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TEXTO-BASE Contribuições da psicologia ao estudo multidisciplinar dos fenômenos educativos Profª Dra. Maria Helena Palma de Oliveira Este texto traz para a discussão alguns pontos fundamentais da relação possível entre os estudos da psicologia como ciência e os fenômenos educacionais. A concepção que subjaz a este texto deve nortear as reflexões da disciplina Psicologia da Educação. Para Lima (1990), a Educação procura constantemente explicações em outras áreas do conhecimento, devido à extrema complexidade do fenômeno educativo. A relação entre Psicologia e Educação consolidou-se como área específica das Ciências da Educação, constituindo-se como área, ou disciplina específica: Psicologia da Educação, ao lado da Filosofia da Educação, da Sociologia da Educação, da Economia da Educação, entre outras. Segundo Lima (1990, p. 2), A relação da Psicologia com a Pedagogia nunca foi uma relação harmônica e caracterizou-se, na maior parte das vezes, por ser uma relação assimétrica, na qual a Psicologia tanto assumiu quanto foi considerada portadora de uma autoridade que ultrapassou, evidentemente, os limites de sua competência. Cabe lembrar que, no final do século XIX, começa a surgir uma forte tendência na Psicologia em distanciar-se da Filosofia, o que culminou no surgimento da psicologia científica já no início do século XX. A utilização do método experimental, próprio das ciências físicas e naturais, contribuiu para esse afastamento e para a transformação da psicologia em uma disciplina científica autônoma (SALVADOR, 1999). A história da Psicologia da Educação, principalmente nas suas origens, não se contrapõe à história das origens da psicologia científica; isso porque até o final do século XIX, as relações entre Psicologia e Educação estiveram totalmente mediadas pela Filosofia. O século XX marcou a adoção de formas diferentes e, às vezes, até divergentes, de atuação na tarefa de proporcionar uma base científica à educação e ao ensino. "Essas concepções oscilam desde proposições claramente reducionistas, para as quais o estudo das variáveis e dos processos psicológicos é a única via adequada para proporcionar uma base científica à teoria e à prática educativas" (Salvador, 1999, p. 39). Para essas concepções, a Psicologia da Educação surge como um simples campo de aplicação do conhecimento psicológico. Por exemplo: uma psicologia social aplicada à educação; uma psicologia da aprendizagem aplicada à educação; uma psicologia genética aplicada à educação; uma psicanálise aplicada à educação; uma psicologia humanista aplicada à educação etc. A crítica considera que o enfoque da psicologia aplicada à educação conduz a visões reducionistas e deformadoras dos fenômenos educativos. Saviani critica a ideia de encarar o processo educativo como um campo de testes das hipóteses de determinada área do conhecimento. Nesse sentido, critica a ideia de que “a educação é um mero ponto de passagem”, em que “o ponto de partida e o ponto de chegada estão fora dela” (SAVIANI, 1990, p. 6). Nessa mesma perspectiva, Lima (1990, p. 3) alerta: Não será através da aplicação de uma determinada teoria ou um determinado conhecimento sociológico, antropológico, genético, psicológico ou médico, parcialmente considerado, que a questão educacional poderá ser encaminhada. Além disso, a concepção de psicologia aplicada à educação, culminou na “forte tendência de “patologizar” o “não aprender ou a explicá-lo sociologicamente” (LIMA, 1990, p. 3). As últimas três décadas do século XX viram nascer uma série de proposições alternativas que tendem a considerar a psicologia da educação como uma disciplina-ponte com objeto de estudo próprio. Nessa perspectiva, o conhecimento psicológico não ocorre de uma única direção, "o conhecimento psicológico pode contribuir para melhorar a compreensão e a explicação dos fenômenos educativos, porém o seu estudo pode facilitar igualmente a ampliação e o aprofundamento do conhecimento psicológico" (SALVADOR, 1999, p. 41). Essa reciprocidade é decorrente da prática de se considerar as características próprias das situações educativas, na perspectiva de uma disciplina-ponte: A psicologia da educação enriquece-se com as leis, os princípios, as explicações, os métodos, os conceitos e os resultados empíricos que partem da pesquisa psicológica básica; entretanto, ao mesmo tempo, colabora no enriquecimento dessa pesquisa com as suas contribuições aos fenômenos educativos e, mais concretamente, com as suas interpretações sobre o comportamento humano em situações educativas. As relações não são de dependência e de unilateralidade, mas, mais especificamente, de interdependência e nas duas direções (SALVADOR, 1999, p. 47). Entender a Psicologia da Educação como uma disciplina-ponte significa aceitar que é uma disciplina situada no meio do caminho, entre a Psicologia e a Educação; significa, ainda, e, portanto, aceitar que esta mantém estreitas relações tanto com o conjunto das áreas da pesquisa psicológica quanto com o conjunto de disciplinas voltadas ao estudo dos fenômenos educativos, porém não se identificando ou se confundindo com nenhuma delas. Saviani (1990) chama a atenção para a necessidade de se considerar os múltiplos critérios e as diferentes áreas do conhecimento no entendimento dos fenômenos educativos e alerta para que a educação, em última instância, seja o centro das preocupações. A educação, enquanto ponto de partida e de chegada, torna-se o centro das preocupações. (...) Ao invés de se considerar a educação a partir de critérios psicológicos, sociológicos, econômicos etc., são as contribuições das diferentes áreas que serão avaliadas a partir da problemática educacional (SAVIANI, 