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1 IMUNOLOGIA Prof. Ms. Maria Cecília Bianchi Soares 2 I. INTRODUÇÃO AO SISTEMA IMUNOLÓGICO – NOMENCLATURAS, DEFINIÇÕES E PROPRIEDADES GERAIS. INTRODUÇÃO. Imunidade é definida como a resistência a doenças, mais especificamente às doenças infecciosas. O conjunto de células, tecidos e moléculas que são intermediários na resistência às infecções é chamado de sistema imunológico, e a reação coordenada dessas células e moléculas aos microrganismos infecciosos é conhecida como resposta imunológica. A imunologia é o estudo do sistema imunológico e de suas respostas aos microrganismos invasores. A função fisiológica do sistema imunológico é prevenir as infecções e erradicar as infecções estabelecidas. A importância do sistema imunológico para a saúde é facilmente observada em indivíduos com resposta imunológica defeituosa. Estes são suscetíveis à infecções sérias, que freqüentemente põem em risco a vida do paciente. Por outro lado, o estímulo da resposta imunológica contra microrganismos através da vacinação é o método mais eficaz de proteger os indivíduos contra as infecções, sendo esta abordagem que levou à erradicação mundial da varíola. A emergência da AIDS a partir de 1980 enfatizou, de maneira trágica, a importância do sistema imunológico na defesa contra as infecções. Mas o impacto da imunologia vai além das infecções: a resposta imunológica é a principal barreira para o sucesso dos transplantes. Há muitos anos tem-se tentado tratar as neoplasias malignas estimulando-se o sistema imunológico contra as células cancerosas. Além disso, as respostas imunológicas anormais são responsáveis por diversas doenças com alto grau de morbidade e mortalidade. Assim, o campo da imunologia chamou a atenção de médicos, cientistas e leigos. IMUNIDADE INATA E IMUNIDADE ADQUIRIDA Os mecanismos de defesa do hospedeiro são constituídos pela imunidade inata, responsável pela proteção inicial contra as infecções, e pela imunidade adquirida, que se desenvolve mais lentamente e é responsável pela defesa mais tardia e eficaz contra as infecções. Imunidade inata (também chamada de imunidade natural ou nativa) refere-se ao fato de que esse tipo de defesa está sempre presente nos indivíduos saudáveis, estando preparada para bloquear a entrada de microrganismos e para eliminar rapidamente aqueles que conseguem entrar nos tecidos do hospedeiro. A imunidade adquirida (também chamada de específica ou adaptativa) é o tipo de defesa estimulado pelos microrganismos que invadem os tecidos, adaptando-se à presença dos invasores microbianos. A primeira linha de defesa contra os microrganismos é a pele intacta e as membranas mucosas. Se os microrganismos romperem essa linha e entrarem no corpo, então o ramo inato do sistema imune está disponível para destruir os invasores. Devido ao ramo inato serem pré-formados e totalmente ativos, eles podem funcionar imediatamente após a entrada dos microrganismos. É a resistência que existe previamente à exposição ao micróbio (antígeno). Ela é não específica e inclui as defesas do hospedeiro como as barreiras físicas e químicas (pele e membranas mucosas), certas células (células matadoras naturais – Natural Killer – NK), certas proteínas (sistema complemento e interferons) e envolve processos como a fagocitose e a inflamação. A imunidade inata não aumenta após a exposição do organismo e não apresenta memória, em contraste com a adquirida que aumenta e se caracteriza por uma memória de longo período. O ramo inato da imunidade realiza duas funções principais: (1) mata os micróbios invasores; e (2) ativa a imunidade adquirida. Apesar de a imunidade inata poder combater muitas infecções de maneira eficaz, microrganismos patogênicos para os seres humanos (isto é, capazes de causar doença) evoluíram para resistir aos seus mecanismos. A defesa contra esses agentes infecciosos é função da resposta imunológica adquirida, e é por isso que defeitos nesse sistema resultam em maior suscetibilidade a 3 infecções. O sistema imunológico adquirido é formado pelos linfócitos e seus produtos como os anticorpos. Enquanto os mecanismos da imunidade inata reconhecem estruturas comuns à classes de microrganismos, as células da imunidade adquirida expressam receptores que reconhecem especificamente diversas substâncias produzidas pelos microrganismos, assim como moléculas não infecciosas. Essas substâncias são chamadas de antígenos. A imunidade inata e a imunidade adquirida não são independentes uma da outra. Cada sistema atua em relação ao outro e o influencia, seja diretamente ou através da indução de citocinas (mensageiros). Raramente um estímulo desencadeia uma resposta isolada. Ao contrário, ocorrem várias respostas, algumas das quais podem atuar em conjunto ou, ocasionalmente, podem conflitar entre si. De todos os modos, todas as respostas dependem dos três princípios básicos: reconhecimento, ativação e resposta. TIPOS DE IMUNIDADE ADQUIRIDA Existem dois tipos de imunidade adquirida, conhecidos como imunidade humoral e imunidade celular, que são mediadas por células e moléculas diferentes, sendo projetados para fornecer defesa contra microrganismos extracelulares e intracelulares, respectivamente. O ramo da imunidade mediada por células consiste principalmente na ação dos linfócitos T (células T auxiliares e células T citotóxicas), enquanto que o ramo mediado por anticorpos, consiste na ação de linfócitos B (e células plasmáticas). As principais funções dos anticorpos são (1) neutralizar toxinas e vírus e (2) de opsonização de bactérias, tornando-as mais fáceis de serem fagocitadas. Por outro lado, a imunidade mediada por células inibe organismos como fungos, parasitas e certas bactérias e mata células infectadas por vírus e células tumorais. A imunidade pode ser induzida em um indivíduo pela infecção ou pela vacinação (IMUNIDADE ATIVA) ou conferida a um indivíduo pela transferência de anticorpos ou linfócitos de um indivíduo imunizado ativamente (IMUNIDADE PASSIVA). Tabela 1 – Tipos de imunidade adquirida NATURALMENTE ARTIFICIALMENTE Ativa Passiva Ativa Passiva Antígenos penetram no corpo naturalmente (doença, infecção subclínica, dia-a-dia). O corpo produz anticorpos e linfócitos especializados Anticorpos passam da mãe ao feto através da placenta ou ao lactente, através do leite materno Os antígenos são introduzidos nas vacinas; o corpo produz anticorpos e linfócitos especializados Anticorpos pré- formados no soro imune (de outro animal) são introduzidos no corpo. PROPRIEDADES DA RESPOSTA IMUNOLÓGICA ADQUIRIDA As propriedades mais importantes da imunidade adquirida, e aquelas que a distinguem da imunidade inata, incluem a especificidade fina para antígenos estruturalmente distintos e a memória de uma exposição prévia ao antígeno. Especificidade/ Diversidade Esta propriedade é ilustrada pela observação de que uma exposição prévia a um antígeno resulta em uma resposta acentuada a exposições subseqüentes àquele antígeno, mas não à exposição ao outros antígenos, mesmo que bastante semelhantes. O sistema imunológico tem o potencial de distinguir pelo menos 1 bilhão de antígenos ou partes de antígenos diferentes. 4 Memória O sistema imunológico desenvolve respostas mais acentuadas e mais eficazes a exposições repetidas ao mesmo antígeno. A resposta à primeira exposição ao antígeno, chamada de resposta imunológicaprimária, é mediada pelos linfócitos, chamados de linfócitos virgens, que encontraram o antígeno pela primeira vez. A denominação linfócito virgem refere-se ao fato de que essas células são imunologicamente inexperientes, ou seja, nunca encontraram nem responderam a um antígeno. Encontros subseqüentes com o mesmo antígeno levam a respostas, chamadas de respostas imunológicas secundárias, que são geralmente mais rápidas, mais acentuadas e mais eficazes na eliminação do antígeno do que as respostas primárias. As respostas secundárias resultam da ativação dos linfócitos de memória, que são células de longa duração criadas durante a resposta imunológica primária. 