Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
42setembro/outubro 2003 nº 143 > Revista Brasileira de Contabilidade 43 setembro/outubro 2003 nº 143 ][ José Paulo Cosenza* Ivan Ricardo Guevara Grateron** A auditoria da contabilidade criativa *é contador, professor e doutorando em Finanças e Contabilidade. **é contador, professor e doutorando em Finanças e Contabilidade. > Introdução.> Introdução.> Introdução.> Introdução.> Introdução. A auditoria vem tendo um papel de grande importância no contexto internacional, já que o crescimento e o desenvolvimento da profissão de contador na atividade de auditoria têm influenciado a expansão e a credibilidade dos mercados financeiros e de capitais. Por isso, a percepção dos auditores sobre os diferenciados aspectos que envolvem o fenômeno contabilidade criativa resulta de relevante importância no contexto econômico e social, principalmente diante do quadro atual onde a atividade de auditoria está sendo amplamente questionada. Neste trabalho, apresentam-se e analisam-se, sob diversas perspectivas, os principais fatos associados ao tema contabilidade criativa, earnings management, na terminologia anglo-saxônica. Também se interpretam determinados aspectos causados por tais práticas, principalmente a visão que teriam os auditores sobre esse fenômeno e a expectativa que a maioria dos usuários tem em relação ao papel do auditor na detecção e divulgação desses fatos em seu parecer de auditoria. Além disso, comentam-se as incidências que as práticas de contabilidade criativa utilizadas têm para o processo decisório, tendo como parâmetros a ética profissional, o ponto de vista do auditor e a expectativa dos usuários da informação contábil. Para isso, se discutirá a posição dos auditores frente aos usuários da informação, comentando sua importância quanto à existência da contabilidade criativa nas demonstrações contábeis de seus clientes, seja de forma oculta ou evidente, e a necessidade de o auditor informar tal fato no seu parecer de auditoria. Analisar-se-á, principalmente, o grau de responsabilidade que estes profissionais estariam dispostos a assumir pela existência de práticas de contabilidade criativa nos relatórios financeiros dos seus clientes. A mais importante conclusão que a análise permite deduzir é que, embora os auditores independentes reconheçam a importância do problema da manipulação das demonstrações contábeis, não consideram este aspecto na formação dos auditores iniciantes e tampouco no seu planejamento de auditoria. Além disso, rejeitam qualquer tipo de responsabilidade pelas conseqüências que tais práticas criativas possam causar nas demonstrações contábeis das companhias que são auditadas por eles. 44setembro/outubro 2003 nº 143 > Contexto de auditoria> Contexto de auditoria> Contexto de auditoria> Contexto de auditoria> Contexto de auditoria Aspectos históricosAspectos históricosAspectos históricosAspectos históricosAspectos históricos Os estudos históricos sobre a Contabilidade revelam sua longevidade e forte correlação com a história econômica e o processo de socialização da civilização humana1. No que se refere à auditoria, como atividade contábil que representa, suas origens remontam à época das primeiras civilizações do Oriente Antigo, uma vez que esses povos, ao se constituírem como sociedades organizadas, necessitavam de algum tipo de controle patrimonial e, conseqüentemente, também da inspeção e verificação desse mesmo patrimônio constituído. Também nas civilizações clássicas – grega e romana – foram desenvolvidas formas de auditoria e prestação de contas dos recursos administrados no âmbito das finanças pública, orçamentária e tributária, muito embora exista certa insuficiência de documentos contábeis relativos a tal período. Com o surgimento das sociedades industrializadas, a atividade de auditoria concentrou-se na análise dos sistemas de controles internos no sentido de restringir os erros e as fraudes e representar a real situação patrimonial e financeira das entidades (true and fair view, traduzido como imagem verdadeira e apropriada). Devido ao grande número de companhias, principalmente no Reino Unido, que se declaravam insolventes e eram decretadas falidas, encerrando suas atividades, houve a necessidade de fortalecer o papel do auditor independente, uma vez que essas empresas captavam recursos de terceiros e, muitas vezes, os aplicavam em negócios altamente especulativos ou duvidosos, prejudicando, então, os direitos daqueles que haviam investido em tais empreendimentos2. Assim, desde meados do século passado, a atividade de auditoria vem se desenvolvendo com vertiginosa velocidade e ocupando uma posição de maior importância e necessidade na sociedade contemporânea, ao mesmo tempo em que desempenha um papel privilegiado no mundo dos negócios e no campo profissional. Evolução do conceito de auditoriaEvolução do conceito de auditoriaEvolução do conceito de auditoriaEvolução do conceito de auditoriaEvolução do conceito de auditoria O desenvolvimento da profissão do contador na atividade de auditoria foi estruturado, fundamentalmente, na necessidade que tinham os usuários da informação contábil > A auditoria da contabilidade criativa de contar com uma opinião independente e objetiva que agregasse credibilidade e confiabilidade às manifestações que a gerência faz, por meio das demonstrações contábeis, sobre a situação econômica e financeira da entidade. No entanto, com o crescimento da função de auditoria, faz-se, também, necessário um desenvolvimento prospectivo e mais estrito da norma que regula sua aplicação, com a finalidade de permitir garantia aos usuários de uma informação com todas as suas características, desde o ponto de vista das ciências da comunicação; ou seja, uma informação clara, acessível, fiável, com conteúdo, formato e que adquira valor quando se faça uso dela, devendo ser organizada para poder ser ajustada às necessidades daqueles que a utilizam. Na atualidade, as demonstrações contábeis tradicionais e, principalmente, o parecer de auditoria perderam grande parte de seu poder informativo e explicativo frente às necessidades dos usuários externos3. Em parte porque a responsabilidade do auditor está ficando limitada ou restrita à mera função de emitir um parecer de auditoria, expressando sua opinião profissional sobre o cumprimento e a aplicação dos princípios contábeis geralmente aceitos e das normas usuais de contabilidade. Da forma como é elaborado, este tipo de informe não atende mais às atuais necessidades dos usuários, já que não oferece mais um suporte adequado para tomarem decisões acertadas e oportunas, tendo em vista que este tipo de enfoque não permite responder aos novos desafios colocados por uma atividade econômica em constantes mudanças. Somente um enfoque de auditoria que permita o alargamento do âmbito e do alcance da auditoria ao conhecimento do negócio e que passe a englobar a problemática da continuidade da empresa ou do going concern, além da compreensão do meio em que a empresa está envolvida, responderá aos anseios presentes dos usuários da informação contábil4. Em função disso, cabe perguntar se não haveria a necessidade de se exigir dos auditores uma posição mais crítica e clara sobre a adequação das demonstrações contábeis, vis-à-vis com as decisões que delas se possa auferir, inferir ou deduzir? Com isto estamos nos referindo a que os auditores assumam uma responsabilidade social superior àquela que eles vêm assumindo até o momento. 1 Ver Cosenza, 1999. 2 Cardozo , 1989. 3 Segundo alguns críticos mais ortodoxos, jamais conseguiu cumprir com essa missão. 4 Reis, 1999. > Revista Brasileira de Contabilidade 45 setembro/outubro 2003 nº 143 > Contabilidadecriativa> Contabilidade criativa> Contabilidade criativa> Contabilidade criativa> Contabilidade criativa Alcance do termo contabilidade criativaAlcance do termo contabilidade criativaAlcance do termo contabilidade criativaAlcance do termo contabilidade criativaAlcance do termo contabilidade criativa O termo de origem inglesa earnings management, traduzido como contabilidade criativa pela literatura latina, é um fenômeno que se apresenta atual na prática contábil internacional, por esse tema vir ganhando forte presença, no âmbito mundial, na informação contábil-financeira que as empresas divulgam para a comunidade e os usuários. Algumas mudanças de caráter qualitativo e, quase sempre, com relevantes incidências no aspecto quantitativo, costumam afetar a imagem fiel (true and fair view) exigida pela doutrina contábil, podendo, assim, acarretar possíveis efeitos e conseqüências sobre as decisões que tomam os usuários baseando-se nas demonstrações contábeis. Aparentemente, as normas e os regulamentos estabelecidos, tanto no âmbito legal como profissional, não alcançaram a eficácia desejada com respeito à existência de práticas de contabilidade criativa, considerando que o adjetivo “adequada”5 atribuído à informação financeira pode ser interpretado de diferentes formas6. A transparência informativa das entidades se converteu em um requerimento fundamental para o eficiente funcionamento dos mercados e da ordem socioeconômica em geral, o que tem levado diversos autores da atualidade a escreverem sobre a difusa barreira que separa a chamada contabilidade criativa da fraude contábil. No entanto, o tema contabilidade criativa permite análises a partir de variadas perspectivas e sua conceituação varia em função da extensão que se lhe queira outorgar7. Significado da terminologia contabilidade criativaSignificado da