Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
FERREIRA - ATHENEU FER-06 - 3ª Prova 17/08/99 ABREU’S SYSTEM e-mail: abreussystem@uol.com.br � 6.1 – Hipertensão Arterial � 6.2 – Hipertensão Arterial Secundária � 6.3 – Dislipidemias � 6.4 – Fatores de Risco Coronário � 6.5 – Fatores de Risco Coronário — Sobrepeso e Obesidade � 6.6 – Fatores de Risco Coronário — Estresse � 6.7 – Fatores de Risco Coronário � 6.8 – Fatores de Risco Coronário — Hereditariedade � 6.9 – Fatores de Risco Coronário — Tabagismo 145 6 Hipertensão Arterial Celso Ferreira daniel © Direitos reservados à EDITORA ATHENEU LTDA. 146 FERREIRA - ATHENEU FER-06 - 3ª Prova 17/08/99 ABREU’S SYSTEM e-mail: abreussystem@uol.com.br FERREIRA - ATHENEU FER-06 - 3ª Prova 17/08/99 ABREU’S SYSTEM e-mail: abreussystem@uol.com.br PRESSÃO ARTERIAL Tensão arterial é a força elástica exercida pelas pa- redes arteriais sobre seu conteúdo sangüíneo. Na práti- ca, ela equilibra a força contrátil do coração, transmiti- da pelo sangue. Portanto, os termos tensão arterial e pressão arterial, ainda que correspondam a noções físi- cas diferentes, se equivalem e tornaram-se sinônimos em clínica. PRESSÃO ARTERIAL MÁXIMA OU SISTÓLICA É o valor da pressão existente no sistema arterial no momento exato da sístole cardíaca. PRESSÃO ARTERIAL MÍNIMA OU DIASTÓLICA É o valor da pressão existente no sistema arterial no momento da diástole cardíaca. PRESSÃO ARTERIAL MÉDIA É representada por um valor pressórico (entre o máximo e o mínimo) que, se for constante, manterá o mesmo fluxo que com pressões arteriais variáveis, em determinado intervalo de tempo, no mesmo sistema de vasos. Em termos numéricos, a pressão arterial é definida pelo produto do débito cardíaco (DC) pelo valor da re- sistência periférica (RP). Esta equação, PA = DC x RP, deriva da lei de Poiseuille1, que determina o fluxo de lí- quidos perfeitos no interior de tubos rígidos com raio constante. A transposição desta equação matemática para a pressão arterial, implica naturalmente inúmeras distorções, visto que é sabido que os vasos sangüíneos não são tubos rígidos de raio constante, nem o sangue é um líquido perfeito, que circula dentro do sistema em velocidade constante (Tabela 6.1.1). Por sua vez, tanto o débito cardíaco quanto a resis- tência periférica dependem de inúmeros fatores, que intervêm a cada momento na magnitude da pressão ar- terial e daí a variabilidade da pressão arterial para um mesmo indivíduo no transcorrer do tempo, tanto para valores ditos “normais” quanto para os considerados “elevados”. Também para diferentes indivíduos a pres- são arterial pode apresentar valores diversos, constitu- indo variável contínua com distribuição normal nas di- ferentes populações. Considerando-se esta distribuição “gaussiana”, po- dem ser superporpostas curvas de mortalidade de causa cardiovascular relacionadas aos valores crescentes tan- to das pressões sistólicas quanto das diastólicas. Nessas curvas que ilustram tal assertiva (Fig. 6.1.1), também se constata a importância da mortalidade, mesmo para níveis tencionais pouco elevados, visto serem estes os mais prevalentes nas populações2,3. A importância des- tes fatos se refere à correlação positiva, reconhecida há 147 6.1 Hipertensão Arterial Celso Ferreira Tabela 6.1.1 Transposição da Equação de Poiseuille para a Dinâmica Circulatória1 ∆P = F X RH ⇓ ⇓ ⇓ PA = DC X R D∆P = variação de pressão entre dois pontos, F = fluxo e RH = resistência hidráulica; PA = pressão arterial; DC = débito cardíaco e R = resistência periférica. daniel © Direitos reservados à EDITORA ATHENEU LTDA. muito tempo, entre os valores da pressão arterial e o ris- co significativo, contínuo, gradual, preditivo, e inde- pendente das moléstias cardiovasculares para portado- res ou não de doença coronária4,5,6. Além disso, obser- va-se nesta figura que as inflexões adquirem forte ten- dência a se verticalizar, em pontos bem evidenciáveis, ao redor de valores de 90milímetros de mercúrio de pressão diastólica. Em conclusão 140 e 90mmHg para as pressões sistólica e diastólica foram considerados ar- bitrariamente por diversas instituições de respeitabili- dade internacional tais como a Organização Mundial de Saúde, como os limites entre a normo e a hiperten- são arterial7,8. ETIOLOGIA E CLASSIFICAÇÃO Menos de 10% dos casos de hipertensão arterial apresentam etiologias identificáveis (denominadas se- cundárias)9. Daí classificações que as relacionam com grande variedade de etiologias. Nestes casos, tor- nam-se evidentes algumas situações passíveis de cura pela remoção da causa. A abordagem destes casos transcende aos propósitos desta apresentação. Pelo menos 90% dos casos de hipertensão arterial (denominadas idiopáticas, essenciais ou primárias) são decorrentes de causas não identificáveis mesmo quan- do pesquisadas de modo exaustivo, sendo consideradas multifatoriais, de acordo com Page, em 194910. Por essa razão, o tratamento é sintomático, objetivando as- sim, o controle das complicações cardiovasculares, a diminuição da mortalidade e a maior sobrevida (Fig. 6.1.2). É fácil concluir que o tratamento da hipertensão ar- terial seja sintomático, já que tantos fatores intervêm no resultado final, isto é, no valor numérico da pressão arterial. Também é verdadeiro que, na dependência dos locais do desvio hemodinâmico, poder-se-ão exteriori- zar manifestações clínicas decorrentes do órgão-alvo envolvido. Por outro lado, a hipertensão arterial se acompanha de vários desvios, incluindo metabólico, o hormonal e tróficos, que, pela constância com que se apresentam, constituem hoje verdadeira síndrome clí- nica11. Como a finalidade, além de identificar e tratar a HA, é reduzir a incidência e diminuir a morbimortalidade das afecções cardiovasculares, torna-se útil a classificação da pressão arterial de adultos, tanto normal quanto ele- vada, para estratificar o risco individual e estabelecer es- tratégias para tratamento e acompanhamento. Para tanto, foram considerados três estágios, classificando-os de acordo com o maior dos valores da pressão sistólica ou da diastólica6,11 (Tabela 6.1.2). Esta classificação, que subdivide a pressão arterial em categorias, torna implícito, que cifras mesmo den- tro do normal podem, em determinadas situações clíni- cas, necessitar abordagem para o tratamento. É o caso do diabete mellito, que deve receber tratamento medi- camentoso mesmo com pressões arteriais sistólicas en- tre 130 a 139mmHg (Tabela 6.1.3). A subdivisão das pressões arteriais elevadas em es- tágios de 1 a 3, também se relacionam com a aborda- 148 FERREIRA - ATHENEU FER-06 - 3ª Prova 17/08/99 ABREU’S SYSTEM e-mail: abreussystem@uol.com.br Fig. 6.1.1— Prevalência da pressão diastólica e o percentual da mortalidade em 10 anos2. daniel © Direitos reservados à EDITORA ATHENEU LTDA. FERREIRA - ATHENEU FER-06 - 3ª Prova 17/08/99 ABREU’S SYSTEM e-mail: abreussystem@uol.com.br gem terapêutica. O definido como 3 deve indicar trata- mento medicamentoso de importância imediata. Por outro lado deve-se frisar que o estágio 1, representado por cifras menores, não deve ser considerado de impor- tância secundária, já que a maioria dos portadores de HA apresenta níveis tencionais leves, e as complica- ções aí incidem em maior freqüência. EPIDEMIOLOGIA A hipertensão lesa órgãos nobres da economia hu- mana, diminuindo a expectativa de vida e aumentando a morbidade, tanto de homens quanto de mulheres. Esta implicação pode ser evidenciada para a doença co- ronária, claudicação intermitente, insuficiência cardía- ca e acidente vascular cerebral12. Dados coletados pelo Ministério da Saúde, no pe- ríodo de 1981 a 1990, demonstraram que as doenças cardiovasculares foram a maior causa de mortalidade no Brasil, ultrapassando as decorrentes de causas exter-nas, neoplasias, e de moléstias respiratórias. Este pano- rama continua se apresentando, já que os últimos rela- tórios do DATASUS dão conta de idêntica situação. Nas tabelas, as taxas populacionais de mortalidade (1994)13 e os números de óbitos por domicílio (1996)14 dimensionam a magnitude e evidenciam as doenças cardiovasculares, como problema primordial de saúde pública do nosso país (Tabelas 6.1.4 e 6.1.5). 149 Fig. 6.1.2— Etiologia da hipertensão arterial primária de acordo com a teoria do mosaico do Professor IR page10. Tabela 6.1.2 Classificação da Pressão Arterial Sistólica e Diastólica Normais para Adultos com Idades Maiores que 18 Anos6 Diastólica Sistólica mmHg < 120 120-129 130-139 ≥ 140 <80 Ideal Normal NormalAlta Alta 80-84 Normal Normal NormalAlta Alta 85-89 NormalAlta Normal Alta Normal Alta Alta ô≥ 90 Alta Alta Alta Alta Tabela 6.1.3 Classificação por Estágios das Pressões Arteriais Sistólica e Diastólica Elevadas para Adultos com Idades Maiores que 18 Anos6 Diastóica Sistólica mmHg <140 140-159 160-179 ≥180 <90 — 1 2 3 90-99 1 1 2 3 100-109 2 2 2 3 ≥ 110 3 3 3 3 daniel © Direitos reservados à EDITORA ATHENEU LTDA. Dentre elas, a doença hipertensiva propriamente dita foi relatada como a causa do óbito em 19.485 paci- entes do total de 248.983 casos. Naturalmente, estes valores evidenciam apenas parcialmente a importância epidemiológica da hipertensão arterial, visto que na do- ença arterial coronária, que contribui em grande parte com o obituário, este fator de risco é primordial14. Conforme publicação do Ministério da Saúde, já em 1988 estimava-se que 15% dos indivíduos com mais de 20 anos e 35% com idade superior a 50 anos apresentavam pressões arteriais elevadas, isto corres- ponderia a pelo menos 10 milhões de portadores de hi- pertensão arterial, número que tende a aumentar com o passar do tempo e com a elevação da média de vida da população