também se faz interativo e não cabe na clássica distinção que separa e coloca em pólos antitéticos o sujeito e objeto. A objetividade, como era com- preendida por muitos, ficou fragilizada e a realidade é um resultado de autoria que, necessariamente, passa pelo sujeito. E, nessa perspec- tiva, sem dúvida, Piaget formulou uma teoria que merece destaque. Mas, em que termos Piaget justifica sua Epistemologia Genética como construtivista? Quais conceitos estão diretamente envolvidos nessa “nova” denominação? As relações entre sujeito e objeto na epistemologia construtivista piagetiana são as mesmas da epistemo- logia genética? Da epistemologia genética à epistemologia construtivista11 Os conceitos básicos Jean Piaget nasceu em Neuchâtel, na Suíça, em 9 de agosto de 1896 e morreu em 16 de setembro de 1980. Na primeira etapa de sua vida intelectual seus interesses estiveram dirigidos para a biologia. 11 Não é nosso objetivo, neste capítulo, realizar um estudo sobre as in- fluências que vários autores, dentre biólogos, filósofos, matemáticos, psicólogos, epistemólogos, etc., exerceram sobre Piaget no trajeto de construção de sua teoria construtivista. No entanto, cabe ressaltar, que qualquer estudo com esse propósito, não poderá deixar de lado uma análise sobre o papel que as ideias de Jean-Jacques Rousseau (1712- 1778), Immanuel Kant (1724-1804), F. le Dantec (1869-1917), J.M. Ba- dwim (1861-1934), E. Meyerson (1859-1931), Henry Bergson (1859-1941) e Édouard Claparède (1873-1940), tiveram sobre a obra piagetiana. 28 | Psicologia: reflexões sobre as relações sujeito-objeto Em seguida se dedicou ao estudo de filosofia, lógica, epistemologia e psicologia. Tendo, como principal preocupação compreender como o ser humano constrói o conhecimento, isto é, como o ser humano consegue organizar, estruturar e explicar o mundo em que vive ela- borou uma teoria do desenvolvimento da inteligência. Para Piaget o desenvolvimento da inteligência ocorre por adap- tações nas quais as operações intelectuais são construídas através de interações do indivíduo com o mundo externo. A criança, o ado- lescente ou o adulto desenvolve formas de pensar e agir buscando solucionar os desafios e desequilíbrios colocados pelo ambiente em que vivem. Um sujeito diante de um problema que provoca desequi- líbrios é capaz de reordenar suas ideias e criar novas hipóteses para solucionar o problema. Piaget difunde a ideia de que o processo que leva o indivíduo a conhecer o mundo é um processo de criação ativa em que toda a aprendizagem se dá a partir da ação do sujeito sobre os objetos. Um sujeito intelectualmente ativo, que constrói seu conhecimento através da ação, não é um sujeito que tem apenas uma atividade ob- servável, mas um sujeito que compara, exclui, categoriza, coopera, formula hipóteses e as reorganiza, também em ação interiorizada; o ato de conhecer é um ato de interpretação e não apenas uma cópia da realidade. Para Piaget, a capacidade de conhecer depende de interações e de operações intelectuais que se processam em torno de estruturas construídas através de processos adaptativos interdependentes: assi- milação e acomodação. Assimilação é a incorporação de elementos novos a estruturas já existentes (biológicas ou não), e acomodação é toda modificação dos esquemas de assimilação por influência do meio. Desse modo, a assimilação e a acomodação, que ocorrem inicialmente com a participação dos esquemas reflexos, marcam o início da construção das estruturas mentais e do conhecimento. As- sim, a adaptação do sujeito se dá por equilibração entre esses dois mecanismos. Não se trata, porém, de um equilíbrio estático, mas essencialmente ativo e dinâmico. Trata-se de sucessões progressivas 29Construtivismo e epistemologia genética | de uma equilibração cada vez mais ampla, majorante, que possibilita as modificações dos esquemas existentes a fim de atender as ruptu- ras do equilíbrio, representadas pelas vivências de situações novas, para as quais ainda não existe um esquema próprio de pensamento. Nessa dinâmica de equilíbrios e desequilíbrios contínuos - que não é linear, mas sim dialética12 - está o aspecto funcional do de- senvolvimento do pensamento e construção do conhecimento. A assimilação e a acomodação não impedem