5 II. IMUNIDADE INATA: A DEFESA INICIAL CONTRA AS INFECÇÕES INTRODUÇÃO Vivemos num mundo potencialmente hostil, dominado por um número desconcertante de agentes infecciosos de diversas formas, tamanhos, composição e caráter subversivo, que nos utilizariam muito apropriadamente como santuários para propagar seus "interesseiros genes", não tivéssemos também desenvolvido uma série de mecanismos de defesa que se igualam na eficácia e engenhosidade. São estes mecanismos de defesa que têm a capacidade de estabelecer um estado de imunidade contra infecção (do latim immunitas, livre de) e cuja operação fornece a base dessa encantadora e maravilhosa disciplina chamada "Imunologia". Todos os organismos multicelulares, incluindo as plantas, invertebrados e vertebrados, possuem mecanismos intrínsecos para defendê-los contra as infecções microbianas. Como esses mecanismos de defesa estão sempre presentes, são prontamente reconhecíveis e eliminam os patógenos, diz-se que eles constituem a imunidade inata. Os componentes dessa imunidade formam o sistema imunológico inato. A característica comum dos mecanismos da imunidade inata é que eles reconhecem e respondem aos microrganismos, mas não reagem a substâncias não-microbianas. Ela também pode ser desencadeada pelas células do hospedeiro que são danificadas pelos microrganismos. A imunidade inata contrapõe-se à imunidade adquirida, que precisa ser estimulada e se adapta para encontrar o mecanismo antes de se tornar eficaz. Além disso, as respostas imunológicas adquiridas podem ser direcionadas tanto contra antígenos microbianos como os não- microbianos. Acreditou-se por muitos anos que a imunidade inata fosse inespecífica e fraca, sendo ineficaz no combate à maioria das infecções. Atualmente sabemos que a imunidade inata está direcionada especificamente contra microrganismos, sendo um mecanismo de defesa inicial poderoso capaz de controlar, e até mesmo erradicar as infecções antes que a imunidade adquirida se torne ativa. Além da defesa inicial contra as infecções, a imunidade inata também orienta o sistema imunológico adquirido a responder aos diversos microrganismos de maneira eficaz. Por outro lado, a resposta imunológica adquirida geralmente usa mecanismos da imunidade inata para erradicar as infecções. Assim, existe uma comunicação bi-direcional constante entre a imunidade adquirida e a imunidade inata. RECONHECIMENTO DOS MICRORGANISMOS PELO SISTEMA IMUNOLÓGICO INATO – CARACTERÍSTICAS GERAIS QUE OS DIFERENCIAM DO SISTEMA IMUNOLÓGICO ADQUIRIDO Os componentes da imunidade inata reconhecem estruturas que são comuns a diversas classes de microrganismos e que não estão presentes nas células do hospedeiro. Os componentes do ramo inato têm receptores chamados receptores-padrão de reconhecimento (PRR) que reconhecem um padrão molecular presentes na superfície de muitos micróbios e – muito importante – que não estão presentes em células humanas. Utilizando essa estratégia, esses componentes do ramo inato não precisam possuir um receptor altamente específico para cada micróbio diferente, mas ainda podem distinguir o que é estranho (não próprio; non-self) do que é próprio do organismo (self). Por exemplo, os fagócitos expressam receptores para o lipopolissacarídeo bacteriano (LPS – também chamado de endotoxina) presente em muitas bactérias, mas que não é produzido pelas células dos mamíferos. Outros receptores de fagócitos reconhecem resíduos de manoses terminais nas glicoproteínas; muitas glicoproteínas bacterianas possuem manose terminal (ao contrário das glicoproteínas dos mamíferos, que terminam com o ácido siálico ou N-acetilgalactosamina). Os fagócitos respondem ao RNA de dupla hélice encontrado em muitos vírus (mas que não são encontrados em células de mamíferos). As moléculas microbianas que são os alvos da imunidade inata são as vezes chamados de padrões moleculares, indicando que são compartilhados por microrganismos do mesmo tipo. Os 6 receptores da imunidade inata que reconhecem essas estruturas compartilhadas são chamados de receptores de reconhecimento de padrões. Outra característica da imunidade inata que a torna um mecanismo de defesa altamente eficaz é que seus componentes evoluíram para reconhecer estruturas que geralmente são essenciais para a sobrevivência e infectividade dos microrganismos. Conseqüentemente, um patógeno não pode escapar da imunidade inata simplesmente através da mutação ou por não expressar os alvos de reconhecimento: os microrganismos que não expressam formas funcionais dessas estruturas perdem sua habilidade de infectar e colonizar o hospedeiro. Os receptores de superfície das células da imunidade inata são codificados por genes na linhagem germinativa, não sendo produzidos por recombinação genética (como são os receptores da imunidade adquirida). A recombinação genética pode gerar muito mais receptores estruturalmente diferentes. Conseqüentemente, a especificidade da imunidade adquirida é muito mais diversa do que a da imunidade inata, e o sistema imunológico adquirido é capaz de reconhecer muito mais estruturas quimicamente distintas que o ramo inato. O sistema imunulógico inato responde da mesma maneira em encontros subseqüentes com o mesmo patógeno, enquanto o sistema imunológico adquirido responde de maneira mais eficaz a cada encontro sucessivo com um mesmo patógeno. O ramo adquirido se lembra e se adapta. Isso garante que as respostas sejam mais eficazes. A memória é uma característica determinante do ramo adquirido que não ocorre no ramo inato. O ramo inato não reage contra o hospedeiro. Isso em parte é devido à especificidade para estruturas microbianas e em parte porque as células dos mamíferos produzem proteínas reguladoras que evitam essas reações. O ramo adquirido também discrimina o próprio e o não- próprio; no ramo adquirido são produzidos linfócitos que reagem contra auto-antígenos, ms eles são destruídos ou desativados ao se encontrarem com os auto-antígenos. COMPONENTES DA IMUNIDADE INATA. BARREIRAS FÍSICAS E QUÍMICAS A maneira mais simples de evitar uma infecção é impedir que os microrganismos tenham acesso ao corpo. As portas de entrada freqüentes dos microrganismos são a pele e as membranas mucosas dos tratos respiratório, gastrointestinal e geniturinário. Esses são as principais interfaces entre o corpo e o ambiente externo. Portanto os agentes microbianos podem entrar no organismo através do contato físico, através da respiração, da ingestão ou ainda do contato sexual. Essas portas são revestidas por um epitélio contínuo que interfere fisicamente na entrada dos patógenos. A pele, que, quando intacta, é impermeável à maioria dos agentes infecciosos; entretanto quando há uma perda de pele, como por exemplo, em queimaduras, a infecção torna-seum sério problema. Além disso, a maioria das bactérias não consegue sobreviver por muito tempo sobre a pele, devido aos efeitos inibitórios diretos do ácido láctico e dos ácidos graxos presentes no suor e nas secreções sebáceas e ao baixo pH que estes ácidos produzem. A pele é um dos maiores órgãos do corpo, em termos de área que consiste de duas porções distintas a derme a epiderme. A derme, a parte mais interna e espessa da pele, é composta de tecido conjuntivo. A epiderme, a porção mais externa e delgada, está em contato direto com o ambiente externo. A epiderme consiste de camadas de lâminas contínuas de células epiteliais intimamente unidas, com pouco ou nenhum material entre as células. A camada superior de células da epiderme está morta e contém uma proteína à prova d’água, denominada queratina. Além disso, o epitélio 7 contém um tipo de linfócito (linfócito intra-epitelial), que pertence à linhagem das células T, mas expressa receptores de antígenos de diversidade limitada. Se considerarmos as células intimamente unidas, as camadas contínuas e a presença de queratina, podemos entender porque a pele intacta fornece uma barreira tão formidável contra a entrada de microrganismos. A superfície intacta da epiderme saudável raramente é penetrada por microrganismos, salvo exceção constituída pelos estafilococos, mencionada anteriormente. Entretanto quando a superfície epitelial é rompida, uma infecção subcutânea freqüentemente se desenvolve. As membranas mucosas também consistem de uma camada epitelial e uma camada de tecido conjuntivo subjacente. As membranas mucosas revestem os tratos gastrintestinal, respiratório e geniturinário. A camada epitelial de uma membrana mucosa secreta um líquido (muco), que impede o ressecamento dos tratos. Alguns patógenos que podem proliferar nas secreções úmidas da membrana mucosa são capazes de penetrar na membrana, se o microrganismo estiver presente em número suficiente. Além da barreira física apresentada pela pele e pelas membranas mucosas, vários outros fatores mecânicos ajudam a proteger certas superfícies epiteliais. Um destes mecanismos, por exemplo, protege o olho e é o aparato lacrimal, um grupo de estrutura que fabricam e eliminam as lágrimas. As glândulas lacrimais, localizadas em direção à parte superior externa de cada globo ocular, produzem as lágrimas e as drenam sob a pálpebra superior. Dali, as lágrimas passam ao canto do olho, junto ao nariz, e nos dois pequenos orifícios que conduzem dos canais lacrimais ao nariz. As lágrimas são espalhadas sobre a superfície do globo ocular ao piscar. Normalmente, as lágrimas se evaporam ou passam ao nariz tão rápido quanto são produzidas. Esta ação de lavagem contínua auxilia a impedir que os microrganismos colonizem a superfície do olho. Se uma substância irritante ou grande número de microrganismos entram em contato com o olho, as glândulas lacrimais começam a secretar intensamente, e as lágrimas se acumulam mais rapidamente do que podem ser eliminadas. Esta produção excessiva é um mecanismo protetor, pois o excesso de lágrimas dilui e lava a substância irritante ou os microrganismos. Em uma ação de limpeza muito similar à superfície dos dentes e da membrana mucosa da boca. Isto auxilia a impedir a colonização por microrganismos. Os tratos respiratório e gastrintestinal têm muitas formas mecânicas de defesa. O muco é uma secreção levemente viscosa produzida pelas células caliciformes, que aprisiona muitos microrganismos. A membrana mucosa do nariz também tem pêlos revestidos de muco que filtram p ar inalado e aprisionam microrganismos, pó e poluentes. As células da membrana mucosa do trato respiratório inferior são recobertas com cílios. Com movimentos sincronizados, estes cílios propelem o pó e os microrganismos inalados que ficaram presos no muco. A limpeza da uretra pelo fluxo da urina é outro fator mecânico que impede a colonização microbiana do trato geniturinário. As secreções vaginais também movem os microrganismos para fora do corpo da mulher. As glândulas sebáceas da pele produzem uma substância oleosa (sebo) que impede o ressecamento dos pêlos. O sebo também forma um filme protetor na superfície da pele. Um dos componentes do sebo consiste em ácidos graxos insaturados, que inibem o crescimento de certas bactérias patogênicas e fungos. O pH baixo da pele (entre 3 e 5), é causado em parte, pela secreção de ácidos graxos e ácido láctico. As bactérias que vivem comensalmente na pele decompõem as células cutâneas descamadas, e as moléculas orgânicas resultantes e os produtos finais de seu metabolismo produzem o odor do corpo. As glândulas sudoríparas da pele produzem a transpiração que ajuda a manter a temperatura corporal, elimina certos detritos e lava os microrganismos da superfície da pele. A transpiração também contém lisozima, uma enzima capaz de romper a parede celular de bactérias gram positivas e, em menor extensão, de bactérias gram negativas. A lisozima também é encontrada nas lágrimas, na saliva, nas secreções nasais e nos líquidos teciduais. 