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UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO – CAMPUS I LUCINEIDE RIBEIRO DA SILVA A ESCOLA NO SISTEMA PRISIONAL SALVADOR 2011 LUCINEIDE RIBEIRO DA SILVA A ESCOLA NO SISTEMA PRISIONAL Monografia apresentada ao curso de Pedagogia – Gestão e Coordenação do Trabalho Escolar, Departamento de Educação, da Universidade do Estado da Bahia (UNEB), como pré-requisito parcial para aquisição do grau de Licenciado em Pedagogia. Orientadora: Profa Maria Alba Machado Guedes Mello SALVADOR 2011 FICHA CATALOGRÁFICA : Sistema de Bibliotecas da UNEB Silva, Lucineide Ribeiro da A escola no sistema prisional / Lucineide Ribeiro da Silva. – Salvador, 2011. 67f. Orientadora: Profª. Maria Alba Machado Guedes Mello. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação) – Universidade do Estado da Bahia. Departamento de Educação. Colegiado de Pedagogia. Campus I. 2011. Contém referências. 1. Prisioneiros - Educação - Brasil. 2.Prisioneiro e prisões. 3. Inclusão em educação. 4. Educação de adultos. I. Mello, Maria Alba Machado Guedes. II. Universidade do Estado da Bahia, Departamento de Educação. CDD:365.660981 LUCINEIDE RIBEIRO DA SILVA A ESCOLA NO SISTEMA PRISIONAL Monografia apresentada ao curso de Pedagogia – Gestão e Coordenação do Trabalho Escolar, Departamento de Educação, da Universidade do Estado da Bahia (UNEB), como pré-requisito parcial para aquisição do grau de Licenciado em Pedagogia. Aprovada em 06 de Abril de 2011 Banca Examinadora Maria Alba Guedes M. Mello – Orientadora: ________________________________ Doutoranda em Educação pela Universidade de Barcelona/Espanha. Professora adjunta da Universidade do Estado da Bahia. Maria de Fátima Mota Urpia:_____________________________________________ Mestra em Políticas Sociais e Cidadania pela Universidade Católica do Salvador. Professora da Universidade do Estado da Bahia. Maria das Graças Reis Barreto:__________________________________________ Graduada em Ciências Sociais pela Universidade Federal da Bahia. Diretora da Escola Especial da Penitenciária Lemos Brito. AGRADECIMENTOS A Deus, pela sua infinita misericórdia para com a minha vida. A Ele toda Honra, Glória e Louvor. A minha Orientadora Profª Maria Alba Guedes Machado Mello; Mestre nas Letras, nas Histórias, em Ensinar, em Descomplicar. Às professoras Fátima Urpia e Patrícia Magris, pelo altruísmo nos meus pedidos de socorro. A todos os funcionários, professores e educandos da Escola Especial Lemos Brito, pelo acolhimento. À generosidade e atenção de Reginaldo; o considero como co-orientador deste trabalho. A meus irmãos em Cristo... As suas orações me revestiram de força. A meu esposo Hérlon... por sempre me enxergar e declarar melhor do que eu sou. A minha mãe, pelos inúmeros “nãos” que me deu... Agora compreendo todos eles. Durante essa trajetória tive o apoio dessas pessoas... E de outras que por algum momento caminharam comigo, mas tomaram outros rumos. Confesso! O que recebi e aprendi com elas foi infinitamente superior ao que dei. Sou grata a Deus por todos vocês! E conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará. João 8:32 RESUMO O presente trabalho tem como tema “O papel da escola dentro do sistema prisional”. A pesquisa apoiou-se no pressuposto teórico da exclusão e suas implicações na vida do estudante preso. Discute as políticas públicas voltadas para essa população e seus principais desafios para a real efetivação do direito à educação. A Educação de Jovens e Adultos também se fez presente nas discussões pela similaridade dos sujeitos que acolhe dentro e fora das prisões. A pesquisa de campo realizada na Penitenciária permitiu conhecer, mesmo que limitadamente, a realidade da escola no sistema prisional e os questionários respondidos pelos estudantes e professores contribuíram positivamente na qualidade da pesquisa. Palavras-chaves: Prisão – Exclusão – EJA – Leis. ABSTRACT This work has the theme "The role of schools within the prison system. The research was supported by the theoretical assumption of exclusion and its implications for student life in prison. Discusses public policies aimed at this population and its main challenges to the proper enforcement of the right to education. The Youth and Adult Education was also present in the discussions by the similarity of the subjects who receives inside and outside of prisons. The field research conducted in the Penitentiary allowed to know, even limited, the realities of the school in the prison system and questionnaires answered by students and teachers contributed positively to the quality of research. Keywords: Jail - Foreclosure - EJA - Laws SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO........................................................................................... 09 2. CAPITULO I – A GARANTIA DO DIREITO À EDUCAÇÃO E OS SUJEITOS DA EJA ................................................................................... 13 2.1 As Leis Educacionais: um desafio aos muros e grades das prisões . 17 2.2 Sujeitos da EJA e Sujeitos das Prisões: Semelhança não é mera coincidência.................................................................................... 19 3. CAPÍTULO II – A EJA PRISIONAL: NO BRASIL E NA BAHIA ............... 28 3.1 EJA no BRASIL ........................................................................................ 28 3.2 EJA na BAHIA .......................................................................................... 32 4. CAPÍTULO III – CAMINHOS INCERTOS – CAMINHOS POSSÍVEIS ...... 38 4.1 A penitenciária no senso comum........................................................... 