brasileira15. ABORDAGEM DA HIPERTENSÃO ARTERIAL DIAGNÓSTICO Na maioria das vezes, a HA é diagnosticada por ser constatado valor pressórico elevado em uma consulta casual e não se acompanha de sintomas, a não ser em si- tuações em que haja complicações. Considerando a va- riabilidade da pressão arterial decorrente de inúmeros fatores, devemos frisar que o diagnóstico da HA não pode se prender unicamente a valores pressóricos ca- suais, sendo obrigatório levar em conta as circunstânci- as clínicas e mesmo a técnica de mensuração adequada. Como em qualquer área da clínica, o diagnóstico deve ser feito, aliando-se os dados anamnésticos aos do exa- me físico, incluindo o valor pressórico tomado com técnica precisa, confirmado pelo menos em dois dias diferentes do obtido naquele momento. Notar que me- dições após ingestão de álcool e café, por exemplo, sem o devido repouso, podem proporcionar superestimati- vas relativas aos valores verdadeiros (para pormenores, consultar Recommendations for rotine blood pressure measurement by indirect cuff sphygmomanometry16 e “Métodos Diagnósticos em Cardiologia”17). A medição da pressão arterial, medições fora do consultório médico, pode constituir recurso valioso tendo em vista a detecção de valores eventualmente elevados e decorrentes de tensão emocional. Um exem- plo comum é representado pela “hipertensão do avental branco” fato que pode ocorrer reiteradamente em con- sultórios18. Desta forma, o paciente pode avaliar a pres- são arterial no próprio domicílio, com aparelho e pes- soa para tanto aptos, ou mesmo pelo emprego de moni- tores ambulatoriais da pressão arterial (MAPA). Os va- lores assim considerados normais são habitualmente inferiores aos padronizados para os consultórios, ou seja, no período diurno, não devem ser superiores a 135 x 85mmHg e à noite não devem ultrapassar 120 x 75mmHg19. É importante relembrar, que, embora a MAPA seja método simples e os valores confiáveis do ponto de vis- ta técnico, ela não oferece ainda dados de correlação clínica como aqueles tradicionalmente obtidos median- te pressões ocasionais. Espera-se que este subsídio, que se apresenta como muito oportuno e útil, obtenha com a experiência futura a validação necessária. Após a conclusão definitiva de que o paciente apre- senta realmente HA, é necessário responder as seguin- tes interrogações: Trata-se de causa primária (idiopáti- ca)? Secundária? Curável? Com envolvimento de ór- gãos-alvo? Existem fatores de risco associados? Qual o estágio da pressão arterial? Estas perguntas devem estar presentes durante toda a abordagem do portador de HA para serem respondi- das pela anamnese, pelo exame físico e exames subsi- diários (Tabela 6.1.6). ANAMNESE A HA primária é diagnosticada, freqüentemente, a partir de consulta por diversas razões, já que em geral é assintomática. A queixa freqüente de cefaléia, na maio- ria das vezes, tem causa independente da HA, como por exemplo a tensão emocional, ou mesmo patologias da 150 FERREIRA - ATHENEU FER-06 - 3ª Prova 17/08/99 ABREU’S SYSTEM e-mail: abreussystem@uol.com.br Tabela 6.1.4 Taxas de Mortalidade das Principais Causas de Mortalidade para todo o Território Brasileiro — SUS — Ministério da Saúde do Brasil, 199413 Causas de Mortalidade Taxas/Habitantes Doenças cardiovasculares 160/100.000 Causas externas 74/100.000 Neoplasias 58/100.000 Moléstias respiratórias 48/100.000 Tabela 6.1.5 Óbitos por Residência das Principais Causas de Mortalidade para todo o Território Brasileiro SUS — Ministério da Saúde do Brasil, 199614 Causas de Mortalidade (CID 10) Números Absolutos Brasil Doenças do ap. circulatório 249.613 Causas externas 119.156 Neoplasias 103.408 Moléstias respiratórias 88.435 Total 908.882 daniel © Direitos reservados à EDITORA ATHENEU LTDA. FERREIRA - ATHENEU FER-06 - 3ª Prova 17/08/99 ABREU’S SYSTEM e-mail: abreussystem@uol.com.br coluna cervical. É importante ressaltar, que, muitas das vezes, a HA é conseqüência e não causa da cefaléia, normalizando-se, portanto, a pressão arterial com o tra- tamento do motivo primordial que a originou. Natural- mente, é necessário considerar as cefaléias que acom- panham as urgências e as emergências hipertensivas, que têm de ser lembradas ao serem avaliados os porta- dores de HA e cefaléia, cuja manifestação pode ser a inicial em portadores de HA acelerada ou maligna. Não faz parte desta exposição a discriminação de elementos para diagnóstico ou diagnóstico diferencial20. Considerando ainda a anamnese, devem ser valori- zadas as informações de todos os tipos, como, por exemplo, elevações súbitas, acompanhadas de cefaléia, taquicardia, palidez e sudorese, sugerindo feocromoci- toma17, conduzindo portanto o diagnóstico a uma causa secundária da hipertensão arterial. Para a elaboração do diagnóstico da HA primária, vale a lembrança, em todos os passos de abordagem ao portador de HA, da necessidade de exclusão da HA secundária, quer pela anamnese, quer pelo exame físi- co, quer ainda pelos resultados dos exames subsidiá- rios6,21-24. Neste sentido é oportuna a lembrança de algumas condições de HA secundária (ver Tabela 6.1.7). Quanto maior a idade do idoso, ou menor a idade da criança, maiores as possibilidades de que existam patologias renais ou vasculares como causas de hiper- tensão arterial. Via de regra as HA primárias respondem facilmen- te à terapêutica anti-hipertensiva, e a perda do controle da pressão também conduz à suspeita de causa secun- dária para a hipertensão arterial. O desenvolvimento rápido, ou mesmo súbito, da HA pode levar à suspeita de causa tumoral, incluindo o feocromocitoma ou a HA acelerada ou maligna. Além disto, sabe-se que cifras elevadas devem conduzir o clí- nico à busca de causa secundária para a HA, tanto pela possibilidade de causa secundária, quanto pela evolu- ção potencialmente tormentosa. Naturalmente,no diagnóstico de causa secundária para a HA, encontram-se implícitas a necessidade da ave- riguação desta e a possibilidade de ser eliminada, o que equivaleria a sua cura. É, por exemplo, o caso do diagnós- tico de feocromocitoma, da utilização de cortisona, etc. Finalmente, ao se elaborar a história clínica, devem ser averiguados o envolvimento de órgãos-alvo e a pre- sença de fatores de risco, como será abordado. EXAME FÍSICO Durante a abordagem do paciente, deve-se saber se a HA é primária ou secundária, se esta é curável, se existem órgãos-alvo envolvidos, e sobre a presença de fatores de risco, bem como sobre o estágio da pressão arterial. A propedêutica deve ser completa, porém parece útil o relacionamento de pontos de muita importância (Tabela 6.1.8). 151 Tabela 6.1.6 Para Abordar os Portadores de Hipertensão Arterial, devem-se Considerar as Causas, Envolvimento de Órgãos-Alvo, Fatores de Risco e Valores Pressóricos6 Hipertensão Arterial Considerar • Primária (idiopática)? • Secundária? (Curável)? • Envolvimento de órgãos-alvo • Presença de fatores de risco • Estágio do valor pressórico Tabela 6.1.7 Algumas Situações Clínicas que Devem Ser Consideradas para o Diagnóstico de Hipertensão Arterial Secundária Condições Sugestivas de HA Secundária • Idades-limite • Resposta inadequada ao tratamento • Perda do controle terapêutico • Desenvolvimento rápido • HA acelerada maligna • Estágio 3 Tabela 6.1.8 A Propedêutica Deve Ser Completa, no Entanto Devem Ser Buscados Elementos para Diagnosticar a Etiologia, Órgãos-Alvo Afetados, e Fatores de Risco Exame Físico Propedêutica Completa Observar: • Duas ou mais medidas da PA • Medir a PA em MMSS e MMII • Considerar circunferência MS • Desenvolvimento rápido • Vasos da base, tireóide • Coração e pulmões • Abdome: massas, aneurismas e sopros • Membros inferiores • Neurológico • Fundoscopia daniel © Direitos reservados à EDITORA ATHENEU LTDA. É o caso da mensuração da PA, no que se refere ao rigor técnico da aferição, que inclui a calibração adequa- da do aparelho, o repouso físico e alimentar do paciente, antecedendo o procedimento, a manutenção do membro superior à altura do átrio esquerdo, ou mesmo desconsi- derar circunstâncias ambientes que possam levar a valo- res maiores do que aqueles que deveriam ser os basais para o paciente. Para evitar o erro do diagnóstico de co- arctação da aorta, ou outras patologias arteriais, é neces- sária a medição da pressão nos membros superiores e in- feriores. Além disso, nos indivíduos obesos, deve-se uti- lizar manguito adequado e considerar a circunferência do membro superior para aplicar as devidas correções aos valores das pressões obtidas25 (Tabela 6.1.9). A pulsação exagerada dos vasos no pescoço, o au- mento do volume da tireóide e a palpação de massas ab- dominais, incluindo tumores pulsáteis ou mesmo so- pros, podem ser fortes elementos para o diagnóstico da etiologia da HA. Também são bastante oportunos os exames dos membros inferiores, suas condições circula- tórias e o exame neurológico. Finalmente, a visualização do fundo do olho constitui verdadeira janela por onde se pode inferir as condições dos vasos de toda a economia. EXAMES DE LABORATÓRIO Com os mesmos propósitos mencionados anterior- mente, citam-se exames de laboratório, que se prestam para definir a causa das lesões de órgãos-alvo, ou fato- res de risco. Sempre que necessário, devem ser consi- derados outros subsidiários para a complementação (ver Tabela 6.1.10). FATORES DE RISCO Constituem elementos, que se revestem de grande importância para a definição das estratégias de trata- mento da HA. Dentre os fatores de risco, os denominados major foram considerados pelo JNC VI6 e são mencionados a seguir (ver Tabela 6.1.11). LESÃO DE ÓRGÃOS-ALVO Ao lado dos fatores de risco, também muito impor- tantes para