Buscar

[RESENHA] COUTINHO, Carlos Nelson. De Rousseau a Gramsci - ensaios de teoria política

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 3, do total de 16 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 6, do total de 16 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 9, do total de 16 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Prévia do material em texto

COUTINHO, Carlos Nelson. Carlos Nelson. De Rousseau a Gramsci: ensaios de teoria política. São Paulo: Boitempo, 2011. 
DE ROUSSEAU A GRAMSCI: ENSAIOS DE TEORIA POLÍTICA
Thiago Ribeiro Vieira
	Logo no início do prefácio Coutinho deixa explícita algumas das características da sua metodologia de análise, combatendo o senso comum de que teoria política e ciência política sejam a mesma coisa. Aqui ele define o conceito de teoria política dentro da categoria de totalidade do pensamento marxista, alegando que este conceito “não se submete à estreita divisão acadêmica do pensamento social hoje dominante, que faz distinção entre ciência política, sociologia, antropologia, economia, história etc.”. (p.09 – grifos do autor). Para afirmar ainda mais a sua opção metodológica, Coutinho deixa claro que essa forma de abordar os fenômenos políticos não tem nenhum compromisso com a neutralidade axiológica, já que dentro da proposta de totalidade do materialismo histórico dialético, é imprescindível articular “o ser e o dever ser” (p.09), analisando sempre a articulação entre causalidade e teleologia.
Se apropriando dos conceitos gramscianos de grande política e pequena política, Coutinho levanta a ideia de que a teoria política se ocupa da grande política, enquanto ciência política tem como foco se ocupar da análise da pequena política, e mesmo que algumas das análises dessa ciência apresentem dados empíricos para uma maior acuidade das proposições de uma teoria política, ela não rompe com a esfera da pequena política. Apenas para ficar mais clara essa diferenciação, destacarei um trecho:
...a grande política compreende as questões ligadas à fundação de novos Estados, à luta pela destruição, pela defesa, pela conservação de determinadas estruturas orgânicas econômico-sociais. A pequena política compreende as questões parciais e cotidianas que se apresentam no interior de uma estrutura já estabelecida em decorrência de lutas pela predominância entre as diversas frações de uma mesma classe política. (GRAMSCI in COUTINHO, p.10). 
Diversos autores citados nesse livro devem ser tratados como teóricos da política e não como cientistas políticos, graças a abrangência e profundidade das suas produções, passando pelas mais diversas áreas das ciências sociais. Assim como departamentalização do conhecimento não dá conta das atividades de grandes pensadores, também não dá conta da teoria política. Coutinho indica que é decorrente dessa totalidade que a teoria política abrange da realidade social é que ela, assim como a filosofia, tem uma relação orgânica com a ideologia. Todos os grandes teóricos da política não elaboram uma simples forma de interpretar o mundo e seus fenômenos políticos, todos eles apresentam de maneira implícita ou explícita, uma proposta de conservação ou de transformação da realidade, daí sua relação com a ideologia.
Os ensaios contidos nesse livro, além de trazerem essa visão totalizante da ciência política, tem por objetivo formalizar um conceito substantivo de democracia, que supere as atuais teorias minimalistas “segundo as quais a democracia é uma mera regra do jogo, reduzindo-se a possibilidade de escolha entre diferentes elites através de eleições competitivas e periódicas”. (p.11). Ele ainda alerta para aparição contínua do conceito de vontade geral, que segundo ele, sua definição correta é indispensável para que seja forjado um conceito substantivo e universal de democracia.
	Além do prefácio, o livro encontra-se dividido em mais duas partes. A primeira parte é intitulada de Contribuições a história da teoria política, começando pela análise de alguns pontos do pensamento de Jean-Jacques Rousseau. Aqui é relembrada a velha polêmica sobre a unidade do pensamento desse autor. Neste primeiro ensaio intitulado Crítica e Utopia em Rousseau, Coutinho argumentará a favor da hipótese de que o pensamento de Rousseau, apesar das contradições existentes entre suas obras, possui uma linha de unidade no aspecto de sua filosofia política, e para argumentar sobre tal hipótese, sugere a leitura conjunta de duas importantes obras de Rousseau: Discurso sobre a Origem e Fundamentos da Desigualdade Entre os Homens e Do Contrato Social.
	Na avaliação de Coutinho, o Contrato deve ser interpretado como uma produção a nível de proposta, ambientado no nível do dever ser de uma formação político-social alternativa àquela que é apresentada no Discurso, que representa o resultado de uma análise que se situa no nível do ser. Segundo o conteúdo das duas obras, Coutinho observa que Rousseau aponta para duas formas de contrato, que são responsáveis por formas de organização política e formações econômico-sociais distintas.