40 4.2 Ultrapassando os muros das prisões .................................................... 41 4.3 Caminhos Possíveis ................................................................................ 43 5. CAPITULO IV – A EJA NA ESCOLA ESPECIAL LEMOS BRITO ........... 49 5.1 A Escola vista pelos seus sujeitos......................................................... 49 6. CONSIDERAÇÕES FINAIS....................................................................... 61 7. REFERÊNCIAS ......................................................................................... 64 9 1. INTRODUÇÃO Esta monografia tem como objeto de estudo a escola dentro do sistema prisional e suas implicações na vida do estudante preso. Foi necessário identificar as políticas públicas voltadas para essa população e seus principais desafios para efetivação do direito à educação naspenitenciárias brasileiras. As questões abordadas na pesquisa permitirão que a comunidade acadêmica conheça as particularidades da escola no sistema prisional para que, assim, contribua na busca de soluções e alternativas que atendam àquela realidade. Tem em vista ainda a discussão de processos para a reestruturação dos cursos e currículos vigentes na formação de educandos da EJA assim como professores e outros profissionais que se interessem pela temática. Almeja-se também, contribuir nas discussões e desenvolvimento de políticas públicas para a educação brasileira, especificamente para a Educação de Jovens e Adultos nas prisões. O que motiva a presente reflexão é a questão da exclusão social no nosso país e o sistema prisional é um dos refletores das mazelas sociais. Quem são esses presos que superlotam as penitenciárias? Quais as suas histórias de vida, além daquelas descritas nos processos judiciais? É ignorada que a população carcerária do país é constituída principalmente de jovens, pobres, com baixa escolaridade, desempregados ou no mercado informal, vivendo à margem da sociedade. Nesse sentido, as deficiências existentes nas prisões são reflexos dos fatores externos a ela e isso tem impactado na sua realidade e no seu cotidiano. As histórias de vidas (semelhantes) de exclusão socioeconômica e cultural têm como resposta o déficit de número de vagas, instalações físicas precárias, insuficiência de programas de assistência jurídica, social e médica. Tal situação gera confrontos e violência que são apresentados na mídia, de tal forma, que leva a sociedade civil a sentimentos de insegurança e medo. A precariedade de políticas públicas de combate às desigualdades sociais tem colaborado para um círculo vicioso desse processo, pois a violência, a exclusão e as 10 carências sociais não são frutos da prisão; apenas se agravaram com o encarceramento desses sujeitos. Estabelecer essa relação exclusão e prisão foi importante para fazer avançar a reflexão no sentido de desmistificar o sujeito preso. A partir desse ponto, e com o amparo das leis, a educação no sistema prisional é válida não pelo “benefício” que ela pode trazer para as partes − presos e administradores − mas principalmente pela efetivação de um direito de todo individuo seja ele privado de liberdade ou não. Isto porque, esses “benefícios” estão atrelados ao bom comportamento do preso e a sua adaptação ao sistema, desvinculados das condições sociais a que estão submetidos e a escola, utilizada como um ideal apenas de inclusão, impossibilita o avanço das discussões sobre os mecanismos de produção e reprodução das classes sociais. Compreender e discutir os fatores que influenciam o processo de escolarização da população é o caminho coerente para que as soluções não sejam apenas a curto prazo. Como a prisão é, em si, um resultado dos processos sociais de exclusão, compreender a escola nesse itinerário educativo requer um nível de complexidade e reflexão que um trabalho monográfico não poderia dar conta. Por isso, as hipóteses, aqui apresentadas, são muito mais fruto das incertezas do papel da educação dentro do sistema prisional, pois a condição social a que os presos estão expostos contribui negativamente para a sua educação. Vale destacar que o mero cumprimento da lei não garante a qualidade da educação e permanência do preso na escola, pois questões estruturais, pedagógicas e de acesso, também estão sendo negligenciadas. Assim, cabe refletir: � A Escola no sistema prisional contribui para a qualidade de vida do estudante? � As Políticas Públicas existentes correspondem às necessidades dos educandos nas prisões? � A Educação de Jovens e Adultos, como modalidade educativa, adequa-se à realidade dos sujeitos nas prisões? 11 Mesmo sendo palco de debates educacionais ainda é evidente o descaso com a educação no sistema prisional, pois a precária inserção dos presos nos sistema educacional é uma forma de exclusão pouco discutida. Além disso, buscou-se no desenvolvimento deste trabalho, discutir as contribuições da escola para a vida do detento, conhecer os fatores que os levam a frequentar a escola na prisão e mapear as políticas públicas que garantem a educação como um direito e não como benesse ao preso. A ida ao Complexo Penitenciário do Estado da Bahia, localizado no bairro de Mata Escura, foi importante para confrontar verdades e clichês sobre o sistema prisional. Conhecer os sujeitos envolvidos − educandos, professores, funcionários − e participar, por algumas horas, do seu dia a dia, foi fundamental para compreender o distanciamento entre o dito e o feito, e vislumbrar a superação do medo pelo respeito, do impossível pelo possível. Para dar conta dessas contradições foi necessário organizar esta pesquisa em capítulos a fim de estabelecer um diálogo e compreensão com as questões anteriormente apresentadas e divulgar formalmente