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Entreo desesperoe a esperança:
comoreencantaro trabalho?
Para apsicologiasocial,reconhecimentoéofatorquepermitetransformaro sofrimentoemprazer;resta
sabercomoeporqueasformasatuaisdeorganizaçãoprecisamseralteradasparaqueissoocorra
C I-IRISTOPHE DEJOURS
Nosdiasdehoje,quandosefalado traba-lho, é debom-tomconsiderá-Ioa prioricomoumafatalidade.Umafatalidadeso-
cialmentegerada.E, defato,éprecisoreconhecer
quea evoluçãodo mundodo trabalhoébastante
preocupanteparaosmédicos,paraostrabalhado-
res,paraaspessoascomunsapreenSIvascom as
condiçõesqueserãodeixadasaseusfilhosemum
mundodetrabalhodesencantado.
E, no entanto,no mesmomomentoem que
devemosdenunciarosdesgastespsíquicoscausa-
dospelotrabalhocontemporâneo,devemosdizer
queeletambémpodeserusadocomoinstrumen-
to terapêuticoessencialparapessoasquesofrem
deproblemaspsicopatológicoscrônicos.No que
concerneà visãonegativa,é precisodistinguiro
sofrimentoqueo trabalhoimpõeàquelesquetêm
um empregodo sofrimentodaqueleshomense
mulheresqueforamdemitidosou queseencon-
tram privadosde qualquerpossibilidadede um
diaterum emprego.
Há, portanto,situaçõesde contraste.Surge
inevitavelmentea questãode saberseé possível
compreenderasdiversascontradiçõesqueseob-
servamna psicodinâmicae napsicopatologiado
trabalho.Issosóépossívelsedefendermosatese
da"centralidadedotrabalho".Essatesesedesdo-
braemquatrodomínios:
•no domínio individual, o trabalhoé central
paraaformaçãoda identidadee paraa saúde
mental,
•no domíniodasrelaçõesentrehomensemu-
lheres,o trabalhopermitesuperara desigual-
dadenas relaçõesde "gênero".Esclareçoque
aqui não se deveentendertrabalhoapenas
comotrabalhoassalariado,mastambémcomo
trabalhodoméstico,o querepercutenaecono-
miadoamor,inclusivenaeconomiaerótica,
•no domíniopolítico,é possívelmostrarqueo
trabalhodesempenhaum papelcentralno que
concerneà totalidadeda evoluçãopolíticade
umasociedade,
•nodomíniodateoriado conhecimento,o tra-
balho,afinal,possibilitaaproduçãodenovos
conhecimentos.Isso não é óbvio.O estatuto
do conhecimento,supostamenteelevadoaci-
madascontingênciasdo mundodosmortais,
deveser revistoprofundamentequando se
considerao processodeproduçãodoconheci-
mentoenãoapenaso conhecimento.É o que
sechamade"centralidadeepistemológica"do
trabalho.
Levando-seem contao objetivodestetexto,
examinareiaqui somentea primeiradimensão,
a da centralidadedo trabalhono queconcerneà
formaçãodaidentidadeeàsaúdemental.
Formasdeorganizaçãodotrabalho
As novasformasdepatologiamentalrelacionadas
aotrabalho(verquadronapágina53)dãoumaideia
inicialda importânciadosproblemasdescobertos
pelapráticaclínica,masvaleapenaapresentarasra-
zõeseosprocessosqueprovocamdegradaçõesdesse
porte.Insisto,portanto,nosresultadosrecentesdas
pesquisasetiológicassobreasnovaspatologias:a
deterioraçãodasaúdementalno trabalhoestáin-
trinsecamenteligadaà evoluçãoda organizaçãodo
trabalhoe,emparticular,à introduçãodenovases-
tratégias,entreasquaissedestacam:
• a avaliaçãoindividualizadados desempe-
nhos;
•abuscada"qualidadetotal";
•aterceirizaçãoemescalaeo usocrescentede
trabalhadoresfree-Iancersemvezdo trabalho
assalariado.
A evoluçãodos métodosde organizaçãodo
Dossiê QCH (.:o SE'iTIDO DO TR~B,HHO'?
trabalho constitui uma verdadeira revolução que
aumenta consideravelmentea pressãoprodutiva,
por um lado, e o isolamento e a solidão,por outro.
O aumento daspatologiasmentais ligadas ao tra-
balho resultaessencialmentedafragilizaçãogerada
por métodos deorganizaçãoque, no lugar da con-
fiança,da lealdadee da solidariedade,instalam no
mundo do trabalho o cadaum por si,adeslealdade,
a desestruturaçãodo convívio, produzindo uma
implacável solidão em meio à multidão.