estabelecer a estratégia de tratamento, fo- ram relacionadas as lesões de órgãos-alvo (LOA): O acidente vascular cerebral, ataques isquêmicos transi- tórios6, a hipertrofia ventricular esquerda, a insuficiên- cia coronária (com ou sem revascularização miocárdi- ca), a insuficiência cardíaca congestiva23,24, as nefro- patias22, e as arteriopatias periféricas. ESTRATÉGIAS PARA O TRATAMENTO DA HA PRIMÁRIA É necessário inicialmente definir o objetivo do tra- tamento, as finalidades e as condições, tendo em vista 152 FERREIRA - ATHENEU FER-06 - 3ª Prova 17/08/99 ABREU’S SYSTEM e-mail: abreussystem@uol.com.br Tabela 6.1.9 Os Valores para a Correção da Pressão Arterial, de Acordo com a Circunferência do Braço e Largura do Manguito. Observação: o Manguito de 12cm de Largura Está Indicado para Circunferências do Braço entre 26 e 33cm; o de 15cm para Aquelas entre 34 e 45cm, e o de 18cm para Circunferências entre 41 e 49cm25 Largura do Manguito (cm) 12 15 18 Circunf. do Braço (cm) PS PD PS PD PS PD 26 + 5 + 3 + 7 + 5 + 9 + 5 28 + 3 + 2 + 5 + 4 + 8 + 5 30 0 0 + 4 + 3 + 7 + 4 32 - 2 - 1 + 3 + 2 + 6 + 4 34 - 4 - 3 + 2 + 1 + 5 + 3 36 - 6 - 4 0 + 1 + 5 + 3 38 - 8 - 6 - 1 0 + 4 + 2 40 - 10 - 7 - 2 - 1 + 3 + 1 42 - 12 - 9 - 4 - 2 + 2 + 1 44 - 14 - 10 - 5 - 3 + 1 0 46 - 16 - 11 - 6 - 3 0 0 48 - 18 - 13 - 7 - 4 - 1 - 1 50 - 21 - 14 - 9 - 5 - 1 - 1 daniel © Direitos reservados à EDITORA ATHENEU LTDA. FERREIRA - ATHENEU FER-06 - 3ª Prova 17/08/99 ABREU’S SYSTEM e-mail: abreussystem@uol.com.br especialmente a qualidade de vida, incluindo desvios metabólicos (Tabela 6.1.13). Para o tratamento da HA, foram correlacionados os dados quantitativos considerados na classificação da pressão arterial, com os dados referentes a lesões de ór- gãos-alvo e os fatores de risco. Na figura, denominados “LOA” e “FR”, observe que o diabetes, dada sua im- portância, foi colocado juntamente com o grupo de si- tuações onde ocorrem lesões de órgãos-alvo (Tabela 6.1.14). PREVENÇÃO PRIMÁRIA DA HIPERTENSÃO ARTERIAL (MODIFICAÇÃO DO ESTILO DE VIDA) Tendo em vista ser esta a abordagem ideal para qualquer moléstia, e notadamente a abrangência sistê- mica da HA, se justifica esta conduta, que objetiva evi- tar a lesão dos órgãos-alvo. Embora eficaz, envolve maior empenho do paciente e a efetiva participação fa- miliar, pelo menos no que tange à dieta alimentar e par- ticularmente ao estímulo a essas medidas. Trata-se de modificações do estilo de vida, cujas linhas mestras mencionamos a seguir (Tabela 6.1.15). A redução do peso é indicada em todas as con- dições em que a massa corpórea estiver em níveis supe- riores aos índices definidos pela equação: Peso(kg) S(m )2 153 Tabela 6.1.10 Testes de Laboratório Considerados Básicos para a Abordagem da Hipertensão Arterial Exames de Laboratório • Série vermelha • Análise urina • Na+, K+ • Creatinina • Colesterol total e HDL • Glicemia de jejum • Eletrocardiograma • RX do tórax Tabela 6.1.11 Fatores de Risco mais Significativos para a Estratificação do Tratamento da Hipertensão Arterial6 Fatores de Risco Major Estratificação do Risco Fumo Dislipidemia Diabete Idade > 60a Sexo masculino Sexo feminino pós-menopausa Hereditariedade (H < 55 a, M < 65a) Tabela 6.1.12 Lesões de Órgãos-Alvo Considerados para a Estratificação do Risco e Tratamento da Hipertensão Arterial6 Lesão de Órgãos-Alvo e Doenças Cardiovasculares Estratificação de Risco • AVC ou TIA • Doenças cardíacas HVE Angina/IM prévio Revasc. miocárdica ICC • Nefropatia • Arteriopatia periférica Tabela 6.1.13 Objetivo, Finalidade e Qualidade de Vida Buscadas pelo Tratamento da Hipertensão Arterial6 Tratamento da Hipertensão Arterial • Objetivo: manter a PA abaixo de 140x90mmHg, com a menor intervenção • Finalidade: reduzir a morbidade e a mortalidade • Condições:manter qualidade de vida Tabela 6.1.14 Modificações do Estilo de Vida e Tratamento Farmacológico da Hipertensão Arterial, Conforme os Valores Pressóricos, e a Associação com Fatores de Risco e Lesões de Órgãos-Alvo6 Tratamento da Hipertensão Arterial Primária PA mmHg Ausência de FR/LOA Com FR Ausência LOA Com LOA e/ou Diabetes 130-139 85-89 Modificar estilo de vida Modificar estilo de vida Terapêutica medicamentosa140-159 90-99 ≥ 160 ≥ 100 Terapêutica medicamentosa Terapêutica medicamentosa Terapêutica medicamentosa FR = Fator de risco LOA = Lesões em órgãos-alvo daniel © Direitos reservados à EDITORA ATHENEU LTDA. onde o peso é expresso em quilograma e a superfície corpórea em metros quadrados. Entre outras, a redução da massa corpórea pode promover a diminuição da pressão arterial e diminuir o risco de diabete mellito e de dislipidemia6. O álcool pode causar aumento da resistência peri- férica e por isso elevar a pressão arterial e até torná-la refratária ao controle. Desta forma, a ingestão deve ser reduzida a no máximo 30ml de etanol ao dia, o que cor- responde a 720ml de cerveja, ou 300ml de vinho, ou 60ml de bebidas distiladas (100proof). Por diferenças de capacidade enzimática, as mulheres toleram meno- res quantidades de álcool, sendo recomendável não ex- cederem a 15ml de etanol ao dia6. As atividades físicas aeróbicas são recomendadas, contribuindo de modo inegável para redução da morta- lidade. A prática por 30 a 45 minutos diários contribui para a redução do peso corpóreo e o controle das disli- pidemias. Sabe-se que os indivíduos sedentários têm probabilidades de apresentar hipertensão arterial eleva- da em 20 a 50%26. Existe larga variação de resposta à ingestão de só- dio, mas há inegável associação com os níveis pressóri- cos. Não resta dúvida da vantagem na moderação, in- cluindo melhora na resposta ao tratamento an- ti-hipertensivo. ALGORITMO PARA O TRATAMENTO DA HIPERTENSÃO ARTERIAL Conforme estabelecido na estratégia de tratamento do portador de HA, o paciente deve iniciar ou dar conti- nuidade às modificações do estilo de vida. Daí em dian- te, se for o caso, iniciar a terapêutica farmacológica, de acordo com cada situação em particular (Tabela 6.1.16). 154 FERREIRA - ATHENEU FER-06 - 3ª Prova 17/08/99 ABREU’S SYSTEM e-mail: abreussystem@uol.com.br Tabela 6.1.15 As Modicações do Estilo de Vida e a Prevenção Primária Incluem as Mesmas Medidas não Farmacológicas de Tratamento da Hipertensão Arterial6 Tratamento da Hipertensão Arterial Prevenção Primária (Modificações do Estilo de Vida) • Redução do sobrepeso • Moderação do álcool • Atividade física • Redução do sal • Supressão do fumo Algoritmo para o Tratamento da Hipertensão Arterial Tabela 6.1.16 Quando as Modificações do Estilo de Vida Não São Suficientes é Acrescentado o Tratamento Farmacológico. Os Medicamentos São Relacionados de Acordo com o Caso, Utilizados em Doses Menores que as Máximas e Associados ou Substituídos de Acordo com a Resposta Clínica6 Iniciar ou Continuar Modificações do Estilo de Vida PA Elevada Iniciar Tratamento Farmacológico Sem Resposta ou Efeitos Colaterais Substituir por Medicação de Classe Diferente Resposta Insuficiente Mas Bem Tolerado Acrescentar Medicação de Classe Diferente PA Elevada Continuar Adicionando Agentes de Outras Classes daniel © Direitos reservados à EDITORA ATHENEU LTDA. FERREIRA - ATHENEU FER-06 - 3ª Prova 17/08/99 ABREU’S SYSTEM e-mail: abreussystem@uol.com.br TRATAMENTO FARMACOLÓGICO DA HIPERTENSÃO ARTERIAL — ESCOLHA DO MEDICAMENTO A escolha do medicamento para o tratamento da hi- pertensão arterial é considerada de fundamental impor- tância e se baseia na experiência acumulada nos estu- dos de longa duração, sem que dispense as novas con- quistas representadas pelos avanços nessa área, notada- mente nos últimos anos. Para exposição didática desses grupos farmacológicos, segue classificação de acordo com as indicações (Tabela 6.1.17). Para a grande maioria dos portadores de HA primá- ria não complicada, o tratamento se inicia com diuréti- cos ou beta-bloqueadores, em geral tiazídicos, em pe- quenas doses. Nos casos em que se optou pelo diuréti- co, e a pressão arterial não atingiu os valores desejados, a dose de um ou de outro farmaco pode ser elevada até doses máximas. Quando, mesmo assim, não se obtive- rem valores desejados, deverão ser associados entre si, ou a medicamentos de classes, deverá ser determinada para a referida situação. Além disso, existem indicações obrigatórias como o diabete mellito, em que os inibidores da enzima con- versora da angiotensina são importantes na proteção re- nal, ou para os portadores de insuficiência cardíaca, em que está universalmente aceita sua ação benéfica dife- renciada, tanto na melhora do tipo funcional, quanto nas complicações e na sobrevida. Desta forma, são alinhadas a seguir algumas situa- ções clínicas nas quais determinados grupos de an- ti-hipertensivos têm indicações obrigatórias (Tabela 6.1.18). No Capítulo 27, leitor poderá encontrar, em “Fár- macos em Cardiologia”, maior aprofundamento e com- pletar a formação em hipertensão arterial e no trata- mento medicamentoso. BIBLIOGRAFIA 1. Rushmer RF. Circulación general In Rushmer RF. Fisiopatologia Car- diovascular — Mexico, Nueva Editorial Interamericana, S.A. DE C.V. 3ª Edicion, 5-11, 1972. 2. Peart WS, Sever PS, Swales JD, Tarazi R. Slide Atlas of Hypertension — Measurement and Natural History vol 6. Sponsored by the Internatio- nal Society of hypertension. Produced and published by Gower Medi- cal Publishing Ltd. 1980. 3. National High Blood Pressure Education Program Working Group — Multiple Risk Factor Intervention Trial. Arch Intern Med 153:186-192, 1993. 4. Stamler J. Blood pressure and high blood pressure: Aspects of risk. Hypertension, 18(suppl1):1:95-107, 1991. 