o que foi realizado e os resultados obtidos. No Capítulo 1 busca-se destacar o papel da prisão na sociedade e as leis específicas que abordam a Educação como direito. Também foi importante evidenciar, neste capítulo, quem são os sujeitos da EJA fora e dentro e das prisões e as semelhanças de suas trajetórias de vida. No Capítulo 2 reflete-se sobre as políticas da EJA no Brasil e na Bahia, destacando- se os avanços e retrocessos da legislação. São apresentados os números oficiais de presos para demonstrar a realidade do público da EJA da prisão, além de enfatizar questões como demanda, qualidade, entre outros. O Capítulo 3 trata das questões metodológicas da pesquisa, apresentando os caminhos percorridos e os caminhos permitidos pela investigação, com destaque para a experiência vivida no Complexo Penitenciário da Bahia, especificamente na Penitenciária Lemos Brito onde foram aplicados questionários aos professores e educandos da Escola Especial Lemos Brito. As experiências acadêmicas da 12 pesquisadora foram trazidas como questionamento a uma educação à margem da lei e da realidade de seus sujeitos. O Capítulo 4 proporciona uma reflexão sobre as respostas obtidas por meio de questionários e também das observações de questões que são próprias da escola na prisão. É uma reflexão que confronta o dito pelas leis e o possível de ser realizado. Com intuito de contribuir para o avanço da educação em prisões, concluo apresentando a importância de efetivar a educação como um direito, como uma das possibilidades de melhoria de vida do preso e, principalmente, de construir perspectivas a longo e médio prazos, ou seja, quando cumprirem a sua pena e retornarem ao convívio social. Vale ressaltar ainda o conflito em registrar impressões que a teoria não dá conta e não romantizar o preso como apenas uma vítima social. Entretanto, um olhar mais atento perceberá que as mazelas trazidas pela extrema desigualdade social do país contribuem expressivamente para o agravamento da violência. A intervenção do Estado, por meio de políticas públicas, deve ser em defesa dos grupos que historicamente foram e ainda são excluídos da sociedade. 13 2. CAPITULO I – A GARANTIA DO DIREITO À EDUCAÇÃO E OS SUJEITOS DA EJA Neste capítulo discutiremos a educação no sistema prisional, as leis específicas para área e seus desdobramentos que se constituem no contexto do desenvolvimento da EJA prisional, objeto de estudo desta pesquisa. Em um país com desigualdades sociais profundas a educação ganha um discurso salvador camuflando outros anseios sociais. A Educação de Jovens e Adultos faz-se presente nessa discussão, pois é ela que está inserida nas escolas das prisões comoa modalidade de ensino possível e que atende a realidade de vida dos detentos. Todavia, a história da EJA nos permite compreender como esta modalidade de ensino é colocada à margem da sociedade e dos incentivos do Estado e, consequentemente, como está concebida nas prisões. Assim, para compreender o papel da escola dentro do sistema prisional, é preciso conhecer sobre a prisão e seus objetivos. Torna-se necessário ainda abordar brevemente a história da prisão, suas funções e intenções para a vida do homem preso. Vale ressaltar a importância de conhecer quem são os sujeitos encarcerados e a EJA nesse itinerário. Foucault (2006) destaca que a instituição prisional está, desde sua origem, associada a um projeto de “transformação” de indivíduos. Os meios utilizados para conseguir essa transformação são a vigilância e disciplina, ou seja, nessas instituições, o aprisionamento não tem como intenção a exclusão do sujeito recluso, mas, sobretudo, a sua inclusão em um sistema normalizador. Segundo Vieira (2008): A prisão é construída e constituída para ser um aparelho disciplinador, para produzir utilidade e docilidade mediante ações reeducativas sobre o condenado, para o exercício do poder de punir, mediante a supressão do tempo livre (bem jurídico mais geral das sociedades modernas) do indivíduo que comete um crime (VIEIRA, 2008, p.17). Nessa perspectiva, a prisão limita-se, essencialmente, à contenção de pessoas por meio de uma rotina rigorosa de controle sobre o seu tempo e movimentos. Estes 14 devem enquadrar-se às normas e desapropriar-se rapidamente dos seus costumes passados. São subtraídos de seus objetos pessoais – documentos, jóias, roupas – e passam a ser reconhecidos por um número e vestem um uniforme que formaliza sua situação atual. Assim, a prisão da maneira que é concebida, não reconhece os internos como sujeitos. Onofre (2007) contribui afirmando que: As prisões se caracterizam como teias de relações sociais que promovem violência e despersonalização dos indivíduos Sua arquitetura e as rotinas a que os sentenciados são submetidos demonstram, por sua vez, um desrespeito aos direitos de qualquer ser humano, à vida (ONOFRE, 2007, p.12). Para Goffman (2010, p.17) a prisão é um exemplo de instituição total que pode ser definida como: “Um local de residência e trabalho onde um grande número de indivíduos com situação semelhante, separados da sociedade mais ampla por considerável período de tempo, levam uma vida fechada e formalmente administrada”. Dessa forma, a prisão constitui-se como sistema sociocultural próprio que possui suas regras, normas, procedimentos, valores, punições, sanções e crenças. A sobrevivência física, moral e intelectual dos encarcerados depende integralmente de sua adaptação a esse sistema. Já o senso comum considera a pessoas encarceradas como irrecuperáveis, marginais de alta periculosidade, aqueles que transgrediram às leis, com atos de violência contra a sociedade civilizada. Todavia, deve-se também questionar quem são os sujeitos encarcerados