terminologia contabilidade criativaSignificado da terminologia contabilidade criativaSignificado da terminologia contabilidade criativaSignificado da terminologia contabilidade criativa Em função da múltipla abordagem da contabilidade criativa, distintos autores têm oferecido várias interpretações para esse mesmo fenômeno (ver quadro 1), e na leitura de tais referenciações se observam alguns elementos que devem ser considerados na descrição da contabilidade criativa: - Seu interesse está vinculado com o valor da informação contábil para a empresa, no sentido de transmitir determinada situação. - Ela está ligada ao objetivo de apresentar uma imagem desejada, que nem sempre corresponde à melhor imagem da companhia. - Nem sempre está associada com a manipulação do resultado, podendo também estar relacionada com outros aspectos que caracterizam a situação econômica e financeira da empresa. - São totalmente distintos os conceitos de contabilidade criativa e estratégias criativas. - Ela pode estar à margem dos critérios fiscais. - Ela pode alcançar um âmbito mais amplo do que o da própria empresa onde foi gerada. - Não se apresenta muito claro onde está o limite entre ela e a fraude. Partindo desses fatores principais, pode-se deduzir que a contabilidade criativa, na verdade, é uma maquiagem da realidade patrimonial de uma entidade, decorrente da manipulação dos dados contábeis de forma intencional, para se apresentar a imagem desejada pelos gestores da informação contábil. Em função disso, é importante identificar quais são os incentivos que as companhias teriam para praticá-la e conhecer a visão do auditor sobre o assunto para se chegar ao ponto central para a explicação dessa problemática. Na prática, o termo contabilidade criativa envolve a seleção de alternativas possíveis, válidas segundo os princípios e as normas contábeis, realizadas para se conseguir a apresentação mais favorável da informação contábil de uma empresa, em um momento determinado. Para aplicar a contabilidade criativa, o profissional da área contábil se vale, principalmente, da flexibilidade presente nos princípios contábeis e na norma contábil e societária a que cada empresa se submete. Apesar de apresentarem certas restrições quanto à elaboração, contabilização e evidenciação da informação econômico-financeira, em muitos casos permitem contemplar um certo grau de arbitrariedade na escolha daqueles procedimentos que melhor se adaptem aos requerimentos estratégicos da entidade, muitas vezes em detrimento da apresentação da imagem fiel da companhia ou, até mesmo, prejudicando os interesses de alguns dos usuários dessa informação. 5 É por esta razão que se estabelece um conjunto de medidas, normas, regras e exigências, com o objetivo de garantir que a “adequada” informação contábil das empresas chegue até seus usuários, principalmente aquelas referentes às empresas que, por suas especificidades, resultem de interesse para a sociedade. 6 Para efeito deste trabalho, deverá ser associado à aplicação natural dos Princípios Fundamentais de Contabilidade e das Normas Brasileiras de Contabilidade; além do que for pertinente ao tema, emanado da legislação societária vigente. 7 Rodríguez-Vilariño, 1996. 46setembro/outubro 2003 nº 143 > A auditoria da contabilidade criativa 8 Griffiths, 1988. 9 Jameson, 1988. 10 Smith, 1992. 11 Naser, 1993. 12 Blasco, 1998. 13 Gay, 1999. 14 Amat e Blake, 1999. 15 Laínez e Callao, 1999. AUTOR CONCEITUAÇÃO Ian Griffiths8 Todas as empresas manipulam seus resultados e as demonstrações contábeis publicadas estão baseadas em livros contábeis que foram “retocados” com mais ou menos delicadeza. Assim, as cifras que se divulga ao público investidor são alteradas para proteger o culpado (esconder a culpa), o que é a maior farsa desde o “Cavalo de Tróia” e, na realidade, tratam-se de artifícios que não infringem as regras do jogo, sendo considerados totalmente legítimos, e que são denominados como contabilidade criativa. Michael Jameson9 A contabilidade criativa é essencialmente um processo de uso das normas contábeis, que consiste em dar voltas às legislações para buscar uma escapatória baseada na flexibilidade e nas omissões existentes dentro delas para fazer com que as demonstrações contábeis pareçam algo diferente ao que estava estabelecido em ditas normas. Terry Smith10 A contabilidade criativa é uma prática inadequada porque dá a impressão de que grande parte do aparente desenvolvimento empresarial, ocorrido nos anos 80, foi mais um resultado do jogo de mãos contábeis do que do genuíno crescimento econômico, já que muitas empresas se utilizaram dela para apresentar indicadores de crescimento econômico e financeiros não-reais que, em um segundo momento, poderiam se tornar verdadeiros colapsos empresariais. Kamal Naser11 A contabilidade criativa é o resultado da transformação das cifras contábeis de aquilo que realmente são para aquilo que aqueles que a elaboram desejam que sejam, aproveitando-se das facilidades que as normas existentes proporcionam, ou mesmo ignorando-as. Jose Juan Blasco Lang12 O termo contabilidade criativa foi introduzido na literatura contábil para descrever o processo mediante o qual se utilizam os conhecimentos das normas contábeis para manipular as cifras das demonstrações contábeis, sendo na verdade um eufemismo utilizado para evitar fazer referência a estas práticas pelos seus verdadeiros nomes: artifícios contábeis, manipulações contábeis ou fraudes contábeis. Jose María Gay Saludas13 A contabilidade criativa é uma arte onde os grandes artistas da contabilidade – os contadores e os auditores – se aproveitam das brechas oferecidas pelas rigorosas normativas para imaginar um enredo fiscal ou financeiro que lhes permita espelhar a imagem fiscal ou societária desejada para suas companhias. Assim, a contabilidade criativa pode ser catalogada como uma magníficafalsidade de obras de arte contábil, demandadas de estruturas de verdadeira engenharia contábil. Oriol Amat e John Blake14 A contabilidade criativa é o processo mediante o qual os contadores utilizam seus conhecimentos sobre as normas contábeis para manipular os valores incluídos nas demonstrações contábeis que divulgam. Jose Laínez Gadea e Susana Callao15 A contabilidade criativa consiste em aproveitar as possibilidades oferecidas pelas normas (oportunidades, subjetividades, opções de escolha, vazios jurídicos, etc.) para apresentar demonstrações contábeis que reflitam a imagem desejada e não necessariamente aquela que seria na realidade. Logo, ela se encontra em um caminho entre as práticas verdadeiramente corretas e éticas e a ilegalidade ou a fraude, se bem que é difícil delimitar onde acaba a ética e inicia a criatividade e onde termina esta e começa a fraude. Fonte: Elaboração dos autores. > Revista Brasileira de Contabilidade 47 setembro/outubro 2003 nº 143 > Contabilidade criativa, ética e imagem fiel> Contabilidade criativa, ética e imagem fiel> Contabilidade criativa, ética e imagem fiel> Contabilidade criativa, ética e imagem fiel> Contabilidade criativa, ética e imagem fiel Conceito de imagem fiel Conceito de imagem fiel Conceito de imagem fiel Conceito de imagem fiel Conceito de imagem fiel versus versus versus versus versus a contabilidadea contabilidadea contabilidadea contabilidadea contabilidade criativacriativacriativacriativacriativa As ambigüidades dos critérios contábeis dão margens para que se contabilize de forma distinta um mesmo fato patrimonial, o que provoca importantes diferenças na representação de uma mesma realidade patrimonial16. As práticas ditas contabilidade criativa canalizam-se neste contexto e estão fundamentadas no aproveitamento das subjetividades, flexibilidades e omissões das normas contábeis para que se possa, de modo intencional, alterar a imagem fiel da entidade. O conceito de imagem fiel (true and fair view), que é derivado da literatura contábil anglo-saxônica, é uma terminologia de difícil compreensão e interpretação, sobretudo por parte dos usuários contábeis, pois o alcance dessa expressão pode implicar interpretações divergentes sobre um mesmo fato. Logo, não existe uma doutrina internacional que defina precisamente a interpretação da imagem fiel17, por ser um fato de caráter conceptual muito filosófico, o qual não é suscetível de uma definição exata mediante um conjunto de regras detalhadas18. A mais fundamental e essencial característica deste conceito, entretanto, está centrada na discussão “conteúdo/forma”, ou seja: o texto da lei (true), que representa a forma, deverá ter primazia sobre o espírito econômico (fair), que representa o conteúdo, ou vice-versa? Com isso, se apresentam duas correntes teóricas na investigação dessa temática: uma legalista e outra, econômica. A primeira visão entende que a imagem fiel é um objetivo derivado, em definitivo, da conformidade com as disposições legais, de forma que seja um sistema informativo legal19. Para a segunda corrente, a imagem fiel seria algo equivalente à realidade econômica, onde o fundo tem predominância sobre a forma e a informação útil para os usuários deve ser priorizada20. Parece, então, que para efeito do que se entende por imagem fiel, tanto em nível acadêmico, como empresarial, profissional ou jurídico, existe o consenso de que ela é uma resultante da aplicação sistemática e regular dos princípios de contabilidade geralmente aceitos e das normas usuais de auditoria, entendidos estes como os mecanismos capazes de expressar a realidade econômica das transações realizadas. Logo, os conceitos de imagem