5. Flack JM, Neaton J, Grimm R Jr et al. Multiple Risk Factor Intervention Trial Research Group. Blood pressure and mortality among men with prior myocardial infarction. Circulation, 92:2437-2445, 1995. 6. The Sixth Report of the Joint National Committee on Prevention, De- tection, Evaluation and Treatment of High Blood Pressure. Arch Intern Med 157:2413-2445, 1997. 7. Report of a WHO expert committee on hypertension control. Geneva 24-31, 1996. 8. Guidelines for the managment of mild hypertension: memorandum from a WHO/ISH meting. Hipertension, 22:392-4003, 1993. 9. Laurenti R. Epidemiologia da hipertensao arterial: Etiologia e Tipos de Hipertensão Arterial. In: Chiaverini R, Marcondes MH, Silva OL. Ramos — Doença Hipertensiva: diagnóstico e tratamento Livraria Atheneu — R. Janeiro-São Paulo, 67-69, 1980. 10. Page IH. Pathogenis of arterial hypertension. Jama, 140:451-458, 1949. 11. III. Consenso Brasileiro Para o Diagnóstico e Tratamento da Hiperten- são Arterial, 1998. 12. Kannel W. Left ventricular hypertrophy as a risk factor. The Framing- ham experience. J Hypertens 9(suppl2):S2-S9, 1991. 13. A saúde no Brasil, 1996. Ministério da Saúde. Brasília-DF, março 1997. 14. www.datasus.gov.gov.br/cgi/tabcgi.exe?sin/dybr.def (31/01/1999). 15. Divisão Nacional de Doenças Crônico-Degenerativas — Centro de Documentação do Ministério da Saúde. Estimativa de Prevalência de Hipertensão Arterial na População Adulta — Brasil-1984, 1988. 16. American Society of Hypertension. Recommendations for routine blood pressure measurement by indirect cuff sphygmomanometry. Am J Hypertens 5:207-209, 1992. 17. Silva HB, Giorgi DMA, Lima JJG. Hipertensão Arterial. In: Ghorayeb N, Meneghelo RS. Métodos Diagnóstico em Cardiologia São Paulo: Editora Atheneu, 379-389, 1997. 155 Tabela 6.1.17 A Escolha do Medicamento é Feita de Acordo com a Condição dos Pacientes, Considerando SituaçõesEspeciais6 Tratamento Farmacológico da HA — Escolha do Medicamento — • HA não complicada Diuréticos Beta-bloqueadores • Indicações especiais IECA Bloqueadores de AII Alfa-bloqueadores Alfa e beta-bloqueadores Antagonistas do cálcio Diuréticos IECA = Inibidores da Enzima Conversora da Angiotensina. Tabela 6.1.18 Em Algumas Condições Especiais os Medicamentos Têm Indicação Obrigatória6 Tratamento Farmacológico da HA — Escolha do Medicamento (Indicações Obrigatórias) •Diabete melito IECA • Insuficiência cardíaca IECA — diuréticos • Hipertensão sistólica Diuréticos — antagonistas cálcio • Infarto do miocárdio Betabloqueadores (não ISA) IECA (se disfunção sistólica) IECA = Inibidores da Enzima Conversora da Angiotensina. ISA = Atividade Simpaticomimética Intrínseca. daniel © Direitos reservados à EDITORA ATHENEU LTDA. 18. Giorgi DMA, Serro Azul JB, Wanjgarten M. Variabilidade da pressão arterial em idosos hipertensos: importância da detecção da hipertensão do jaledo branco. Arq Bras Cardiol 61(suplI):103-108, 1995. 19. II Consenso Brasileiro para o Uso da Monitorização Ambulatorial da Pressão Arterial. Hiperativo, 3(4):237-49, 1996. 20. Amaral CFS. Emergências Hipertertensivas. In: Amodeo C, Lima EG, Vas- quez EC. Hipertensão Arterial — São Paulo: Editora Sarvier 277-285, 1997. 21. Bortoloto LA. Hipertensão Arterial Secundária. In: Amodeo C, Lima EG, Vasquez EC. Hipertensão Arterial — São Paulo: Editora Sarvier 119-132, 1997. 22. Carvalho JGR. Rim e Hipertensão Arterial: In: Amodeo C, Lima EG, Vasquez EC. Hipertensão Arterial — São Paulo: Editora Sarvier 141-152, 1997. 23. Ferreira C, Povoa R. Hipertensão Arterial e Coração. In: Amodeo C, Lima EG, Vasquez EC. Hipertensão Arterial — São Paulo: Editora Sar- vier 133-140, 1997. 24. Ferreira C, Póvoa R, Ferreira FC. Hipertensão Arterial e hipertrofia cardíaca-sobrecarga hemodinâmica. In: Vassallo DV, Lima EG. Con- tratilidade Miocárdica — Aspéctos Básicos e Clínicos. São Paulo, Fundo Editorial BYC, 41-54, 1993. 25. Ministério da Saúde. Controle da Hipertensão Arterial: uma proposta de integração ensino-serviço. Rio de Janeiro: CDCV/NUTES, 232, 1993. 26. Gallo JR, Castro L, RBP & Maciel BC. Exercicio Fisico e Hiperten- são. In: Amodeo C, Lima EG, Vasquez EC. Hipertensão Arterial — São Paulo: Editora Sarvier 175 a 186, 1997. 156 FERREIRA - ATHENEU FER-06 - 3ª Prova 17/08/99 ABREU’S SYSTEM e-mail: abreussystem@uol.com.br daniel © Direitos reservados à EDITORA ATHENEU LTDA. FERREIRA - ATHENEU FER-06 - 3ª Prova 17/08/99 ABREU’S SYSTEM e-mail: abreussystem@uol.com.br INTRODUÇÃO A hipertensão arterial é uma das mais prevalentes patologias em todo o mundo. Pesquisas demonstram que 20% a 25% de uma população adulta deva ser con- siderada hipertensa. Por outro lado, estima-se que aos 70 anos esta prevalência se eleve em até 50%. Assim, o conhecimento básico para investigar um paciente hi- pertenso deve fazer parte das habilidades de um clíni- co. O III Consenso Brasileiro de Hipertensão Arterial sugeriu que na investigação inicial de um paciente hi- pertenso deveria ser incluída, no mínimo, a quantifica- ção de creatinina, potássio, glicemia, colesterol total e urina tipo I. Esta lista, simples e objetiva, sintetiza a abordagem inicial e a importância dos exames iniciais — pragmáticos — na investigação da hipertensão se- cundária. Em outras palavras, prioriza o ato médico, a anamnese e a capacidade de inferir, julgar e suspeitar de hipertensão secundária. A prevalência de hipertensão secundária na popu- lação adulta é de aproximadamente 5% a 10%1,2. Assim, para a grande maioria dos hipertensos, os cha- mados primários ou essenciais, a hipertensão arterial é um fato definitivo. Há, porém, um pequeno contingen- te de pacientes, nos quais existe a possibilidade de cura ou reversão. Em termos individuais representa escapar de uma perspectiva de vida de permanente controle me- dicamentoso e não medicamentoso e de permanente convivência com os riscos e as conseqüências mórbi- das da hipertensão. Detectar e tratar a hipertensão secundária são, das tarefas médicas, as que mais requerem entrosamento e colaboração científica entre diferentes disciplinas e serviços de uma instituição. É, portanto, uma tarefa multidisciplinar que requer a participação de clínicos gerais, de profissionais de atendimento primário, de es- pecialistas clínicos, especialistas em métodos diagnós- ticos, de radiologistas intervencionistas e de cirurgiões. Diagnosticar a hipertensão arterial é tarefa relati- vamente fácil. Difícil é encontrar a pequena parcela de hipertensos secundários, camuflados entre os hiperten- sos essenciais, dos quais não se distinguem facilmente. Comparativamente, é quase como achar uma agulha no palheiro. Muitos serão triados e poucos serão detecta- dos. Portanto, a triagem da hipertensão secundária deve ser otimizada no sentido de poupar trabalho e custos, iniciando-se com uma anamnese e exame físico direcio- nados e minuciosos, seguidos de uma avaliação diag- nóstica mínima, de baixo custo, mas que possa incor- porar e ampliar a investigação dos indícios clínicos. A partir daí serão selecionados para investigação especí- fica, aqueles pacientes com maior probabilidade, esco- lhendo-se o(s) teste(s) com maior sensibilidade e espe- cificidade para cada situação, portanto com maior pro- babilidade de acerto. Portanto, a detecção da hiperten- são secundária vai além do exercício clínico e passa por uma análise de decisão2. Logo, um importante papel cabe ao clínico, nesta triagem inicial. Dentre as varias causas de hipertensão secundária algumas se destacam pela maior prevalência e pelo im- pacto potencial de poderem ser revertidas ou curadas. Neste capítulo abordaremos as seguintes causas: álcool e drogas; doenças renais parenquimatosas; hipertensão renovascular; e algumas patologias de origem endócri- na: feocromocitoma e hiperaldosteronismo primário. 157 6.2 Hipertensão Arterial Secundária José Luiz Santello José Nery Praxedes daniel © Direitos reservados à EDITORA ATHENEU LTDA. ÁLCOOL E DROGAS Em nossa sociedade o consumo de álcool, embora não estimulado, é socialmente aceito. Há farta verifica- ção em consultórios e clínicas, com comentários seme- lhantes aos que se seguem: “consumo social”, “somen- te nos fins de semana” etc., refletindo a aceitação social para com o consumo excessivo de álcool. Na realidade, temos observado que na população masculina, e mes- mo na feminina, o papel do álcool no desencadeamento de hipertensão arterial é crescente. As recomendações internacionais sugerem, no má- ximo, 15ml para mulheres e 30ml para os homens de consumo de etanol por dia. Assim, o consumo de 200ml de um vinho a 15% de álcool, já preencheu o li- mite máximo diário para os homens, cuja metaboliza- ção hepática é mais eficiente do que nas mulheres. Muitas substâncias, medicamentos ou drogas ilíci- tas, podem desencadear hipertensão arterial em pessoas predispostas ou agravar um estado hipertensivo pree- xistente. Entre as mais comuns3, merecem destaque os anticoncepcionais, antiinflamatórios não hormonais, anoréticos, antidepressivos, psicotrópicos, imunossu- pressores (Tabela 6.2.1). Os mecanismos são variados, existindo em comum o fato de que o estado hipertensivo é reversível com a suspensão, podendo retornar se o uso for reiniciado. Algumas destas substâncias podem desencadear esta- dos hipertensivos severos ou acelerados, podendo tam- bém persistir níveis residuais de hipertensão com a sua retirada. O diagnóstico depende de uma investigação cuida- dosa e detalhada na anamnese, lembrando que um sim- ples descongestionante nasal, ou uma inocente pastilha de alcaçuz, em uso abusivo, podem determinar um es- tado hipertensivo ou desencadear uma condição de re- fratariedade terapêutica. DOENÇASRENAIS As doenças renais constituem causa freqüente de hipertensão. Respondem por cerca de 2,5% a 5% das causas de hipertensão