8 O suco gástrico é produzido pelas glândulas do estômago, sendo uma mistura de ácido hidroclorídrico, enzimas e muco. A acidez muito elevada do suco gástrico (pH 1,2 – 3,0) é suficiente para preservar a esterilidade normal do estômago. Esta acidez destrói as bactérias e a maioria das toxinas bacterianas, exceto as do Clostridium botulinum e do Staphylococcus aureus. Contudo, muitos patógenos entéricos são protegidos por partículas de alimento, e podem penetrar nos intestinos através do trato gastrintestinal. A bactéria Helicobacter pilori neutraliza o ácido gástrico, de modo que pode crescer no estômago. Seu crescimento resulta em gastrite e úlceras. Se os microrganismos conseguirem penetrar no corpo, entram em ação duas importantes operações de defesa: o efeito destrutivo de fatores químicos solúveis, como as enzimas bactericidas, e o mecanismo de fagocitose. Figura 1 - Esquematização da pele e estruturas que a compõem. Figura 2 – Estrutura da pele. Ao lado, em detalhe, corte histológico da pele, mostrando as camadas de queratina, a epiderme e a derme. MICROBIOTA NORMAL Os animais, incluindo os seres humanos, geralmente são livres de microrganismos intra- útero. Entretanto, no momento do parto, as populações microbianas normais e características começam a se estabelecer. Momentos antes do parto, os lactobacilos presentes na vagina da mulher, multiplicam-se. O primeiro contato do recém-nascido com os microrganismos, geralmente é com esses lactobacilos, tornando-se os microrganismos predominantes no intestino do recém-nascido. Mais microrganismos são introduzidos ao corpo do recém-nascido, provenientes do ambiente, quando a respiração e a alimentação se iniciam. Assim, na pele são encontradas várias espécies microbianas tais como Propionibacterium acnes, Staphylococcus epidermidis, S. aureus, Candida albicans e outros. (obs.: os três primeiros são bactérias e o quarto, é um fungo). No trato gastrintestinal, desde a boca até o reto, no sistema urogenital, e no trato respiratório superior, são encontradas várias espécies microbianas, compondo o que denominamos de microbiota ou flora normal. A microbiota normal compete com os patógenos pelos nutrientes, impedindo-os de colonizar o hospedeiro, através da produção de substâncias que são prejudiciais aos patógenos ou 9 pela alteração de condições, afetando o crescimento dos patógenos, como por exemplo, alteração do pH e do oxigênio disponível. A presença da flora normal na vagina, por exemplo, altera o pH e previne a superpopulação de Candida albicans, uma levedura (fungo) que pode causar vaginite.Figura 4 - Componentes da microbiota normal do trato intestinal. FAGÓCITOS: NEUTRÓFILOS E MONÓCITOS/MACRÓFAGOS Os dois tipos de fagócitos circulantes, os neutrófilos e os monócitos, são células sangüíneas recrutadas para os locais de infecção, onde reconhecem e ingerem os microrganismos para que sejam destruídos. Os neutrófilos (também chamados de leucócitos polimorfonucleares neutrófilos – PMNs) são os leucócitos mais abundantes no sangue, totalizando entre 4.000 a 10.000 por mm 3 . Em resposta às infecções, a produção de neutrófilos na medula óssea é estimulada pelas citocinas, conhecidas como fatores estimulantes de colônia, que são produzidas por muitos tipos celulares em Figura 3 barreiras mecânicas, químicas e microbiota normal do hospedeiro. 10 resposta às infecções, e que atuam nas células-tronco da medula óssea, estimulando a proliferação e o amadurecimento dos precursores dos neutrófilos. Os neutrófilos são o primeiro tipo celular a responder à maioria das infecções, particularmente às infecções bacterianas e fúngicas. Eles ingerem os microrganismos na circulação e entram rapidamente nos tecidos extravasculares nos locais de infecção, onde também ingerem os patógenos, morrendo depois de algumas horas. Os monócitos são menos abundantes do que os neutrófilos, totalizando 500 a 1.000 por mm 3 . Eles também ingerem microrganismos no sangue e nos tecidos. Ao contrário dos neutrófilos, os monócitos que entram nos tecidos sobrevivem por longos períodos; nos tecidos, os monócitos se diferenciam em células chamadas de macrófagos. Os monócitos sangüíneos e os macrófagos dos tecidos representam dois estágios de uma mesma linhagem celular, geralmente chamada de sistema fagocitário mononuclear. Macrófagos residentes são encontrados no tecido conjuntivo e em todos os órgãos do corpo, onde desempenham a mesma função que as células fagocitárias mononucleares recém recrutadas da circulação. Os neutrófilos e os monócitos migram para os locais de infecção extravascular ligando- se às moléculas de adesão endotelial e em resposta a estímulos quimioatrativos que são produzidos ma presença dos patógenos. Se um agente infeccioso penetra em um epitélio e entra no tecido subepitelial, os macrófagos residentes reconhecem o patógeno e respondem produzindo proteínas solúveis, denominadas citocinas. Duas dessas citocinas chamadas de Fator de Necrose Tumoral (TNF) e a interleucina -1 (IL-1) agem no endotélio dos pequenos vasos no local da infecção e o resultado da ação dessas citocinas é o aumento da permeabilidade vascular e estimulação dos movimentos amebóides dos fagócitos. Dessa maneira essas células deixam a circulação sangüínea chegando ao tecido infectado, em processo conhecido como diapedese. Fig. 5 – Tipos de leucócitos. Figura 6 – Diapedese de monócitos da corrente sangüínea. Nos tecidos os monócitos tornam-se ativados em macrófagos. 11 Os neutrófilos e os macrófagos reconhecem os microrganismos no sangue e nos tecidos extravasculares através de receptores na sua superfície que são específicos para produtos microbianos. Existem vários tipos de receptores específicos para diversas estruturas ou padrões que são encontrados freqüentemente nas moléculas microbianas. Os receptores Toll-like (TLRs) são específicos para diferentes componentes dos microrganismos. Por exemplo, o TLR-2 é essencial para a resposta dos macrófagos a diversos lipoglicanos bacterianos, o TLR-4 para o lipopolissacarídeo (LPS) bacteriano, o TLR-5 para um componente do flagelo bacteriano chamado de flagelina, e o TLR-9 para os nucleotídeos CpG não metilados das bactérias. Os sinais gerados pela ligação dos antígenos aos receptores TLRs estimulam a produção de citocinas, enzimas e outras proteínas envolvidas nas funções antimicrobianas dos fagócitos ativados. Os neutrófilos e os macrófagos expressam receptores que reconhecem outras estruturas microbianas e que promovem a fagocitose e a destruição dos patógenos. Entre esses receptores inclui-se um que reconhece peptídeos contendo N-formilmetionina (produzido pelos microrganismos, mas não pelas células do hospedeiro). Outros receptores presentes são: receptores de manose, integrinas e receptores scavenger. Os macrófaggos também expressam receptores para citocinas, como o interferon-γ (IFN-γ) que são produzidas durante as respostas imunológicas inata e adquirida. O IFN- γ é um potente ativador das funções microbicidas das células fagocitárias. As células fagocitárias expressam também receptores para produtos da ativação do sistema complemento e para anticorpos, e esses receptores ligam avidamente microrganismos cobertos por proteínas do sistema complemento ou anticorpos (esses últimos somente na imunidade adquirida). O processo de revestimento dos microrganismos para o reconhecimento eficiente pelas células fagocitárias é chamado de opsonização. O reconhecimento dos patógenos pelos neutrófilos e macrófagos leva à sua fagocitose e à ativação dos fagócitos para que destruam os microrganismos ingeridos. O MECANISMO DA FAGOCITOSE A fagocitose é um processo no qual o fagócito estende sua membrana plasmática em torno da partícula microbiana reconhecida; a membrana se fecha e a partícula é internalizada em uma vesícula ligada à membrana, chamada de fagossomo; O processo da fagocitose pode ser resumido como a seguir: 1. Quimiotaxia: é a atração química dos fagócitos aos microrganismos. Entre as substâncias químicas quimiotáticas que atraem os fagócitos estão produtos microbianos, componentes dos leucócitos e células teciduais lesadas e peptídeos derivados do complemento. 