e suas trajetórias de vida. Para Onofre (2007) esses sujeitos são: Parte da população dos empobrecidos, produzidos por modelos econômicos excludentes e privados dos seus direitos fundamentais de vida. Ideologicamente, como os “pobres”, aqueles são jogados em um conflito entre as necessidades básicas vitais e os centros de poder e decisão que as negam. São, com certeza, produtos da segregação e do desajuste social, da miséria e das drogas, do egoísmo e da perda de valores humanitários. Por sua condição de presos, seu lugar na pirâmide social é reduzido à categoria de “marginais”, “bandidos”, duplamente excluídos, massacrados, odiados (ONOFRE, 2007, p.12). Julião (2007) acrescenta complementando o posicionamento acima: 15 O perfil dos presos reflete a parcela da sociedade que fica fora da vida econômica. É uma massa de jovens, do sexo masculino (96%), pobres (95%), não-brancos (afrodescendentes) e com pouca escolaridade. Acredita-se que 70% deles não chegaram a completar o Ensino Fundamental e 10% são analfabetos absolutos. Cerca de 60% têm entre 18 e 30 anos — idade economicamente ativa — e, em sua maioria, estavam desempregados quando foram presos e viviam nos bolsões de miséria das cidades (JULIÃO, 2007, p.23). Assim, negar a história de vida do preso fortalece a exclusão social e a prisão é utilizada como depósito dos resultados de suas mazelas sociais. Fator agravante dessa situação é a ausência de políticas públicas eficazes nas áreas sociais que estão intrinsecamente associadas à marginalização e criminalidade da população pobre. Diante dessa realidade, a perspectiva do preso para uma qualidade de vida e reintegração social fica reduzida, senão, nula. Porém, cabe refletir sobre a ausência do Estado no atendimento às necessidades básicas da sociedade em geral e não poderia ser diferente para a população carcerária. Pensar na educação escolar como tentativa de reintegrar o preso à sociedade faz juz a um direito instituído por lei, pois, o Estado possui responsabilidade jurídica na oferta de educação para todos que estão privados da liberdade. Todavia, a educação no sistema penitenciário ainda é compreendida como um privilégio para o preso. É importante ressaltar, que a educação no sistema prisional é operacionalizada por meio da modalidade EJA, que Vieira (2008, p.37) compreende como: “A educação carcerária se realiza em um contexto de educação de jovens e adultos (EJA)”. Na visão de Hora e Gomes (2007) a EJA: É colocada à margem pela sociedade e, perante o Estado, sua visibilidade ainda é menor, não tendo um atendimento eficiente do sistema público, principalmente no que se refere a questões que tangem tanto ao acesso quanto à permanência nas escolas. Segundo, porque quando tratamos de EJA na educação prisional, estamos trabalhando com jovens e adultos encarcerados, o que os torna ainda mais marginalizados, mais longe do alcance de seus direitos. Se o acesso a uma educação eficiente já é de certa forma negado a jovens e adultos que estão fora da vida criminosa, como ficam então aqueles que pagam pelos seus delitos na cadeia? (HORA e GOMES, 2007, p.41). 16 Os autores acreditam que a não efetivação do direito à EJA às pessoas “livres” refletem como será aquela disponibilizada ao encarcerado. Entretanto, um olhar mais atento perceberá as similaridades dos sujeitos da EJA e a realidade social da população carcerária. Arroyo (2005) descreve que os educandos da EJA são: pobres, desempregados, na economia informal, negros, nos limites da sobrevivência. São jovens e adultos populares. Fazem parte dos mesmos coletivos sociais, raciais, étnicos, culturais. O nome genérico educação de jovens e adultos oculta essas identidades coletivas (ARROYO, 2005, p.45). São, portanto, trajetórias de vida semelhantes, pois são vítimas da exclusão social e econômica e que vivem intensamente em situação de vulnerabilidade e pobreza. Urpia (2009), por sua vez, afirma que: Os jovens e adultos da EJA são aqueles que se igualam — apesar de serem diferentes no que diz respeito às questões de gênero, de etnia/raça, de geração — porque vivenciam experiências relativas à produção da existência ligadas à realização de atividades econômicas desvalorizadas socialmente. Atividades estas decorrentes da posição de consumidores e não daquela de instituidores de novas tecnologias, por exemplo. Importante, então, é trazer para o debate, além da diversidade, a existência da indissociabilidade entre a EJA e a temática de classe (URPIA, 2009, p.6). Submetidos a essa realidade é impossível discutir educação prisional sem questionar a situação de classe a queestão impostos. Os estudantes da escola na prisão padecem de um mesmo estigma: são pobres e em desvantagem social, segregados do processo econômico, logo, fazem parte do contingente populacional dos “sem futuro”. Promover mudanças nas relações de poder das instituições, sejam elas de ensino ou não, é antes de tudo, promover mudanças pessoais, isso implica desfazer-se do papel da omissão, camuflada no discurso do não-conhecimento e promover práticas que possibilitem a redução das desigualdades sociais. 