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Princípios Constitucionais do Processo Penal

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Princípios Constitucionais do Processo Penal
Parte 1
Princípio da necessidade: o processo é um caminho necessário para se chegar a uma pena (ou a uma não-pena).
Esse caminho é orientado pelas regras do jogo, o devido processo legal, que é formado por um conjunto de princípios.
Conformidade constitucional e convencional do processo: leva à instrumentalidade constitucional; o processo é instrumento a serviço da máxima eficácia da Constituição e da Convenção Americana de Direitos Humanos.
Forma é garantia! O processo é limitação do exercício do poder; suas regras garantem que o poder só pode ser exercido de determinada maneira.
1º) Princípio da jurisdicionalidade: nulla poena nulla culpa sine judicio
É necessário haver um juiz que decida os processos.
Esse juiz deve ser um juiz natural, aquele cuja competência está preestabelecida por lei. “Pré” em relação ao crime. Não se poder criar um juiz pós-fato.
Deve ser um juiz imparcial (terzietà), alheio, estranho à discussão entre as partes. O juiz deve ser dotado de uma originalidade cognitiva, ele deve chegar para julgar despido de qualquer pré-compreensão sobres os fatos, deve conhecer originariamente dos fatos e das provas ali, no processo.
Problemas dos poderes investigatórios ou instrutórios do juiz (art. 156 do CPP). Para o Prof. Aury Lopes, o papel do juiz de ir atrás da prova é perigoso, porque o coloca no papel de um juiz ator, um juiz inquisidor, e assim um juiz contaminado, porque quem procura, procura fatos e provas no intuito de embasar uma decisão já tomada previamente.[1: Art. 156.  A prova da alegação incumbirá a quem a fizer, sendo, porém, facultado ao juiz de ofício:I – ordenar, mesmo antes de iniciada a ação penal, a produção antecipada de provas consideradas urgentes e relevantes, observando a necessidade, adequação e proporcionalidade da medida;II – determinar, no curso da instrução, ou antes de proferir sentença, a realização de diligências para dirimir dúvida sobre ponto relevante.]
Parte 2
O que é a imparcialidade?
A imparcialidade está vinculada às formas de sistema inquisitório e acusatório. O juiz imparcial só está presente no acusatório, onde são separadas as funções de acusar e julgar. O juiz que tem poderes instrutórios funda um processo inquisitório, que não é admitido pela Constituição.
O juiz imparcial é incompatível com o juiz ator, juiz com ativismo.
No CPP, há diversos artigos que permitem a produção de provas e a determinação de diligências investigativas DE OFÍCIO, ferindo de morte a imparcialidade do juiz (arts. 127, 156, 209, 242 e 385). Para o Prof. Aury Lopes, o sistema processual brasileiro é NEO-INQUISITÓRIO.
O Tribunal Europeu de Direitos Humanos (TEDH) vem decidindo que juiz prevento, que determina a realização de diligências e medidas cautelares, é juiz contaminado.
O TEDH trabalha a imparcialidade SUBJETIVA, OBJETIVA e ESTÉTICA / VISIBILIDADE.
Subjetiva: é preciso que o juiz tenha um afastamento subjetivo, sem pré-julgamentos.
Objetiva: é preciso que o juiz seja afastado e descomprometido com objeto do processo (determinação de prisões, buscas e apreensões etc.). Precisa ter originalidade cognitiva, só deve tomar conhecimento dos fatos e provas no momento de julgar.
Estética / Visibilidade: é preciso que as pessoas confiem no juiz. Quando ele participa ativamente da fase pré-processual, ele está contaminado, e isso afeta a confiança das pessoas no Poder Judiciário.
Informativo nº 528 do STF: O STF anulou um processo porque o juiz que julgou foi o mesmo juiz que praticou os atos da investigação de paternidade.
Para o Prof. Aury Lopes, a PREVENÇÃO deve ser causa de exclusão da competência, e não de fixação da competência.
Teoria da dissonância cognitiva (Bernd Schünemann): contaminação do mesmo juiz que recebe a acusação e depois julga o processo.
Sempre que está diante uma contraposição de discursos, de pretensões, gera-se uma dissonância cognitiva. A pessoa diante disso busca eliminar contradições, busca o SIM ou o NÃO. Ao se optar por uma resposta, automaticamente começa-se a buscar argumentos que legitimem a decisão a qual se aderiu previamente.