fiel e contabilidade criativa encontram-se fortemente vinculados e são interdependentes, caracterizando-se como as duas faces de uma mesma moeda21. Perfilar seus limites, alcances e conteúdo, aproximando-os da realidade empresarial, seria a forma de se evitar suas manipulações conceituais22. A contabilidade criativa sempre está associada à modificação da imagem fiel da companhia, com reflexos em suas demonstrações contábeis publicadas para alterar, de modo intencional, a visão e a percepção que alguns usuários, internos ou externos, teriam da informação contábil-financeira no momento de analisá-la e tomar decisões baseando-se nelas. Com isso, como pode ser visto, introduz-se um aspecto de difícil interpretação, que é a intencionalidade ao se efetuar as práticas ditas criativas, o que pode apresentar simultaneamente problemas relativos ao campo da ética profissional e da moral. Princípios éticos frente à contabilidade criativaPrincípios éticos frente à contabilidade criativaPrincípios éticos frente à contabilidade criativaPrincípios éticos frente à contabilidade criativaPrincípios éticos frente à contabilidade criativa A regulamentação no campo contábil e a harmonização das normas internacionais podem vir a reduzir as alternativas de eleição entre princípios contábeis ou regras específicas de valoração aceitas, como os critérios de amortização, depreciação, provisão, etc., os quais podem ser determinantes para induzir a práticas de contabilidade criativa. A partir da ambigüidade das normas e princípios contábeis, gera-se um campo fértil para estimativas subjetivas, calculadas e aplicadas sob as mais variadas diversidades de critérios alternativos e que também podem gerar comportamentos discordantes dos valores éticos e morais23. O aspecto ético relativo ao trabalho de elaborar as demonstrações contábeis deveria prevalecer, pois o Contabilista tem como missão administrar a evidenciação do patrimônio da entidade, de forma que esse represente a imagem fiel da organização ante os usuários internos e externos. Assim, o profissional de contabilidade, seja contador ou auditor, desempenha um papel da maior relevância e importância no contexto empresarial, devendo assumir total responsabilidade nesta e em qualquer análise que se possa fazer relacionada com a prática de contabilidade criativa nas diferentes empresas. 16 Giner, 1992. 17 No seu sentido literal poderia ser traduzida como verdadeira e real ou clara, correta e leal, ou verdadeira e apropriada, ou, também, sinteticamente, visão real e correta. 18 Túa, 1985; Niño, 1992. 19 Gondra, 1991. 20 Gonzalo, Castro e Gabás, 1985. 21 Cosenza, 2003. 22 Rodríguez-Vilariño, 1998. 23 Ver Leung e Cooper, 1995; Fischer e Rosenzweig, 1995; Amat, Blake e Dowds, 1999. 48setembro/outubro 2003 nº 143 > A auditoria da contabilidade criativa O caráter de fé pública da profissão de contabilidade será fundamental para a sobrevivência e o prestígio da classe, devendo ter como decorrência a elevação dos padrões éticos da profissão, a fim de manter o status quo da atividade de auditoria independente24 . Por postura ética profissional entendemos: 1) a necessária adoção da norma técnica requerida, de forma que permita oferecer uma informação útil, oportuna e exata a todos os usuários das demonstrações contábeis; e 2) o seguimento de parâmetros gerais de comportamento de independência, apesar da relação contratual “capital- trabalho” existente. Quando se fala de independência, é preciso compreender que o auditor tem o dever de expressar uma opinião isenta e livre de pressões de qualquer tipo ou pessoa. Para isso, é necessário que demonstre competência, já que existe uma estreita relação entre a competência e a independência25. Caso o auditor não demonstre competência para descobrir uma infração nas contas de seus clientes, muito mais se deixará influenciar pelas pressões desses clientes26. A competência e a independência, de forma conjunta, suportam a credibilidade do auditor e, quanto maior for aprobabilidade de ele ser competente, maior será sua probabilidade de ser independente27. A independência não é nada mais do que uma garantia da objetividade do auditor28 . A análise das normas no âmbito da auditoria permite detectar restrições de natureza legal quanto à independência do auditor e aos choques de interesses no exercício da auditoria externa, o que gera problemas ou conflitos éticos29. Logo, está óbvio que o tema contabilidade criativa introduz, simultaneamente, outra importante discussão, que está relacionada ao aspecto da ética profissional. Com isso, estamos nos referindo a que a contabilidade criativa serpenteia por um caminho de meias verdades que, moralmente, pode ser discutível, levando ao questionamento sobre se os fins justificariam os meios. Na verdade, a contabilidade criativa se move numa linha bem próxima do permissível e do ilegal, ficando muito difícil delimitar onde começa uma e termina a outra, ou vice-versa. > Auditoria, fraude e responsabilidade> Auditoria, fraude e responsabilidade> Auditoria, fraude e responsabilidade> Auditoria, fraude e responsabilidade> Auditoria, fraude e responsabilidade Detecção de fraudes na auditoriaDetecção de fraudes na auditoriaDetecção de fraudes na auditoriaDetecção de fraudes na auditoriaDetecção de fraudes na auditoria Os resultados de pesquisas realizadas sobre as fraudes nas empresas30 apontam que este é um problema comum e crescente a todas elas, decorrente do enfraquecimento dos valores éticos, morais, sociais e, principalmente, da ineficácia dos sistemas de controles internos. Embora os fatores que motivam as pessoas a cometerem a fraude possam ser classificados em três aspectos [1) a oportunidade para cometê-la e escondê-la; 2) a pressão por dificuldades financeiras; e 3) a racionalização do entendimento sobre a falta cometida31], a maioria dos entrevistados concorda que a melhor maneira para se reduzir as fraudes é a sua prevenção. Além disso, reconhecem que nas fraudes há sinais de advertência que podem ser percebidos, permitindo evitá-las ou identificá-las. Assim, embora o auditor independente não seja o responsável e nem mesmo deva ser responsabilizado pela prevenção de fraudes ou erros, deve planejar seu trabalho de auditoria considerando o risco de que tais fatos venham a ocorrer32. Na medida em que o auditor avalia criticamente os sistemas de controles internos, incluindo nos seus programas procedimentos para detectar possíveis existências de fraudes que possam resultar relevantes, tornando-as evidentes, estará caminhando ao encontro dos anseios dos usuários das informações contábeis33. Segundo pesquisa sobre esse aspecto, há uma forte expectativa dos usuários quanto ao grau de segurança 24 Cardozo, 1990. 25 Basto, 1999. 26 Lee e Stone, 1995. 27 Basto, 1999. 28 Robleda, 1995. 29 Palacios, 1999. 30 KPMG, 2002; Corbitt, 2001. 31 Wells, 2001. 32 Ferreira e Souza, 2000. 33 Hall, 1996. > Revista Brasileira de Contabilidade 49 setembro/outubro 2003 nº 143 que a atividade de auditoria independente deve proporcionar contra a existência de incorreções intencionais, ou seja, contra as fraudes34. Apesar de o objetivo principal de um trabalho de auditoria ser o de expressar uma opinião independente acerca da fidedignidade das demonstrações contábeis de uma empresa35 , ao deparar-se com indícios de fraude ou erro, compete ao auditor verificar diligentemente a situação, realizando todos os procedimentos cabíveis, a fim de obter as evidências necessárias para desmascará-las36 . Muito embora estejamos conscientes, primeiro, da impossibilidade da aplicação de um exame de auditoria que garanta a descoberta de todos os tipos de fraudes ou que assegure sua total inexistência, e, também, que a constatação da fraude não constitui o objetivo do auditor e tampouco é sua obrigação, entendemos que o problema da incapacidade da auditoria frente à fraude decorre basicamente da falência dos “procedimentos” de auditoria, ao serem aplicados isoladamente. A crise ética e moral vivida nos últimos anos, com elevados índices de corrupção generalizada, exige que os auditores independentes deixem sua cômoda posição diante deste problema e se dediquem à questão da fraude com maior ênfase e seriedade. Concordamos que a questão é mais metodológica do que ética ou moral, pois, ao não se dispor de uma “metodologia”, acaba-se permitindo tais fatos37. A fraude e a corrupção dificilmente deixam provas diretas, mas, poucas vezes e muito raramente, resistem à metodologia do indício e da prova indireta38. O indício não é a prova, mas, um preceito lógico que pode conseguir as conclusões; já a prova indireta diferencia-se do indício porque passa a confirmar parte de uma suposição da qual é elemento direto39 . Responsabilidade profissional do auditorResponsabilidade profissional do auditorResponsabilidade profissional do auditorResponsabilidade profissional do auditorResponsabilidade profissional do auditor A contabilidade criativa tem sua aplicação nas subjetividades das normas e princípios de contabilidade que permitem margem de escolha dos métodos e critérios contábeis a empregar e, também, da forma de informá-los a terceiros. Com isso, pode-se adotar uma ampla gama de formatações e procedimentos que, geralmente, são muito difíceis de serem detectados, sem uma análise mais criteriosa e profunda no âmbito da auditoria. Todas estas práticas podem ter mais ou menos importância ou estar estendidas em maior ou menor grau de complexidade dependendo, antes de tudo, das probabilidades que os auditores têm para detectá-las e das necessidades de cada companhia em realizá-las. É em função desse problema que se entende que os auditores independentes desempenham um papel fundamental no levantamento e divulgação destas práticas em seus pareceres de auditoria40. A terminologia “responsabilidade”, na concepção da teoria contábil, está intimamente relacionada com a atividade de auditoria. Falar de uma, sem fazer referência à outra, seria, no mínimo, muito complexo. No âmbito internacional , o termo inglês “accountability” parece ser o que mais se aproxima para definir a responsabilidade dentro do campo de atuação do auditor independente. O termo responsabilidade está associado à obrigação de responder por uma autoridade que foi conferida ou delegada41. As normas usuais de auditoria aplicadas em âmbitos nacionais e internacionais atribuem uma indiscutível obrigatoriedade por parte do auditor em divulgar o resultado da revisão praticada com independência, objetividade e imparcialidade. Essa prestação de contas do auditor é expressa no parecer em que emite sua opinião profissional sobre os fatos auditados. No entanto, a importância de alguns fracassos empresariais, acompanhada de certas irregularidades na apresentação da informação contábil e financeira das empresas, têm manchado a imagem de objetividade e independência do auditor, além de sensibilizar a 34 Geiger e Epstein, 1994 35 Alonso, 1976. 