o desequilíbrio, mas promovem a sua superação. É no desequilíbrio e na necessidade de superar-se que se encontram os aspectos de tensão e de regulação que levam à construção do conhecimento. É característica do desenvolvimento da inteligência, a amplia- ção das operações mentais elaboradas a partir da reorganização das estruturas em cada fase do desenvolvimento. Isso representa, num plano mais amplo, a emergência de novas capacidades em níveis e estádios de pensamento. Assim, o desenvolvimento mental do in- divíduo constitui, então, um processo que se define como um alar- gamento de potencialidades, numa sucessão de estágios, denomina- dos, por Piaget (1964), em idades aproximadas, de sensório motor (0 a 2 anos), pré-operatório (2 a 7 anos), operatório concreto (7 a 11 anos) e operatório formal (11 anos em diante). Um indivíduo é, portanto, um centro de reorganização de seu próprio agir em dire- ção a uma equilibração qualitativamente superior, uma equilibração majorante, que permite abstrações mais abrangentes, denominadas por Piaget de abstrações reflexionantes (PIAGET, 1977). Através desse processo o conhecimento humano, depen- dente da qualidade das interações, se estrutura em estádios em direção ao pensamento lógico. 12 A esse respeito ver PIAGET, J. et al. As formas elementares da dialética. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1996. 30 | Psicologia: reflexões sobre as relações sujeito-objeto A travessia para o construtivismo Em 1950, Jean Piaget (1896-1980)publicou Introduction l’Epistémologie Génétique. Nessa obra fez uma síntese das pesquisas que tinha produzido até aquele momento sobre o desenvolvimento da inteligência humana e a construção do conhecimento. Era a sínte- se “com que sonhara” desde que havia iniciado seus trabalhos sobre psicologia (PIAGET, 1976a, p. 2). Nessa obra, raramente refere-se ao termo construtivismo. Em 1955, Piaget inaugurou, em Genebra, o Centro Internacional de Epistemologia Genética onde desenvolveu um trabalho interdis- ciplinar e transdisciplinar com pesquisadores de vários países. Nes- se Centro, pouco a pouco, foi encontrando pesquisadores que, por outros caminhos, compartilhavam suas ideias. Eram, físicos, mate- máticos, biólogos, sociólogos, antropólogos, químicos, literatos etc., que viam o conhecimento como resultado de um sistema complexo, construído na ação do sujeito sobre o meio, expresso na interação ativa entre sujeito e objeto e que possui suas raízes e origem nos esquemas construídos progressivamente desde as primeiras ações sensório-motoras. Tecendo críticas a outras epistemologias13, prin- cipalmente ao positivismo lógico, que valorizava o conhecimento de um objeto indiferente às interpretações do sujeito, esses pesquisado- res adotaram uma perspectiva de investigação que não privilegiava o controle e a exclusão de variáveis, mas sim a interdependência entre dados, o espaço e o tempo, o caos e a ordem, o conhecido e o des- conhecido num sistema. Tais aspectos “eram, agora, tratados como parte integrante do mesmo todo” (MACEDO, 1994, p. 28). Nesse contexto, a exclusão experimental de variáveis cedeu lugar à mul- tideterminação, a generalização à especificidade ou singularidade temática, a formalização à valorização de conteúdos e contextos de sua produção histórica (gênese e história das ciências). No debate 13 Uma análise minuciosa dessas epistemologias é feita por Piaget e cola- boradores no livro Logique et Connaissence Scientifique (1967). 31Construtivismo e epistemologia genética | entre as relações sujeito objeto, o sujeito pôde ser pensado na intera- ção com o objeto e vice-versa. Inserido nesse trabalho interdisciplinar, a epistemologia genéti- ca tornou-se, assim, um caso particular da epistemologia construti- vista, pois na década de 1960 e 1970, Piaget passou, cada vez mais, a denominar a epistemologia genética de epistemologia construtivista. Dessa época em diante, o termo construtivismo esteve presente em todas as suas obras e foi amplamente difundido pelo mundo nas áre- as psicologia e da educação, mesmo Piaget não sendo um educador (VASCONCELOS, 1996)14. A primeira referência mais completa a uma epistemologia cons- trutivista foi feita por Piaget, em 1967, no último capítulo da obra Logique et