Ao receber uma acusação e depois ficar diante de provas contrapondo a acusação, isso gera uma dissonância cognitiva. Ao quis que decidiu por RECEBER a acusação, é muito mais fácil negar os contrapontos à sua decisão anterior (“efeito inércia ou perseverança”, de autoconfirmação das hipóteses assumidas previamente). O juiz, na audiência de instrução, tende a, inconscientemente, buscar a autoconfirmação da sua hipótese anterior, superestimando as posições anteriores, no sentido de aceitar a acusação. Faz-se um BUSCA SELETIVA POR INFORMAÇÕES, só se atentando para informações que confirmem a hipótese primeva.
Parte 3
Duração razoável do processo (art. 5º, LXXVIII, da CF; arts. 7.5 e 8.1 da CADH)
Segundo o Tribunal Europeu de Direitos Humanos (TEDH) e a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), há três critérios para aferir a razoabilidade do prazo do processo:
COMPLEXIDADE do caso
ATIVIDADE PROCESSUAL do interessado
CONDUTA DOS ÓRGÃOS DO ESTADO
Segundo o TEDH, não pode acontecer que o NORMAL seja o ANORMAL FUNCIONAMENTO da Justiça. Os Estados devem procurar os meios necessários para que os seus processos transcorram num prazo razoável.
Caso (Damião) Ximenes Lopes vs. Brasil: O Brasil foi condenado pela CIDH, por violação da vida, dignidade humana e duração razoável do processo.
Parte 4
Soluções para a demora indevida do processo
Soluções COMPENSATÓRIAS:
CÍVEL: é preciso entrar com um NOVO processo para buscar uma compensação pela demora do processo anterior. Na Europa, há meios extrajudiciais, administrativos, com essa finalidade.
PENAL: ATENUANTE do art. 66 do CP ou até mesmo o PERDÃO JUDICIAL; já que processo é pena, a demora é pena, abate-se da pena definitiva o tempo da pena processual; ou mesmo extingue-se o processo, já que a demora, que já é punição, é tão grande que a punição ao final se torna desnecessária.[2:  Art. 66 - A pena poderá ser ainda atenuada em razão de circunstância relevante, anterior ou posterior ao crime, embora não prevista expressamente em lei. ]
Soluções PROCESSUAIS: extingue-se o processo, determina-se a imediata soltura do réu se a prisão demorar demais. No Paraguai, há a previsão de provimento integral e imediato do recurso defensivo e de desprovimento integral e imediato do recurso da acusação, caso não sejam julgados por Tribunal Superior em um prazo determinado.
Soluções SANCIONATÓRIAS: pune-se o servidor, o juiz, o funcionário público responsável pela demora.
Além disso, é preciso ter marcos normativos internos (leis) para determinar quanto tempo podem durar o processo e a prisão cautelar.
2º) Princípio acusatório: separação radical das funções de acusar e julgar, que deve durar TODO o processo.
O princípio acusatório não está expresso na Constituição, mas está na base constitucional, que diz → o MP é o titular da acusação; são garantidos o contraditório e ampla defesa.
Não basta que no início do processo, as funções de acusar e julgar estejam separadas. Para o Prof. Aury Lopes, o sistema brasileiro não é acusatório poque permite que o juiz possa ir atrás da prova (arts. 156, 209, 312, 385, do CPP), imiscuindo-se na área de atuação das partes.
O juiz não pode, DE OFÍCIO, atuar, prender, produzir prova, condenar etc. porque quando ele faz isso, ele desequilibra a relação dialética, mata o contraditório (tratamento igualitário entre as partes) e fulmina a imparcialidade (essencial à própria jurisdicionalidade).
Prova é atuação de PARTES.
Parte 5
Para o Prof. Aury Lopes, o sistema processual brasileiro é MISTO INQUISITÓRIO.
O procedimento é BIFÁSICO (inquérito e ação penal) e apresenta normas derivadas de ambos os princípios – inquisitório e acusatório –, mas prevalecem as normas inquisitórias, que permitem que o juiz se imiscua na gestão da prova e na função de acusar ao longo do processo, embora inicialmente incumbido apenas da função de julgar.
A ação penalseria regida pelo princípio acusatório pelo fato de estarem separadas as funções de acusar e julgar. Ocorre que, para o Prof. Aury Lopes, essas funções não são suficientemente separadas, são apenas inicialmente separadas. Isso porque o CPP permite que o juiz prenda de ofício, condene de ofício e vá atrás da prova. 
3º) Princípio da presunção de inocência: art. 5º, LVII, da CF: ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória
INOCÊNCIA ou NÃO CULPABILIDADE? Para o Prof. Aury Lopes, a não culpabilidade é um estágio anterior à inocência; esta é um obstáculo epistemológico, uma barreira que deve ser derrubada para que se demonstre que o indivíduo é CULPADO.
CADH: consagra a presunção de inocência.