2. Aderência: no que se refere à fagocitose, aderência é a fixação da membrana plasmática do fagócito à superfície do microrganismo ou outro material estranho. Em alguns casos, a aderência ocorre facilmente e o microrganismo é prontamente fagocitado. Contudo a aderência pode ser inibida pela presença de cápsulas grandes ou proteína M. Os microrganismos com cápsulas espessas como estes podem ser fagocitados somente se forem aprisionados contra uma superfície áspera, como um vaso sangüíneo, coágulo sangüíneo ou fibra de tecido conjuntivo, do qual o microrganismo não pode se desviar. Os microrganismos podem ser fagocitados mais facilmente se forem revestidos primeiramente com certas proteínas plasmáticas que promovem a fixação do microrganismo ao fagócito. Este processo é denominado opsonização. As proteínas que atuam como opsoninas incluem alguns componentes do sistema complemento e moléculas de anticorpo. 3. Ingestão: durante este processo, a membrana plasmática do fagócito estende projeções denominadas pseudópodes, que englobam o microrganismo. Uma vez que o microrganismo é 12 circundado, os pseudópodes se encontram e se fundem, envolvendo o microrganismo como um saco denominado fagossomo ou vesícula fagocítica. A membrana de um fagossoma possui enzimas que bombeiam prótons (H + ) no fagossoma, reduzindo o pH para cerca de 4, condição necessária para que as enzimas líticas sejam ativadas. Fig. 8 – A proteína actina, presente no citosol é importante nos movimentos amebóides e emissão de pseudópodes para o englobamento de partículas. 4. Digestão: o fagossomo se destaca da membrana plasmática e penetra no citoplasma. Este entra em contato com lisossomos que contêm enzimas digestivas e substâncias bactericidas. No momento do contato, as membranas do fagossomo e do lisossoma se fundem para formar uma única estrutura maior denominada fagolisossoma. O conteúdo do fagolisossoma leva somente 10 a 30 minutos para matar a maioria dos tipos de bactérias.Ao mesmo tempo em que o microrganismo está sendo ligado aos receptores nos fagócitos e ingerido, os receptores mandam sinais que ativam diversas enzimas no fagolisossomo. Uma dessas enzimas, chamada de oxidase fagocitária, converte o oxigênio molecular em ânion superóxido (O2 - ) e radicais livres que incluem o peróxido de hidrogênio (H2O2), oxigênio livre ( 1 O2) e radical hidroxila (OH . ). Essas substâncias são chamadas de intermediários reativos do oxigênio (ROIS). Uma segunda enzima, chamada de sintase do óxido nítrico induzível, catalisa a conversão de arginina em óxido nítrico (NO), que também é uma substância microbicida. Uma série de outras enzimas lisossômicas que atacam as células microbianas diretamente incluem a lisozima, que hidrolisa o peptideoglicano na parede celular bacteriana, as lipases, proteases, ribonuclease e desoxirribonulease, hidrolisam outros componentes macromoleculares dos microrganismos. As enzimas hidrolíticas são mais ativas em pH próximo a 4, que é o pH usual do fagolisossomo, devido ao ácido láctico produzido pelo fagócito. Outras enzimas podem fazer uso destes produtos tóxicos do oxigênio para matar os microrganismos ingeridos. Por exemplo, a enzima mieloperoxidase converte os íons cloreto (Cl - ) e o peróxido de hidrogênio no altamente tóxico ácido hipocloroso (HOCl). Todas essas substâncias microbicidas são produzidas principalmente nos lisossomos e fagolisossomos, agindo nos microrganismos ingeridos sem danificar os fagócitos. Nas reações mais Figura 7 – Macrófago capturando bactérias através da emissão de pseudópodes. 13 fortes, as mesmas enzimas podem ser liberadas no espaço extracelular e causar lesão nos tecidos do hospedeiro. É por essa razão que a inflamação, normalmente uma resposta deproteção do hospedeiro contra as infecções, pode causar lesão tecidual. A deficiência hereditária da oxidase fagocitária é a causa de uma imunodeficiência chamada de doença granulomatosa crônica. Nesse distúrbio, os fagócitos são incapazes de erradicar patógenos intracelulares e o hospedeiro tenta conter a infecção atraindo mais macrófagos e linfócitos, resultando em coleções de células em torno dos microrganismos que são chamadas de granulomas. Além da destruição dos microrganismos fagocitados, os macrófagos desempenham diversas funções importantes na defesa contra as infecções. Os macrófagos produzem as citocinas, que são mediadores importantes na defesa do hospedeiro, como também secretam fatores de crescimento e enzimas que remodelam tecidos danificados, substituindo-os por tecido conjuntivo. Os macrófagos também estimulam os linfócitos T e respondem aos produtos das células T. Essas reações são importantes na resposta imune celular. Figura 9 – Representação esquemática da fagocitose (A) e (B) Figura 10 – Célula de levedura sendo fagocitada. Fotomicrografia eletrônica. Figura 11 – Células de Leishmania fagocitadas. 14 CÉLULAS NATURAL KILLER As células natural killer (NK) são uma classe de linfócitos que respondem aos microrganismos intracelulares destruindo as células infectadas e produzindo uma citocina que ativa os macrófagos, o IFN-γ. Essas células representam cerca de 10% dos linfócitos do sangue e dos órgãos linfóides periféricos. Elas contêm uma grande quantidade de grânulos citoplasmáticos e expressam marcadores de superfície característicos, mas não expressam receptores de imunoglobulinas e de células T. As células NK reconhecem as células do hospedeiro que foram alteradas pela infecção microbiana. Os mecanismos de reconhecimento dessas células não são completamente conhecidos. O que se sabe é que elas expressam diversos receptores para moléculas das células do hospedeiro e que alguns receptores ativam outros inibem a ação dessas células. Entre os receptores que ativam, estão aqueles que reconhecem moléculas de superfície expressas normalmente quando as células do hospedeiro estão infectadas por vírus, incluindo as células fagocitárias contendo vírus e bactérias. Dentre os receptores inibidores estão aqueles específicos para moléculas do complexo de histocompatibilidade principal (MHC) da classe I, que são proteínas expressas na superfície de todas as células nucleadas dos indivíduos. Quando as células NK são ativadas, elas respondem de duas maneiras: em primeiro lugar, a ativação desencadeia a liberação das proteínas contidas nos grânulos citoplasmáticos das células NK em direção às células infectadas. Algumas dessas proteínas alteram a permeabilidade da membrana plasmática das células infectadas e outras entram nas células infectadas e ativam as enzimas que induzem a morte por apoptose, resultando na destruição da célula infectada. Em segundo lugar, as células NK ativadas sintetizam e secretam a citocina IFN- γ que ativa os macrófagos a se tornarem mais eficazes na destruição dos microrganismos fagocitados. O SISTEMA COMPLEMENTO O complemento é um sistema de defesa constituído por mais de 30 proteínas produzidas pelo fígado e encontradas no soro (proteínas séricas) que participam da lise de células estranhas, inflamação e fagocitose. Juntas, as proteínas do sistema complemento destroem os micróbios através da citólise, da inflamação e da fagocitose e também impedem que reações excessivas ocorram aos tecidos do hospedeiro. As proteínas do complemento são designadas pela letra C seguida de um número (ex. C1, C2 ---- C9). Os substratos ativados dessas proteínas são indicados com as letras minúsculas a e b. Ex., a proteína inativa C3 é partida em dois fragmentos ativados: C3a e C3b. Os fragmentos ativados possuem novas funções fisiológicas ou enzimáticas. Figura 12 – Esquematização do processo de digestão intracelular. 15 As proteínas do complemento agem em cascata, isto é, uma reação aciona outra que por sua vez aciona outra e assim por diante. Além disso, como parte da cascata, mais substrato é formado com cada reação sucessiva, de modo que o efeito é amplificado à medida que a reação continua. O RESULTADO DA ATIVAÇÃO DO COMPLEMENTO. A proteína do complemento inativa C3 pode ser ativada por meio de três mecanismos: (1) por uma reação imune antígeno-anticorpo – via clássica; (2) pela interação direta de certas proteínas com polissacarídeos (presentes em alguns antígenos) – via alternativa; e (3) pela via da lectina. Esta última via é ativada quando a lectina ligante de manose (uma proteína plasmática) se liga à manose terminal das glicoproteínas da superfície dos microrganismos. Qualquer que seja a via de ativação, o resultado é o mesmo: há a clivagem de uma proteína denominada C3 que desencadeia uma seqüência de eventos subseqüentes. O componente central do complemento é então, a proteína plasmática denominada de C3 que é clivada pelas enzimas geradas nas etapas iniciais. O principal fragmento proteolítico de C3 é o C3b que se liga de maneira covalente aos microrganismos. O sistema complemento tem três funções na defesa do hospedeiro: em primeiro lugar C3b reveste os microrganismos (opsonização), ligando –se às células fagocitárias através de receptores para esse fragmento expressos por essas células. Em segundo lugar, alguns produtos da degradação das proteínas do complemento são quimioatrativos para os neutrófilos e monócitos, promovendo a inflamação no local. Em terceiro lugar, a ativação do