Connaissance Scientifique. Nessa obra ele evidenciou o desejo de produzir uma epistemologia construtivista, acrescentando à epistemologia genética o problema da produção de novidades por meio da formação dos “possíveis”. Anunciando essa perspectiva, em um dos seus últimos trabalhos Le Possible et le Nécessaire (PIAGET, 1981a)15, justifica uma Epistemologia Construtivista sustentando a ideia de que “não é suficiente mostrar, como já o havia feito, que todo conhecimento novo resulta de regulações e equilibrações” (PIAGET, 1981a, p. 7), pois sempre se poderá supor que o mecanismo regula- dor é hereditário, ou ainda, que apenas resulta de aprendizagens. Procura, por essa razão, abordar o problema da construção de novi- dades de outro modo, centrando as questões na formação das infe- rências e dos possíveis. Para Piaget, a atualização de uma ação ou de uma ideia pres- supõe que antes de tudo elas tenham sido tornadas possíveis e que o nascimento de um possível geralmente provoca outros. Essas no- 14 Desse modo, o construtivismo é um termo que passou a ser utilizado pelo “velho” Piaget, pois este começou a empregá-lo com maior frequ- ência nos últimos anos, dos 60 em que escreveu sobre psicologia e epis- temologia. 15 Publicado após sua morte, ocorrida em setembro de 1980. 32 | Psicologia: reflexões sobre as relações sujeito-objeto vas e sucessivas formações, na medida em que se diferenciam das construções anteriores, compreendem-se como uma reorganização dos elementos num novo sistema de relações, que amplia o âmbito das que eram anteriormente possíveis. As possibilidades abertas em cada momento do processo constituem uma condição indispensável para os desenvolvimentos seguintes, configurando-se em um contí- nuo de emergência de novas propriedades e possibilidades criativas. A questão dos possíveis tem, para Piaget, um interesse epistemo- lógico. Na obra Le Possible et le Nécessaire, tendo como parâmetro a dialética dos possíveis, Piaget (1981a, p. 7) reitera várias críticas às cor- rentes de pensamento que considerava reducionistas. Enaltecendo o construtivismo e fazendo uma crítica ao empirismo, afirma: A formação dos possíveis e sua multiplicidade du- rante o desenvolvimento constituem mesmo um dos melhores argumentos contra o empirismo. Com efeito, o possível não é algo observável, mas o produto de uma construção do sujeito em interação com as propriedades do objeto, mas inserindo-as em interpretações devidas às atividades do sujeito, atividades essas que determinam, simultaneamen- te, a abertura dos possíveis cada vez mais numero- sos, cujas interpretações são cada vez mais ricas. Por conseguinte, existe aí um processo formador bem diverso do invocado pelo empirismo e que se reduz a uma simples leitura. Para Piaget, o construtivismo só pode ser pensado a partir do sujeito em interação com as propriedades do objeto, mas são as interpretações devidas às atividades do sujeito que determinam a abertura dos possíveis. Montoya (2005) expressa, em síntese, de modo bastante adequa- do, a ideia piagetiana de processo construtivo: 33Construtivismo e epistemologia genética | Processo em que o sujeito cria e produz novas es- truturas e formas de conhecimento a partir de no- ções mais elementares, até alcançar formas mais complexas, estáveis e móveis. O processo constru- tivo implica também que os novos conhecimentos ultrapassem as novidades adquiridas anteriormen- te, reconstruindo-as. Nesse sentido, a construção não significa a ruptura absoluta com as conquistas anteriores, tampouco um simples prolongamento das estruturas anteriores, mas sim uma continui- dade em reconstrução. (MONTOyA, 2005, p. 143). A reconstrução, enquanto novidade incide sobre o processo cog- nitivo cuja base é ele próprio resultado de autorregulações, combi- nações e interdependências funcionais e dialéticas. No entanto, tais reconstruções não ocorrem aleatoriamente, são decorrentes de um sentido interior, construções com um vetor lógico, próprio do pro- cesso de abstração reflexionante embalado por uma reflexão. Como sabemos, a reflexão é “entendida como ato mental de reconstrução e reorganização sobre o patamar superior daquilo que foi assim transferido do inferior” (PIAGET, 1995, p. 274). Envolve operações e imaginação. Para