	Antecipando minhas conclusões, diria que o principal ponto de apoio dessa leitura reside no fato de que as referidas obras nos apresentam dois diferentes tipos de contrato: no Discurso, temos um contrato iníquo, expressão da desigualdade e origem de um Estado posto a serviço dos ricos; no Contrato, aparece a figura de um pacto legítimo, gerador de uma sociedade igualitária e base de uma ordem política fundada na predominância do interesse comum”. (p.16)
	Segundo Rousseau, o princípio da desigualdade entre os homens é a aparição da propriedade privada e a divisão do trabalho. Em uma sociedade onde exista desigualdade de riquezas e de propriedade, onde cada indivíduo busque apenas a realização do seu interesse individual, é impossível garantir a realização da vontade geral (interesses comuns). Aqui fica clara a posição de Rousseau, que acredita que para que existir uma democracia real e substantiva, é necessário que haja uma igualdade efetiva entre os seres humanos, formas de regular a propriedade privada para garantir que essas sirvam para o bem público, ponto que já é suficiente para analisar a diferença entre os dois tipos de contrato.
	A crítica de Rousseau era direcionada a sociedade da sua época, onde já havia uma significativa dominação do capital, graças ao aumento das relações mercantis. Para Adam Smith e outros autores liberais, é a divisão do trabalho e a criação de novas necessidades humanas o que gera o progresso, tendo como agente o indivíduo, que na busca do seu interesse individual, ajuda a construir o interesse comum. Para Rousseau, é exatamente esse tipo de sociedade que nos leva a situação de grande desigualdade social, pois a vontade geral é diferente da vontade de todos, ela não é simplesmente a soma de todos os interesses individuais, o interesse coletivo supera essa noção, deixando clara as diferenças entre o liberalismo e uma real democracia. Nesse sentido, fica claro que a crítica de Rousseau é direcionada a sociedade burguesa. A utopia proposta por Rousseau no Contrato seria uma espécie de república autogovernada pelos seus integrantes, tendo como direção à vontade geral e onde as bases econômicas estão constituídas em uma distribuição igualitária de propriedade e riqueza e é conservado o modo de produção mercantil, sem deixar que este se converta no modo de produção capitalista. Alguns estudiosos atribuem essa posição de manutenção do modo de produção mercantil ao fato de que Rousseau era um estudioso e interessado no romantismo alemão, qual possui essa característica.
	Resumindo, o contrato proposto por Rousseau, traria benefício para todos os membros da sociedade e realizaria uma república efetivamente democrática, já os contratos descritos por Locke e Hobbes beneficiaria apenas aqueles que são detentores de propriedades, e na sua incapacidade de fundar uma sociedade democrática, inevitavelmente seria levado ao leviatã de Hobbes.
	Por todos os pontos levantados nesse trecho, fica claro que a obra de Rousseau possui uma sólida unidade teórica e tem uma grande relevância para todos aqueles que almejam realizar reflexões sobre a democracia.
	No capítulo seguinte, intitulado Hegel e a dimensão objetiva da vontade geral, poderemos observar que diferentemente de Marx, que enxergava a base social da vontade geral no proletariado e o partido revolucionário como agentede implementação dessa vontade e de Rousseau que a enxergava no indivíduo virtuoso, Hegel enxergava a vontade geral na burocracia governamental. 
	Na sua juventude, Hegel era um grande entusiasta das ideias de Rousseau, dando especial atenção para a problemática da vontade geral, porém, como passar do tempo e com a maturação de suas ideias, Hegel passou a polemizar com a definição de Rousseau para a vontade geral. Ele a considerava uma visão um tanto quanto subjetivista, mas foi apenas na sua obra Filosofia do direito que ele apresenta uma consistente tentativa de superar o subjetivismo identificado em Rousseau. Ao realizar esse movimento, ele com certeza abandona alguns aspectos do conceito moderno de democracia, como o da soberania popular, mas nem por isso ele deixa de apresentar algumas contribuições a história das ideias democráticas.
Nos seus famosos Escritos teológicos (que mais adiante ficou claro que tratavam-se de escritos políticos e não propriamente teológicos), Hegel critica a sociedade cristã-burguesa de sua época, que prezava o predomínio do privado sobre o público. Nesse sentido Hegel propõe o retorno da sociedade ao antigo modelo político grego, onde havia uma inversão de valores e o bem público predominava sobre o privado, assim como a proposta de democracia de Rousseau no Contrato. Na sua evolução para a maturidade, “um movimento que ele mesmo chamou de reconciliação com o real” (p.42), ele chegou à conclusão de que os atores sociais presentes em seu tempo tinham se consolidado de tal forma que seria inviável o retorno a organização política da polis greco-romana:
“Esta inviabilidade resultaria, talvez não em último lugar, do fato de que a esfera da particularidade (e, em consequência, da individualidade) havia assumido na modernidade uma dimensão inédita em comparação com o mundo antigo, Enquanto neste último a expansão do particular conduzia ao colapso da ordem social, já que entrava em choque com o universal, o mundo moderno desenvolvia a universalidade precisamente a partir do livre jogo da ação dos particulares, ou seja, a partir da liberdade dos indivíduos”. (p.43)
	Para captar a real dialética do mundo social em que vivia, ele desenvolve um novo conceito chamado ‘eticidade’, que consistia em não mais condenar a sociedade civil-burguesa e seu mundo de individuais, como fazia Rousseau, mas sim de entende-la como um momento “essencial da totalidade social moderna” (p.43), mesmo que, ao contrário dos pensadores liberais, essa totalidade representasse para Hegel a máxima expressão de sua universalidade em-si e para-si (objetiva e autoconsciente). Esse Hegel mais maduro procurava mostrar que o privado e público encontravam em algum momento uma mediação dialética através da particularidade, mediação essa que teria seu principal espaço de explicitação na sociedade ‘civil-burguesa’. Dessa forma, ele propõe a conciliação entre a liberdade individual, tornada o principal valor do liberalismo, e a reconstrução de uma nova ordem social fundada na prioridade do público sobre o privado.