complemento culmina na formação de um complexo protéico polimérico (complexo de ataque à membrana - CAM) que se insere na membrana celular microbiana, formando poros que levam à lise ou à morte do microrganismo. Figura 13 – Sistema complemento. Reação em cascata.16 Figura 14 – Reação de fixação de complemento. Via clássica (a – 1,2,3 e 4). O resultado final é a formação de um complexo de ataque à membrana (CAM) (b) causando a citólise. CITOCINAS DA IMUNIDADE INATA Em resposta aos patógenos, os macrófagos e outras células secretam proteínas, chamadas de citocinas, que são intermediárias em muitas reações celulares da imunidade inata. As citocinas são proteínas solúveis que servem de mediadoras nas reações imunológicas e inflamatórias, sendo responsáveis pela comunicação entre os leucócitos e entre os leucócitos e outras células. A maioria das citocinas cuja estrutura molecular está definida é denominada, por convenção, de interleucina. Na imunidade inata, os macrófagos ativados, ao reconhecerm os microrganismos, são a principal fonte de citocinas. Citocinas são também produzidas na imunidade celular. Nesse tipo de imunidade adquirida, as principais fontes de citocinas são os linfócitos T auxiliares. Todas as citocinas são produzidas em pequenas quantidades em resposta a um estímulo externo (como um microrganismo). Elas se ligam a receptores de alta afinidade nas células-alvo. A maioria das citocinas age nas células qua as produzem (ação autócrina) ou nas células adjacentes (ação parácrina). 17 Tabela 2 – As citocinas da imunidade inata. Algumas características importantes das principais citocinas da imunidade inata. Citocina Principais alvos celulares e efeitos biológicos Fonte(s) principal (s) Fator de necrose tumoral (TNF) Células endoteliais: ativação (inflamação, coagulação). Neutrófilos: ativação. Hipotálamo: febre Fígado: síntese das proteínas da fase aguda; Músculo, tecido adiposo: catabolismo (caquexia). Muitos tipos de células: apoptose Macrófagos, células T Interleucina -1 (IL- 1) Células endoteliais: ativação (inflamação, coagulação). Hipotálamo: febre Fígado: síntese das proteínas da fase aguda; Macrófagos, células endoteliais, algumas células epiteliais Quimiocinas Leucócitos: quimiotaxia, ativação Macrófagos, células endoteliaiss, linfócitos T, fibroblastos, plaquetas IL-12 Células NK e células T: síntese do IFN – γ, aumento da atividade citolítica, Células T: diferenciação em TH1 Macrófagos e células dendríticas Interferon gama (IFN- γ ) Ativação de macrófagos Alguma estimulação da resposta de alguns anticorpos Células T, células natural killer IL-10 Macrófagos: inibição da produção de IL-12, redução na expressão de co-estimuladores e moléculas MHC classe II Macrófagos, células T (principalmente TH2) IFNs do tipo I (IFN-α, IFN-β) Todas as células: estado antiviral, aumento da expressão das moléculas do MHC da classe I. Células NK: ativação IFN-α; macrófagos IFN-β: fibroblastos IL-6 Inibição da ativação das células T Macrófagos, células endoteliais, células T IL-15 Células NK: proliferação Células T: proliferação Macrófagos; outras células IL-18 Células NK e células T: síntese de IFN- γ Macrófagos OUTRAS PROTEÍNAS PLASMÁTICAS DA IMUNIDADE INATA Além do complemento, diversas proteínas circulantes estão envolvidas na defesa contra as infecções. A lectina ligante de manose (MBL) é uma proteína que reconhece carboidratos microbianos e pode cobrir os microrganismos para que sejam fagocitados, ou ativar a cascata do complemento pela via da lectina. A MBL pertence à família de proteínas das colectinas, que são semelhantes ao colágeno. O surfactante pulmonar também pertence à família das colectinas, protegendo as vias aéreas das infecções. A proteína C reativa (PCR) liga-se à fosforilcolina dos microrganismos, revestindo-os para que sejam fagocitados pelos macrófagos que expressam um receptor para PCR. Os níveis circulantes de muitas dessas proteínas plasmáticas aumentam rapidamente após a instalação de uma infecção. Essa resposta é chamada de resposta da fase aguda à infecção. 18 As respostas imunológicas inatas aos diversos tipos de microrganismos podem variar, sendo projetadas para elimina-los da melhor maneira possível. As bactérias e os fungos extracelulares são combatidos por fagócitos, pelo sistema do complemento e pelas proteínas da fase aguda. A defesa contra as bactérias e vírus intracelulares é mediada pelos fagócitos e células NK, e as citocinas fornecem a comunicação entre essas células. EVASÃO DA IMUNIDADE INATA PELOS MICRORGANISMOS Os patógenos evoluíram de forma a resistir aos mecanismos da imunidade inata, sendo conseqüentemente, capazes de entrar e colonizar seus hospedeiros. Algumas bactérias possuem estruturas que inibem a aderência, como a proteína M presente na parede celular de Streptococcus pyogenes e as cápsulas de várias espécies. Nem todos os microrganismos fagocitados são mortos pelas enzimas lisossômicas. Coxiella burnetti (Febre Q) requer o pH baixo dentro de um lisossomo para se replicar. As toxinas de estafilococos e as enzimas de Listeria monocytogenes e Shigella flexneri lisam os fagolisossomos. A parede celular das micobactérias, (ex.Mycobacterium tuberculosis), contém um lipídeo que inibe a fusão do fagossomo com o lisossomo. Essas bactérias então, se multiplicam dentro do fagócito, preenchendo-o quase completamente. Na maioria dos casos o fagócito morre e os microrganismos são liberados por autólise para infectar outras células. O PAPEL DA IMUNIDADE INATA NA ESTIMULAÇÃO DAS RESPOSTAS DA IMUNIDADE ADQUIRIDA Além do reconhecimento dos microrganismos e combate às infecções, a imunidade inata tem uma importante função que é a de alertar o sistema imunológico adquirido de que é necessário que seja desencadeada uma reposta imunológica eficaz. A resposta imunológica inata gera moléculas que funcionam como “segundos sinais” que, junto com os antígenos, ativam os linfócitos T e B. A ativação completa dos linfócitos específicos para um determinado antígeno requer dois sinais: o próprio antígeno representa o “sinal um”; e as respostas imunológicas aos patógenos e o dano às células do hospedeiro podem fornecer o “sinal dois”. Tais sinais não só estimulam a imunidade adquirida como direcionam a natureza dessa resposta. Os microrganismos intracelulares e que foram fagocitados precisam ser eliminados pela imunidade celular (mediada pelos linfócitos T), isto quer dizer que, os patógenos que foram ingeridos ou que vivem no interior dos macrófagos induzem os segundo sinais, através da secreção da citocina IL-12. Em contraste, os microrganismos no sangue precisam ser combatidos pelos anticorpos, que são produzidos pelos linfócitos B durante a resposta humoral. Esses microrganismos ativam o sistema complemento que por sua vez estimula a ativação das células B e a produção de anticorpos. 19 III. CAPTURA E APRESENTAÇÃO DOS ANTÍGENOS AOS LINFÓCITOS: O QUE OS LINFÓCITOS VÊEM INTRODUÇÃO A resposta imunológica adquirida é iniciada quando os receptores antigênicos dos linfócitos reconhecem os antígenos. Os linfócitos T e B diferem em relação aos antígenos que reconhecem. Os receptores de antígenos dos linfócitos B são anticorpos ligados à membrana que podem reconhecer uma variedade de macromoléculas (proteínas, polissacarídeos, lipídeos e ácidos nucléicos), assim como pequenas substâncias químicas em solução ou associadas à superfície celular. Dessa maneira, a resposta imunológica humoral (mediada pelas células B) pode ser ativada por vários tipos de antígenos. Por outro lado, a maioria dos linfócitos T só pode identificar fragmentos peptídicosde antígenos protéicos, e assim mesmo apenas quando estes são apresentados por moléculas especializadas nas células do hospedeiro. Conseqüentemente, a resposta imunológica celular (mediada por células T) só pode ser ativada por antígenos protéicos associados às células do hospedeiro. ANTÍGENOS RECONHECIDOS PELOS LINFÓCITOS T A maioria dos linfócitos T reconhece antígenos peptídicos que estão ligados à e são apresentados pelas moléculas do complexo de histocompatibilidade maior (MHC) das células apresentadoras de antígenos (APCs). Todas as células possuem moléculas sobre suas superfícies que são exclusivas de cada indivíduo. Essas moléculas são denominadas complexo de histocompatibilidade principal (MHC) (também denominadas antígeno leucocitário humano ou HLA). Descobriu-se que o MHC é o locus genético cujos produtos principais desempenham o papel de moléculas apresentadoras de peptídeos no sistema imunológico. Essas moléculas representam o principal determinante para aceitação ou rejeição de enxertos de tecidos trocados entre indivíduos. Através das moléculas do MHC, o corpo é capaz de diferenciar o que lhe é próprio (self) do que não o é (non self). Os diferentes clones de células T de todos os indivíduos só podem reconhecer os peptídeos quando eles são apresentados pelas moléculas do MHC. Assim, cada célula T tem uma especificidade dupla: o receptor da célula T (TCR) reconhece alguns aminoácidos de antígenos peptídicos e também reconhece a molécula do MHC que está apresentando o antígeno peptídico. Figura 15 – Moléculas do MHC na superfície da célula apresentadora de antígeno (APC) (seta cheia); receptor de célula T (TCR) (seta tracejada). Verificar o reconhecimento, pelo TCR, tanto da molécula de MHC quanto do antígeno. 