podermos contar, por exemplo, distinguimos os elementos contados, imaginamos uma série de coleções crescentes e decrescentes, imaginamos objetos numa sequência de ordem ou em espaços de comprimento e simbolizamos os números. Desse modo, não existem operações lógico-matemáticas que não envolvam ima- ginação, mas essas imaginações e representações seguem uma lógi- ca; uma lógica construtiva e criativa. Fica claro, então, que adentrar mais profundamente nos meca- nismos construtivistas, significa reafirmar que só é possível com- preendê-los quando inseridos no quadro das relações sujeito objeto. Julgamos, porém, que no caso da epistemologia piagetiana, tal inser- ção é necessária, mas não suficiente, pois, como afirmamos, no iní- 34 | Psicologia:reflexões sobre as relações sujeito-objeto cio deste estudo, são várias as epistemologias que tratam dessa rela- ção. Cabe, então, destacar os aspectos que dão identidade à proposta piagetiana. E isso, Piaget fez questão de anunciar num filme, que fez juntamente com Claude Gorreta, sobre L’épistémologie génétique. Gostaria de falar, em poucas palavras, de nossa epistemologia, porque ela é sempre mal compreen- dida. Alguns me tomam por empirista, outros por neo-behaviorista, como colocou Berlyne, porque eu sustento que o conhecimento parte da ação que se exerce sobre os objetos, mas exercer uma ação sobre os objetos não é o mesmo que tirar o conhecimen- to do próprio objeto. Essa é a primeira confusão. Outros, pelo contrário, me consideram neo-matu- racionista, ou mesmo inatista, visto que considero a ação do sujeito. Mas eles esquecem que a ação do sujeito é justamente a ação sobre os objetos, que há interação, e não somente uma ação em uma direção só. Ou seja, não sou nem empirista, nem inatista, sou construtivista. Isso quer dizer que considero o conhecimento como uma contínua construção, continuamente nova, por interação com a realida- de, não como algo pré-formado; há uma criação permanente. Queria, então, mostrar que o conhe- cimento não é pré-formado nem no objeto, nem no sujeito, havendo sempre auto-organização e, conse- quentemente, uma contínua construção. (PIAGET; GORRETA, 1977 - grifo nosso). Nesse mesmo filme, complementando sua declaração, Piaget, mais uma vez, procurando se diferenciar do empirismo e do inatis- mo, comenta: 35Construtivismo e epistemologia genética | E por que não sou empirista? O empirista pensa que o conhecimento é uma espécie de cópia funcional dos objetos, como dizia Hume. Mas ele não é nun- ca uma cópia. É sempre uma assimilação, ou seja, uma interpretação, por integração do objeto nas estruturas anteriores do sujeito. O melhor exemplo para justificar esta tese é o estudo do desenho da criança, posto que o desenho, por definição, é uma cópia do modelo. O que se observa é que a criança não desenha o que vê, e sim, desenha a ideia que faz da realidade, aquilo que sabe, ou seja, sua interpre- tação e não o objeto observado perceptivamente. [...] Minha crítica ao empirismo é que o conheci- mento nunca está calcado somente na observação e não consiste somente na observação pura, mas é sempre uma interpretação, uma assimilação a estruturas prévias. Por outro lado, porque eu não sou um inatista, ou um apriorista. Vejamos a his- tória das ciências. Toda a história da matemática é uma construção contínua. Partindo dos números naturais 1, 2, 3, 4, foram necessários séculos para construir a noção de conjuntos de números inteiros junto com os negativos. Partindo dos racionais, foi preciso esperar Pitágoras para descobrir os irracio- nais. Isso significa que esses conhecimentos foram construídos, não eram pré-formados. Se assim acreditássemos, como faz Chomsky com sua pure- za biológica, teríamos que pensar que a matemática já está presente de uma maneira implícita e inata nos bebês. Mas não só nos bebês, mas também nos animais. (PIAGET; GORRETA, 1977). 