Aquémdapatologia,o sofrimento
no trabalho
Sehoje é possívelestudaros sintomas dapatologia
mental no trabalho, como, ao contrário, definir as
condições que seriam favoráveisà saúdemental?
Para responder a essaquestão,precisamosen-
trar na própria materialidade do trabalho, isto é,
observar os gestosespecíficos,as ideias, os afetos
que constituem o que designamoscomo "o traba-
'lhar".O "trabalhar", assim como se diz "o comer",
"o beber","o dormir" ou, ainda, "o trabalho vivo",
na bela expressãode Marx.
Desdequeos ergonomistasseprestaramao que
sechamaanáliseergonômicado trabalhoe da ativi-
dade,distinguimosdois conceitos:a tarefae a ativi-
dade.A tarefadefineo objetivoa seratingido,assim
como o caminho a serpercorrido, ou seja,o modo
operatório.A tarefaé aquilo queéprescritopelaor-
ganizaçãodo trabalho.Mas estáprovadoqueostra-
balhadores(ou os operadores,como sãodesignados
pelaergonomia)jamais respeitamasprescriçõesem
sua totalidade.Em todas as circunstâncias,inclusi-
ve nas tarefasqueduram menos de um minuto, os
operadores"trapaceiam",Não somentepelo prazer
detransgredirou dedesobedecer,masporque épre-
ciso lidar com asanomalias,os incidentes,aspanes,
os defeitos,os imprevistosque inevitavelmentesur-
gemparaatrapalharo funcionamentodaprodução.
O operador trapaceiapara tentar fazer o melhor
possível,no tempomaiscurto possível.
I)m::\ç\~DO TIL\B\ LllO CO\TE\II'OIl\\EO
Para ChristopheDejours,"o trabalhonãocausao sofrimento;é o<;efrimentoqueproduzotrabalho",Noentanto,"aatualorganização
aotrabalhonãoexplorao sofrimentoemsi,masosmecanismosdede-
fesautillLódoscontraessesofrimento",Asformasatuaisdaorganização
do t,abalOosellamdiretamenteresponsáveis,portanto,pelOaumento
dealgulna'>patologiascorporaise mentaiscontemporãneas,Podemos
classificà-Iassumariamenteemquatrocategorias:
~ Patologiasde sobrecarga,lesõesporesforçorepetitivo,em
particulara burn-out syndrom,o karoshi,distúrbiosmusculares
e 65quEieticos,
~ Pôtologlasrelacionadasa agressõesdequesãovítimasfun-
rj,lnáli05do setorde serviçosna execuçãode tarefascotidi-
anas("gressõesde usuários,clientes,alunosde escolasetc,),
Atlngendesdecaixasdesupermercadoe operadoresdetele-
I'narket'llga funcionáriosdoserviçopúblico,
~ Patologiasresultantesdeassédiomoralou mobbing.
~ Patologiasligadasà intolerânciae à pressãonotrabalhoque
IAJdunocasionarsuicídiosnopróprioambientedetrabalho,Ver
o casode FrancisVerstaen,quese suicidounalinhade mon-
[:1!5f'fnlia Volkswagen,na Bélgica,diantede seuscolegas,A
hi'itÓliaioi retratadanodocumentárioA cadeia do silêncio (La
ciJaTnedu silence), deAgnésLejeune,
oreal
Todos essesincidentes que perturbam o que foi
prescrito constituem aquilo que se denomina o
real,O real é aquilo que se apresentaao trabalha-
dor pela resistênciada matéria, dos utensílios ou
das máquinas. Existe, portanto, um paradoxo no
real. No momento em que uso uma técnica que
conheçobem,eisque,derepente,elanão funciona
mais: é o bugdo computador,a peçaquesequebra
sob a prensa,a máquina que aqueceem demasia,o
corpo do doentequeapresentauma reaçãoalérgica
quando injeto o medicamento etc. Ora, todo tra-
balho é,dessaforma, marcadopela contínua inter-
rupção da resistênciado real.O realsefazconhecer
inicialmente como fracasso.O trabalho vivo é esse
trabalho que consisteem desafiaro real.E essaex-
periência do realé acimadetudo afetivaeserevela
como tal: elageraum sentimentodesurpresa,logo
substituído pelonervosismoe pela irritação,senão
pela cólera ou pela decepção,a fadiga,a dúvida, o
desalento,o sentimentodeimpotência.
A dificuldade com o realéque frequentemente
não se sabe como enfrentá-Io. Não se conhece a
solução. O real é, na maior parte dos casos,uma
prova inédita, inesperada, desconhecida. Assim,
trabalhar implica precisamente a capacidade de
lidar com o real, até encontrar a solução que per-
mitirá superá-lo.