É, ao mesmo tempo: um DEVER DE TRATAMENTO e uma REGRA DE JULGAMENTO.
Presunção de inocência como dever de tratamento
Há um dever constitucional de tratar a pessoa como inocente, com todas as consequências internas e externas disso.
Internamente, isso significa que a carga probatória é do acusador, que prisão cautelar não pode ser banalizada (porque põe em risco à presunção de inocência) e trata o acusado como inocente ao longo do processo (maus antecedentes, reincidência, culpabilidade etc.).
Externamente, exige-se uma proteção quanto à imagem, à intimidade, ao nome da pessoa investigada ou acusada criminalmente.
Presunção de inocência como regra de julgamento
Existe um critério, uma regra para o juiz julgar e condenar. Só se pode CONDENAR quando há prova séria e robusta. Se a prova é insuficiente, se há dúvida, deve-se ABSOLVER. in dubio pro reo
Para o Prof. Aury Lopes, há um enorme problema no art. 156 do CPP, que permite ao juiz, antes de proferir sentença, ir atrás de prova, para dirimir dúvida sobre ponto relevante. Ora, se existia dúvida ao final do processo, a providência era de ABSOLVIÇÃO, e não de permitir o julgador (como claro juiz inquisidor) buscar prova. Essa prova só será prova para CONDENAR, porque se fosse para absolver, já o poderia ter feito.
Para Vegas Torres, a presunção de inocência é:
a) É um princípio fundante, em torno do qual é construído todo o processo penal liberal, estabelecendo essencialmente garantias para o imputado frente à atuação punitiva estatal;
b) É um postulado que está diretamente relacionado ao tratamento do imputado durante o processo penal, segundo o qual haveria de partir-se da ideia de que ele é inocente e, portanto, deve reduzir-se ao máximo as medidas que restrinjam seus direitos durante o processo (incluindo-se, é claro, a fase pré-processual);
c) Finalmente, a presunção de inocência é uma regra diretamente
referida ao juízo do fato que a sentença penal faz. É sua incidência no âmbito probatório, vinculando à exigência de que a prova completa da culpabilidade do fato é uma carga da acusação, impondo-se a absolvição do imputado se a culpabilidade não ficar suficientemente demonstrada.
Parte 6
4º) Princípios do contraditório e da ampla defesa:
Contraditório
Élio Fazzalari: processo é procedimento em contraditório; contraditório é fundante do processo.
Primeiro momento: contraditório é momento de conhecimento, de informação, de saber o que está acontecendo (contraditório na fase investigatória).
Segundo momento: contraditório é momento de participação efetiva, de iguais condições de audição, de oitiva, de tratamento igualitário, de paridade de armas.
Ampla defesa
Defesa técnica: dever de assistência jurídica e judiciária, por advogado; há uma presunção de hipossuficiência técnica do réu.
Defesa pessoal: defesa feita pelo próprio réu, positiva ou negativamente; negativa quando não se obriga o réu a falar (nemo tenetur se detegere), direito ao silêncio, direito de não participar de atos que possam prejudicá-lo – reconhecimento, acareações –, de não fornecer materiais etc.
5º) Princípio da motivação das decisões judiciais: art. 93, IX, da CF
A motivação das decisões serve para controle de poder, de racionalidade; para que sejam conhecidos os motivos utilizados para decidir, qual prova está sendo utilizada, a forma de valoração das provas do processo, a forma de interpretação da lei etc.
O Prof. Aury aponta para o problema do livre convencimento motivado, que acarreta um decisionismo, um solipsismo. O juiz julga conforme a sua convicção! Isso é completamente equivocado porque há limites interpretativos, há espaços de consensos que não podem ser modificados pelo julgador. Lênio Streck
Exemplo: o conceito de trânsito em julgado é um consenso na Constituição, na doutrina, na semântica e o STF modificou esse conceito.
O juiz não pode se convencer por QUALQUER MOTIVO. O princípio do livre convencimento motivado significa que ele pode e deve decidir LIVRE DE QUALQUER PRESSÃO SOCIAL, POLÍTICA, ECONÔMICA. Mas o juiz só pode decidir DENTRO da prova produzida no processo, de forma válida, de forma fundamentada e motivada, em contraditório, observando a ampla defesa, nos limites da lei.
O juiz é um ser no mundo, que carrega uma carga de subjetividade. Por isso, é preciso buscar o controle dos espaços impróprios da subjetividade, por meio da motivação, pelo cumprimento da lei, pelos limites semânticos, pelos limites interpretativos. O juiz não está legitimado a decidir como ele quiser, deve estar vinculados aos elementos de prova válidos produzidos no processo.

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