36 | Psicologia: reflexões sobre as relações sujeito-objeto Portanto, para o construtivismo piagetiano, é condição básica que o conhecimento seja visto como uma contínua construção, con- tinuamente nova, por interação com a realidade, em que haja uma criação permanente. É pela relevância que outorga ao processo ativo e criativo que a teoria piagetiana se faz construtivista. Além disso, como revela nesse filme de 1977, a concepção de construtivismo de Piaget é bastante ampla e ultrapassa os limites de uma psicologia genética, alimentando hipóteses ousadas sobre o desenvolvimento humano, o processo criativo no fazer científico e na história da ciên- cia. Sobre estes temas, ainda temos muito que explorar. Bibliografia BATESON, G. Steps to ecology of mind. São Francisco, Chandler, 1972. CLAPARÈDE, E. A escola sob medida. Tradução de Maria L. do E. Silva. Rio de Janeiro: Fundo de Cultura, 1961. DESCARTES, R. Meditações metafísicas. São Paulo: Nova Cultural, 1987. 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Vygotsky: aprendizado e desenvolvimento, um processo histórico. São Paulo: Scipione, 1993. PÉREZ, R. L. Constructivismo Radical: de Protágoras a Watslawich. In: CAREAGA, R. (Org.). Tradición y cambio en la psicopedagogía. Santiago: Universidade Educares/Bravo y Allende, 1996. p. 27-35. ______. Idea de constructivismo. 2002. Disponível em: <http:// www.periodismo.uchile.cl/cursos/psicologia/constructivismo.pdf>. Acesso em: 01 fev. 2007. PIAGET, J. Abstração reflexionante. Porto Alegre: Artes Médicas, 1995. ______. Autobiogaphie. Revue Eupéenne des Sciences Sociales, Genève, Tome XIV, n. 38/39, p. 1-43, 1976a. ______. Biologie et connaissance. Paris: Gallimard, 1967. ______. Introduction à l’épistémologie génétique. Paris: PUF, 1950. v. III. ______. Le possible et le nécessaire: l’evolution des possibles chez l’enfant. Paris: Presses Universitaires de France, 1981a. ______. Lógica e conhecimento científico. Porto: Livraria Civilização, 1981c. ______. O possível e o necessário. 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O Idealismo é uma corrente filosófica que tem início com o pen- samento de Renè Descartes no século XVII e influencia todo o pen- samento científico moderno. Seu pressuposto central é justamente a centralidade da subjetividade humana. Passando pelo idealismo dogmático de Immanuel Kant no século XVIII, esta corrente filo- sófica desenvolveu-se muito a partir do pensamento de Georg Hegel nos séculos XVIII e XIX, influenciando inclusive a teoria marxiana. Já o Materialismo é uma concepção filosófica que remonta ao pensamento helênico pré-socrático e aponta a matéria como subs- tância primeira e última de qualquer ser, coisa ou fenômeno do universo. Para os materialistas, o pressuposto primeiro de realidade é a matéria em movimento, que, por sua riqueza e complexidade, pode compor tanto a pedra quanto osextremamente variados reinos animal e vegetal, e produzir efeitos surpreendentes como a luz, o Teoria histórico-cultural: implicações para a psicologia Elizabeth Piemonte CONSTANTINO Alvaro Marcel Palomo ALVES Flavia Cristina Oliveira Murbach de BARROS Cláudia Aparecida Valderramas GOMES 40 | Psicologia: reflexões sobre as relações sujeito-objeto som, a emoção e a consciência. Assim, o pressuposto ontológico do materialismo define que a matéria antecede a ideia. Dessa forma, o materialismo contrapõe-se ao idealismo, cujo elemento primordial é a ideia, o pensamento ou o espírito (MORA, 1995). Tecendo considerações sobre essas duas correntes, Lev Semió- novich Vygotsky (1896-1934), ao refletir sobre as relações entre o mundo subjetivo e o objetivo, sustentou que o sujeito e a subjeti- vidade humana não se resumem à simples construtos idealistas ou materialistas, quer dizer, “não estão no subjetivo abstrato e nem no objetivo mecanicista, mas são constituídos e constituintes na e pela relação social, na e pela linguagem”. (MOLON, 2003, p.44). A partir dessa perspectiva Vygotsky vai buscar no materialismo histórico-dialético uma nova alternativa metodológica para estudar o fenômeno psicológico e superar a dicotomia objetividade e subjeti- vidade, ressaltando o caráter histórico e dialético como característi- cas fundamentais no processo de formação do sujeito. Para tratarmos das implicações dessas ideias no campo da Psico- logia, apresentaremos, brevemente, algumas das formulações essen- ciais do materialismo histórico-dialético e, posteriormente, algumas reflexões sobre a relação sujeito-objeto na teoria histórico-cultural. O materialismo histórico-dialético O materialismo histórico-dialético é uma concepção teórico- -filosófica