20 Figura 16 – Idem anterior: reconhecimento simultâneo de moléculas do MHC e do antígeno. As células especializadas que capturam os antígenos microbianos e os apresentam para serem reconhecidos pelos linfócitos T são chamadas células apresentadoras de antígenos (APCs). CAPTURA DOS ANTÍGENOS PROTÉICOS PELAS CÉLULAS APRESENTADORAS DE ANTÍGENOS Os antígenos protéicos dos patógenos que entram no corpo são capturados pelas APCs profissionais e concentrados nos órgãos linfóides periféricos, onde a resposta imunológica é iniciada. Os microrganismos entram no corpo principalmente pela pele (contato), ou pelas mucosas dos tratos gastrointestinal (ingestão) e trato respiratório (inalação) e alguns são transmitidos pela picada de insetos e assim são injetados na corrente sangüínea. Todas as interfaces entre o corpo e o meio externo são revestidas por tecido epitelial que contém uma população de APCs profissionais que pertencem a uma linhagem de células dendríticas. Na pele, as células dendríticas epidérmicas são chamadas de células de Langerhans. Como dito anteriormente, essas células possuem receptores (TLRs) para determinadas moléculas presentes nos microrganismos e através dos quais capturam e realizam a endocitose dos antígenos microbianos. Assim, os antígenos protéicos dos microrganismos que entram no corpo são transportados para as regiões dos linfonodos onde é mais provável que os antígenos encontrem os linfócitos T, sendo ali concentrados. Há vários tipos diferentes de APCs que desempenham essa função (apresentação de antígenos para as células T CD4 – T helper): As células dendríticas são as principais indutoras de tais respostas. O macrófago, que está presente em grande quantidade em todos os tecidos, é outro tipo importante de APC. As APCs profissionais também podem estar envolvidas no desencadeamento da resposta dos linfócitos T CD8+ (citotóxicos). Alguns patógenos, como os vírus infectam rapidamente as células do hospedeiro e só podem ser erradicados pelas CTLs (linfócitos T citotóxicos) que destroem as células infectadas. O sistema imunológico, especialmente os linfócitos T CD8+, deve ser capaz de reconhecer os antígenos desses microrganismos moleculares. Entretanto os vírus podem infectar qualquer tipo de célula, e não apenas APCs profissionais. Como então os linfócitos T CD 8+ virgens são capazes de responder aos antígenos intracelulares das células infectadas? Um mecanismo provável é que as APCs ingerem as células infectadas, apresentando os antígenos presentes nessas células para que sejam reconhecidos pelos linfócitos T CD8+. Esse processo é chamado de apresentação cruzada. 21 Agora que sabemos como os antígenos são capturados, transportados para os órgãos linfóides periféricos e aí concentrados, a próxima questão é: “Como os antígenos são apresentados aos linfócitos T????”. Para responder à essa pergunta é preciso entender o que são as moléculas do MHC e como é o seu funcionamento nas respostas imunológicas. ESTRUTURA E FUNÇÃO DAS MOLÉCULAS DO MHC. As moléculas do MHC são proteínas presentes na membrana das APCs.: Descobriu-se que o MHC é o locus genético que é o principal determinante para aceitação ou rejeição de enxertos de tecidos trocados entre indivíduos. Ou seja, os indivíduos que apresentam loci do MHC idênticos (animais consangüíneos ou gêmeos idênticos) aceitam enxertos uns dos outros, enquanto indivíduos com loci do MHC diferentes rejeitam tais enxertos. O locus do MHC é uma coleção de genes encontrada em todos os mamíferos que codifica as moléculas do MHC das classes I e II. As moléculas do MHC das classes I e II são proteínas transmembrana que contêm na sua porção amino terminal, uma fenda que liga peptídeos. Apesar de a composição da subunidade das moléculas das classes I e II ser diferente, sua estrutura geral é muito semelhante. As moléculas do MHC classe I consistem de uma cadeia polipeptídica pesada de 44 kDa, ligada de maneira não-covalente a uma proteína chamada β2-microblobulina (codificada por outro gene que não o do MHC) e estão presentes em todas as células do corpo, exceto nos eritrócitos. Os domínios 1 e 2 da molécula do MHC de classe I formam uma fenda de ligação de peptídios grande o suficiente para acomodar peptídios de oito a 11 aminoácidos (peptídios do antígeno). O assoalho da fenda é a região que liga o peptídio para apresentá-lo ao linfócito T, enquanto que as laterais e a parte superior da fenda entram em contato com o receptor da célula T. O domínio 3 é o local de ligação para o receptor CD8 da célula T. Assim, as células T CD8 só podem responder aos peptídios apresentados pelas moléculas do MHC da classe I, as moléculas do MHC às quais o co-receptor CD8 se liga. As moléculas do MHC classe II também são glicoproteínas transmembrana que, neste caso consistem de duas cadeias polipeptídicas e β, de 34 e 29 kDa, respectivamente. As regiões amino terminais das duas cadeias, chamadas de domínios 1 e β1 contêm resíduos polimórficos e formam uma fenda maior, que acomoda peptídios de 10 a 30 resíduos (do antígeno). O domínio β2, contém o local de ligação para o co-receptor CD4 da célula T. Como o CD4 se liga às moléculas do MHC da classe II, as células CD4 positivas só podem responder aos peptídios apresentados pelas moléculas do MHC da classe II. As moléculas do MCH da classe II estão presentes apenas sobre as superfícies das células apresentadoras de antígeno profissionais (APCs), isto é macrófagos e células dendríticas, e também dos linfócitos B e dos linfócitos T que foram estimulados por um antígeno. As fendas de ligação de peptídios das moléculas do MHC ligam peptídios derivados de antígenos protéicos, apresentando-os para reconhecimento pelas células T. Cada molécula do MHC pode apresentar apenas um peptídio de cada vez, porque possui apenas uma fenda, mas cada molécula do MHCé capaz de apresentar diversos tipos de antígenos. As moléculas do MHC das classes I e II de um indivíduo são únicas. Embora gêmeos idênticos possuam moléculas do MHC idênticas, a probabilidade de gêmeos não idênticos possuírem moléculas idênticas é baixa (1 para 4) e extraordinariamente baixa entre os indivíduos não irmãos. 22 Figura 17 – Estrutura das moléculas de MHC classes I e II. Fendas de ligação para acomodação de antígenos peptídicos (seta contínua). Os domínios das cadeias das classes I e II que são locais de ligação dos receptores CD8 e CD4 (respectivamente) estão indicados pelas setas pontilhadas. As moléculas da classe I se expressam em todas as células nucleadas, mas as moléculas da classe II se expressam principalmente nas APCs profissionais, como as células dendríticas e nos macrófagos e linfócitos B. O PROCESSO DE EDUCAÇÃO TÍMICA NO DESENVOLVIMENTO DO AUTO-TOLERÂNCIA As células do sistema imune aprendem a diferenciar o que é próprio do organismo do que o que não o é, no timo. Quando o sistema imune começa a desenvolver-se no feto, células-tronco migram para o timo, onde dividem-se até converter-se em linfócitos T. Durante o desenvolvimento do timo, qualquer linfócito T que, por meio de seus receptores de antígenos, reaja contra as moléculas do MHC do timo (proteínas do próprio corpo) é eliminado (deleção clonal). À qualquer linfócito T que tolere o MHC do timo e se ligue a essas moléculas, por meio de suas proteínas de superfície (células CD4+ ou CD8+) e aprenda a cooperar com células que apresentam moléculas exclusivas do MHC do corpo, é permitida a maturação e a sua saída do timo. O resultado é que os linfócitos T maduros toleram as células próprias do corpo e podem cooperar com outras células do organismo quando solicitadas para defendê-lo. Se os linfócitos T não se tornarem tolerantes às moléculas do MHC, eles podem atacar o corpo. No entanto, algumas vezes, os linfócitos T perdem a capacidade de diferenciar o que é próprio do corpo do que não o é, acarretando doenças auto-imunes como o lúpus eritematoso sistêmico (lúpus) ou a esclerose múltipla. No timo ainda ocorre a seleção positiva, isto é, as células CD4 e CD8 positivas que não se ligam, por meio dessas moléculas (CD4 ou CD8) às proteínas do MHC são também eliminadas. No timo ocorrem dois processos importantes denominados educação tímica: 1. As células CD4 e CD8 positivas que expressam os receptores de antígenos para as proteínas próprias são mortas (deleção clonal) por um processo de morte celular programada denominado apoptose. A remoção dessas células auto-reativas, processo denominado seleção negativa, resulta na tolerância às próprias proteínas, isto é, a auto- tolerância e previne reações auto-imunes; 23 2. Os linfócitos cujas moléculas CD4 ou CD8, não reagem com as proteínas do próprio MHC são também eliminadas. Esse processo resulta na seleção positiva para células T, que reconhecem as proteínas do próprio MHC. Esses dois processos produzem células que são selecionadas por sua habilidade de reagir contra antígenos estranhos, e de se ligar às proteínas do MHC, por meio de seus receptores. Essas duas características são necessárias para que as células T apresentem uma resposta imune efetiva. Note que as proteínas do MHC realizam duas funções essenciais na resposta imune; uma é a seleção positiva das células T no timo, (visto anteriormente) e a outra é a apresentação de antígeno para as células T, o passo