	Hegel mantém o conceito de vontade geral de Rousseau (que apesar de ter discordâncias com o autor genebriano, o afasta do liberalismo, que apenas trabalha com o conceito de vontade todos), mas busca ideias para complementar esse conceito. Ele percebe que a vontade geral sofre determinações histórico-genéricas que ultrapassam a ação e a vontade dos indivíduos. Ela se apoia numa comunidade interesses objetivos imposta pela realidade independentemente da vontade desses indivíduos. A primeira forma objetiva de comunidade é a família, que seria a figura inicial de eticidade de acordo com Hegel. A terceira seria o Estado. E a forma como a família se relaciona com o Estado seria através de uma segunda forma de eticidade, a que ele chama de ‘sistema dos carecimentos’ e ‘trabalho dividido’, ou seja, a sociedade ‘civil-burguesa’, que sendo uma esfera autônoma é própria da modernidade, já que no mundo antigo as relações econômicas se davam através da família. A priori, não existe diferença entre a sociedade civil-burguesa de Hegel e o mundo mercantil de Adam Smith, mas, Hegel define sociedade ‘civil-burguesa’ como uma dependência e reciprocidade do trabalho e da satisfação dos carecimentos, onde o egoísmo acaba contribuindo para a satisfação dos interesses dos outros. Ele vê que a acumulação de riqueza aumenta por um lado, porém por outro, aumenta também a especialização e a limitação do trabalho particular e, com isso, a dependência e o empobrecimento da classe. 
	Nos pensadores clássicos do liberalismo, podemos observar que em Smith, o que harmoniza os interesses individuais em prol de uma vontade de todos é a famigerada mão invisível do mercado, que dentro da tradição liberal pode ser enquadrada como aspecto objetivo da vontade de todos, já o contrato descrito na obra de Locke, em que a garantia do “bem comum” se dá através da formação de um governo que que gerenciaria os conflitos, porém, sem alterar a essência dos indivíduos, que continuariam agindo em relação ao mundo e a sociedade motivados apenas pelos seus interesses individuais e gozando dos seus direitos jus-naturais; o contrato lockeano pode ser enquadrado como aspecto subjetivo da vontade de todos. De qualquer forma, em nenhum dos casos estamos diante da vontade geral no sentido rousseauniano. O que Hegel buscou nas suas investigações foram justamente os aspectos objetivos e subjetivos da vontade geral (ou universal), que ao mesmo tempo que polemiza com o subjetivismo de Rousseau se afasta do pensamento liberal clássico.
A figura plena a universalidade autoconsciente é, segundo Hegel, o Estado, considerado por ele como ‘realidade da ideia ética’. A ordem estatal eleva os momentos de universalização contidos na família e na sociedade ‘civil-burguesa’, mas ao mesmo tempo a conserva. Ele tenta encontrar mediações que iniciem a formação de um universal autoconsciente, diferente de Rousseau que apresentava o público e o privado como coisas excludentes. Hegel diz que o trabalho na sociedade ‘civil-burguesa’ se fraciona em vários ramos, e por isso, a igualdade objetiva da particularidade, assume existência (para-si) na corporação. Ao falar de corporação, Hegel introduz um ator coletivo, cuja vontade não é singular e nem universal, e sim particular. Ele contribui de forma efetiva para a construção de uma teoria moderna da democracia ao superar as formulações do liberalismo e de Rousseau.