e metodológica que tem origem nas ideias dos pensadores alemães Friedrich Engels e Karl Marx (1818-1883) sobre as transfor- mações econômicas e sociais determinadas pela evolução dos meios de produção, fundamento de uma teoria crítica da alienação huma- na no interior do sistema capitalista. Eles constroem uma dialética materialista em oposição à dialética idealista hegeliana e, ao con- trário de Hegel, em seus estudos consideram que são nas condições materiais e concretas de existência do homem que encontramos o 41Teoria histórico-cultural: implicações para a psicologia | “homem real”. Desse modo, o ponto de partida da teoria marxiana são os indivíduos reais e não suas idéias. Nesta concepção “[...] o modo de produção da vida material condiciona o processo da vida social, política e espiritual em geral. Não é a consciência que de- termina a vida, mas a vida que determina a consciência” (MARX; ENGELS, 1986, p. 37). Para Silveira (1989), o marxismo fundou uma ontologia ancora- da em uma dialética eminentemente histórica, que redimensionou um conjunto de questões concernentes à relação do homem consigo mesmo e com sua história. “Pensar o homem, para o materialismo histórico e dialético é pensá-lo como produtor de sua historia através de sua atividade vital, o trabalho, mediador de sua relação com a natureza [...]” (ELOY, et al., 2007, p. 41), sendo a práxis a forma por excelência dessa relação. Neste sentido, o materialismo dialético representa o início de uma nova filosofia – uma “filosofia da práxis” –, que não se limita a pensar o mundo, mas pretende também transformá-lo. Para Marx, “os filósofos não fizeram mais que interpretar o mundo de forma diferente; trata-se, porém de, modificá-lo” (MARX, s/d., p. 210). As- sim, para o materialismo histórico-dialético os sujeitos históricos interpretam e agem sobre o mundo através da práxis. Na visão marxiana “o trabalho é um processo de que partici- pam o homem e a natureza, processo em que o ser humano, com sua própria ação, impulsiona, regula e controla seu intercâmbio material com a natureza” (MARX, 1987, p. 211). O trabalho, enquanto obje- tivações humanas que sintetizam a práxis, cria a história e o ser ho- mem. É o caráter objetivo do trabalho que permite que os produtos, instrumentos e fenômenos sociais existam independentes da consci- ência individual; existam como criações objetivadas, como cultura. Contudo, essa atividade vital humana, o trabalho, por meio da qual o ser humano produz e reproduz sua existência ao longo da his- tória, não tem implicações apenas objetivas, mas também subjetivas, o que significa dizer que o sujeito, para utilizar os objetos ou instru- mentos humanos historicamente constituídos, tem de desenvolver, 42 | Psicologia: reflexões sobre as relações sujeito-objeto em si, as qualidades humanas que estão postas na objetivação social. Ele tem que se “[...] apropriar desses produtos do trabalho” (MÁ- RKUS, 1974a, p.13, tradução nossa, grifo do autor). Assim, através do trabalho o homem transforma a sociedade e, ao mesmo tempo, se transforma. Mais do que isso, ao transformar a natureza o homem cria o mundo da cultura e a sua própria subjetividade. Portanto, para Marx a categoria que explica a constituição da sub- jetividade é a atividade humana objetiva, ou seja, o trabalho, ou ainda, a práxis. O filósofo theco Karel Kosik explica o conceito marxista: [...] a práxis compreende – além do momento la- borativo – também o momento existencial: ela se manifesta tanto na atividade objetiva do homem, que transforma a natureza e marca com sentido humano os materiais naturais, como na formação da subjeti- vidade humana, na qual os momentos existenciais como a angústia, a náusea, o medo, a alegria, o riso, a esperança etc. não se apresentam como “experiência” passiva, mas como parte da luta pelo reconhecimen- to, isto é, do processo da realização da liberdade hu- mana. (KOSIK, 2002, p.224, grifo do autor). Leontiev ao se aprofundar nos aspectos relacionados ao tra- balho, à atividade humana e à subjetividade enfatiza que o sujeito realiza atividades e ações conscientes para alcançar determinados objetivos. Estes, porém, sofrem modificações a partir das relações estabelecidas socialmente, determinando novos motivos