17 2.1 As Leis Educacionais: um desafio aos muros e grades das prisões A educação nas prisões, para que se concretize como um direito, demanda um conjunto de ações, tanto no âmbito do Estado como no da sociedade civil. Por outro lado, o ambiente prisional exige, à primeira vista, ações que amenizem questões como superlotação, higiene, violência. Por isso, pensar em educação na prisão é antes pensar em um direito que não é efetivado na prática, permeado por outros direitos que também não o são. A elaboração de leis e incentivos para educação de jovens e adultos deve priorizar os grupos sociais mais vulneráveis, pois são esses que superlotam as prisões de todo país. Segundo a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDBN (9394) de 1996, a Educação de Jovens e Adultos será destinada àqueles que não tiveram acesso ou continuidade de estudos no ensino fundamental e médio na idade própria. Então, esta modalidade, por causa de sua especificidade, deve estar presente em todos os estabelecimentos penais implantados no país, pois de acordo com a Constituição Federal é dever do Estado garantir a Educação Básica obrigatória e gratuita, assegurada, inclusive, para todos aqueles que não tiverem acesso na idade própria. A Lei 7.210, de 11 de julho de 1984 (de Execuções Penais) criada a partir do tratado da ONU sobre a Execução Penal no mundo e que define as condições em que o sentenciado cumprirá sua pena, já garantia nos seus artigos 17 e 18 a assistência educacional que compreende a instrução escolar e profissional, e o ensino de 1º grau obrigatório, integrado ao sistema escolar da Unidade Federativa, respectiva. Percebe-se que todas essas leis convergem para garantir o direito à educação ao preso, todavia a sua efetivação esbarra em discussões e interpretações divergentes, principalmente pela falta de clareza nas atribuições de responsabilidades. Destaca- se, neste aspecto, a Lei 12.245 sancionada em 2010 que altera o art. 83 da Lei no 7.210, de 11 de julho de 1984 autorizando a instalação de salas de aulas nos presídios. A LEP – Lei de Execução Penal garantiu a assistência educacional, mas não tinha como efetivar isso. Vieira (2008) destaca a realidade da lei na prática, ao dizer que: 18 Embora a LEP assegure, garanta a educação no cárcere, não é essa a realidade das prisões. Poucos são aqueles que frequentam as escolas prisionais. É possível dizer que as escolas na prisão existem de direito, mas não de fato. Mesmo sendo um dos pilares dos programas de ressocialização do indivíduo encarcerado, a educação prisional não é tratada como essencial (VIEIRA, 2008, p.33). Com a sanção da Lei 10.172 de 9 de janeiro 2001 que aprovou o Plano Nacional de Educação com duração de dez anos, a educação prisional vislumbrou direitos omitidos pelas leis anteriores. Nos objetivos e metas nº 17 para a EJA estão determinadas a implantação em todas as unidades prisionais e nos estabelecimentos que atendam adolescentes e jovens infratores, programas de educação de jovens e adultos de nível fundamental, médio e profissional. O avanço é que os presos também seriam contemplados com as metas de nº 5 e 14 que estabelecem programa nacional de fortalecimento, pelo Ministério da Educação, de material didático-pedagógico adequado e programas de educação à distância, respectivamente. Todavia, finda-se o prazo sem resultados oficiais de avaliação do PNE, ou seja, se os objetivos e metas propostos foram alcançados e quais os avanços e retrocessos da educação neste período de execução do referido Plano. Os órgãos internacionais, entretanto, já haviam se manifestado a favor da assistência educacional ao preso. O Primeiro Congresso das Nações Unidas sobre Prevenção do Crime e Tratamento de Delinquentes, realizado em Genebra, em 1955, estabeleceu Regras Mínimas para Tratamento de Prisioneiros, aprovada pelo Conselho Econômico e Social da Organização das Nações Unidas (ONU). Na Regra 77, que trata sobre Educação e Recreio, fica estabelecido: 1. Serão tomadas medidas para melhorar a educação de todos os presos em condições de aproveitá-la, incluindo instrução religiosa nos países em que isso for possível. A educação de analfabetos e presos jovens será obrigatória, prestando-lhe a administração especial atenção. 2. Tanto quanto possível, a educação dos presos estará integrada ao sistema educacional do país, para que depois da sua libertação possam continuar, sem dificuldades, a sua educação (ONU, 1955). Destaca-se a importância da educação ofertada ao preso estar integrada ao sistema educacional local, assim como a LEP ratifica em anos posteriores. Contudo, as práticas educativas no interior das prisões ainda são incipientes. De acordo com dados do Ministério da Justiça (MJ), a população carcerária brasileira está em torno 19 de 494.2371 presos, sendo que apenas 44.433 participam de alguma atividade educativa. Os números evidenciam a pouca visibilidade que tem a escola em comparação com aqueles que exercem alguma atividade laborativa que é de aproximadamente 79.106 presos. Mas a escolha do apenado pelo trabalho à escola justifica-se principalmente pela possibilidade de remição da pena. A LEP, além de exigir que os presos exerçam alguma atividade, garante uma contrapartida a esse benefício; ou seja, a cada três dias trabalhados, o preso diminui um dia na sua pena. Acrescenta-se ainda a idéia no imaginário popular que o preso só pode se reintegrar à sociedade por meio do trabalho. Para Julião (2007) existem outras possibilidades: Durante muitos anos, prevaleceu a idéia de que somente através da ocupação profissional do interno se conseguiria verdadeiramente a sua reinserção social. Tanto é que a Legislação Penal brasileira vigente só reconhece a remição de parte da pena através do trabalho. A partir de discussões implementadas por alguns criminologistas, passa a existir um movimento que tenta reconhecer que “a postulação de remição de pena pelo estudo também se mostra juridicamente possível”. Mesmo não estando prevista na Lei de Execuções Penais, através de um acordo tácito de interpretação da Lei de Execuções Penais - LEP, a prática da remição pelo ensino já vem sendo implementada em vários estados da Federação adotando, a exemplo do Rio de Janeiro, a base de um dia de pena por dezoito horas de estudo (JULIÃO, 2007, p.29). Em alguns estados, de acordo com entendimento do jurista, é permitida a remição de pena por estudo; todavia é necessário que isto não dependa da boa vontade e compreensão de alguns, mas que se torne um direito de todos os presos que estudam em qualquer unidade federativa. 