secundária, entre os adultos4. Po- dem ser produzidas por nefropatias primárias ou asso- ciadas a doenças sistêmicas. Infelizmente, nem sempre o tratamento da doença renal, quando existe, resulta em reversão completa ou “cura” da hipertensão, podendo ocorrer apenas melhora do controle pressórico. Em algumas doenças renais, como nas glomerulo- patias, a hipertensão não é somente um dado clínico de suspeita diagnóstica, mas também um marcador de ati- vidade e evolução. Particularmente nas glomerulone- frites agudas, proliferativas, mais especificamente na glomerulonefrite difusa aguda pós-estreptocócica, a hi- pertensão arterial desaparece com a evolução para a cura e persiste nos casos que evoluem para cronifica- ção, marcando a atividade da doença5,6. Alguns dados clínicos auxiliam na detecção das doenças renais, nas quais é elevada a prevalência de hipertensão arterial (Tabela 6.2.2). Exame de urina (bioquímica e sedimento), proteinúria quantitativa, avaliação da função renal (creatinina sérica ou depu- ração da creatinina endógena) e imagens renais (ul- tra-sonografia, urografia excretora, ou cintilografia re- nal) podem determinar a natureza da doença renal. Eventualmente, métodos adicionais, como uretrocisto- grafia miccional, tomografia ou biópsia renal, são ne- cessários5,6. A seqüência e a combinação deste exames são im- portantes para conduzir ao diagnóstico, tendo como chave o exame de urina e a medida da função renal do hipertenso, candidato a nefropata. Por exemplo, o pa- ciente com proteinúria, alterações de sedimento, prin- cipalmente hematúria com dismorfismo eritrocitário, e com função renal alterada ou não, leva à hipótese diag- nóstica de uma doença glomerular. Sedimento normal, 158 FERREIRA - ATHENEU FER-06 - 3ª Prova 17/08/99 ABREU’S SYSTEM e-mail: abreussystem@uol.com.br Tabela 6.2.1 Drogas Indutoras de Hipertensão Arterial Agentes químicos Cloreto de sódio (excesso de sal), alcaçuz (“licorice”), chumbo, cádmio, lítio, cafeína e álcool Hormônios Contraceptivos, corticosteróides, estrógenos e andrógenos Antiinflamatórios Todos Antidepressivos Inibidores da MAO, tricíclicos Simpaticomiméticos Fenilefrina, pseudofenilefrina Derivados do Ergot Ergotamina Outros Ciclosporinas, eritropoetina, dissulfiram Estimulantes e depressores do sensório Estimulantes (anfetaminas) crack, cocaína, etc. Agentes terapêuticos daniel © Direitos reservados à EDITORA ATHENEU LTDA. FERREIRA - ATHENEU FER-06 - 3ª Prova 17/08/99 ABREU’S SYSTEM e-mail: abreussystem@uol.com.br proteinúria ausente ou discreta, não nefrótica, e presen- ça de disfunção renal, deve-se pensar em nefropatia tú- bulo-intersticial, nefroesclerose hipertensiva ou even- tualmente uma vasculite. Entre os métodos imagens, a ultra-sonografia é su- perior à urografia excretora pois mesmo em estágios avançados de insuficiência renal, tem condições de fazer avaliações estruturais do rim com detalhes finos como dimensões da córtex, sua definição e ecogenicidade, sem a utilização de contrastes nefrotóxicos, podendo de- finir a fase da doença e seu potencial de recuperação, além de detectar cistos, cálculos, tumores e hidronefro- se, com a mesma eficiência. A uretrocistografia miccio- nal pode diagnosticar um refluxo vesicoureteral. Nos diabéticos, principalmente do tipo insulinode- pendente, a dosagem da microalbuminúria é excelente marcador do aparecimento precoce da nefropatia, que invariavelmente se acompanha de hipertensão arterial. A biópsia renal é fundamental em paciente com síndrome nefrítica, com disfunção renal importante e rins ecograficamente normais, podendo diagnosticar precocemente glomerulopatia crescêntrica, que exige tratamento rápido e agressivo para reverter a perda de função e a hipertensão arterial. O principal mecanismo da hipertensão nas doenças renais está relacionado com a perda progressiva da ca- pacidade renal de excretar sódio, sendo, portanto, volu- me-dependente. Entretanto, vários outros mecanismos podem estar envolvidos. A síntese renal de substâncias vasoativas estaria desequilibrada pela maior produção de vasoconstritores como renina-angiotensina e dimi- nuição de vasodilatadores como prostaglandinas e cali- creínas renais. Alterações na função endotelial podem envolver a síntese do óxido nítrico, prejudicada pelo acúmulo de inibidores naturais da NO sintase eliminados normal- mente pelos rins, derivados metilados da L-arginina (dimetil e monometil-arginina assimétrica-ADMA). Embora controversas, existem evidências de que a en- dotelina pode também ter participação na hipertensão secundária às nefropatias4,5. HIPERTENSÃO RENOVASCULAR A hipertensão renovascular é a causa mais freqüen- te de hipertensão curável e a segunda dentre as secun- dárias, logo após as doenças renais. Sua prevalência é de 1% a 5% da população adulta hipertensa, mas aumenta em subpopulações específicas, como idosos, diabéticos e hipertensos malignos ou acelerados e re- fratários7,8. Potencialmente curável, mas de baixa prevalência, exige cuidadosa triagem para otimizar sua detecção8. Partindo-se de marcadores clínicos pode-se estimar a probabilidade de ocorrência em um determinado perfil de paciente e estabelecer uma seqüência de investiga- ção, utilizando-se testes de triagem, de alta sensibilida- de e especificidade9,10. A hipertensão renovascular classicamente é produ- zida por estenose de uma ou de ambas as artérias renais. Então o mecanismo envolve principalmente dois fato- res interagindo entre si: o sistema renina-angiotensina e a volemia. Na estenose unilateral, a presença do rim contrala- teral íntegro exerce um efeito natriurético compensató- rio impedindo a expansão e, portanto, a hipertensão é deflagrada e mantida, pelo menos nas fases iniciais, apenas pela hiperatividade do sistema a reni- na-angiotensina. Na estenose bilateral, na estenose do rim único ou de rim transplantado ou ainda na coarcta- ção da aorta acima das artéria renais, ocorre isquemia de todo o parênquima renal; inicialmente, a hipertensão é deflagrada pelo sistema renina-angiotensina, porém não havendo natriurese compensatória, ocorre expan- são volêmica, sendo a hipertensão mantida pela intera- ção do sistema renina-angiotensina com o estado da vo- lemia. Os níveis de pressão arterial variam de hipertensão severa, acelerada ou maligna, até níveis de hipertensão leve ou limítrofe9. Levando-se em conta os custos da arteriografia, que é o método padrão para diagnosticar as lesões das artérias renais, é na hipertensão renovas- cular que o exercício clínico e a análise de decisão en- contram sua maior aplicação para se chegar de forma eficaz ao diagnóstico. 159 Tabela 6.2.2 Prevalência de Hipertensão Arterial nas Nefropatias Crônicas Glomerulopatias Hipertensão (%) 1. Glomeruloesclerose segmentar e focal 75-80 2. Glomerulonefrite membranoproliferativa 65-70 3. Nefropatia diabética 65-70 4. Glomerulonefrite membranosa 40-50 5. Glomerulonefrite proliferativa mesangial 35-40 6. Nefropatia por IgA 30 7. Lesões mínimas 20-30 8. Doença renal policística 60 9. Nefrite intersticial em fase urêmica 35 daniel © Direitos reservados à EDITORA ATHENEU LTDA. Partindo-se de marcadores clínicos pode-se estabe- lecer perfis de baixa, média e alta probabilidade para os quais se define a estratégia e os métodos de investiga- ção e triagem (Tabela 6.2.3). Além do diagnóstico, como o tratamento da doença renovascular é invasivo (angioplastia, cirurgia e stents) e nem sempre resulta em normalização dos níveis da pressão arterial, em de- corrência da duração da hipertensão e da sua repercus- são renal e sistêmica, alguns dos métodos de detecção são também eficientes para se prever o resultadoclíni- co do procedimento, principalmente em relação à pres- são arterial. Neste aspecto, os métodos que avaliam a ativação do sistema renina-angiotensina, como a renina estimulada com captopril e o renograma pré- e pós-captopril, se mostram particularmente úteis8. Os graus de sensibilidade e especificidade (Tabela 6.2.4) destes métodos de triagem permitem, em muitos casos, encaminhar o paciente para a etapa final do diag- nóstico através da arteriografia, já com a decisão tera- pêutica e o preparo para a angioplastia no mesmo pro- cedimento11. Na situação particular do rim contraído unilateral, a decisão entre remover ou eventualmente tentar revas- cularizar o rim pequeno deve levar em conta a dosagem da renina das veias renais, a medida da função residual do rim contraído pelo radioisótopo, suas dimensões e condições estruturais do parênquima, avaliados pela ultra-sonografia. Rins menores do que 8cm, hipereco- gênicos, sem definição corticomedular, com função re- sidual inferior a 20% do total e com níveis de atividade de renina em veia renal mais do que 50% elevados em relação à renina periférica devem ser retirados, o que freqüentemente resulta em melhora do controle pressó- rico, sem prejuízo na função renal (Figs. 6.2.1 e 6.2.2). HIPERTENSÃO DE ORIGEM ENDÓCRINA FEOCROMOCITOMAS Os feocromocitomas são tumores formados em ór- gãos que têm origem embriológica a partir de células dos tecidos cromafim, da primitiva crista neural, e em- bora predominando nas glândulas supra-renais têm lo- calização diversa, como cadeia simpática paraganglio- nar, órgão de Zuckerkandl, bexiga urinária, coração e sistema nervoso central. Embora raros, cerca de 0,5% dos pacientes hipertensos são de bom prognóstico, com alto potencial de cura quando identificados e retira- dos1,2. São tumores secretores de catecolaminas, princi- palmente noradrenalina, e em virtude das ações hemo- dinâmicas e metabólicas destes hormônios, sua apre- sentação clínica, embora típica em muitos casos, pode ocorrer de forma tão