Mesmo que sua teoria tenha contribuído muito para a teoria democrática, ela contém alguns pontos problemáticos. Hegel, ao levar seu pensamento ao realismo, abandona alguns elementos democráticos presentes em na teoria de Rousseau, como por exemplo, o conceito de soberania popular, que para ele um povo sem um monarca não atingiria a organização necessária para uma sociedade conseguir viver de forma coletiva. Hegel percebe que sem as instituições particulares e mediações de associações, os indivíduos não passam de uma massa informe, então ele parte para a busca de uma solução alternativa a soberania popular. Assim, a burocracia se torna o portador da vontade geral, ela aparece como um tipo de corporação especial, que se caracterizaria por identificar de modo imediato o singular-privado e o universal. Ao atribuir à burocracia a condição de ‘classe geral’, Hegel recusa a concepção de que todos devem tomar parte da discussão das questões do Estado, ou seja, nega a necessidade e possibilidade de constituir uma esfera pública que socialize e democratize o poder. A vontade geral em si não é mais buscada e a ‘sabedoria’ que decide as questões do Estado se limita aos burocratas, que são esperados de agir sem ódio e preconceitos. Com isso, é claro observar um momento um tanto conservador em sua teoria e podemos tomar sua definição de liberdade como o ato de conhecer a necessidade e atuar segundo ela, obedecendo ao que é falado. Hegel nega aí a possibilidade de formação de uma nova eticidade a partir de uma vontade coletiva elaborada por consenso e negando essa possibilidade,Hegel recusa o contratualismo.
O Estado racional hegeliano apresenta com o Estado capitalista as seguintes determinações em comum: ambos são liberais no que tange a economia, ainda que abertos a intervenções estatais quando necessário; ambos são corporativistas na articulação da representação dos interesses particulares que surgem na sociedade civil-burguesa e no mercado; e ambos têm, na chamada tecnoburocracia executiva, o lugar de tomada de decisões políticas fundamentais. Ao se tornar defensor das consequências político-sociais da revolução burguesa, Hegel não aceita a possibilidade de uma nova reconstrução da eticidade, e por isso o tema rousseauniano do contrato se torna, em sua opinião, uma utopia. Mesmo com essa limitação na proposta hegeliana, ela coloca duas sugestões que não podem ser mais ignoradas pelas teorias democráticas que pretendem se manter fieis à problemática do contrato de Rousseau. A primeira seria que o interesse comum seja concebido através de mediações que articulem dialeticamente o singular e o universal através do movimento do particular, assim, o processo de universalização que leva à vontade geral deve ser concebido como uma tomada de consciência de interesses que se tornam comuns a partir da realidade objetiva. A segunda seria que em consequência da primeira, o portador material da vontade geral fosse um organismo no qual os interesses privados não sejam reprimidos pelo interesse comum, mas que sim tenha um lugar entre o interesse comum e universal para que também possa se converter a interesse universal e comum.
No terceiro capítulo intitulado O lugar do Manifesto na evolução da teoria política marxista, Coutinho relembra o contexto histórico da publicação dessa obra, que é com certeza a obra mais lida de Marx e Engels. Foi no manifesto que pela primeira vez foram apresentados de forma sistemática os fundamentos da teoria materialista-histórica dialética do Estado e da revolução. A crítica que Marx dirige a Hegel, Preocupa-se em mostrar que não é possível que a vontade geral se estabeleça através da burocracia governamental. Marx diz nos escritos sobre o tema que a burocracia governamental não se constitui enquanto classe geral, pois ela não possui um interesse comum real. Marx ainda irá dizer que a sociedade civil-burguesa não está dividida em corporações por ramo de atividade e sim por classes sociais, que se são classificadas conforma a posição dos indivíduos no seio das relações de produção. Ele busca então superar dialeticamente as proposições de Hegel, que segundo ele, só pode nos levar a uma vontade de todos, assim como as teorias liberais. 
Ainda nesse caminho de definição da vontade geral, ele também contesta Rousseau (mais especificamente seus discípulos jacobinos). No seu livro Para a questão judaica, Marx diz que a emancipação política contemplada na proposta rouseeauninana (jacobina) é insuficiente na medida em que mantém os particularismos do cytoyen e do bourgeois, sendo capaz de afirmar o homem universal apenas no campo formalista da abstração. Há na proposta rousseauniana e jacobina um dualismo insuperável, como cita Coutinho:
“O Estado político pleno constitui, por sua essência, a vida do gênero humano em oposição à sua vida material. Todos os pressupostos dessa vida egoísta continuam subsistindo fora da esfera estatal na sociedade burguesa. [...] Onde o Estado político atingiu a sua verdadeira forma definitiva, o homem leva uma vida dupla, não só mentalmente, na consciência, mas também na realidade, na vida concreta; ele leva uma vida celestial e uma vida terrena, a vida na comunidade política, na qual ele atua como pessoa particular, encara as demais pessoas como meios, degrada a si próprio `condição de meio e se torna um joguete na mão de poderes estranhos a ele. (MARX in COUTINHO, p.61)
Marx nos fala sobre ‘emancipação humana’, expressão que depois seria substituída por ‘comunismo’ e com isso sugere que os direitos dos homens e a ‘emancipação política’ devam ser suprassumidos através de uma forma de emancipação ainda mais radical. Assim, ele começa a reconstrução do processo para alcançar a vontade geral, onde não o público não suprime o privado, como Rousseau propôs, ou que não houvesse uma ‘falsa coexistência’ entre ambos, como proposto por Hegel. O autor coloca que é exatamente na permanência da sociedade civil-burguesa que reside a chave do enigma das aporias da vontade geral. A única forma de atingir o objetivo de Marx seria acabar com o antagonismo de classes e com o Estado como entidade separada da sociedade, portando conclui-se que é impossível existir uma verdadeira vontade geral na sociedade capitalista consolidada pós-revolução francesa e nem pode existir na teoria de Rousseau ou de Hegel. Vemos nesse momento surgir o Marx que trará a teoria da nova revolução, chamada pelo autor de revolução comunista do proletariado. É importante notar a evolução do processo de compreensão da sociedade e de sua inclusão nas decisões do Estado, vemos ai nascerem as teorias que hoje nos garantem, ou tentam garantir, nossas liberdades.