2.2 Sujeitos da EJA e Sujeitos das Prisões: Semelhança não é mera coincidência Acredita-se que as leis são elaboradas em prol de um bem coletivo. Assim, temos a idéia de que tudo que favoreça à convivência entre o maior número de pessoas é o 1 Ministério da Justiça, Departamento Penitenciário Nacional, Sistema Integrado de Informações Penitenciárias (InfoPen). Referência 06/2010 20 melhor ou o mais democrático. O que não se sabe, ao certo, é se asleis são criadas para expressar uma multiplicidade social e cultural ou para silenciá-las de uma vez por todas. Assim, com o agravamento das tensões sociais, o Estado mobilizou-se na implementação de leis eficazes na área social e a educação foi escolhida como o campo propício para minimizar essas tensões. Isto porque, o analfabetismo no país tomou proporções alarmantes e passou a ser considerado como a causa do atraso econômico e social, além do número expressivo de desempregados. Então, a partir da década de 1940, a educação de jovens e adultos ganhou visibilidade e foram realizadas algumas campanhas educacionais para corrigir a mazela trazida pelo analfabetismo, ou melhor, pelo homem analfabeto. Destacam-se o Serviço de Educação de Adultos em 1947, a Campanha de Educação Rural em 1952, a Campanha Nacional de Erradicação do Analfabetismo em 1958 e o mais conhecido o Movimento Brasileiro de Alfabetização - MOBRAL criado pela Lei nº 5379 de 15 de dezembro de 1967 que tinha como principal objetivo a promoção da educação básica para jovens e adultos. Entretanto, todas essas campanhas não estavam centradas nas necessidades dos sujeitos envolvidos, mas na supervalorização da aquisição da língua falada e escrita para o domínio das técnicas de produção e ampliação da base de votos, pois nesse período analfabeto não votava. Outro fator importante a destacar são as exigências internacionais, entre elas a da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura – UNESCO, sendo o Brasil país integrante, da urgência de alfabetizar adultos. Arroyo (2005) contribui afirmando que: O campo da Educação de Jovens e Adultos tem uma longa história. Diríamos que é um campo ainda não consolidado nas áreas de pesquisa, de políticas públicas e diretrizes educacionais, da formação de educadores e intervenções pedagógicas. Um campo aberto a todo cultivo e onde vários agentes participam. De semeaduras e cultivos nem sempre bem definidos ao longo de sua tensa história (ARROYO, 2005, p.39). Assim, a EJA, ao longo de sua história é marcada pelo improviso, por ações compensatórias e principalmente voltada para as necessidades mais mercadológicas do que a social. Entretanto, a Constituição de 1988 reconhece o direito dos jovens e adultos ao ensino fundamental, estabelecendo a oferta de ensino noturno regular, adequado às condições do educando. Esse direito foi 21 reafirmado na LDBN (9.394/96) que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, cujo artigo 4º afirma que é dever do Estado garantir ensino fundamental obrigatório e gratuito, inclusive a sua oferta para todos aqueles que não tiveram acesso na idade própria e ainda: “oferta de educação escolar regular para jovens e adultos, com características e modalidades adequadas às suas necessidades e disponibilidades, garantindo-se aos que forem trabalhadores as condições de acesso e permanência na escola.” Cabe refletir, quem são os sujeitos que não tiveram acesso à educação na “idade própria” e o porquê, pois segundo Paulo Freire, o problema do analfabetismo não é o único nem o mais grave na nossa sociedade, e sim apenas uma consequência das condições de miserabilidade da população analfabeta. Por conseguinte, o contexto social a que o educando está subjugado exerce influência no seu percurso educativo e permanência na escola. Britto (2008) expõe a questão da seguinte forma: A razão principal desse fenômeno são as formas de organização do capitalismo, com intensa urbanização e de mecanização da atividade agrícola. A globalização da economia e a reestruturação produtiva, com base na acumulação flexível do capital, engendraram um processo produtivo em constante mudança, com a incorporação da ciência e da tecnologia em função da competitividade constitutiva do próprio sistema (BRITTO, 2008, p.53). Por isso, garantir o direito de acesso à educação ao jovem e adulto trabalhador não avaliza o direito aos bens culturais e sociais, pois as condições precárias de sobrevivência, como por exemplo, a falta de emprego e renda, moradia, saúde, lazer, não permitem a continuidade e permanência na escola. A concentração de renda, tornando o pobre cada dia mais paupérrimo é o reflexo de um capitalismo que não propicia a distribuição de renda, pelo contrário, fortalece as relações de desigualdade social. Esse jovem, adulto e trabalhador, de um modo geral, tende a ter experiências semelhantes de aprendizagem relativas à condição social a que lhe é imposta. Seus estigmas de fracassado e miserável os acompanham em sua vida social e escolar e reiteram sua exclusão. Arroyo (2005, p.46) afirma que “esses jovens e adultos repetem histórias longas de negação de direitos. Histórias coletivas. As mesmas de seus pais, avós, de sua raça, gênero, etnia e classe social”. São trajetórias de vida semelhantes e que se reproduzem ao longo se suas existências. Como indivíduos 22 pobres e em condições de sobrevivência, acreditam que a escola pode mudar sua condição de vida. Brandão (2008) destaca que