variada em outros, que o paciente freqüentemente procura vários médicos de diferentes especialidades, antes que o diagnóstico seja feito. Suas manifestações clínicas podem simular, entre outras, hipertensão essencial, infarto do miocárdio, hi- pertiroidismo, síndrome do pânico, distúrbios psiquiá- tricos etc. Em alguns pacientes podem estar associados com outros tumores ou outras síndromes neuroendócri- nas, como na neoplasia endócrina múltipla (MEN tipo II), neurofibromatose e doença de von Hippel-Lindau. Em geral é benigno, de crescimento lento, cuja “malig- nidade” decorre principalmente das manifestações clí- nicas e dos efeitos dramáticos dos níveis elevados das catecolaminas séricas13,14. Quando sua apresentação clínica é característica com crises de hipertensão paroxísticas, o diagnóstico 160 FERREIRA - ATHENEU FER-06 - 3ª Prova 17/08/99 ABREU’S SYSTEM e-mail: abreussystem@uol.com.br Tabela 6.2.3 Hipertensão Renovascular. Indicadores Clínicos de Probabilidade e Proposta de Investigação Grupos de Pacientes O Que Fazer? Baixa probabilidade (0,2%) 1. Hipertensão limítrofe, leve ou não complicada NADA. Observação clínica Média Probabilidade (5% a 15%) 1. Hipertensão grave 2. Hipertensão refratária 3. Hipertensão recente em idade < 30 e > 50 anos Presença de sopros abdominais ou lombares. Assimetria de pulsos radiais ou carotídeos 4. Hipertensos moderados, fumantes ou com doença vascular 5. Redução maldefinida da função renal 6. Resposta pressórica exagerada aos inibidores da ECA Passos: a) Renograma com captopril ou teste do captopril com renina periférica, mais b) ultra-som com doppler Se, negativo: encerrar investigação Se, positivo: arteriografia Alta probabilidade (25%) 1. Hipertensão grave ou refrataria com insuficiência renal progressiva 2. Hipertensão acelerada ou maligna 3. Elevado dos níveis de creatinina induzida por inibidores da ECA Arteriografia imediata daniel © Direitos reservados à EDITORA ATHENEU LTDA. FERREIRA - ATHENEU FER-06 - 3ª Prova 17/08/99 ABREU’S SYSTEM e-mail: abreussystem@uol.com.br pode parecer mais fácil. Entretanto, é exatamente por este fato — a presença de crises — que se confunde com outras condições de hiperatividade de sistema nervoso simpático, tornando difícil o diagnóstico diferencial. Particularmente, a tríade cefaléia, taquicardia e su- dorese, em pacientes hipertensos, tem sido relatada como de sensibilidade diagnóstica superior a 90%13. Mesmo assim, há uma grande superposição do quadro clínico, entre os casos verdadeiros com os de pseudofeo- cromocitoma, de maneira que suspeita-se com uma fre- qüência muito maior do que se detecta e, por outro lado, pacientes realmente portadores de feocromocito- mas podem permanecer durante muito tempo não de- tectados. De qualquer maneira, a triagem laboratorial é sem- pre indicada a partir de uma suspeita clínica ou do achado acidental de imagem em supra-renal de pacien- te hipertenso, levando-se em conta a eficiência dos tes- tes de triagem (Tabela 6.2.5). A etapa inicial é a demonstração da existência do feocromocitoma pela determinação das catecolaminas plasmáticas ou da excreção urinária de catecolaminas livres ou seus metabólitos. É importante considerar o custo e a disponibilidade, além da eficiência do méto- do. Em nosso meio recomenda-se iniciar pela dosagem dos metabólitos urinários, como acido vanil-mandélico (VMA) e/ou metanefrina. Estes ensaios são mais dis- poníveis e menos onerosos e apresentam grande sensi- bilidade diagnóstica, principalmente a metanefrina ou o VMA dosado por cromatografia líquida de alta per- formance (HPLC)12,14. Adicionalmente e havendo disponibilidade, podem ser dosadas também as catecolaminas livres na urina de 24 horas. A dosagem das catecolaminas plasmáticas pode ser usada para triagem inicial e, principalmente, para confirmar o diagnóstico ou determinar o curso posterior da investigação. Valores intermediários entre 1.000 e 2.000pg/ml são altamente sugestivos e inferio- res a 500pg/ml praticamente descartam esta possibili- dade. Quando os níveis se encontram na faixa interme- diária entre 500 e 2.000pg/ml deve-se proceder a um teste de supressão com clonidina. Se os níveis plasmá- ticos das catecolaminas caírem abaixo de 500pg/ml, 2 horas após a administração oral de 0,3mg de clonidina, a hipótese de feocromocitoma é bastante improvável. Diagnosticada a existência do feocromocitoma, a tarefa seguinte é encontrar ou confirmar sua localiza- ção. Convém lembrar que aproximadamente 97% dos feocromocitomas localizam-se no abdome, devendo o rastreamento concentrar-se nesta região. Sabe-se que de 10% a 15% estão fora das supra-renais. A tomografia computadorizada (TC) tem boa defi- nição diagnostica mesmo para tumores pequenos, o que não ocorre com a ultra-sonografia. Já a ressonância nuclear magnética (RNM), embora com menos defini- ção do que a TC, tem a propriedade de produzir ima- gens dos feocromocitomas com intensidade de sinal di- ferenciada, ou seja, quando adquiridas em peso T1 são imagens de pouca intensidade (isosinal em relação ao fígado), mas quando adquiridas em peso T2 se apresen- tam com imagens muito intensas e brilhantes (hipersi- nal) que se destacam em relação ao fígado e outros ór- gãos abdominais, ajudando na localização de tumores extra-adrenais. 161 Tabela 6.2.4 Características dos Testes de Triagem de Hipertensão Renovascular Teste Sensibilidade(%) Especificidade (%) 1. Renina periférica 57 66 2. Renina periférica estimulada com captopril 73-100 72-100 3. Urografia excretora seqüenciada 74-100 86-88 4. Renograma radioisotópico 74 77 5. Renograma com captopril 92-94 95-97 6. Renina de veias renais 62-80 60-100 7. Ultra-sonografia com Doppler 95 50-97 8. Angiorressonância nuclear magnética 92 90 Fig. 6.2.1— Arteriografia de aorta com artérias renais. Observa-se oclusão de artéria renal esquerda e severa lesão de artéria renal di- reita, em paciente de 60 anos com hipertensão severa e disfunção renal recente. daniel © Direitos reservados à EDITORA ATHENEU LTDA. Outro método de grande utilidade para localização dos feocromocitomas é a cintilografia radioisotópica com a meta-iodo-benzil-guanidina (MIBG). A ben- zil-guanidina, marcada com iodo radioativo (I131 ou ra- ramente I123), tem grande afinidade para com as cate- colaminas, fixando-se em seus depósitos. Pode-se en- tão realizar mapeamentos de corpo inteiro, localizan- do-se não apenas os tumores solitários, mas também os bilaterais ou múltiplos e possíveis metástases, facili- tando a ressecção cirúrgica e a cura do paciente12,14 (Fig. 6.2.3). HIPERALDOSTERONISMO PRIMÁRIO É um tipo de hipertensão secundária, causado pela produção excessiva de aldosterona e cuja fisiopatolo- gia é similar aos modelos de hipertensão por excesso de 162 FERREIRA - ATHENEU FER-06 - 3ª Prova 17/08/99 ABREU’S SYSTEM e-mail: abreussystem@uol.com.br Fig. 6.2.2—Arteriografia de controle domesmo paciente citado na Fig. 6.2.1 cerca de dois meses depois do autotransplante renal. Observa-se o fio-guia introduzido através de punção femoral contralateral com viabilização da artéria ilíaca interna, na qual foi suturada a artéria renal. Há boa contrastação do parênquima renal e a sutura vascular tem bom aspecto. O controle da pressão arterial tornou-se mais fácil com estabiliza- ção da função renal. Tabela 6.2.5 Características dos Testes para Detecção de Feocromocitomas Tipo de teste Sensibilidade(%) Especificidade (%) 1. Metanefrina urinária 83 95 2. Dosagem de VMA 81 95 3. Catecolaminas urinárias 82 95 4. Catecolaminas plasmáticas 82 95 5. Radioisótopo: MIBG 90 96 6. Ressonância nuclear magnética 92 80 daniel © Direitos reservados à EDITORA ATHENEU LTDA. FERREIRA - ATHENEU FER-06 - 3ª Prova 17/08/99 ABREU’S SYSTEM e-mail: abreussystem@uol.com.br mineralocorticóide, onde o fenômeno central é a reten- ção hidrossalina levando a um estado de expansão vo- lêmica, associado a um aumento da resistência vascular periférica. É uma forma rara de hipertensão secundária cuja incidência é inferior a 1% dos pacientes hipertensos. Pode ser decorrente de duas causas principais: a prime- ira é o adenoma de supra-renal produtor de aldosterona, e a segunda a hiperplasia bilateral das supra-renais16-18. Embora estas duas determinem manifestações clí- nicas semelhantes, os adenomas cursam como níveis pressóricos mais elevados e hipocalemias mais severas e mais sintomáticas e apresentam menor resposta ao antagonista de aldosterona (espironolactona). A suspeita diagnóstica recai sobre pacientes hiper- tensos com hipocalemia espontânea ou induzida por doses proporcionalmente baixas de diuréticos, resis- tentes à reposição de potássio. Freqüentemente apre- sentam sintomas ou sinais da hipocalemia, como fra- queza muscular, cãibras, tetania e raramente episódios de paralisia transitória. Preconiza-se, portanto, como triagem diagnóstica, a dosagem do potássio sérico em todo paciente hipertenso, conforme citado no início deste capítulo16. Nos pacientes com hipocalemia espontânea ou re- sistente à reposição, a determinação do potássio uriná- rio reforça a investigação. Pacientes que, na vigência de níveis baixos de potássio sérico apresentarem excre- ções urinárias de potássio elevadas (superior a 30mEq/24 horas), têm alta probabilidade de ser porta- dores de hiperaldosteronismo primário. A dosagem da aldosterona e da atividade da renina plasmática é o passo seguinte para investigar o diag- nóstico, sendo importante a reposição prévia do potás- sio sérico para evitar efeitos inibitórios da hipocalemia sobre a aldosterona plasmática. Como existem flutua- ções episódicas e circadianas nos níveis da aldosterona plasmática, a dosagem simultânea com a renina sérica