e novas ati- vidades. Para Leontiev (1978, p. 118): Estas relações são decisivas no plano psicológico. O que ocorre é que, para o próprio sujeito a apreensão e a conquista de objetivos concretos, o domínio dos meios e da operação da ação é um modo de afirmar 43Teoria histórico-cultural: implicações para a psicologia | sua vida, de satisfazer e desenvolver suas necessida- des materiais e espirituais, objetivadas e transforma- das nos motivos de sua atividade. (tradução nossa)1. Nessa perspectiva epistemológica, o conhecimento é uma pro- dução social que emerge da atividade humana e é construído a partir da inter-relação das pessoas, assumindo, portanto, um caráter dia- lético e transformador.Essa concepção, ao considerar a dicotomia teórica e prática como uma relação em movimento, tem implicações metodológicas importantes para a análise da relação sujeito-objeto estudada pela Psicologia, uma vez que inclui, por ser dialética, a existência de contradições entre as instâncias sociais e individuais, entre objetividade e subjetividade e/ou interno e externo. Assim, podemos depreender que a grande maioria dos conheci- mentos e habilidades humanas de que o homem dispõe não advém apenas de sua experiência individual, mas é adquirida por meio da apropriação da experiência acumulada pelas gerações passadas, ou seja, é um produto histórico (MÁRKUS, 1974). Dessa forma o su- jeito, ancorado em conhecimentos produzidos pela humanidade, se desenvolve e transforma a realidade, que é entendida dialeticamen- te como um constante vir-a-ser. Portanto, a subjetividade do sujeito também está em constante construção, determinada pelas condições objetivas, pois, para o materialismo histórico-dialético, as ações do homem são determinadas historicamente: “Os homens fazem sua própria história, mas não a fazem como querem; não a fazem sob cir- cunstâncias de sua escolha e sim sob aquelas com que se defronta di- retamente, legadas e transmitidas pelo passado” (MARX, s/d, p. 203). 1 Estas relacionessonlas decisivas em plano psicológico. lo que ocorre es que para elpropiosujetolaaprehensión y logro de objetivos concretos, el domínio de losmedios y operaciones de laaccion es un modo de afirmar su vida, de satisfacer y desarrollar sus necessidades materiales y espiri- tuales, objetivadas y trasformadas em los motivos de suactividad. 44 | Psicologia: reflexões sobre as relações sujeito-objeto As circunstancias históricas produzem novas relações do ho- mem com o trabalho e as ações realizadas nesse processo configu- ram o sentido pessoal que, muitas vezes, não coincide com os sig- nificados objetivos. Com o aparecimento da sociedade mercantil, por exemplo, o homem passa a vender sua mão de obra, cumprindo racionalmente suas funções de assalariado, deixando de ver o resul- tado de suas atividades produtivas, modificando o sentido de sua atividade laboral que, antes, se constituía em uma finalidade subs- tancial da sobrevivência. Marx e Engels (1984) nos esclarecem que: O sistema capitalista pressupõe a dissociação entre os trabalhadores e a propriedade dos meios pelos quais realizam o trabalho. Quando a produção capitalista se torna independente, não se limita a manter essa dissociação, mas a reprodução em es- cala cada vez maior. O processo que cria o sistema capitalista consiste apenas no processo que retira do trabalhador a propriedade de seus meios de trabalho, um processo que transforma em capital os meios sociais de subsistência e os de produção e converte em assalariados os produtores diretos. (MARX & ENGElS,1984, p.830). A constituição dessa nova relação com o trabalho, atividade hu- mana, provocou um estranhamento do homem com o trabalho, ao ponto de promover um choque entre o sentido pessoal e os signifi- cados sociais objetivos. Tal processo nas sociedades de classes serve apenas aos interesses do capital, na medida em que este se apropria e explora a força de trabalho daqueles que necessitam vendê-la para garantir sua sobrevivência. Assim, a relação sujeito-objeto ganha outros contornos na sociedade capitalista.2 2 Não nos aprofundaremos neste tema por fugir ao objetivo do presente texto, mas merece um estudo a parte, pois foi amplamente estudado por Marx, Engels e demais pensadores marxistas. 