inicial necessário para ativar essas células. As proteínas MHC são também os antígenos mais importantes reconhecidos no processo de rejeição de transplantes. Figura 18 – processo de educação tímica na maturação dos linfócitos T. 24 IV O RECONHECIMENTO ANTIGÊNICO – O QUE E COMO AS CÉLULAS DO SISTEMA IMUNOLÓGICO VÊEM O QUE AS CÉLULAS DO SISTEMA IMUNOLÓGICO VÊEM – OS ANTÍGENOS. Antígenos são moléculas que reagem com anticorpos e células imunes ativadas, enquanto que imunógenos são moléculas que induzem uma resposta imune. Na maioria dos casos antígenos e imunógenos são termos que podem ser usados como sinônimos. Entretanto existem importantes exceções como, por exemplo, os haptenos. Um hapteno é uma molécula que não é imunogênica por si só, mas pode reagir com anticorpos específicos. Os haptenos são geralmente moléculas pequenas, embora alguns ácidos nucléicos de alto PM também sejam considerados haptenos. Muitas drogas como a penicilina e o catecol (presente no óleo de plantas que causam envenenamento, tais como aroeira e hera), também são haptenos. Os haptenos não são imunogênicos porque não podem ativar as células T auxiliares, devido à inabilidade de se ligarem às proteínas do MHC (não são polipeptídeos e somente polipeptídeos podem ser apresentados pelas moléculas do MHC). Embora não possam ativar uma resposta imune sozinhos, os haptenos podem ligar-se a proteínas “carreadoras”. A combinação hapteno-proteína torna-se imunogênica, induzindo uma resposta através da ativação de células T auxiliares. Agora combinado, o hapteno pode ser apresentado pelas moléculas do MHC sendo reconhecido como estranha. Características que determinam a imunogenicidade de uma molécula: A – Ser estranha (não própria; non-self) B – Possuir alto peso molecular: Imunógenos potentes são proteínas com PM acima de 100.000. Moléculas com PM abaixo de 10.000 são fracamente imunogênicas; C – Complexidade química estrutural: homopolímeros de aminoácidos são menos imunogênicos que heteropolímeros de 2 ou 3 diferentes aminoácidos; D – Determinantes antigênicos (epítopos): pequenos grupos químicos presentes nas moléculas de antígeno que podem induzir ou reagir com anticorpos. Um antígeno pode ter um ou mais determinantes antigênicos. A maioria dos antígenos possui vários epitopos, isto é, multivalente. Em geral, um determinante é, aproximadamente, do tamanho de cinco aminoácidos ou açúcares. A estrutura tridimensional, como um todo, é o principal critério de especificidade antigênica. RECONHECIMENTO ANTIGÊNICO DA IMUNIDADE ADAPTATIVA: OS RECEPTORES DAS CÉLULAS T E B (COMO AS CÉLULAS VÊEM) A imunidade mediada por células e anticorpos é extremamente específica ao organismo invasor, pois a ativação dos linfócitos é desencadeada pelo reconhecimento antigênico. O reconhecimento antigênico específico é a tarefa de dois tipos estruturalmente similares de proteínas de linfócitos: anticorpos ligados à membrana das células B e receptores de células T (TCRs) em linfócitos T. Receptores celulares no sistema imune servem para duas funções: eles detectam estímulos externos (antígenos) e estimulam a resposta das células nas quais os receptores são expressos, isto é ativam estas células. Para reconhecer grande número e variedade de antígenos, os receptores de antígenos dos linfócitos devem ser capazes de se ligar e distinguir entre muitas, e com freqüência, intimamente relacionadas, estruturas químicas. 25 Receptores de antígenos são clonalmente distribuídos, o que significa que cada clone de linfócitos possui uma especificidade particular que tem um único receptor, diferente dos receptores de todos os outros clones. O número total, ou repertório, de especificidades dos linfócitos é muito grande, porque o sistema imune consiste em muitos clones com especificidades distintas. RECEPTORES DE ANTÍGENOS DE LINFÓCITOS B (IMUNOGLOBULINAS) X RECEPTORES DE ANTÍGENOS DE LINFÓCITOS T (TCRS): CARACTERÍSTICAS DIFERENCIAIS.Os receptores de antígenos dos linfócitos B e T reconhecem estruturas quimicamente diferentes: LB são capazes de reconhecer formas e estruturas, ou conformações de macromoléculas nativas, incluindo proteínas, lipídios, carboidratos e ácidos nucléicos, bem como pequenos grupos químicos simples e partes de macromoléculas, enquanto que LT, na maioria dos casos, responde apenas à peptídios e quando esses peptídios se apresentam ligados às moléculas do MHC das células apresentadoras de antígeno (APCs). As porções de reconhecimento antigênico são chamadas regiões variáveis (V), e as porções preservadas são as regiões constantes (C). Mesmo entre as regiões variáveis, muito da variabilidade das seqüências é concentrada em curtas seqüências, que são chamadas de regiões hipervariáveis, ou regiões determinantes da complementaridade (CDRs), porque elas formam a parte do receptor que se liga ao antígeno (isto é, elas são complementares à estrutura dos antígenos) Os receptores de antígenos são ligados a outras moléculas da superfície celular, as quais funcionam como transmissoras para dentro da célula, dos sinais de ativação. Assim, essas duas funções dos receptores de antígenos dos linfócitos, – reconhecimento antigênico específico e sinal de transdução, são mediadas por diferentes moléculas. Esse conjunto que reúne o receptor de antígenos e as moléculas sinalizadoras nos linfócitos B é chamado complexo receptor da célula B (BCR), e nos linfócitos T, é chamada de complexo receptor da célula T (TCR). Anticorpos podem ser receptores de antígenos ligados à membrana das células B ou proteínas secretadas, mas TCRs existem somente como receptores de membrana das células T: Anticorpos secretados estão presentes no sangue e nas secreções mucosas, onde eles agem para neutralizar e eliminar microrganismos e toxinas. Isso significa que tanto os anticorpos secretados quanto os ligados à membrana dos linfócitos B, reconhecem antígenos microbianos da mesma maneira. ANTICORPOS - IMUNOGLOBULINAS Os anticorpos são encontrados no soro do animal ou indivíduo imune. A fração sangüínea que é rica em anticorpos foi denominada de gamaglobulina. Os anticorpos são também conhecidos coletivamente como imunoglobulinas (Ig). Os anticorpos são, então, proteínas (Ig) sintetizadas em resposta a um antígeno, que podem reconhecer e se ligar àquele antígeno. Os anticorpos são altamente específicos em reconhecer o antígeno que estimulou a sua formação. Um antígeno como uma bactéria ou vírus provavelmente terá vários sítios determinantes antigênicos que causam a produção de anticorpos diferentes. Cada anticorpo tem no mínimo dois sítios idênticos que se ligam aos determinantes antigênicos – sítios de ligação ao antígeno. O número de sítios de ligação ao antígeno em um anticorpo é denominado valência daquele anticorpo. A maioria dos anticorpos humanos tem dois sítios de ligação (bivalentes). 26 Estrutura do anticorpo. Um anticorpo bivalente tem a estrutura molecular mais simples (monômero). Um anticorpo monomérico típico possui quatro cadeias de proteína: Duas cadeias leves idênticas (light, L); Duas cadeias pesadas idênticas (heavy, H). As cadeias são unidas por ligações dissulfeto e outras ligações para formar uma molécula em forma de Y. A molécula em forma de Y é flexível e pode assumir uma forma de T (região de dobradiça). As duas seções localizadas nas extremidades dos braços do Y são denominadas regiões variáveis (V). A estrutura dessas regiões variáveis reflete a natureza do antígeno para o qual eles são específicos (sítios de ligação ao antígeno). A haste do monômero e as partes inferiores de seus braços são denominadas regiões constantes (C). Existem cinco tipos principais de regiões C, que respondem pelas cinco classes principais de imunoglobulinas que existem. As regiões das moléculas de anticorpo são nomeadas de acordo com as propriedades que os fragmentos resultantes de tratamento com substâncias proteolíticas, apresentam. As duas seções localizadas nas extremidades dos braços do Y são o local do reconhecimento antigênico, sendo denominada Fab (fragmento de ligação ao antígeno). A haste do anticorpo em forma de Y é denominada região Fc, pois nos primórdios, quando a estrutura do anticorpo foi identificada, era um fragmento (F) que cristalizava (c) sob armazenamento refrigerado. As regiões Fc freqüentemente são importantes nas reações imunológicas. Se forem deixadas expostas após as regiões Fab terem se ligado ao antígeno (como uma bactéria), as regiões Fc de anticorpos adjacentes podem se ligar ao complemento. Isso leva à destruição da bactéria (por citólise). Figura 19 – Estrutura básica de uma molécula de um anticorpo da classe IgG. Fab: fragmento de ligação antigênica; Fc : fragmento cristalizável – responsável pela maioria das atividades biológicas e funções efetoras dos anticorpos. 