(CD) A inteligência
Se não conheço a solução, é necessàno que eu
a descubra sozinho, Às vezes, é preciso que eu
a invente.Em queconsiste,então,a inteligência
necessáriaparaquesepossasuperaro real?Essa
inteligênciaé a capacidadedereconhecero real,
assumiraprópriaimpotênciadiantedele,aperda
decontrole.Porfim,apartemaisdifícil:darprova
deresistênciaaofracasso.Ou seja,eunãoconsigo,
eunãoposso,masnãodesisto.Insisto,persisto,eu
meobstino,eubusco.Às vezes,esseprocessodura
muitosdias.Pensonelemesmoforado trabalho,
ànoite.Chegoaterinsôniaporcausadomeutra-
balho.Sonhocomele!A inteligênciano trabalho
étudoisso.Parainventarou encontrarasolução,
é precisoseengajarcompletamente,de corpo e
alma,comtodaminhasubjetividade.E, por meio
dessaresistênciafrenteaofracasso,acabareitendo
a intuiçãodasolução.
Mas,deve-sesublinhar,aintuiçãonascedainti-
midadecomatarefa,comamatéria,como objeto
técnico,queresistem.É precisofracassar,resistir,
recomeçar,fracassarde novo,persistir,voltarao
trabalhoe,emdeterminadomomento,surgeuma
ideia,umasolução,queéfrutodofracasso,dafami-
liarizaçãocomele.A soluçãovemdacapacidadede
resistiraofracasso,istoé,dacapacidadedesofrer.
Do sofrimentoàformaçãodehabilidades
A princípio,portanto,trabalharé fracassar,tra-
balharé sofrer.E a soluçãoé um produtodireto
do sofrimentono trabalho.Umacoisamereceser
sublinhada:o sofrimentonãoésomenteaconse-
quênciacontingentee lamentáveldo trabalho.O
sofrimentoé,ao contrário,o quemoveo sujeito
quetrabalhaa buscara soluçãoparaselibertar
dessesofrimentoqueo aflige.Poderíamosmos-
trar queo sofrimentoé tambémo modofunda-
mentalpeloqualseconstituiesseconhecimento
extraordináriodo real,o conhecimentoíntimo
queé tambémum conhecimentopelo corpo.É
o corpoquetocao mundoe a resistênciaquese
opõeànossatécnica.E édesseconhecimentopelo
corpo queemana,emdeterminadomomento,a
ideia,a intuiçãodo caminhoquepermitirácon-
tornaro realesuperá-Io.
Poderíamosmostrar tambémque essare-
sistênciaà luta como realconduzpor fim a um
deslocamentodesi.É precisoalteraraprópriare-
laçãocomo trabalhoparaencontrarasolução,de
maneiraque,no fimdascontas,trabalharnuncaé
somenteproduzir,masétambémtransformarasi
próprio.Ao finaldessaprova,adquirinovashabi-
lidades,novascompetências.Ficomaisinteligente
depoisdaconfrontaçãocomo real(a resistência
domundo)doqueeueraantesdetertrabalhado.
Dessaanáliseda diferenciaçãoentretarefae
atividade,entreo prescritoe o efetivo,como real
entreosdois,épossíveltirarduaslições:aprimei-
raéquetrabalharé,fundamentalmente,percorrer
adistânciaentreo prescritoeo efetivo.Emoutras
palavras,é aquiloqueé necessárioacrescentaràs
prescriçõesafim desobrepujaratarefaeo real.A
segundaé queo trabalhotransformao trabalha-
dore,no melhordoscasos,permite-lheprogredir,
aprimorar-se,realizar-se.Essaé a primeiraabor-
dagemdo prazerno trabalho.Issoestáimplícito
naexpressão"trabalhovivo"(lebendigeArbeit).
Invisibilidadedo"trabalhar"
Mas existeumaespéciedemaldiçãosobreaquilo
queestáno cernedotrabalho.As reaçõesafetivas
àresistênciadorealeaofracassonãosãovisíveis.
A irritação,o desencorajamento,adúvidasobrea
própriacompetêncianão seveem.Minhas insô-
nias,os efeitos'domeumau humorsobremeus
filhos,sobremeucônjuge,nãoseveemnoslocais
detrabalho.E, quandoestousonhandocommeu
trabalho- tempoessencialparatransformação-,
quandoestouimaginandouma solução,minha
imaginação,assimcomoosmeussonhos,nãose
veem.O sofrimento,de maneirageral,não per-
tenceaomundovisível.O sofrimento,comotodos
osafetosesentimentos,comotodasubjetividade,
Pertencimento: o
reconhecimento
do trabalho
confere, em troca
do sofrimento,
a sensação de
pertencimento
que exorciza a
solidão
Enol:l') I:,]
Dossiê Qc.u É o SE:'>TIDO DO TRABALHO?