a escola: É uma instituição social e, como programa formalizado, é parte do aparato de que classes sociais ou grupos de controle do poder político lançam mão para realizar alguns dos seus interesses e objetivos políticos de domínio ocultos sob propostas de “democratização” através da educação (BRANDÃO, 2008, p.109). Assim, a escola é vista como um instrumento de controle legitimando a ordem social vigente. Na tentativa de superar os ideais do currículo da educação básica, seja fundamental ou média, a EJA tem avançado na luta pela efetivação do direito à educação que supere a visão técnica de domínio da leitura e escrita. Essa luta tem permeado também na discussão de outros direitos que estão intrínsecos a permanência do jovem adulto trabalhador na escola, orientando-se pelos ideários da Educação Popular defendida por Paulo Freire. Vale ressaltar que a Educação Popular não pode ser apenas compreendida como a educação das classes trabalhadoras, mas como um movimento de organização social em oposição à ordem excludente do capitalismo. Nessa perspectiva, é importante considerar a trajetória de vida do jovem adulto trabalhador (são sujeitos sociais), sua forma de sobrevivência (vítimas da violência e exclusão social), seus conhecimentos ao longo da vida (um ensino para além do trabalho). Todos os questionamentos e exigências trazidas pela EJA não implicam sua desarticulação do sistema de ensino. O que se busca é uma efetivação dos direitos garantidos por lei a partir das características que lhe são próprias. Outro aspecto importante é o educador da EJA e sua formação. Arroyo (2006) afirma que assim como são indefinidas as políticas para EJA assim é a formação do educador, ao salientar: Em outros termos, podemos dizer que se não temos políticas fechadas de formação de educadores para EJA é porque ainda não temos também políticas muito definidas para a própria educação de jovens e adultos. Essas políticas precisam ser construídas, e será preciso muita iniciativa e capacidade criativa para o fazermos. Isso 23 vai exigir, no meu entender, muito diálogo, muita lucidez e, sobretudo, muita coragem dos cursos de Pedagogia para que se possa construir esse perfil (ARROYO, 2006, p.18). Mediante esse realidade é um desafio para educação e para os cursos de formação de educadores conhecerem as especificidades da EJA e dos seus sujeitos. Especificidades que estão atreladas à história de vida, à realidade, à dinâmica social e à vulnerabilidade a que estão expostos. E, ainda segundo Arroyo (2006): Não é a história da construção de qualquer jovem, nem qualquer adulto. São jovens e adultos que têm umatrajetória muito específica, que vivenciam situações de opressão, exclusão, marginalização, condenados à sobrevivência, que buscam horizontes de liberdade e emancipação no trabalho e na educação (ARROYO, 2006, p.23). Por outro lado, faz-se necessário considerar também a realidade e as limitações do educador da EJA. Ele não possui materiais didáticos adequados, ele tem que driblar a organização burocrática da escola, além da questão da violência dentro e fora da sala de aula e a precariedade das estruturas físicas das escolas. Além da inexistência de curso de formação inicial no campo da EJA. Os cursos de Pedagogia e de outras licenciaturas priorizam a educação infantil e fundamental abordando pouca ou quase nada de EJA, deixando uma lacuna na formação inicial do professor. Por desconhecer a EJA, esse professor ao deparar-se com a realidade da sala de aula perceberá que o jovem trabalhador é muito diferente do ideal de aluno propagado pelas instituições formativas. Segundo Soares (2008): Não temos ainda diretrizes e políticas públicas específicas para a formação do profissional da EJA. A própria identidade desse educador não está claramente definida, encontra-se em processo de construção. É muito raro encontrarmos um educador que esteja atuando somente na EJA. Comumente, deparamos com educadores que atuam, simultaneamente, no ensino fundamental regular diurno e na EJA no noturno. Outros, no ensino médio regular ou mesmo na educação infantil em um turno e na EJA no noturno. Acreditamos ser necessário que, ainda em sua formação inicial, o educador do aluno jovem e adulto tome consciência da atual situação da EJA, no que se refere à sua própria construção como política pública, como responsabilidade e como dever do Estado. Seria interessante ressaltar também que, no momento da graduação, o profissional da EJA receba formação em teorias pedagógicas sobre a juventude e a vida adulta, a fim de conhecer e perceber o seu aluno como sujeito de direitos, respeitando seus saberes e sua realidade (SOARES, 2008, p.63). 24 Percebe-se que a EJA deve atuar em diversas frentes. Formação inicial e continuada de professores, elaboração de livros didáticos específicos para EJA, reestruturação do tempo pedagógico, enfim, lutar pela efetivação da educação como direito. Pois, de acordo com Urpia (2009): A efetivação do direito à educação para todos os jovens e adultos reivindica um processo de lutas para sua consolidação; para isso, não é o bastante a sua instituição na Carta Magna, seus portadores precisarão exigi-lo. Trata-se da justiciabilidade, isto é, da possibilidade de cobrar um direito violado [...] (URPIA, 2009, p.39). Atualmente, mesmo sendo palco de debates educacionais ainda é evidente o descaso com a educação de jovens e adultos, que devido à falta de objetividade das leis, as medidas em prol da EJA acabam desembocando em políticas públicas emergenciais, assistencialistas e provisórias. Todavia, o momento é propício para uma nova configuração da educação de jovens e adultos. Após inúmeras campanhas e poucos avanços qualitativos é tempo