45Teoria histórico-cultural: implicações para a psicologia | Implicações do materialismo histórico- dialético para a Psicologia No campo da Psicologia as implicações dessa visão marxista de homem representaram a possibilidade de romper com as dicotomias elaboradas pelas concepções empiristas e idealistas, predominantes na ciência psicológica no início do século XX. Como analisam Facci e Silva (1998), temos, de um lado, o empirismo que considera a Psi- cologia uma ciência natural, cujo objeto de estudo deve ser o com- portamento externo do homem; de outro, o idealismo, que considera a Psicologia uma ciência mental, que deve se ocupar do estudo dos processos subjetivos, psíquicos e internos do homem. Vygotsky viu nos princípios do materialismo histórico-dialético a forma de superação dessas tendências conflitantes da Psicologia e de enfrentamento da problemática que envolve as relações sujei- to/objeto e indivíduo/sociedade, para a compreensão do psiquis- mo humano, da aprendizagem e do desenvolvimento. Admitindo a materialidade dos processos psicológicos, Vygotsky elaborou, em conjunto com seus colaboradores, um sistema teórico-metodológico original, fundamento da Teoria Psicológica Geral da Atividade que, posteriormente, foi aprofundada por Aleksei Nikolaevich Leontiev (1903-1979). Os trabalhos de Vygotsky e dos demais integrantes da teoria his- tórico-cultural3, também denominada Escola de Vygotsky, refletem 3 Saviani (2004) aponta Vigotski (1896-1934), leontiev (1903-1979), Da- vidov (1930), luria (1902-1977) e Elkonin (1904-1984) como os autores que compõem a “Escola soviética” de Psicologia. Entre os demais pes- quisadores e continuadores da obra de Vigotski que compõem essa esco- la de pensamento, podemos citar A. Zaporózhets (1905-1981), l. Bozhó- vich (1908-1981), P. Galperin (1902), M.I. lisina (1929-1983) e outros. Para maiores informações, consultar: DAVÍDOV, V.; SHUARE, M. Datos sobre los autores. In: DAVÍDOV, V.; SHUARE, M. (Orgs.). la Psicologia Evolutiva y Pedagógica en la URSS (Antologia). Moscou: Editorial Pro- 46 | Psicologia: reflexões sobre as relações sujeito-objeto a disposição em propor uma nova Psicologia. Para Tuleski (2002, p. 55), Vygotsky objetivou uma psicologia que [...] fosse capaz de eliminar a dicotomia entre cor- po e mente e realizar a síntese. Esta dicotomia foi historicamente o pomo da discórdia entre as teo- rias psicológicas, justificando sua classificação entre idealistas e materialistas. Vygotski parece perseguir o objetivo de superá-la, trazendo para a Psicologia o método proposto por Marx e Engels e construindo a ponte que eliminaria a cisão entre matéria e espírito. (TUlESKI, 2002, p. 55). As atividades profissionais e a elaboração das obras de Vygotsky foram desenvolvidas num período em que a Rússia passava por transformações sociais profundas. As condições objetivas da União Soviética, no período da Revolução Social e Política de 1917, exigiam uma nova compreensão da sociedade e do psiquismo humano. Em seu texto O significado histórico da crise da Psicologia, escrito em 1927, Vygotsky (1991) anunciou para a comunidade científica que a dificuldade primeira da Psicologia, como ciência, era pensar dialeti- camente a relação entre o homem e a natureza. No cerne dessa relação está o problema do conhecimento. Como conhecer é uma atividade do homem concreto, Vygotsky colocou em evidência um problema da Psicologia para o qual buscou respostas na corrente histórico-cultural propondo a aplicação dos princípios dialéticos à Psicologia. Dessa forma reiterou a perspectiva mar- xiana de que a especificidade da atividade humana reside em que, ao transformar os objetos da natureza para o atendimento de suas necessidades, o homem, além de transformar a natureza exterior, transforma, também e ao mesmo tempo, sua natureza interior. gresso, 1987, p.338-344 e SHUARE, Marta. la psicología soviética tal como yo la veo. Moscú: Editorial Progresso, 1990. (GOMES, 2008). 47Teoria histórico-cultural: implicações para a psicologia | No decurso do desenvolvimento histórico da atividade dos ho- mens, as suas aptidões, os conhecimentos e o seu saber-fazer cris- talizaram-se nos seus produtos (materiais, intelectuais, ideais),
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