Invisibilidade: as reaçõesafetivasà resistênciado trabalho nãosão visíveis.O essencial do trabalhopermaneceoculto
como tambémo amor,"(...) seexperimentade
olhosfechados".E como,alémdisso,parachegar
ao resultado,sou obrigadoa usarartimanhas,a
trapaceareaenfrentarosregulamentos,nãopos-
sosequermostrarcomofoi queconseguiresolver
o problemaesuperaro real.
Assim,o essencialdotrabalhoéfundamental-
menteinvisível.Issoconstituiamaldiçãoqueatin-
geo trabalho.O essencialdotrabalhonãosevê.
Trabalhocoletivo,inteligênciano plural
Agora podemosaprofundara descrição,já que
só falei do trabalho consideradoindividual-
mente.Afinal, aspessoasgeralmentenãotraba-
lham sozinhas.Trabalha-separaum chefe,para
seuscolegasou paraseussubordinados.Traba-
lhar em conjuntoé extremamentecomplicado,
sobretudosetodo mundo semetea serinteli-
gente!Pois cadaum traçao próprio caminho,
elaboraasprópriasartimanhas,inventaaspró-
priasdescobertas,constróiosprópriosconheci-
mentos.E inevitavelmentesurgeadesordem,se
nãoo caos!Encontra-seaqui,no plano coletivo,
mais uma vez um hiato, uma separaçãoentre
asprescrições,as injunçõespara trabalharem
conjunto- o quesechamadecoordenação- eo
queefetivamentefazemaquelesqueconseguem
trabalharemconjunto- a cooperação.Entreco-
ordenaçãoecooperação,adistânciaéenorme.
Seriaimpossívelresumirashabilidadespara
mobilizare superara distânciaentreo prescrito
e o efetivo,entrea coordenaçãoe a cooperação.
Imagineo quantoesseprocessoéaomesmotem-
po sutil e fascinante,o quantoeleenvolvesofri-
mentos,conflitose discussões.Em outraspala-
vras,a cooperaçãosó é possívelseos indivíduos
seengajaremnosconflitosenosdebatescoletivos,
ouseja,seelestomaremriscos.
Do sofrimentoaoprazerno trabalho
Se,portanto,o sofrimentoestána interseçãoen-
treo trabalhoindividualeo trabalhocoletivo,por
queentãoaspessoastomamessesriscosasuasaú-
de?Por queseengajamcomtantaenergiaemseu
trabalho,notrabalhovivo?
É porque,emtrocadacontribuiçãoqueelasofe-
recemà organizaçãodo trabalho,à empresaou à
sociedadecomoumtodo,elasesperamumaretri-
buição.Essaretribuiçãoé,emprimeirolugar,ob-
viamentematerial:o salário,oshonorários,asgra-
tificações...Maséfácilperceberqueo quemobiliza
ainteligênciaeo zelo,individuaisecoletivos,nãoé
propriamentea dimensãomaterialdaretribuição;
masa dimensãosimbólica.O queaspessoasespe-
-'21 m1l01~9
ramemtrocadeseuengéarr:entoe deseusofri-
mentoé umaretribuicão;:;lora! queassumeuma
formaextremamentepra.i.sa:o reconhecimento.
Essereconhecimento,no entanto,não é so-
menteum suplementodeespíritonemum sim-
plestapinhacarinhosonascostas.Ao contrário:
o reconhecimentopassapor provasbastanteri-
gorosasqueconsistememjulgamentos.Aqui,po-
demosdizerquehá dois tipos de julgamento:o
julgamentodeutilidadeeo julgamentodebeleza.
Não disponhoaquido espaçoparadescrevê-
los.Masvou indicar,detodomodo,queessesjul-
gamentosdereconhecimento,atrásdosquaistodos
corremos,nãosereferemàpessoadotrabalhador.
O julgamentoesperadoé um julgamentoquese
refereespecificamenteaotrabalhocumprido:àsua
utilidadeporumlado,àsuaqualidadeporoutro.
Apenasquandoobtenhoo reconhecimentoda
utilidadee da qualidadedo meutrabalhoé que
tenhoa satisfaçãointensadaminharelaçãocom
o trabalho..O reconhecimentodo trabalhoé o
quepermitetransformaro sofrimentoemprazer.