Para que não se caia no utopismo de Rousseau, é necessário encontrar um agente social que seja um portador em potencial da vontade geral, uma classe social cujos seus interesses particulares tenham uma verdadeira possibilidade de universalização. Em um escrito concluído em 1844, ainda que de forma superficial, Marx identifica essa possível classe:
“... na formação de uma classe [Klasse] com grilhões radicais, de uma classe da sociedade civil que não seja uma classe da sociedade civil, de um estamento [Stand] que seja a dissolução de todos os estamentos, de uma esfera que possua caráter universal mediante sofrimentos universais e que não reivindique nenhum direito particular [...]; uma esfera, por fim, que não pode se emancipar sem se emancipar de todas as outras esferas da sociedade e, com isso, sem emancipar todas essas esferas[...]. Tal dissolução da sociedade [civil-burguesa], como um estamento particular, é o proletariado. (MARX in COUTINHO, p.64)
A partir disso, Marx elabora dois novos conceitos: ele percebe que a sociedade civil-burguesa não pode ser compreendida a partir do Estado e é no antagonismo entre as classes sociais que está resposta para suas investigações. O Estado moderno não representa os interesses de uma corporação, mas de uma classe específica, a burguesia, que detém os meios de produção da vida material e se constitui como classe dominante. Ele apresenta então que as classes sociais são apresentadas como fenômeno próprio da modernidade capitalista. O outro conceito é que os únicos que poderiam revolucionar o capitalismo e realizar as promessas de emancipação é a classe social que ele dá o nome de ‘proletariado’ (conjunto de trabalhadores assalariados desprovidos da posse de meios de produção que são obrigados a vender sua força de trabalho).
Dentre as novidades trazidas pelo capitalismo, Marx e Engels registram um fenômeno que hoje é chamado de ‘globalização’, onde as relações entre as nações se tornam cada vez mais estreitas. Marx vê nesse fenômeno a possibilidade de aumentar a força e organizar internacionalmente a classe que ele diz ser à única que poderá estabelecer a vontade geral, o proletariado.
	É nessa mesma segunda parte do terceiro capítulo que o autor cita algumas ideias de Marx e Engels presente no Manifesto que mostram o quanto essa é uma obra atual, que adiantou uma série de acontecimentos que presenciamos ao longo do século XX. Eles concluem que a burguesia, para vencer suas crises, utiliza da exploração de novos mercados, da superexploração dos atuais e a destruição de massiva das forças produtivas, o que gera mais e mais crises. Eles também apontam: “A burguesia, porém, não se limitou a forjar as armas que lhe trarão a morte; produziu também os homens que empunharão essas armas – os operários modernos, o proletário” (MARX e ENGELS in COUTINHO, p.67).
Outro indicador da atualidade do Manifesto é o enfrentamento da questão democrática. Marx continuou convencido deque a revolução comunista representava a oportunidade concreta da realização das promessas democráticas da Revolução Francesa que não haviam se cumprido. “A primeira fase da revolução operária é a elevação do proletariado a classe dominante, a conquista da democracia” (MARX e ENGELS in COUTINHO, p.58). O autor cita também a questão do partido político, enquanto agente capaz de implementar a vontade da classe e promover a luta na esfera política, garantindo a passagem do proletariado para uma classe autoconsciente.
No ponto 3.3 do ensaio, o autor comenta que, apesar do Manifesto ser um livro muito atual, ele também possui algumas limitações teóricas que o impedem de ser levado completamente ao pé da letra na atualidade. Marx e Engels empenharam-se em nos apresentar os traços mais gerais do modo de produção capitalista, sem analisar suas manifestações concretas e sua concreta evolução histórica em diferentes formações econômico-sociais, além de uma limitação histórica clara, haja visto que eles jamais poderiam profetizar os acontecimentos históricos dos anos vindouros. Mesmo com indicações de revisar a teoria para adequá-la ao novo contexto histórico, uma nova teoria marxista do Estado surgiria apenas nos Cadernos do cárcere, de Antonio Gramsci. Gramsci não abandona as teorias de Estado e a revolução socialista elaboradas por eles, mas as enriquece com novas determinações recolhidas do movimento histórico de que fez parte.