apresenta maior sensibilidade e especificidade diag- nóstica. São esperados níveis elevados de aldosterona e suprimidos de renina plasmática devido à expansão vo- lêmica16,17. A relação AP/ARP (aldosterona plasmática expres- sa em ng/dl dividida pela atividade da renina plasmáti- ca expressa em ng/ml/h), tem sido descrita como bom indicador de hiperaldosteronismo primário. Valores su- periores a 20 ou 30 são considerados altamente sensí- veis e valores superiores a 50 são ainda mais específi- cos por descartarem hipertensão essencial com renina baixa. O teste de supressão com salina deve ser usado para confirmar uma suspeita de hiperaldosteronismo primário, diferenciando-o da hipertensão essencial com renina baixa. Após a infusão de 2.000ml de soro 163 Fig. 6.2.3— Imagens de ressonância nuclear magnética abdominal, em peso T2, de paciente portador de níveis elevados de metanefrinas uri- nárias e suspeita clínica de feocromocitoma. No painel superior à esquerda observamos as imagens dos dois rins. Os cortes sucessivos foram progressivamente mais craniais. Nos painéis inferiores da esquerda e do centro observamos nitidamente a imagem hepática com a peculiar estrutura vascular. Na imagem inferior, central observamos o pólo superior do rim direito ao lado do fígado, e imediatamente acima uma ima- gem nodular, hipercontrastante, correspondente a um tumor de supa-renal, compatível com feocromocitoma. O achado cirúrgico confirmou o diagnóstico clínico e da imagem. daniel © Direitos reservados à EDITORA ATHENEU LTDA. fisiológico em quatro horas, os níveis de aldosterona nos hipertensos essenciais cai abaixo de 5ng/dl, en- quanto os pacientes portadores de hiperaldo primário não chegam abaixo dos 10ng/dl. Naqueles que apresen- tarem resultados intermediários entre 5 e 10ng/dl o tes- te pode ser potencializado com dieta hipersódica e mi- neralocorticóide (DOCA ou Floning)16. Para diferenciação entre os pacientes com hiperal- dosteronismo primário portadores de adenoma, daque- les com hiperplasia bilateral, recomenda-se o teste de deambulação. Após coleta de cortisol e aldosterona pela manhã o paciente é posto para deambular de duas a quatro horas, e então novas coletas serão feitas. Como o teste é realizado no início da manhã, a aldosterona sé- rica será modulada por dois mecanismos opostos: a es- timulação do sistema renina-angiotensina pela postura e deambulação e a inibição do ACTH pelo ritmo circa- diano da manhã. Os pacientes portadores de adenomas produtores de aldosterona são resistentes à angiotensina mas são modulados pelo ACTH, observando-se então queda nos níveis de aldosterona plasmática enquanto os por- tadores de hiperplasia bilateral respondem com peque- na elevação, pois são sensíveis também à angiotensi- na16. Métodos de imagem não só ajudam na diferencia- ção entre adenoma e hiperplasia, como são importantes na sua localização e planejamento cirúrgico. A TC e a RNM da supra-renais têm se mostrado igualmente efi- cientes para detectar os adenomas produtores de aldos- terona, que são tumores pequenos, de crescimento len- to. Entretanto, o diagnóstico pode ser prejudicado pelas hiperplasias macromodulares que podem simular pe- quenos adenomas ou a presença de tumores verdadei- ros mas não secretores, detectados casualmente e deno- minados acidentalomas. A cintilografia adrenal baseia-se na afinidade do radiotraçador com o colesterol, o qual pode ser identifi- cado com iodo 131 ou selênio 75. O emprego do iodo colesterol é útil na detecção dos adenomas, pois ele é capaz de diferenciá-los das hiperplasias nodulares em até 90% dos casos, desde que realizada após a supres- são, com 4mg/dia de dexametasona, utilizada por sete dias. BIBLIOGRAFIA 1. Ram CVS. Introduction Sem Nephrol 15(2):71, 1995. 2. Krakoff LR. Secondary of curable hypertension. In: Krakoff & Richard L Eds. Management of HypertensivePatient, Churchill Livingstone Inc, 75-86, 1995. 3. Clyburn EB, Di Pezze DV. Hypertension induced by drugs and other substances. Sem Nephrol 15(2):72-86, 1995. 4. Preston RA, Epstein M. Renal parenchymal disease and hypertension. Sem Nephrol 15(2):138-151, 1995. 5. Smith MC, Dunn LJM. Hipertensioy in renal parenchymal disease. In: Laragh JH, Brenner BM, eds. Hypertension Pathophysiology Diagno- sis, 2nd Ed., Raven Press Ltd., New York, 2081-2102, 1995. 6. Krakoff LR. Other forms of renal hypertension. In: Krakoff LR, ed. Management of the hypertensive patient, Churchill Livingstone Inc., 133-145, 1995. 7. Ram CVS, Cragett GP, Radford LR. Renovascular Hypertension. Sem Nephrol 15(2):152-174, 1995. 8. Hemn KH. Tikkanen 1. von Knorring JU et al. Screening for renovas- cular hypertension in a population with relatively low prevalence. J Hypertens 16(10):1523-1529, 1998. 9. Kaplan NM. Renal vascular hypertension. In: Kaplan NM, ed. Clinical Hypertension, II ed., Williams & Wilkins, 301-321, 1998. 10. Meier GH. Diagnosis of renovascular hypertension: an overview. In: Calligaro KD, Dougherty MJ, Dean RH eds. Modern Management of Renovascular Hypertension and Renal Salvage. Baltimore, Williams & Wilkins, 47-73, 1996. 11. Praxedes JN, Lucon AM, Fratezzi AC. Hipertensdo arterial renovascu- lar. In: Cruz J, Barros RT, eds. Atualidades em Nefrologia — 4, Sarvier Editora de Livros Médicos Ltda., 382-402, 1996. 12. Ram CVS. Fierro-Carrioil GA. Pheochromocytoma. Sem Nephrol 15(2):126-137, 1995. 13. Cook DM. Adrenal mass. Endocrinol. Metab Clin Nort Am 26(Suppl. 4):829-852, 1997. 14. Young Jr WF. Pheochromocytoma and primary aldosteronism: diag- nostic approaches. Enocrinol Metab Clin North Am 26(Suppl. 4):801-827, 1997. 15. Shimizu K, Miura Y. Metoclopramide test. Nippon Rinsho, 55(Suppl.2):360-362, 1997. 16. Holland OB. Primary aldosteronism. Sem Nephrol 15(2):116-125, 1995. 17. Kaplan NM. Primary aldosteronism. In: Kaplan NM, ed. Clinical Hypertension, 7nd Ed. Baltimore, Williams & Wilkins, 365-382, 1998. 18. Ganguly A. Primary aldosteronism. New Engl J Med 339(25):1828-1833, 1998. 19. Lyons DF, Kem DC, Brown RD et al. Single dose captopril as a diag- nostic test for primary aldosteronism. J Clin Endocrinol 57:892-896, 1983. 164 FERREIRA - ATHENEU FER-06 - 3ª Prova 17/08/99 ABREU’S SYSTEM e-mail: abreussystem@uol.com.br daniel © Direitos reservados à EDITORA ATHENEU LTDA. FERREIRA - ATHENEU FER-06 - 3ª Prova 17/08/99 ABREU’S SYSTEM e-mail: abreussystem@uol.com.br CONCEITO As dislipidemias são distúrbios do metabolismo li- pídico, em geral caracterizadas por modificação no conteúdo das lipoproteínas. Quando os níveis sangüí- neos das lipoproteínas estão acima ou abaixo dos valo- res de referência, a dislipidemia é denominada hiperli- pidemia ou hipolipidemia, respectivamente. A dislipidemia também pode ser classificada em primária ou secundária. A primeira decorre de fatores genéticos ou de uma interação ambiental, e a última em conseqüência do uso de medicamentos ou devida a al- guma doença de base. O Departamento de Estudos e Pesquisas em Ate- rosclerose (DEPA) da Sociedade Brasileira de Cardio- logia classifica as dislipidemias de acordo com os níveis séricos dos lipídios ou das lipoproteínas circulantes1. Assim, quatro tipos de dislipidemias podem ocorrer: I — Hipercolesterolemia isolada. II — Hipertrigliceridemia isolada. III — Dislipidemia mista. IV — Hipoalfalipoproteinemia (HDL-c abaixo de 35mg/dL) isolada ou associada à hipercolesterolemia ou à hipertrigliceridemia. Evidentemente esta classificação simplifica o dia- gnóstico, mas não identifica causa genética ou secun- dária, entretanto, tem a vantagem de facilitar a orienta- ção terapêutica, e representa um ponto de partida para uma investigação etiológica. Os valores de referência utilizados em nosso meio encontram-se nas Tabelas 6.3.1 e 6.3.2. ETIOLOGIA Os distúrbios lipídicos podem ocorrer devido a al- terações genéticas, ambientais, drogas ou doenças as- sociadas. O conhecimento do metabolismo lipídico fa- cilita muito a compreensão das dislipidemias e seu tra- tamento. 165 6.3 Dislipidemias Francisco Antonio Helfenstein Fonseca Maria Cristina de Oliveira Izar Tabela 6.3.1 Indivíduos entre 2 e 19 Anos1 Desejáveis Limítrofes Aumentados Colesterol total < 170 170-199 ≥ 200 LDL-c < 110 110-129 ≥ 130 HDL-c # (<10 anos) (10-19 anos) ≥ 40 ≥ 35 — — — — Triglicérides (< 10 anos) (10-19 anos) ≤ 100 ≤ 130 — — > 100 > 130 Valores expressos em mg/dL. # Valores 60mg/dL representam diminuição de risco; desconsiderar neste caso um outro fator de risco identificado. daniel © Direitos reservados à EDITORA ATHENEU LTDA. Os lípides possuem importantes e essenciais fun- ções para as células humanas, revestindo membranas celulares, formando a bile, participando da síntese de hormônios e, ainda, como fonte de energia1. De modo geral, os lípides não podem circular na corrente sangüí- nea, necessitando de uma estrutura especial para o seu transporte, as lipoproteínas. Desta forma, as gorduras se ligam a proteínas, promovendo um arranjo molecu- lar que torna hidrofílica a parte externa da partícula for- mada. Além disso, a presença de proteínas na superfí- cie tem enorme importância no metabolismo lipídico, participando ativamente como componente estrutural ou, ainda, como co-fator de várias reações, direcionan- do o caminho metabólico destas partículas. Estas prote- ínas são denominadas apolipoproteínas ou simples- mente apoproteínas (apo) e sua presença varia de acor- do com o tipo de lipoproteína (apo AI, AII, AIV, B48, B100, CI, CII, CIII, E, entre outras). As lipoproteínas são constituídas por diferentes lípides: os triglicérides (TG), os fosfolípides (FL), o colesterol na forma livre (CL) e na forma esterificada (CE). A estrutura geral de uma lipoproteína e a