36 Zardo, 2001. 37 Sá, 1986. 38 Sá, 1986. 39 Sá, 1986. 40 Monterrey, 1997. 41 Dávila, 1991. 50setembro/outubro 2003 nº 143 opinião pública para esse fato, gerando sérias dúvidas sobre a capacidade profissional dos auditores e sobre a responsabilidade que se espera que estes assumam diante de seus atos e omissões42. Em termos conceituais, a profissão de contador na atividade de auditoria foi concebida como guardiã de dois dogmas básicos do sistema capitalista: a confiança e a transparência43. Para resguardar esses dois pilares filosóficos, a atividade de auditoria independente se desenvolveu com vertiginosavelocidade nas três últimas décadas, ocupando, cada dia mais, uma posição de maior importância e necessidade no mundo dos negócios e no campo profissional. Todavia, a atividade de auditoria não desempenhou o papel privilegiado que a sociedade moderna lhe havia outorgado como avalista da transparência contábil- financeira e, ao contrário, vem colaborando com as fraudes, tornando-se, também, sócia no negócio44. Em teor ia, os auditores dever iam ser responsabilizados por todos os danos e prejuízos que causassem a terceiros, decorrentes do não- cumprimento de suas obrigações profissionais. Contudo, a falta de especif icações sobre as mencionadas obrigações e os casos que ocasionam sua responsabilidade por seu incumprimento não estão claramente definidos nas normativas contábeis e societárias, tanto nacionais, como internacionais45. Tampouco está muito claro o nível de independência e objet iv idade que devem guardar os órgãos encarregados de aplicar as sanções46. Expectativas dos usuários quanto ao trabalhoExpectativas dos usuários quanto ao trabalhoExpectativas dos usuários quanto ao trabalhoExpectativas dos usuários quanto ao trabalhoExpectativas dos usuários quanto ao trabalho do auditordo auditordo auditordo auditordo auditor Devemos destacar, entretanto, que as normas que descrevem o objeto da auditoria na formulação do parecer de auditoria exigem que tal posicionamento seja manifestado com uma opinião profissional sobre a fiabilidade da informação econômico-financeira das entidades e das práticas da gerência, a fim de que possam ser avaliadas e conhecidas por terceiros que não estão participando diretamente do processo decisório dessas companhias47. A partir dessas considerações, é possível afirmar que o serviço de auditoria traz implícito o caráter social dessa atividade. Quando se considera submeter mencionada informação ao conhecimento e avaliação de terceiros, nasce, simultaneamente, uma responsabilidade perante esses usuários, de forma a contemplar a necessidade de responder às expectativas de tais usuários diante da informação contábil e financeira auditada. Contudo, os auditores não aceitam serem responsabilizados pelos fracassos empresariais e sequer concordam em relacionar tais fatos com o processo de auditoria e muito menos admitem a responsabilidade pela emissão de informação “falsificada”, com a utilização da contabilidade criativa48. Para os usuários, todavia, essa relação é mais que evidente. Ainda que alguns deles não acreditem que esses profissionais sejam os culpados diretos pelos fracassos empresariais, entendem que eles teriam um certo grau de responsabilidade quando tais insucessos fossem provenientes de problemas anteriores relacionados com a preservação e continuidade da empresa e não manifestassem tal situação em seu parecer. Na maioria das vezes, quando são consultados sobre esse problema (falta de sucesso empresarial de seus clientes), os auditores têm a reação instintiva e defensiva de declarar que a gestão do empreendimento é absoluta responsabilidade do cliente e que seu fracasso provém das práticas da gerência. Dessa forma, para os profissionais contábeis na atividade 42 Del Cid, 1994. 43 Cosenza, 2002. 44 Cosenza, 2002. 45 Nasi, 1999. 46 Guevara, 1999. 47 IFAC, 1997. 48 Cosenza e Guevara, 2002. > A auditoria da contabilidade criativa > Em termos conceituais, a profissão de contador na atividade de auditoria foi concebida como guardiã de dois dogmas básicos do sistema capitalista: a confiança e a transparência. > Revista Brasileira de Contabilidade 51 setembro/outubro 2003 nº 143 > Essa parece-nos ser a responsabilidade social do auditor: identificar os possíveis indicadores de que a continuidade da entidade corre perigo e prevenir a própria gerência, os acionistas e os demais usuários sobre esse risco. de auditoria, parece estar sumariamente clara a delimitação de responsabilidades; entretanto, para os clientes e usuários, isto não está tão nítido e evidente assim. Na realidade, existe um gap ou diferença com respeito ao que os auditores compreendem por sua responsabilidade e aquilo que os usuários e clientes esperam deles por seu trabalho profissional. Na atualidade, ressalta-se a necessidade de definição mais explícita da responsabilidade dos auditores diante dos fracassos empresariais de seus clientes. Apesar de não estarem obrigados a evitá-los, devem, sim, notificar sua crença ou expectativa de que possam se concretizar. Essa parece-nos ser a responsabilidade social do auditor: identif icar os possíveis indicadores de que a continuidade da entidade corre perigo e prevenir a própria gerência, os acionistas e os demais usuários sobre esse risco. Por exemplo: é possível que o gestor da empresa possa proceder de forma agressiva, dentro de uma situação delicada, podendo correr o risco de provocar a falência da empresa, em vez de salvá-la, com essa atitude. Em um caso como este, o auditor deveria estar obrigado a reconhecer sua responsabilidade, quando não alertasse sobre essa agressividade e suas possíveis conseqüências, divulgando da forma mais conveniente tal situação em seu parecer de auditoria. Ao informar sobre as possíveis conseqüências negativas da agressividade da direção da companhia, ele estaria cumprindo o papel social que lhe foi conferido como fiador da transparência das demonstrações contábeis. Infelizmente, o problema comentado é de caráter mais conceptual e, por isso, sua discussão está restrita ao universo dos pesquisadores e acadêmicos. Os auditores, por seu turno, restringem-se ao interesse profissional e, nesta questão, fecham-se num corporativismo total. Adequação do audi tor ao novo contextoAdequação do audi tor ao novo contextoAdequação do audi tor ao novo contextoAdequação do audi tor ao novo contextoAdequação do audi tor ao novo contexto mundialmundialmundialmundialmundial Quando se discute sobre os termos da responsabilidade dos auditores e as diferentes expectativas existentes frente ao trabalho do auditor, é importante destacar a necessária compreensão de alguns conceitos básicos que estão implicados neste debate. Alguns destes conceitos que entendemos relevantes são: 1) a responsabilidade que tem o auditor e a efetivamente aceita pela detecção e divulgação de fraudes e irregularidades49; 2) a posição e a imagem de independência do auditor com relação a seus clientes e frente à comunidade em geral50; 3) o caráter de serviço público dos auditores ou compromisso e responsabilidade social desta atividade51; e 4) o significado, a oportunidade e a utilidade do parecer do auditor para seus clientes e para os usuários em geral52. De acordo com as normas profissionais emitidas, tanto em âmbito internacional quanto local, está claro o fato de que os auditores não têm e nem assumem nenhum tipo de responsabilidade pela não-detecção de erros e irregularidades que provoquem fraudes53. Somente no caso de que tais irregularidades sejam “relevantes” e tenham “materialidade” significativa, existe a responsabilidade do auditor pela sua não- detecção, na suposição de que as normas de auditoria não fossem observadas54. Não se pode esquecer que a profissão do contador na atividade de auditoria nasceu para afiançar a situação financeira e patrimonial das companhias, detectando práticas e manuseios que pudessem fraudar o patrimônio 49 Ver SAS nº 82. 50 Nasi, 1999. 51 Albuquerque, 1975. 52 Vaini, 1991. 53 No primeiro parágrafo de seu parecer sempre escrevem que sua responsabilidade é emitir um parecer ou expressar uma opinião sobre as demonstrações contábeis auditadas. 