O reconhecimentosedistinguedo masoquismo
pelofatodeque,no masoquismo,o sofrimentoé
fontediretadoprazeremfunçãodaerotizaçãodo
sofrimentoou dador.No casodoreconhecimen-
to,trata-sedeum longopercurso:énapassagem
pelotrabalho,pelodesafiodoreal,pelosofrimen-
to,peladescobertadesoluçõesqueo sofrimento
setransformafinalmenteemprazer.
Reconhecimento,identidadeesaúdemental
Um último comentárioparacompreendermosa
relaçãoentretrabalhoesaúdemental:eudisseque
o reconhecimentoserefereaotrabalho.Mas,quan-
do aqualidadedemeutrabalhoéreconhecidape-
losoutros,entãomeépossível-emborasetratede
umaquestãoexclusivamentepessoal- destinaro
reconhecimentodoregistrodofazerparaoregistro
do ser:eu soumaisinteligente,maiscompetente,
maissegurodemimmesmodepoisdotrabalhodo
queantesdele.Poucoapouco,deetapaemetapa,
eu mesmome desenvolvo,minha identidadese
fortalece,eventualmenteeumerealizo.
Podemostambémconstatarqueo reconheci-
mentodaqualidadedo meutrabalhopelosmeus
paresfazdemimumtécnicoouumartesãocomo
osdemaistécnicos,comoosdemaisartesãos,um
pesquisadorcomoos demaispesquisadores,um
psicólogocomoos demaispsicólogos,um chefe
comoos demaischefesetc... Issoquerdizerque
o reconhecimentomeconfereo pertencimentoa
umaequipe,aumacoletividade,aumaprofissão.
O reconhecimentoconfere,portanto,emtrocado
meusofrimento,um pertencimentoqueexorciza
asolidão.Emresumo,o reconhecimentopermite
àquelequetrabalhatransformaro seusofrimento
emdesenvolvimentodesuaidentidade.
Ora, a identidadeé o alicerceda saúdemen-
tal.Todacrisepsicopatológicatrazemsiumacrise
de identidade.Com frequênciasaímosde nossa
infânciamaisou menosdeformados,com uma
identidadeinacabada,incompleta,instável.O tra-
balho,pormeiodaaçãodoreconhecimento,cons-
tituiumasegundachanceparaedificaredesenvol-
vernossaidentidadeeadquirirassimumamelhor
resistênciapsíquicaemfacedosdesafiosdavida.
Certasorganizaçõesdo trabalhofavorecema
psicodinâmicado reconhecimentoe permitem
inscrevero trabalho como mediadorinsubsti-
tuíveldasaúde.Por outro lado,aquelesquesão
privadosdetrabalho,osdesempregadosdelon-
ga dataou desempregadosprimários, perdem
tambémo direitodeoferecerumacontribuição
à organizaçãodo trabalho,à empresae à socie-
dade.Assim, eles estãoprivados de qualquer
reconhecimento,e podemos prever os danos
psicopatológicosesociais- emparticular,o au-
mentodaviolência- queresultamdeumapri-
vaçãodeemprego.
Visto apartirdo teatrodo desemprego,o tra-
balhopareceumprivilégio.Claro!Maso mundo
dotrabalhotampoucoécor-de-rosaecertasorga-
nizaçõesdotrabalhoemvogacostumamdestruir
sistematicamenteasengrenagensdessadinâmica
entrecontribuiçãoe retribuição.Desestruturam
ascondiçõesdo reconhecimentoedacooperação
e minamasbasesdo viverem conjuntono tra-
balho.É preciso,portanto,na medidaemquese
buscauma açãoracionalno campodasrelações
entretrabalhoe saúdemental(e tambémna re-
duçaõdaviolênciasocial)agirem duasfrentes:
aquelado emprego,claro,mastambémaquelada
organizaçãodotrabalho.
Gostariadesublinharqueasnovasformasde
organizaçãodotrabalhopodemedevemserques-
tionadas.Elasnãotêmnadaavercomaconsequ-
ênciainevitáveldeum destino.Todaorganização
do trabalhoé umaconstruçãohumana.Ela sóse
desenvolvecomo consentimentoeacolaboração
de milhõesde homense mulheres.O trabalho
podegeraro pior,atésuicídio,maselepodegerar
o melhor:prazer,autorrealizaçãoeemancipação.
É graçasaotrabalhoqueasmulheresseemanci-
pam da dominaçãodoshomens.Não existene-
nhumafatalidadenaevoluçãoatual.Tudodepen-
dedaformaçãodeumavontadecoletivaafimde
reencantaro trabalho.~

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