disposição dos seus componentes estão representadas na Fig. 6.3.1. As lipoproteínas foram inicialmente classificadas com base em sua separação por níveis de densidade (d) obtidos em estudos de ultracentrifugação2. Desta for- ma, foram identificadas cinco tipos principais de lipo- proteínas: — HDL (High Density Lipoprotein; d = 1,063 – 1,21g/ml) 166 FERREIRA - ATHENEU FER-06 - 3ª Prova 17/08/99 ABREU’S SYSTEM e-mail: abreussystem@uol.com.br Tabela 6.3.2 Indivíduos com Idade 20 anos1 Desejáveis Limítrofes Aumentados Colesterol total < 200 200-239 ≥ 240 LDL-c < 130 130-159 ≥ 160 HDL-c # ≥ 35 — — Triglicérides < 200 — ≥ 200* Valores expressos em mg/dL. * Quando associados a valores de HDL-c diminuídos e/ou LDL-c aumentados. # Valores 60mg/dL representam diminuição de risco; desconsiderar neste caso um outro fator de risco identificado. Fig. 6.3.1—Representação esquemática de uma lipoproteína. FL= Fosfolípide; TG = Triglicéride; CE =Colesterol éster; CL = Colesterol livre. daniel © Direitos reservados à EDITORA ATHENEU LTDA. FERREIRA - ATHENEU FER-06 - 3ª Prova 17/08/99 ABREU’S SYSTEM e-mail: abreussystem@uol.com.br — LDL (Low Density Lipoprotein; d = 1,019 – 1,063g/ml) — IDL (Intermediate Density Lipoprotein; d = 1,006 — 1,019g/ml) — VLDL (Very Low Density Lipoprotein; d < 1,006g/ml) — Quilomícrons; d < 0,95g/ml As lipoproteínas HDL são sintetizadas no fígado e intestino delgado. Inicialmente forma-se uma partícula discóide, denominada HDL nascente, que remove co- lesterol livre, dos tecidos periféricos e, através da enzi- ma lecitina colesterol aciltransferase (LCAT) e seu co-fator (apo AI), esterifica este colesterol (através da incorporação de um ácido graxo) e o transporta em seu interior, tornando-se uma partícula mais esférica3. Este colesterol é levado ao fígado ou transferido para outras classes de lipoproteínas (através da enzima CETP, Cholesterol ester transferprotein). O mecanismo exato de eliminação do colesterol ainda não é totalmente co- nhecido, mas postula-se que a partícula HDL possa ser captada no fígado por um receptor relacionado a apo E, por um receptor específico, ou ainda, que outro recep- tor, SR-B1 (scavenger receptor) possa captar o coleste- rol da partícula HDL no fígado e que esta possa retornar aos tecidos periféricos para captar mais colesterol li- vre3,4. A remoção através da HDL pelos mecanismos mencionados parecem representar a via normal de eli- minação, através da bile, de aproximadamente 50% do colesterol de nosso organismo. O restante é eliminado, também pela bile, através das outras lipoproteínas re- manescentes ou da LDL (Fig. 6.3.2). As LDLs são partículas formadas a partir do meta- bolismo das IDLs e representam a maior forma de transporte do colesterol. Elas podem ser captadas pelos tecidos periféricos ou pelo fígado através de receptores específicos (B-E)5. As LDLs transportam o colesterol para os tecidos periféricos; contudo, estas partículas podem sofrer modificações estruturais (especialmente oxidação) e serem captadas por macrófagos presentes na camada íntima vascular6. Através de receptores SR-A (scavenger receptor) estas células acumulam grande quantidade de LDLs oxidadas, determinando a formação de células espumosas, que se constituem nas alterações morfológicas iniciais da aterosclerose (Fig. 6.3.3). As IDLs derivam das VLDLs, representando partí- culas intermediárias na formação das LDLs. Estas par- tículas são formadas a partir da hidrólise das VLDLs pela enzima lipoproteína lipase (LLP), ocasião em que as VLDLs perdem parte de seu conteúdo de triglicéri- des e tornam-se partículas menores (VLDLs remanes- centes) com maior conteúdo proporcional de coleste- rol. Estas partículas existem em pequena proporção no sangue, sendo rapidamente captadas pelos receptores 167 Fig. 6.3.2— Metabolismo do HDL. LCAT = Lecitin cholesterol acil transferase; B-E = Receptores B-E; SR-B1 = Receptor scavenger B1; CETP = Cholesterol ester transfer protein; CE = Colesterol éster. daniel © Direitos reservados à EDITORA ATHENEU LTDA. B-E hepáticos ou, ainda, pela ação da lipase hepática, depletam-se em triglicérides e tornam-se uma partícula ainda menor, e proporcionalmente mais rica em coles- terol, dando origem às LDLs7. As IDLs possuem apo- proteína B-100 e também apoproteína E. Nas deficiên- cias de receptor B-E (como é visto na hipercolesterole- mia familiar) não ocorre aumento significativo das IDLs pois estas mantêm sua capacidade de metaboliza- ção através de receptores ligados a lipoproteína E (como os quilomícrons) (Fig. 6.3.4). As VLDLs são formadas no fígado e transportam os triglicérides endógenos (sintetizados no fígado), além de quantidades menores de colesterol. Estas lipo- proteínas sofrem ação da lipase lipoprotéica (LLP) nos capilares periféricos, que hidrolisam os triglicérides e reduzem de tamanho a partícula, originando as IDLs8. Recentemente, a hipertrigliceridemia tem sido mais bem compreendida na fisiopatologia da aterosclerose. Na realidade, ela parece sinalizar para outras anormali- dades do metabolismo lipídico, como sua freqüente as- sociação com um padrão de LDL mais aterogênico (pe- quena e densa)9 (Fig. 6.3.5). Os quilomícrons são sintetizados no intestino e são responsáveis pelo transporte da gordura proveniente de nossa alimentação. Normalmente não estão presentes no sangue após 12 a 14 horas de jejum. Entretanto, em- bora muitos pacientes coronarianos possuam perfil li- pídico em jejum comparável a pacientes não coronaria- nos, quando submetidos a uma sobrecarga de gorduras na alimentação apresentam níveis elevados de triglicé- rides por várias horas10. Esta hipertrigliceridemia pós-prandial pode ter várias etiologias, entre elas uma maior resistência à insulina (reduzindo a atividade da LLP) ou ainda por uma maior permanência na circula- ção dos remanescentes dos quilomícrons (após sua hi- drólise pela LLP), o que determina maior potencial ate- rogênico11. Mais raramente, o tipo de apoproteína E presente nos quilomícrons remanescentes possui me- nor afinidade por seu receptor hepático (como na disbe- talipoproteinemia), determinando maior lipemia pós-prandial (Fig. 6.3.6). Outras anormalidades genéti- cas determinam lipemia pós-prandial como as altera- ções da LLP ou ainda de co-fatores funcionais (como as apos CII e CIII). As hipertrigliceridemias acentua- das (acima de 1.000mg/dL) estão associadas ao desen- volvimento de pancreatite12. As principais causas genéticas das dislipidemias estão listadas na Tabela 6.3.3. As formas heterozigóticas da hipercolesterolemia familiar, a hipercolesterolemia poligênica e a hiperlipi- demia familiar combinada se revestem de grande im- portância clínica pela sua prevalência em associação à doença coronária prematura. Além das drogas (especialmente diuréticos e beta- bloqueadores), o hipotireoidismo (freqüente em mu- lheres idosas), o diabete melito, alterações da função 168 FERREIRA - ATHENEU FER-06 - 3ª Prova 17/08/99 ABREU’S SYSTEM e-mail: abreussystem@uol.com.br Fig. 6.3.3— Representação esquemática da contribuição da LDL na formação do ateroma. daniel © Direitos reservados à EDITORA ATHENEU LTDA. FERREIRA - ATHENEU FER-06 - 3ª Prova 17/08/99 ABREU’S SYSTEM e-mail: abreussystem@uol.com.br 169 Fig. 6.3.4— Metabolismo das IDLs. RLP = Receptor related protein; B-E = Receptor B-E; LH = Lipase hepática. Fig. 6.3.5— Metabolismo das VLDLs. RLP = Receptor related protein; LH = Lipase hepática. daniel © Direitos reservados à EDITORA ATHENEU LTDA. renal, obesidade (central), alcoolismo e o sedentarismo estão associados com dislipidemias, muitas vezes agra- vando distúrbios genéticos primários. Em geral, estes pacientes apresentam dislipidemia mista e a identifica- ção associada se reveste de grande importância. As ca- usas mais freqüentes das dislipidemias secundárias es- tão listadas na Tabela 6.3.4. FISIOPATOLOGIA A relação da colesterolemia com a doença arterial coronariana (DAC) ficou inequivocamente estabeleci- da após estudos observacionais, como os de Framing- ham e PROCAM13,14,15. Outro estudo expressivo foi o MRFIT, que envolveu 356.222 homens e demonstrou a relação entre a mortalidade por DAC e os níveis séricos de colesterol16. Contudo, estes mesmos estudos identi- ficaram uma extensa faixa de colesterolemia superpo- nível entre uma população sadia e outra coronariana, diferindo os indivíduos com DAC estabelecida, geral- mente, pela concomitância de outros fatores de risco. Desta forma, embora níveis elevados de colesterol identifiquem uma parcela de indivíduos sob maior ris- 170 FERREIRA - ATHENEU FER-06 - 3ª Prova 17/08/99 ABREU’S SYSTEM e-mail: abreussystem@uol.com.br Fig. 6.3.6— Metabolismo dos quilomícrons. LLP = Lipase lipoprotéica. Tabela 6.3.3 Dislipidemias de Causa Genética Tipo Perfil Lipídico Prevalência Hipercolesterolemia familiar: Forma homozigótica Forma heterozigótica aumento de LDL, TG aumento de LDL, TG 1:1.000.000 1:500 Hipertrigliceridemia familiar aumento de TG 1:500 Hiperlipidemia familiar combinada aumento de LDL e/ou TG 1:300 Deficiência de apo CII aumento de TG 1:1.000.000 Disbetalipoproteinemia aumento de IDL 1:200 Deficiência de LCAT redução de HDL 1:1.000.000 Deficiência de LLP aumento de TG 1:100.000 Hipercolesterolemia poligênica aumento de LDL ? daniel © Direitos reservados à EDITORA ATHENEU LTDA. FERREIRA - ATHENEU FER-06 - 3ª Prova 17/08/99 ABREU’S SYSTEM e-mail: abreussystem@uol.com.br co de eventos coronários, para a maioria da população o colesterol parece ser apenas o “combustível” neces- sário para a expressão destes fatores de risco. Mais re- centemente, os triglicérides foram reconhecidos como um fator de risco independente para a aterosclerose,
Compartilhar