54 O auditor pode ser responsabilizadopela não-descoberta de fraude significativa em conseqüência de negligência na execução das normas usuais de auditoria, ou em conseqüência de não tê-las aplicado convenientemente. (Attie, 1991) 52setembro/outubro 2003 nº 143 das entidades, ou seja, tinha por principal objetivo a procura de fraudes55. No entanto, este objetivo evoluiu muito no tempo até se converter, hoje, na simples emissão de um parecer profissional e independente56, onde o auditor se expressa sobre a adequação da posição patrimonial e financeira da entidade aos princípios contábeis e sobre a fiabilidade da informação contida nas demonstrações contábeis, o que não nos parece ser suficiente no atual contexto da profissão. Corrobora tal posicionamento o fato de que as próprias normas internacionais de auditoria estabelecem a necessidade e obrigatoriedade de que o auditor, para chegar a uma opinião profissional sob a forma antes descrita, ao elaborar seu plano de auditoria, ponha à prova os sistemas de controle interno da empresa para diagnosticar irregularidades significativas materialmente. Assim pode-se concluir que os auditores estão liberados somente da responsabilidade pela não- detecção de fraudes de menor importância relativa57. É possível que estes tipos de divergências, distâncias e diferenças sejam diminuídas se for realizada uma revisão sobre o caráter auto-regulador da profissão, estabelecendo verdadeiros sistemas de controle de qualidade dos trabalhos dos auditores. A profissão de contador na atividade de auditoria tem sido objeto de um desenvolvimento permanente e sistemático desde que as grandes firmas de auditoria transladaram suas atividades para fora das fronteiras norte-americanas. Seu desenvolvimento foi fundamentalmente direcionado para a implantação de uma cultura empresarial, acompanhada de uma forte competição para captar o maior segmento do mercado de auditoria. Por outro lado, a preparação ministrada aos auditores, baseada em uma contínua formação e capacitação profissional do staff de auditoria, tem permitido que essas companhias contem com um quadro de pessoal profissionalmente qualificado, com alto nível técnico, e promovam o desenvolvimento da atividade de auditoria no campo profissional e empresarial. Como seria natural, na mesma velocidade com que tem crescido e se desenvolvido a atividade de auditoria, esta acentuada consolidação da profissão gerou as correspondentes expectativas nos clientes e usuários que, somada ao crescimento da indústria e dos mercados durante as décadas de 80 e 90, atuaram como ingredientes responsáveis pela explosão na demanda dos serviços de auditoria e sua respectiva consolidação como atividade do profissional de contabilidade. Na atualidade, a regulamentação da profissão contábil supõe e promove a instauração da auditoria como base para a conexão comunicativa da informação contábil e financeira auditada com os clientes e usuários de dita informação. Todavia, deixa pendente de discussão alguns aspectos, tais como determinar concretamente a função social da auditoria ou identificar uma definição de aceitação geral (clientes, usuários e auditores) sobre a utilidade da informação contábil e financeira e do parecer de auditoria. Pode-se dizer que existe um divórcio entre a função de auditoria independente e a necessidade de informação dos usuários. Essa lacuna termina convertendo-se, então, no grande problema da profissão de contador nessa atividade, que ultrapassa as fronteiras nos diferentes países e suas respectivas legislações. A existência de práticas criativas que desvirtuam o objetivo da auditoria representa outro dos mais importantes problemas da profissão contábil no mundo, considerando sua função social e a responsabilidade que o auditor assume ou deveria assumir. > Contabilidade criativa e auditoria> Contabilidade criativa e auditoria> Contabilidade criativa e auditoria> Contabilidade criativa e auditoria> Contabilidade criativa e auditoria Papel do auditor na contabilidade criativaPapel do auditor na contabilidade criativaPapel do auditor na contabilidade criativaPapel do auditor na contabilidade criativaPapel do auditor na contabilidade criativa Para analisar o papel do auditor frente ao fenômeno da contabilidade criativa é preciso, antes, caracterizar o que se entende pela palavra auditoria e, ao mesmo tempo, circunscrever dito termo no âmbito financeiro e contábil. A auditoria pode ser definida como uma especialidade do conhecimento contábil, que tem a função de cuidar da avaliação dos procedimentos contábeis e da verificação > A auditoria da contabilidade criativa 55 Franco, 1975. 56 A onda de escândalos contábeis que assolou recentemente a economia mundial evidenciou a limitação da independência do auditor, já que, ao participar como fornecedor de outros tipos de serviços contábeis, como consultoria e assessoria, existe um conflito de interesses que leva esses mesmos auditores a assumirem uma postura mais conveniente para com os administradores das companhias nas práticas de fraudes e manipulações contábeis. 57 O argumento dos auditores diante deste conflito é que, caso tenham que assumir a responsabilidade na descoberta de fraudes e irregularidades em um exame normal das demonstrações contábeis de seus clientes, a extensão de seu trabalho se tornaria onerosa para as empresas, inviabilizando a prestação deste tipo de serviço contábil. (Attie, 1991) > Revista Brasileira de Contabilidade 53 setembro/outubro 2003 nº 143 de sua autenticidade, a fim de comprovar sua eficácia e adequação para a evidenciação da realidade patrimonial e financeira das entidades. Como premissa deste artigo, pode-se definir o auditor como aquele profissional de contabilidade que realiza certas atividades de diagnóstico e análise de algo concreto, para avaliar, mediante o contraste de diversos documentos, o grau de adequação do trabalho auditado, conforme a normas estabelecidas que caracterizam uma situação ideal. No âmbito que nos interessa, o contábil-financeiro, a auditoria independente está definida e aceita internacionalmente como uma atividade que analisa a informação de caráter econômico e financeiro e expõe seu resultado para terceiros em um informe que contém a opinião profissional do auditor e, com isso, agrega credibilidade a tais informações, em face do caráter independente do auditor. Essa informação é obtida a partir dos registros contábeis da empresa auditada, bem como de outros documentos e fontes, aos quais se aplica uma série de técnicas de circularização, revisão e verificação, com a finalidade de detectar divergências significativas na aplicação uniforme de critérios e princípios de contabilidade de aceitação geral. Para analisar a relação que guarda o auditor com a contabilidade criativa é importante definir quais são as possibilidades de manipulação das demonstrações contábeis, anualmente publicadas. Os incentivos que podem levar os gerentes a realizarem práticas criativas com a intenção de mostrar a seus usuários uma imagem desenhada e diferente da “real” são múltiplos. Contudo, podem ser agrupados em três grandes categorias: 1) apresentar uma imagem melhor; 2) apresentar uma imagem estável ao longo do tempo; 3) apresentar uma imagem deteriorada. Neste sentido, a empresa pode optar por mostrar uma imagem melhorada, deteriorada ou estável, em comparação com sua imagem “natural ou real”. Extensão do parecer de auditoriaExtensão do parecer de auditoriaExtensão do parecer de auditoriaExtensão do parecer de auditoriaExtensão do parecer de auditoria Entendemos que o profissional de auditoria tem um papel importante no grau de confiança que depositam os usuários da informaçãocontábil e na relativa garantia que devem suportar as decisões dos entes com base em tais relatórios financeiros auditados. Tal fato é uma decorrência do modo imperativo como expressam sua opinião no parecer e isso pode ser evidenciado ao se estudar o conteúdo do parecer do auditor, ao menos em algumas de suas frases mais importantes. Por exemplo, quando afirmam ter examinado as respectivas demonstrações contábeis, consolidadas e individuais e que, em sua opinião, com base em seu exame, as demonstrações contábeis mencionadas representam adequadamente, em todos os aspectos relevantes, a posição patrimonial e financeira da companhia, o resultado das suas operações, as mutações do seu patrimônio líquido e as origens e aplicações dos seus recursos referentes ao exercício findo naquela data, de acordo com as práticas contábeis emanadas da legislação societária. Os conhecedores da atividade de auditoria entendem com facilidade o alcance da opinião de um auditor. Normalmente, estas pessoas sabem como interpretar e tratar cada parágrafo do parecer do auditor e compreendem, claramente, o espírito deste e suas limitações. Entretanto, é bastante comum entre os usuários menos esclarecidos considerar, por exemplo, um parecer sem ressalva (limpo) como se fosse uma garantia quase total de que os registros que estão informados nas demonstrações contábeis são totalmente corretos, exatos, perfeitos, adequados ou qualquer outro termo qualificativo parecido. Talvez isto se deva ao conteúdo e significado altamente técnico das frases que compõem o parecer do auditor que, de forma padrão, dizem: “Em nossa opinião...”, “...nossos exames compreenderam, entre outros procedimentos, a realização das provas e exames de auditoria...”, “...apresentam adequadamente, em todos os aspectos relevantes, a posição...”, entre outras frases ou palavras não menos importantes. Tanto para