27 Em cada molécula de Ig há duas regiões de Fab idênticas onde o antígeno se liga e uma região Fc que é responsável pela maioria das atividades biológicas e funções efetoras dos anticorpos. Há cinco tipos de cadeias pesadas, chamadas de μ,δ,γ,ε e α que também diferem nas suas regiões C que correspondem aos cinco isotipos, ou classes das imunoglobulinas: IgM, IgD, IgG, IgE e IGA. Diferentes isotipos diferem nas suas propriedades físicas e biológicas e nas suas funções efetoras. Classes de Imunoglobulinas. As cinco classes de imunoglobulinas (Igs) são designadas IgG, IgM, IgA, IgD e IgE. Cada classe desempenha um papel diferente na resposta imunológica. As estruturas das moléculas de IgG, IgD e IgE são monoméricas. IgA tem estrutura dimérica e IgM, pentamérica (vide abaixo). IgG: correspondem a 80% de todos os anticorpos no soro. Esses monômeros cruzam prontamente as paredes dos vasos sangüíneos e penetram nos líquidos teciduais. Os anticorpos IgG maternos podem atravessar a placenta e conferir imunidade passiva ao feto. Protegem contra bactérias e vírus circulantes, neutralizam as toxinas bacterianas, ativam o sistema complemento e, quando ligadas a antígenos, aumentam a efetividade das células fagocíticas. IgM: compõem 5 a 10% dos anticorpos no soro. Possui estrutura pentamérica, consistindo de cinco monômeros unidos por um polipeptídeo denominado cadeia J. Seu grande tamanho impede IgM de se mover livremente quanto IgG. Geralmente permanecem nos vasos sangüíneos e não entram nos tecidos circundantes. É o tipo de anticorpo predominante na resposta aos antígenos do grupo sangüíneo, na superfície das hemácias. É efetiva também na agregação de antígenos e na reação envolvendo o complemento. Finalmente, a IgM pode aumentar a ingestão das células-alvo por células fagocíticas, assim como IgG. Os anticorpos IgM são os primeiros a aparecer em resposta à exposição inicial a um antígeno. A segunda exposição ao antígeno resulta principalmente na produção aumentada de IgG. O fato de IgM surgir primeiro em resposta a uma infecção primária e tem uma duração relativamente curta torna-a muito valiosa para diagnosticar doenças. Se altas concentrações de IgM contra um patógeno são detectadas em um paciente, é provável que a doença observada seja Figura 20 – Estrutura tridimensional de uma molécula de um anticorpo da classe IgG. 28 causada por aquele patógeno. A detecção de IgG, que tem uma duração relativamente longa, pode indicar somente que a imunidade contra um patógeno específico foi adquirida em uma passado remoto. IgA: respondem por somente cerca de 10 a 15% dos anticorpos no soro, mas é de longe a forma mais comum nas membranas mucosase nas secreções corporais como o muco, saliva, lágrimas e leite materno. Levando isso em consideração, IgA é a imunoglobulina mais abundante no corpo. A assim chamada IgA sérica circula no soro principalmente como um monômero. A forma mais efetiva de IgA é um dímero, denominado IgA secretora, consistindo de dois monômeros conectados por uma cadeia J. Ela é produzida dessa forma pelos plasmócitos nas membranas mucosas. Cada dímero penetra e atravessa uma célula mucosa, onde adquire um polipeptídeo denominado componente secretor, que o protege da degradação enzimática. A principal função de IgA secretora provavelmente é impedir a fixação dos patógenos, particularmente vírus e bactérias às superfícies mucosas. Isso é especialmente importante na resistência aos patógenos respiratórios. E, uma vez que a imunidade da IgA tem uma duração relativamente curta, a duração correspondente da imunidade a muitas infecções respiratórias também é curta. A presença de IgA no colostro provavelmente auxilia os lactentes de infecções gastrintestinais. IgD: compõem cerca de 0,2% dos anticorpos séricos totais. Estrutura lembra a da molécula de IgG. Encontrados no sangue, na linfa e nas superfícies das células B. As moléculas de IgD não tem função conhecida no soro; elas agem como receptores de antígenos na superfície das células B. IgE: levemente maiores que IgG, constituem somente cerca de 0,002% dos anticorpos séricos totais. Ligam-se fortemente por suas regiões Fc aos receptores em mastócitos e basófilos (células especializadas que participam de reações alérgicas). Quando um antígeno como o pólen reage com os anticorpos IgE aderidos a um mastócito ou basófilo, esse libera histamina e outros mediadores químicos. Esses mediadores provocam uma resposta – por exemplo, uma reação alérgica como a febre do feno. Contudo a resposta também pode ser protetora, pois atrai IgG, complemento e células fagocíticas. Isso é especialmente útil quando os anticorpos se ligam a vermes parasitos. Tabela 3- Características gerais das imunoglobulinas Características IgG IgM IgA IgD IgE Estrutura Monômero Pentâmero Dímero Monômero Monômero Porcentagem de anticorpo sérico total 80% 5-10% 10-15% (valores relacionados ao soro. Se as membranas mucosas e secreções do corpo forem incluídas, a porcentagem é muito maior). 0,2% 0,002% Localização Sangue, linfa, intestino. Sangue, linfa, superfície das células B (como monômero). Secreções (lágrimas, saliva, muco, intestino, leite), sangue, linfa. Superfície das células B, sangue, linfa. Ligada aos mastócitos e basófilos em todo o corpo; sangue. Massa molecular 150.000 970.000 405.000 175.000 190.000 Meia-vida no soro 23 dias 5 dias 6 dias 3 dias 2 dias 29 Fixação de complemento Sim Sim Não (pode fixar pela via alternativa) Não Não Transferência placentária Sim Não Não Não Não Funções conhecidas Intensifica a fagocitose; neutraliza toxinas e vírus; protege o feto e o recém nascido. Especialmente efetiva contra microrganismos e antígenos aglutinantes; primeiros anticorpos produzidos em resposta à infecção inicial. Proteção localizada das superfícies mucosas. Função no soro é desconhecida; a presença nas células B atua na iniciação da resposta imunológica. Reações alérgicas; possivelmente lise de vermes parasitos. 30 V. DINÂMICA DA RESPOSTA IMUNE - ATIVAÇÃO DAS RESPOSTAS IMUNES CELULAR E HUMORAL – INTEGRAÇÃO DOS SISTEMAS ATIVAÇÃO DA RESPOSTA IMUNE CELULAR INTRODUÇÃO Antes de o sistema imune conseguir responder a um antígeno, ele deve ser capaz de reconhecê-lo. Ele é capaz de fazer isto por meio de um processo denominado processamento do antígeno. Os macrófagos são as principais células processadoras de antígenos, mas outras células tais como as células dendríticas, também podem fazê-lo. As células processadoras de antígenos fagocitam o antígeno e o degradam em pequenos fragmentos. A seguir, os fragmentos são colocados em associação às moléculas do MHC e enviados para a superfície da membrana celular. A área do MHC que possui o fragmento do antígeno, liga-se então a uma molécula especial situada na superfície do linfócito T, denominada receptor de células T (TCR). O receptor de células T foi projetado para se encaixar – como uma chave em uma fechadura – à região do MHC que contém o fragmento do antígeno. RECEPTORES DE ANTÍGENOS NAS CÉLULAS T (TCRS) Presentes na superfície de células T, os TCR podem ligar-se à antígenos peptídicos apresentados pelas moléculas de MHC e são heterodímeros compostos por uma cadeia e uma cadeia (TCR β), cada uma contendo uma região variável (V) e uma região constante (C). As regiões V e C são homólogas às regiões V e C das imunoglobulinas (anticorpos). Na região V de cada cadeia do TCR há três regiões hipervariáveis, ou determinantes da complementaridade. Ao contrário dos anticorpos, ambas as cadeias são ancoradas na membrana plasmática, além disso, os TCR não são produzidos na forma secretada. As células T podem reconhecer a diferença entre microrganismos complexos com base na diferença entre poucos aminoácidos de epítopos dos microrganismos. Entre as células T do corpo, entre 5 a 10% expressam receptores compostos de cadeias γ e δ que são similares aos TCR β, mas possuem especificidade muito diferente. O TCR γδ pode reconhecer uma variedade de antígenos protéicos e não protéicos, que usualmente não são apresentados por moléculas clássicas do MHC. Células T que expressam TCRs γδ são abundantes no epitélio. Essa observação sugere que as células T γδ reconhecem patógenos que são comumente encontrados na superfície epitelial, no entanto, nem a especificidade e nem a função dessas células estão bem estabelecidas. Outra subpopulação de células T, representando menos que 5% do total de todas as células T, expressa marcadores de células natural killer (NK) e são denominadas células NK-T. O TCR reconhece antígenos, mas ele, como as imunoglobulinas, é incapaz de transmitir sinais para a célula T. Associado ao TCR há um complexo de proteínas chamado de moléculas CD3 e cadeia ζ (dzeta) que formam o complexo TCR. As cadeias CD3 e ζ transmitem alguns dos sinais que são iniciados quando o TCR reconhece o antígeno. Além disso, a ativação da célula T requer o engajamento de moléculas co-receptoras, CD4 ou CD8, que reconhecem as porções não polimórficas das moléculas do MHC. DESENVOLVIMENTO DOS REPERTÓRIOS IMUNES – COMO PODE HAVER UMA ENORME VARIEDADE DE RECEPTORES? Agora que sabemos como os receptores de antígenos dos linfócitos B e T são compostos e como estes receptores reconhecem os antígenos, é necessário conhecer como essa enorme diversidade de receptores é produzida. Segundo a teoria da seleção clonal, existem muitos clones de 31 linfócitos com especificidades distintas, (talvez mais que 10 9 ) e estes clones surgem antes do encontro com o antígeno. Se cada receptor fosse codificado por um gene, uma grande parte do genoma seria destinada somente a codificar receptores de antígenos (absurdo!). De fato, o sistema imune desenvolveu mecanismos para gerar repertórios B e T extremamente diversos e a geração da diversidade dos receptores está ligada ao processo de maturação dos linfócitos.
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