No quarto capítulo, Coutinho faz uma intensa descrição sobre o momento em que os Cadernos do cárcere, o opus magnum do intelectual sardenho foram publicados. Ele ainda escreve notas sobre as edições italianas e sobre os critérios utilizados para as novas traduções brasileiras.
No quinto capítulo, intitulado O conceito de política nos cadernos do cárcere, Coutinho escreve que um dos principais objetivos de Gramsci nessa sua obra é a elaboração de uma ciência política que tenha compromisso com a teoria política marxista. Ele avalia o termo ciência política de forma positiva, o que demonstra seu antieconomicismo. O fato é que sua obra concentra-se numa reflexão sobre ações e instituições políticas (hegemonia, vontade coletiva, Estado, etc.), ele examina todos os pontos do ser social partindo da relação entre eles e a política. Outros pontos destacados por Carlos Nelson Coutinho são sobre o fascínio de Gramsci pela obra teórica e prática de Lenin, e sobre a sua contribuição para o pensamento e para a prática políticas.
Gramsci propõe que o primeiro elemento da ciência política é que existem governantes e governados. Esse elemento proposto por ele contém todas as determinações do conceito mais concreto em sua teoria, o de Estado ampliado ou integral. Ele ainda diz que nessa relação entre governantes e governados reside a gênese da sociedade de classes e, nela uma possibilidade de superação para uma sociedade onde as classes sejam suprimidas. Muitos autores marxistas criticam Gramsci por priorizar apenas um foco e perder de vista a totalidade, afirmam que essa decisão metodológica o faz ter uma visão unilateral. 
Nos cadernos, há dois principais significados empregadas ao conceito de política, a ampla e a restrita. No seu sentido amplo, é possível concluir que para Gramsci todas as esferas do ser social são tocadas pela política, “todas elas contêm a política como elemento real ou potencial ineliminável” (p.110). Esse sentido amplo da política é lido em Gramsci como catarse. A manifestação desse fenômeno de catarse seria onde a classe supera seus interesses econômicos e se eleva a uma condição universal, ou seja, torna-se autoconsciente do seu papel, sem isso, essa classe não pode representar os interesses universais nem conquistar a hegemonia do poder na sociedade.
O sentido restrito é exatamente o que diz respeito a ciência política, conceito que envolve as objetivações que estão diretamente ligadas às relações de poder entre governantes e governados. Gramsci vê a política da mesma forma que Marx vê a economia, como um aspecto humano, histórico e mutável.
“A inovação fundamental introduzida pela filosofia da práxis na ciência política e da história é a demonstração de que não existe uma natureza humana abstrata, fixa e imutável [...], mas que a natureza humana é o conjunto das relações sociais historicamente determinadas, ou seja, um fato histórico verificável, dentro de certos limites, com os métodos da filologia e da crítica. Portanto, a ciência política deve ser concebida em seu conteúdo concreto (e também em sua formulação lógica) como um organismo em desenvolvimento”. (GRAMSCI in COUTINHO, p.113)
De acordo com Marx, o comunismo deverá cancelar a autonomia da esfera caótica que a economia se tornou sob o julgo das eis de mercado, fazendo com que suas leis sejam submetidas ao controle consciente e planejado dos trabalhadores em associação. Já para Gramsci, o comunismo se caracteriza pelo momento em que a sociedade civil deixará de estar separada do Estado, dando lugar a uma forma de autogoverno. Ambas as propostas têm a mesma conclusão, fim da coerção do estado, livre desenvolvimento das potencialidades e o reinado do consenso.
Ainda nesse capítulo, Coutinho vai ressaltar a forma como Gramsci enxerga as relações entre política, economia e totalidade social. Segundo ele, para Gramsci a esfera econômica não é apenas a esfera de produção material, mas se constitui também na esfera onde os homens constroem suas relações sociais em aspecto global.
	Gramsci apresenta um dos principais paradigmas da ciência política moderna, no famoso parágrafo 17 do caderno 13, ele fala sobre a prioridade ontológica da estrutura. Ele parte dos pressupostos objetivos dessa relação de forças, que nesse primeiro momento independe das vontades dos homens. Apenas depois é possível analisar a relação política das forças sociais, nesse nível o que conta é o grau de homogeneidade e organização alcançado pelos vários grupos sociais. Então, o momento catártico parte da causalidade para efetuar a passagem “do objetivo ao subjetivo e da necessidade à liberdade” (p.117). Quanto mais se amplia a socialização política, mais a sociedade civil se desenvolve, o que significa que os processos sociais são cada vez mais determinados pela vontade geral e será cada vez menos coercitiva a causalidade automática da economia.