os usuários conhecedores como para os menos advertidos sobre os aspectos técnicos, o trabalho do auditor representa uma garantia adicional, relativa e independente, que lhes permite tomar decisões concretas com uma maior confiança do que teriam se essas contas anuais não fossem auditadas. Pode ser que isto seja conseqüência do significado, tanto técnico como semântico, de uma frase que está incluída no parecer do auditor, mais especificamente quando este afirma que “…somos da opinião que as referidas demonstrações contábeis apresentam, em 54setembro/outubro 2003 nº 143 todos os aspectos relevantes, a posição patrimonial e financeira da companhia, de acordo com as práticas contábeis emanadas da legislação societária”, além de conterem a informação necessária e suficiente para sua interpretação e adequada compreensão. Diante desta afirmação do auditor, parece que os usuários podem ter a segurança de que as contas anuais não foram manipuladas e que, além disso, contêm toda a informação que requerem para sua total e correta interpretação. Conseqüentemente, isso leva a que tais usuários acreditem que poderiam tomar corretamente suas decisões contábeis, financeiras e econômicas com base em dita informação. Para induzir ainda mais nessa crença, no parágrafo final do parecer do auditor, este se expressa dizendo que as demonstrações contábeis tomadas em seu conjunto estão de acordo com os princípios de contabilidade geralmente aceitos e as normas usuais de auditorias, tendo sido aplicados de forma uniforme e consistente ao longo dos exercícios contábeis. Tal afirmativa, em teoria, permitiria que os usuários realizassem qualquer tipo de análise comparativa, tanto em termos relativos como absolutos. Ao estudarmos o significado da contabilidade criativa e seus efeitos no poder informativo dos relatórios financeiros das entidades, observamos que nenhuma das frases anteriormente citadas do parecer do auditor podem ser interpretadas de acordo com os princípios técnicos destas. A falta de referência à contabilidade criativa no seu parecer padrão distorce e provoca uma erosão, tanto no espírito de sua opinião como na segurança sobre a veracidade da informação auditada. Dessa maneira, dito parecer está obsoleto e se mostra ineficaz diante deste fenômeno denominado contabilidade criativa, se consideramos que sua prática exige o incumprimento dos princípios e normas contábeis, ou o abandono da uniformidade na aplicação destes. Esta situação, principalmente quando for resultante de práticas gerenciais criativas, supõe exceções ou ressalvas na opinião do auditor, se estas forem relevantes, ou, ao menos, a inclusão de parágrafos de ênfase no parecer ou de comentários específicos nas notas explicativas58. A nova expectativa dos usuários do parecer de auditoria obriga os auditores das demonstrações contábeis a assumirem uma responsabilidade maior, ampliando a extensão do parecer tradicional, de forma a permitir uma tomada de decisão mais eficaz e segura59. Porém, parece que os auditores não estão interessados em aceitar este desafio e, muito menos, aprovam incorporar uma atitude com mentalidade inovadora quanto ao escopo do parecer de auditoria, pois, assim sendo, teriam que ampliar o âmbito de aplicação de seu trabalho a aspectos administrativos, financeiros e técnicos relativos ao negócio dos clientes auditados, sabidamente, áreas onde ganham a maior parcela de suas receitas com os serviços de consultoria e assessoria que prestam. Contabilidade criativa na auditoriaContabilidade criativa na auditoriaContabilidade criativa na auditoriaContabilidade criativa na auditoriaContabilidade criativa na auditoria A proliferação das práticas criativas na informação contábil-financeira das empresas auditadas60 vem colocando sob suspeita todo o sistema financeiro internacional e evidenciando a vulnerabilidade dos auditores em detectar e coibir as fraudes contábeis. Por isso, consideramos adequada a indicação e especificação da inexistência de contabilidade criativa no parecer de auditoria, apesar de estarmos conscientes de que a opinião do auditor baseia-se em revelar somente os fatos não-comuns e anormais. Isto quer dizer que o exame de auditoria baseia-se no relato por exceção, o que significa que, de acordo com o critério do auditor, somente são incluídos no seu parecer aqueles fatos que não estão adequados segundo os princípios de contabilidade geralmente aceitos e as normas usuais de contabilidade e auditoria. Pode ser que, ao se obrigar a que o auditor inclua informação referente à existência ou inexistência de práticas criativas em seu parecer, seguramente, o leve a ajustar seus papéis de trabalho de auditoria, obrigando-o a planejar e desenhar provas e exames específicos para detectar tais práticas, limitando, assim, sua atual posição cômoda, complacente e, em alguns casos, até de cumplicidade diante deste fenômeno. Se assumimos que o profissional de contabilidade que > A auditoria da contabilidade criativa 58 Monterrey, (1997. 59 Devaca, 1996. 60 Ver escândalos Enron, WorldCom, Dynergy, Qwest, entre outros não menos importantes. > Revista Brasileira de Contabilidade 55 setembro/outubro 2003 nº 143 atua como auditor independente tem a faculdade de dar fé pública mediante seus relatórios e atuações de caráter profissional, então a discussão desta problemática, contabilidade criativa, cobra uma maior importância do que aparentemente tem. Principalmente se nos recordamos de que as contas anuais preparadas pelos contadores são refletidas nos relatórios de auditoria externa como certas e dignamente representativas da situação financeira real da entidade auditada ou, em termos mais específicos e técnicos, refletem a imagem fiel de ditascontas no momento de sua publicação61. Todavia, é cada vez mais comum a divulgação da situação de empresas que se declaram falidas ou que entram em um processo de concordata, depois de haverem apresentado pareceres de auditoria sem nenhuma ressalva nos anos anteriores. E o mais absurdo disso é que a maioria destas companhias tinham tido suas demonstrações contábeis auditadas pelas empresas de auditoria mais conhecidas internacionalmente. As firmas de auditoria e os auditores, em geral, estão sofrendo fortes críticas por parte da opinião pública, principalmente a especializada, pela posição que ocuparam frente à problemática atual de práticas de contabilidade criativa. As principais críticas aos profissionais de contabilidade que atuam nessa atividade são atitude complacente ou pouco profissional frente à existência de práticas criativas por parte dos gerentes das empresas que auditam. Em alguns casos, inclusive, os auditores são acusados de terem se transformado em cúmplices da gerência, pois, como é sabido, muitas vezes os auditores têm uma implicação importante no desenho das estratégias contábil-financeiras destas companhias. Por meio da contratação do pacote de auditoria, vendem, paralelamente, outros serviços especializados que permitem distorcer, ocultar ou mesmo planejar os resultados econômico-financeiros das empresas, o que, na verdade, se materializa em uma prática de criatividade contábil que irá distorcer a imagem apresentada pela empresa aos seus usuários externos. Contudo, é reconfortante saber que este posicionamento pouco profissional não está generalizado entre aqueles que se dedicam à atividade de auditoria, o que pode ser comprovado ao se revisar os resultados de alguns estudos empíricos realizados neste campo62. De acordo com estes estudos, embora a contabilidade criativa não seja considerada uma prática ilegal, a maioria dos auditores entrevistados manifesta certas reservas sobre sua utilização como uma ferramenta de negócio legítimo e, conseqüentemente, não a aprova, por considerá-la uma prática eticamente inadequada. Todavia, não obstante estes estudos ofereçam dados de verdadeiro interesse, por seu caráter empírico e pelo sensível e representativo critério de escolha dos auditores, é necessário destacar que, por motivos de limitação da amostra pesquisada, não se pode entender essa análise como uma posição conclusiva com respeito à ampla variedade de profissionais de contabilidade que exercem a atividade de auditoria no âmbito internacional. Talvez a imensa gama de incentivos existentes ou, inclusive, a falta de sanções e penalidades específicas a quem manipule a informação contábil sejam os motivos que nos permitam inferir que o fenômeno da contabilidade criativa nas empresas seja difícil de erradicar. Muito pelo contrário, estas mesmas razões nos induzem a pensar que, no futuro, tais práticas serão cada vez mais sofisticadas e difíceis de serem identificadas ou descobertas pelos auditores, e menos ainda por parte dos demais usuários da informação financeira. A impunidade e a indiferença diante desta problemática estão sendo responsáveis pela propagação e desenvolvimento das práticas criativas, permitindo que se tornem cada vez mais perigosas e que se revistam de um grande risco para qualquer decisão que se possa tomar, em qualquer âmbito e nível, baseado nos dados relatados pelas empresas. Frente a este perigo latente e crescente, a comunidade profissional de Contabilidade e a sociedade, em geral, devem exigir do auditor independente que assuma uma posição mais proativa, que lhe permita cumprir a cabo com sua missão, cujo objetivo fundamental está calcado em agregar credibilidade às atitudes da gerência expressadas nas demonstrações contábeis. 