1990, p. 6). Na perspectiva de uma disciplina-ponte, a Psicologia da Educação como uma disciplina psicológica de pleno direito, compartilha uma série de traços característicos com as demais disciplinas que estudam os fenômenos e processos educativos. A Psicologia da Educação é considerada como uma das disciplinas que fazem parte do núcleo específico das ciências da educação, porque - assim como a filosofia da educação, a política da educação, a sociolinguística da educação, a etnografia da educação e a organização escolar -, está voltada para o estudo dos processos educativos (SALVADOR, 1999, p. 48). Em resumo, e ainda no intuito de definir a relação entre psicologia e educação representada na disciplina-ponte denominada Psicologia da Educação, cabe destacar que o seu objeto de estudo "está constituído de processos de mudança de comportamento que se produzem nas pessoas como consequência da sua participação em atividades educativas" (SALVADOR, 1990, p. 51). Essa definição deixa claro que é essencial considerar as características das situações, as mudanças específicas que ocorrem em um ambiente também específico: o contexto educacional. Ressalta-se que, nesse sentido, não se pode tomar esse contexto educacional (familiar, escolar, comunitário) como simples influenciadores de comportamentos; na verdade, as mudanças de comportamento que interessam para a psicologia educacional são construídas com base nas especificidades de tais contextos. A característica peculiar da definição dada acima torna evidente a necessidade de uma aproximação multidisciplinar ao estudo dos fenômenos educativos. Isso deve ocorrer de modo a permitir abordar os fenômenos educativos como um todo e não fragmentando a análise de cada parte a uma disciplina diferente. Tais fenômenos devem ser explorados "de maneira sucessiva e simultânea com a ajuda dos instrumentos metodológicos e conceituais proporcionadospelas diferentes disciplinas educativas, tentando integrar os resultados dessas indagações em interpretações em conjunto". (SALVADOR, 1990, p. 51). Cabe destacar que a Psicologia da Educação tem priorizado esforços no estudo das mudanças de comportamento relacionados com situações e atividades escolares de ensino e de aprendizagem. O conteúdo específico desses estudos, segundo Salvador (1999), tem sido agrupado sob o título de psicologia do ensino. Convém considerar também o alerta de Coll (1997): Ainda não dispomos de uma teoria compreensiva da instrução com base empírica e teórica suficiente para ser utilizada como fonte única de informação. (...) Ante esse estado de coisas, a alternativa consiste em fugir tanto do ecletismo fácil, no qual podem ser justificadas práticas pedagógicas contraditórias, quanto do excessivo purismo que, ao centrar-se numa única teoria psicológica, ignore contribuições substantivas e pertinentes da pesquisa psicoeducativa contemporânea (COLL, 1997, p. 49-50). Diante dessa situação, e considerando o fator principal que é a primazia das características das situações, das mudanças específicas que ocorrem em um ambiente também específico: o contexto educacional, e dentro da perspectiva da disciplina-ponte, na superação da visão reducionista, deve-se cuidar para que uma determinada teoria, um paradigma teórico, não venha a ser tomado como critério de aplicação no contexto escolar em detrimento do entendimento e da análise desse contexto e da relevância das demais áreas de conhecimento da educação que podem contribuir nessa tarefa. Sendo assim, no contexto da disciplina Psicologia da Educação, quando daremos início ao estudo das principais correntes teóricas mais diretamente ligadas ao estudo dos fenômenos educativos no Brasil, cabe propor ao educador que se valha da contribuição científica da Psicologia em função de suas metas e compromissos na construção de um projeto pedagógico relevante. Sem dúvida, vale o questionamento de Cunha (1998), Qual é o paradigma científico que contempla alguma contribuição para a consecução destas finalidades? Nenhum deles, inteiramente, e todos eles, de certo modo. Se o Comportamentalismo deixar de ser visto apenas com os olhos críticos que o consideram propriedade dos sistemas autoritários, se a Psicanálise deixar de representar um recurso facilitador da irracionalidade e do não- diretivismo, se as teses piagetianas não forem adotadas como promotoras do espontaneísmo pedagógico, enfim, se o educador tiver a ousadia de estudar cada contribuição científica e delas apropriar-se segundo as metas sociais que possui e os compromissos que almeja estabelecer com os educandos e com o mundo que os cerca, poderá encontrar nos paradigmas psicológicos – e também nas contribuições de outras áreas científicas – algo que seja útil a um projeto pedagógico renovador. A responsabilidade do educador nesse processo é compatível com a importância de sua atuação profissional na construção de novas possibilidades pedagógicas no rumo de uma escola transformadora. REFERÊNCIAS COLL, C. Psicologia e currículo: uma aproximação psicopedagógica à elaboração do currículo escolar. 2. ed. São Paulo: Ática, 1997. CUNHA, M. C. A psicologia na educação: dos paradigmas científicos às finalidades educacionais. Revista da Faculdade de Educação (Links para um site externo)Links para um site externo, vol. 24 n. 2, São Paulo, jul./dez. 1998. LIMA, Elvira Cristina Azevedo Souza. O conhecimento psicológico e suas relações com a educação. Em Aberto. Brasília, ano 9, n. 45, jan./mar. 1990. SALVADOR, Cesar Coll. (Org.) Psicologia da educação. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 1999. SAVIANI, D. Contribuições da filosofia para a educação. Em Aberto. Brasília, ano 9, n. 45, jan./mar. 1990.
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