	No sexto capítulo o autor organiza verbetes para um dicionário gramsciano. O primeiro termo analisado é o conceito de catarse. Esse termo foi primeiramente usado por Aristóteles e é daí que Gramsci recolhe esse termo e o coloca como uma determinação essencial para a práxis política. Seria então a passagem do momento meramente econômico ao momento ético-político, isto é, a elaboração superior da estrutura em superestrutura. A práxis humana movimenta precisamente a passagem da necessidade à liberdade.	Quando Gramsci afirma que tudo é política, ele quer dizer que tudo é catarse, que todas as formas de práxis têm essa possibilidade da passagem do particular ao universal. É claro observar que a catarse ocupa um lugar especial na ontologia de Gramsci e demonstra que o ser social é constituído por relações que estão em constante transformação.
Continuando a análise dos verbetes, o autor pontua a diferença entre a grande e a pequena política. Um dos mais importantes conceitos cunhados por Gramsci nos Cadernos e seu conceito de ciência política. O conceito de ciência política engloba as definições de pequena e grande política, sendo a pequena a que compreende as questões cotidianas que se apresentam dentro que uma estrutura já estabelecida. Já a grande compreende questões de criação de novos Estados, a luta pela destruição ou defesa de estruturas orgânicas econômico-sociais. De acordo com a catarse, a grande política é a única que realiza esse momento catártico, pois é a única que demonstra a passagem do particular para o universal. Isso não significa que a pequena política esteja sempre subordinada a grande, há momentos em que as classes dominantes também realizam grande política.
Todos os conceitosdo Caderno discutidos aqui, tem uma ligação com o conceito de relações de força, que se apresenta em várias situações analisadas por Gramsci. Ele retoma um termo usado por Maquiavel chamado de realidade efetiva, sendo as relações de forças uma determinação fundamental da mesma. Gramsci mostra como analisar as situações com base no conceito de relações de força, que segundo ele, deve ser feita em três momentos articulados. O primeiro é da relação das forças sociais diretamente ligadas à estrutura, independente da vontade dos homens. Nesse primeiro momento é possível estudar se existem condições suficientes na sociedade para que ela se transforme, verificar as teorias que foram ali desenvolvidas e seu grau de realismo. O segundo momento é da relação das forças políticas, ou seja, o grau de homogeneidade e organização alcançado pelos grupos sociais. Esse segundo momento possui graus: econômico-corporativo, solidariedade de interesses entre todos os membros do grupo social, e hegemonia. O terceiro momento fala da relação das forças militares. O momento decisivo na dinâmica das relações de força se dá no nível político e ideológico, com base em determinações econômicas.
O último termo analisado é a vontade coletiva, conceito que se assemelha muito ao de vontade geral, visto anteriormente em Rousseau, Hegel e Marx. Gramsci levou em consideração em seus estudos a perspectiva de Hegel sobre o interesse comum, assim é possível observar que o seu conceito de vontade coletiva é tratado de forma mais realista. As metas da vontade devem ser concretas e racionais, e devem ser projetadas a partir da realidade histórica presente e de forma progressiva. De acordo com Gramsci a vontade coletiva é caracterizada pela dupla determinação, objetiva e subjetiva, e é nesse momento que ele supera as concepções de Rousseau e Hegel, que demonstravam um conceito totalmente unilateral sobre o assunto. Ele relaciona esse conceito com a democracia, e vê a vontade coletiva como manifestação da democracia e também o relaciona com o conceito de hegemonia, citado quando tratamos das relações de força.
O sétimo capítulo, intitulado Os conceitos políticos de Gramsci segundo Valentino Gerratana, levanta as ideias de Valentino Gerratana, responsável da edição crítica dos Cadernos do Cárcere. Os conceitos que ocupam lugar central na crítica de Gerratana são os de revolução e hegemonia, que estão articulados entre si e permitem determinar o núcleo central da reflexão política de Gramsci. Gerratana fala sobre o desenvolvimento do pensamento de Gramsci a respeito do conceito de revolução e mostra a relação de superação dialética do autor com Marx e Lenin. 
Gramsci cita o termo revolução passiva que ele retirou da obra Saggio storico sulla rivoluzione di Napoli, de Vincenzo Cuoco - que o utilizou para tratar do Risorgimento italiano - e emprega na análise de formações sociais. De acordo com ele, essa revolução passiva seria o processo de modernização do Estado através de diversas reformas e guerras nacionais, sem passar por uma revolução política. Segundo Gerratana, a alternativa à revolução passiva de Gramsci, seria uma iniciativa revolucionária, algo que não daria certo e novamente migrariam para a revolução passiva. Sobre o conceito de hegemonia, Gerratana também analisa Gramsci a partir de Lenin e ambos concordam em relação a concepção de hegemonia, que seria a superação do corporativismo, ou a elevação da consciência de classe particular ao universal. Gerratana ainda afirma que “Gramsci concebe o Estado como unidade dialética de coerção e consenso, de dominação e direção, de ditadura e hegemonia” (COUTINHO, p.144). Hegemonia para Gramsci não é apenas um conceito estratégico, mas também um conceito analítico, que lhe permite observar diferentes formas de supremacia de classe. O autor conclui que se deve estudar Gramsci, mas se manter atento a não manter-se ancorado ao seu pensamento:
“Portanto, a hegemonia do proletariado não pode ser hoje buscada com base nos conhecimentos específicos que Gramsci havia formulado com as análises e experiências de classe de sua época, mas só renovando os esforços, porém, não seriam sequer possíveis, ou seriam inadequados e insuficientes, se fossem deixadas de lado as conquistas permanentes da pesquisa teórica gramsciana”. (GERRATANA in COUTINHO, p.146)
No último capítulo intitulado Luckács e Gramsci: apontamentos preliminares para uma análise comparativa, é possível perceber o grande apreço que Coutinho tem pelas ideias de György Luckács pela forma com que se apropria do autor nesse texto. Essa análise preliminar entre esses dois grandes nomes do marxismo, ajudará a entender o que o filósofo húngaro chama de renascimento do marxismo, condição para preparar a filosofia da práxis para enfrentar os desafios que século XXI nos oferece.