61 Não obstante as demonstrações contábeis sejam relativas a uma data concreta, existindo algum fato relevante ocorrido após o fechamento do exercício contábil, estes deveriam ser descritos nas notas explicativas e, sendo de caráter mais grave, com um parágrafo específico no parecer do auditor. 62 Amat, Blake e Moya, 1996; Amat, Moya e Blake, 1997; Oliveiras e outros, 1999; Fortes, 2002; Cosenza e Guevara 2002. 56setembro/outubro 2003 nº 143 Em outras palavras, queremos dizer que o auditor externo, mediante sua atuação profissional, converte- se em uma espécie de garantidor, com caráter de fé pública, em face de uma importante quantidade de pessoas relacionadas, ou não, com a empresa auditada, no que se refere às suas decisões. Diante desta situação, o auditor deve incluir em seu planejamento de trabalho procedimentos específicos que lhe permitam comprovar a existência de, ao menos, as práticas mais comuns de contabilidade criativa, adaptando tais provas de auditoria de acordo com os riscos inerentes de cada setor, empresa, negócio, transação, etc., que potencializem sua manipulação. No caso de o auditor, no seu diagnóstico de auditoria, identificar práticas criativas que a gerência se nega a corrigir, deverá expressar em seu parecer a respectiva ressalva ou os parágrafos esclarecedores que estime necessários, evitando, desta maneira, que a informação chegue distorcida, de forma enganosa e sem nenhuma advertência aos seus usuários. Medidas contra a contabilidade criativaMedidas contra a contabilidade criativaMedidas contra a contabilidade criativaMedidas contra a contabilidade criativaMedidas contra a contabilidade criativa Algumas medidas de controle também têm sido sugeridas para minimizar as possibilidades de se incorrer em práticas de contabilidade criativa. A década de 90 tem sido testemunha de uma profusa publicação de artigos relacionados com as novas filosofias de controle interno nas organizações, onde encontramos, sem exceção, uma importantíssima referência à necessidade de estabelecer mecanismos que permitam a conformação de demonstrações contábeis mais idôneas e confiáveis. Outra questão que encontramos nos relatórios e documentos técnicos e profissionais é a sugestão comum da criação dos comitês de auditoria com funções estritamente de controle, como uma possível ação que minimize a falta de confiança que os usuários depositam nos relatórios financeiros preparados pela gerência e a pouca garantia que os auditores oferecem diante desta situação. Outra ação de controle que tem sido identificada neste sentido é a incorporação de pessoas independentes nos conselhos de administração. Na maioria das companhias, utiliza-se a figura do conselheiro fiscal, uma espécie de garantidor das contas internas que atua de forma independente na análise das > Revista Brasileira de Contabilidade 57 setembro/outubro 2003 nº 143 são pouco convincentes para o auditor, etc. Mesmo para um auditor que tem acesso irrestrito a toda a informação que considere necessária para poder desenhar suas provas e suportar sua opinião – caso contrário se produzirá uma limitação ao alcance do trabalho de auditoria e, por conseqüência, uma ressalva – resulta sumamente difícil identificar as práticas de engenharia contábil onde se manipulam os números das contas anuais, principalmente se tais ajustes são realizados nas contas de capital de giro. Um dos aspectos que sustenta esta afirmação é a dificuldade que existe para identificar a verdadeira intenção que tem a gerência ao optar por um ou outro princípio, método ou norma de contabilidade. Esta subjetividade permite que o gerente escolha os procedimentos que permitem apresentar da melhor forma a imagem desejada por eles, que pode não ser a verdadeira imagem da entidade naquele momento. Não há dúvida de que a contabilidade criativa se apresenta como uma das principais, se nãoa maior, limitações da informação contábil, frente ao paradigma da utilidade, cujo objetivo se baseia em oferecer aos usuários uma informação útil para o seu processo decisório. Ao carecerem dos meios e dados adequados para identificar as manipulações contábeis, esses usuários podem tomar decisões fundamentadas em fatos que não são verdadeiros. Quase todos os autores estudados, ao se realizar este trabalho, coincidem no ponto de vista de que, dentro das sugestões para controlar e minimizar as práticas de contabilidade criativa, o auditor joga um papel principal e preponderante. Também entendem que, para combater esta prática, faz-se necessário introduzir modificações no campo do direito contábil, buscando a existência de normas de maior conteúdo técnico, e ao mesmo tempo se obter um nível mais elevado de detalhamento destas para que se reduza ao máximo possível o grau de subjetividade e flexibilidade dos gerentes na escolha dos critérios contábeis. > Algumas medidas de controle também têm sido sugeridas para minimizar as possibilidades de se incorrer em práticas de contabilidade criativa. contas sobre as atividades da empresa. Igualmente ao que fazem os auditores externos, esses conselheiros deveriam realizar algumas provas para a detecção de práticas criativas, antes de emitir seu relatório. Assim procedendo, o papel desse órgão poderia ajudar na redução da aplicação da contabilidade criativa. A posição do auditor externo diante da existência da contabilidade criativa nas empresas que audita não é nada fácil, já que a contabilidade criativa, algumas vezes, pode estar dentro da margem de legalidade permitida, devido à diversidade de alternativas e opções oferecidas pela contabilidade63. Assim, essa discussão é muito polêmica, pois se a entidade concorda friamente com a posição do auditor, seria uma clara sinalização por parte da gerência de que a empresa aceita e declara estar ou ter incorrido em uma prática de manipulação das cifras contábeis o que, por razões óbvias, os gerentes das empresas jamais estarão dispostos a assumir. Por outro lado, ainda que o auditor tenha fortes suspeitas da existência de uma intenção pouco ética ao manipular os números contábeis para mostrar um resultado desejado, ele não poderá fazer nada se dita manipulação não feriu os princípios e as normas de contabilidade, ou se as incidências ao não respeitá-los são de pouca ou nula importância na estrutura patrimonial da companhia, considerada em seu conjunto. Alguns dos aspectos que deverá considerar cuidadosamente o auditor na determinação da natureza, alcance e oportunidade dos procedimentos de auditoria são baseados na escolha de critérios contábeis onde existem opções divergentes, no entanto, válidas segundo os princípios e normas de contabilidade. Por exemplo, as estimativas contábeis baseadas em critérios muito subjetivos e que pudessem ter um efeito significativo sobre a visão do conjunto patrimonial, as mudanças de critérios contábeis de um período para o outro, fundamentado em argumentos que, embora técnicos, 63 Guevara, 1999. 58setembro/outubro 2003 nº 143 Uma última sugestão feita pelas diferentes comissões de auditoria, em âmbito internacional, diz respeito à participação dos auditores, como conselheiros independentes, nos conselhos de administração das companhias, além de se elaborar sofisticados códigos de comportamento ético e tornar efetiva sua aplicação. Desta maneira se evidencia, uma vez mais, que o problema da contabilidade criativa encontra-se vinculado, principalmente, ao desvirtuamento dos valores éticos e morais dos profissionais e empresários, em conjunto com os da sociedade em que se desenvolvem. Em outras palavras, o problema é considerado de caráter ético, mais do que de caráter técnico. Nele ocupa um lugar importante o crescimento de atitudes corruptas em todos os níveis da empresa e, inclusive, de seus auditores, em alguns casos. Está claro que o problema é de âmbito moral e legal, tendo em vista que criar bilhões de dólares em receitas inexistentes, como foi o caso das principais companhias envolvidas na crise internacional dos escândalos contábeis, não é um problema da contabilidade e, sim, da polícia, cujo único caminho seria a cadeia para todos os culpados!64 A importância das fraudes contábeis não pode ser medida somente em função dos imensuráveis prejuízos financeiros que acarretam, mas, também, dos sociais que se originam na crise de confiança que se desencadeia65. A confiança é o principal ativo social de um país na contribuição para o progresso de uma comunidade e, a partir do momento em que a fraude, o engano, o abuso de poder e a corrupção aniquilam a confiança que permite funcionar uma sociedade, se destrói também sua fonte de criação de riqueza66. Assim, concluímos que o problema da contabilidade criativa, mais do que contábil, é “ético”. Em âmbito internacional, já existem documentos em que se tenta instituir a gestão corporativa responsável. Isto significará um dever maior de transparência, equilíbrio nos poderes, responsabilidade dos acionistas, administradores e controladores, além de uma democratização da sociedade anônima e uma mais efetiva atuação responsável dos auditores independentes67. O que se busca é introduzir conceitos éticos, sociais e morais na gestão empresarial, pois em uma sociedade onde as pessoas tenham valores éticos, morais e sociais mais elevados, certamente ter-se- á menos necessidade de normas e regulamentos que preservem o interesse coletivo68. > Conclusões. > Conclusões. > Conclusões. > Conclusões. > Conclusões. A contabilidade como sistema de informação tem um papel preponderante no processo decisório dos distintos usuários. Todavia, em face de suas limitações para harmonizar os fatores econômicos internos e externos diante dos princípios e normas contábeis, pode levar a informações imprecisas ou mesmo manipuladas, apresentando realidades econômicas aparentes como verdadeiras, o que na literatura se denomina contabilidade criativa. Neste trabalho foi discutido o conceito de contabilidade criativa, sua natureza e motivações, demonstrando que podem existir manipulações da informação contábil, no sentido de apresentar uma situação maquiada da capacidade patrimonial e financeira da companhia. As razões que impulsionam atitudes direcionadas para a aplicação de técnicas criativas nas demonstrações contábeis são múltiplas, sobressaindo aquelas relacionadas com o planejamento tributário e a melhoria da imagem de solvência e de estabilidade da empresa frente ao mercado de capitais, o que tem levado ao surgimento de diversos escândalos financeiros em âmbito mundial. O campo para a proliferação da contabilidade criativa decorre da ambigüidade dos princípios e normas de contabilidade que proporcionam aos gerentes uma margem de subjetividade muito grande na manobra da informação contábil que eles elaboram. Como esses executivos, na maioria das vezes, são remunerados em função da > A importância das fraudes contábeis não pode ser medida somente em função dos imensuráveis prejuízos financeiros que acarretam, mas, também, dos sociais que se originam na crise de confiança que se desencadeia. 64 Cosenza, 2002. 65 Cosenza, 2002. 66 Cosenza, 2002. 67 Cosenza, 2002. 68 Cosenza, 2002. > A auditoria da contabilidade criativa > Revista Brasileira de Contabilidade 59 setembro/outubro 2003 nº 143 69 De acordo com a Security Exchange Commission (SEC), para cada US$ 1 ganho com serviços de auditoria, essas companhias ganham US$ 2,69 com outros trabalhos de não- auditoria, como gestão tributária, consultoria gerencial, assessoria contra riscosgerenciais e novas tecnologias, reorganizações (Financial Times – Big five uncomfortable in the spotlight. By Joshua Chaffin and Hohn Labate, 04/03/2002). BibliografiaBibliografiaBibliografiaBibliografiaBibliografia A.I.C.P.A. Declaraciones sobre normas de Auditoría: Statement on Auditing Standard Nº 82 In: La responsabilidad del auditor ante los fraudes y las irregularidades, IMCP, 1977. ALBUQUERQUE, S.B. Considerações sobre o trabalho do auditor independente: responsabilidade – controle de qualidade. Revista Brasileira de Contabilidade, n. 14, 1975, p. 52-56. ALONSO, J.R. Prevenções e descobertas de fraudes: auditoria e perícias contábeis. Revista Brasileira de Contabilidade, n. 17, 1976, p. 22-29. AMAT, O.; BLAKE, J. Contabilidad Creativa. 3. ed. Barcelona: Gestión 2000, 1999. AMAT, O; BLAKE, J.; DOWDS, J. The ethics of creative accounting. Ethical Issues in Accounting, 1999, p. 24-40. AMAT, O.; BLAKE, J.; MOYA, S. La Contabilidad Creativa en España y en el Reino Unido. Un estudio empírico. Barcelona Management Review, Barcelona, n.3, 1996, p. 68-75. AMAT, O.; BLAKE, J.; OLIVERAS, E. Reflexiones en torno al contenido de la imagen fiel. Técnica Contable, v. 49, n. 578, febrero 1997, p. 81-90. AMAT, O.; MOYA, S.; BLAKE, J. La Contabilidad Creativa. Partida Doble,n.79, junio 1997, p. 24-32. ATTIE, W. Auditoria: conceitos e aplicações. 2.ed. São Paulo: Atlas, 1991. BASTO, E.L. A competência e a independência dos auditores como suportes da credibilidade das demonstrações contãbeis perante os seus utentes. Revista do CRCRS, n. 96, maio 1999, p.49-52. performance da companhia e de seu conseqüente valor de mercado, essa problemática tem se agravado. O auditor deveria ocupar um papel fundamental nesse processo, para não dizer estratégico, atuando como zelador da transparência das informações contábeis para o usuário externo. Todavia, tem sido um dos problemas detectados neste quebra-cabeça. Quase todos os casos de grandes proporções detectados neste campo tiveram o envolvimento da figura do auditor independente. A dualidade das grandes companhias de auditoria tem sido um dos pontos cruciais dessa problemática. Ao fornecer simultaneamente outros serviços, além dos de auditoria, geram um conflito de interesses, já que ao mesmo tempo desempenham o papel de auditores e consultores, que são conflitantes entre si. Enquanto o primeiro tem o papel preponderante de velar pela transparência da informação contábil, ou seja, carimbar a credibilidade das demonstrações contábeis, o segundo busca recomendar como elevar as margens de lucratividade da companhia. Quando não se faz a separação entre as funções de auditoria e de consultoria, a independência do auditor pode estar comprometida por diversos motivos e interesses, dadas as elevadas somas de dinheiro envolvidas na prestação desses serviços adicionais69. Com isso, somos da opinião de que é possível que os auditores participem freqüentemente no desenho das mais convenientes práticas criativas, quando estas sejam uma exigência dos mais altos executivos da empresa, normalmente, para levar a cabo uma estratégia empresarial bem desenhada, principalmente direcionada para o objetivo de diminuição das cargas tributárias. No entanto, os auditores, ainda que reconhecendo ter uma forte participação neste processo, não admitem quase nenhum tipo de responsabilidade por este fato e suas conseqüências. Para finalizar, esperamos que este trabalho possa ter contribuído para o entendimento e discussão dessa posição cômoda dos auditores frente ao problema da contabilidade criativa. Além disso, espera-se estimular a realização de outras pesquisa neste mesmo sentido, dando continuidade ao esclarecimento desse tema e das diferentes posições em torno desta problemática. 60setembro/outubro 2003 nº 143 BLASCO LANG, J.J. De la Contabilidad Creativa al delito contable. Partida Doble, n.85, enero1988, p.33-39. CANO RODRÍGUEZ, M. Análisis de la fiabilidad de la información contable: la contabilidad creativa. Madrid: Prentice Hall, 2002. CARDOZO, J.S. O papel do auditor na sociedade ou o que a sociedade espera do auditor. Revista do CRCRS, v. 18, n. 56, julho 1989, p. 44-52. CARDOZO, J.S. A contabilidade no terceiro milênio. Boletim do IBRACON, v.13, n.149, outubro 1990, p.4-8. CHAFFIN, J.; LABATE, H. Big five uncomfortable in the spotlight. Financial Time, 4 de março 2002. CORDOBES MADUEÑO, M.; MOLINA SANCHEZ, H. Algunas reflexiones sobre la Contabilidad Creativa. Técnica Contable, v. 52, n. 614, febrero 2000, p. 89-110. COSENZA, J.P. A evolução da escrituração contábil através dos tempos: uma revisão histórica da Contabilidade contemporânea com base na literatura contábil. Rio de Janeiro: UERJ, 1999 (dissertação). COSENZA, J.P. De quem é essa crise, da Contabilidade ou do Capitalismo? Vínculo,v.34, n.594, 7ago 2002, p.2. COSENZA, J.P. Contabilidade criativa: as duas faces de uma mesma moeda. (trabalho ganhador do Prêmio Contador Geraldo de la Roque — 2003, promovido pelo CRCRJ) COSENZA, J.P.; GUEVARA, I.R. . . . . A responsabilidade do auditor frente às práticas de contabilidade criativa. Porto: ISCAP, 2002 (Trabalho apresentado no IX Congresso de Contabilidade) CORBITT, T. Figthting fraud. International Accounting Bolletin, february 2001, p. 10. DAVILA GUZMAN, M. La auditoria comprehensiva: un moderno concepto en la auditoria gubernamental. México: IMCP, 1991. DEVACA PAVON, A. Valor agregado del informe de auditoría en un escenario de libre comercio. Revista Brasileira de Contabilidade, v. 25, n. 99, maio-junho 1996, p. 64-72. DEL CID GOMEZ, J.M. Extensión de la responsabilidad del auditor: implicaciones y estrategias defensivas. Técnica Contable, v. 46, n 4, 1994. EPSTEIN, M.J.; GEIGER, M.A. Investor views of audit assurance: recent evidence of the expectation gap. Journal of Accountancy. January 1994, p. 60-66. FERREIRA, A.O.; SOUZA, H.L. Considerações sobre fraudes nas empresas. Revista de Contabilidade do Mestrado em Ciências Contábeis FAF/UERJ, v.5, n. 2, 2000, p. 38-43. FISCHER, M.; ROSENZWEIG, K. Attitudes of students and accounting practitioners concerning the ethical acceptability of earnings management. Journal of Business Ethics, n. 14, 1995, p. 433-444. FORTES, J.S. Contabilidade criativa: um estudo empírico. In: II Simpósio Internacional de Contabilidadede Gestão, Policarpo Gonçalves & Raul Guimarães (Orgs.), Porto: Editora Universidade Fernando Pessoa, 2002, p.569-601. FRANCO, H. A responsabilidade pública do auditor independente. Revista Brasileira de Contabilidade, n. 13, 1975, p. 12-20. GAY SALUDAS, J. M. El perfil fiscal de la Contabilidad Creativa: ¿magia financiera o brujería contable? Partida Doble, n. 98, marzo 1999, p. 98-107. GINER INCHAUSTI, B. Un vistazo a la Contabilidad Creativa. Partida Doble, n. 21, marzo 1992, p.4-12. GONDRA, J.M. Significado y función del principio de “imagen fiel”(“true and fair view”) en el sistema del nuevo derecho de balances. In: Derecho Mercantil de la Comunidad Económica Europea, Madrid, 1991, p. 579 (estudios en homenaje a José Girón Tena). GONZALO, J.A.; CASTRO, E.; GABÁS, F. Los principios contables fundamentales en la actualidad. Vigo, marzo 1985, p. 80 (trabajo presentado en el VII Congreso de Censores Jurados de Cuentas de España). > A auditoria da contabilidade criativa > Revista Brasileira de Contabilidade 61 setembro/outubro 2003 nº 143 GRIFFITHS, I. Contabilidad Creativa: cómo hacer que los beneficios aparezcan del modo más favorable. Bilbao: Ediciones Deusto, 1988. GUEVARA, I.R. Auditoria de Gestão: Utilização de indicadores de gestão no setor público, Cadernos de Estudo do FIPECAFI, n. 21, maio-agosto 1999. HALL, J.J. How to spot fraud. Journal of Accountancy, v. 182, n. 4, October 1996, p. 85-86
Compartilhar