Gramsci não teve muito contato com as obras de Luckács, devido aos anos que esteve preso pelo fascismo italiano, tendo citado o filósofo húngaro algumas poucas vezes na sua obra. Por outro lado, Luckács só teve contato com a obra de Gramsci no fim da vida, mas tem algumas citações dele em sua obra, como na definição do conceito de ideologia no seu livro Ontologia do ser social, onde ele se apropria do significado dado por Gramsci a ideologia. Existem algumas convergências nos dois autores, tanto na sua opção ideológica pelo comunismo, quanto em algumas de suas proposições teóricas, ainda que isso não seja tão claro. Ambos os autores possuíam fortes traços idealista durante sua juventude, pois esse foi o modo que encontraram para se contrapor as teorias deterministas e positivistas do marxismo da segunda internacional e que se arrastaram também pelo marxismo soviético da terceira internacional. Gramsci e Luckács criticaram duramente os defensores desse marxismo determinista, representados principalmente na figura do senhor Nikolai Bukharin, que foi um dos principais dirigentes da internacional soviética. A crítica de ambos explicita que Bukharin não superou o materialismo burguês. Claro, basta observar nas obras maduras de ambos os autores para perceber que esse traço idealista é superado ao longo do processo de evolução de suas ideias. Gramsci articula de maneira genial as categorias de teleologia e causalidade, de universal e particular, de liberdade e determinismo, algo próximo do que Luckács faria anos mais tarde.	
Entretanto, esses importantes pensadores também têm suas divergências, Gramsci, por exemplo, é contrário a afirmação de que o conhecimento humano é um reflexo da realidade objetiva que existe independentemente da nossa consciência, ele insiste no papel ativo da subjetividade na construção do conhecimento. Luckács, ao contrário, adota explicitamente a teoria do reflexo e insiste que todas as formas de conhecimento são reflexos da realidade objetiva, de algo independente a consciência. Apenas em outro momento futuro Luckács propõe inovações na teoria do reflexo e o distingue entre reflexo desantropomorfizador e reflexo antropomorfizador, sendo para ele a principal diferença entre reflexo científico e o reflexo artístico da realidade. Diferente do pensamento antropomórfico, a ciência se constituiria ao tentar captar a realidade de forma objetiva. De maneira oposta, na arte a captação da realidade está sempre ligada ao sujeito. Isso propõe uma unidade entre sujeito e objeto, de acordo com Luckács a atividade humana apresenta duas modalidades de práxis que se pode definir como trabalho e interação. O filósofo mostra que ambas as modalidades de ser social têm sua origem no trabalho, na interação entre homem e natureza.
Um outro ponto de convergência entre Luckács e Gramsci exposto por Coutinho, é o conceito de ideologia. Para eles, ideologia está intimamente ligada à práxis política enquanto ação interativa.
No fim, Coutinho apresenta uma importante diferença entre Gramsci e Luckács, que é o foco de seus interesses investigativos. Enquanto Gramsci se dedica a confecção de conceitos essenciais para a ciência política para a escola marxista, Luckács desenvolveas categorias estéticas do marxismo. Gramsci elaborou uma teoria materialista-histórica e dialética da práxis política. Disso resulta um aparato indispensável para a compreensão marxista da política.
Já na sua conclusão, Coutinho propõe que busquemos os pontos de convergências de ambos os autores para que possamos aproveitar as boas proposições de ambos e realizar uma suprassunção para criar ferramentas que deem conta da realidade concreta do mundo do século XXI.
Concluindo, é importante observar o excelente trabalho realizado nessa obra, fazendo uma ótima recapitulação da história da teoria política, reapresentando as bases da teoria política marxista na sua fundação e as atualizações contemporâneas mais relevantes, já que uma teoria que se denomina histórica e dialética deve ser contraposta consigo mesma e atualizada sempre que a realidade concreta da sociedade sofrer alterações muito profundas.

Outros materiais