de exigir medidas mais consistentes e de âmbito nacional. Faz parte também desse processo o reconhecimento da existência de problemas sócio-econômicos e da urgência de algumas mudanças na ordem das relações sociais vigentes e que perpassam na educação de jovens e adultos. Relações sociais de exploração e de extrema desigualdade social que precisam ser superadas para que possibilite a emancipação humana dos jovens adultos trabalhadores. Diante do quadro apresentado é fácil compreender como se dá essa modalidade de ensino dentro do sistema prisional, pois as características dos sujeitos da educação de jovens e adultos e os sujeitos que superlotam as penitenciárias brasileiras são semelhantes, quase coincidentes. Para Onofre (2007): Os presos fazem parte da população dos empobrecidos, produzidos por modelos econômicos excludentes e privados dos seus direitos fundamentais de vida. Ideologicamente, como os “pobres”, aqueles são jogados em um conflito entre as necessidades básicas vitais e os centros de poder e decisão que as negam. São, com certeza, produtos da segregação e do desajuste social, da miséria e das drogas, do egoísmo e da perda de valores humanitários. Por sua condição de presos, seu lugar na pirâmide social é reduzido à categoria de “marginais”, “bandidos”, duplamente excluídos, massacrados, odiados (ONOFRE, 2007, p.12). 25 São percursos de vidas análogas e que se entrelaçam nas mesmas dificuldades. Os jovens e adultos das prisões correspondem, ainda, a um retrato social das mazelas sociais do país. Embora não se possa pensar que os presos sejam apenas vítimas sociais, independente do dolo praticado, são sujeitos de direitos. De acordo com a de Lei de Execução Penal a assistência educacional é obrigatória para o ensino do primeiro grau e compreenderá a formação profissional, já o trabalho tem finalidade educativa e produtiva, é descrito como um dever social e condição de dignidade humana e deve ser remunerado. Além disso, por meio do trabalho o preso tem direito à remição da pena. Para Julião (2007), é intencional a valorização do trabalho em detrimento do estudo, pois: Negando o ócio, portanto, o trabalho no sistema penitenciário caracteriza-se como a adição do castigo à produção de bens e serviços. Já que trabalho pressupõe produção, nada mais favorável para os agentes operadores da justiça do que utilizar o trabalho como instrumento de reinserção social, visto que estão diretamente dando a oportunidade a indivíduos improdutivos (delinquentes) de se tornarem produtivos (JULIÃO, 2007, p. 43). Julião (2007, p.43) ainda acrescenta que “o ócio, historicamente, é privilégio dos homens livres e o trabalho, principalmente o físico, dos escravos”. E afirma também que “a maioria das atividades desenvolvidas no sistema penitenciário tem a simples finalidade de tirar os internos do ócio, mesmo que nada venha lhe acrescentar”. Diante dos obstáculos para se efetivar a educação como um direito e um bem social, os sujeitos da EJA nas prisões ficam reféns de medidas e ações compensatórias, silenciando, assim, as reivindicações necessárias para a área. A evasão escolar contribui com a fragilidade da EJA prisional, sobre o que Urpia (2009) destaca: A evasão e a frequência intermitente são fenômenos comuns nessas escolas. A frequência à sala de aula é determinada pela trajetória de vida dos sujeitos — horários de trabalho, locomoção, doenças, desemprego, relações familiares, violência —, verificando-se, por exemplo, que, no espaço de uma semana, há aqueles que comparecem a um ou dois dias de aula, no máximo (URPIA, 2009, p.49). 26 A realidade de vida desses sujeitos não permite a assiduidade em sala de aula, pois a sua vida adulta está atrelada basicamente à sobrevivência que lhe impõe outras prioridades, como trabalho, compromissos financeiros, família etc. Como a maioria estuda à noite, o esgotamento físico depois de um dia inteiro de trabalho, além da questão da violência e o precário serviço público de transporte, também contribuem para o afastamento desse educando da escola. Poderíamos afirmar então que nas escolas das prisões a evasão é mínima, pois questões de transportes, trabalho, contas a pagar não existem. Mas, Paiva (2007) alerta que: No cárcere, a forma como a evasão se apresenta não tem os motivos da vida como mola propulsora, e talvez quase se possa afirmar que fica mais fácil avaliar o quanto a escola pode estar inadequada para as necessidades e demandas dos sujeitos. Se, por um lado, a privação de liberdade poderia ser um contribuinte para garantir a presença dos alunosna escola, por outro não impede que se afastem, se o projeto pedagógico não levar em conta a realidade desses sujeitos e seus desejos nesse espaço diferenciado do mundo da prisão (PAIVA, 2007, p.43). As escolas nas prisões também têm um alto índice de evasão: a falta de material didático adequado, a precariedade das salas de aula, a questão da violência contribuem para o desinteresse do detendo de ir à escola. Outro fator é a possibilidade de exercer alguma atividade remunerada na prisão, pois mesmo não usufruindo do dinheiro eles acreditam que estarão ajudando a família e ou recompensado-a de alguma forma pelo mal que eles causaram. Como muitos detentos cumprem pena distante da sua cidade de origem, esse dinheiro ajudará no transporte dos familiares para os dias de visita. A efetivação do direito à educação nas prisões exige propostas pedagógicas e educativas adequadas à realidade dos seus sujeitos, contudo a guerra fria dos muros das prisões impede que vá além da punição e a clausura como castigo. A ressocialização almejada pelo Estado e pela sociedade civil se dá por meio do trabalho e apenas utilizam a escola como ferramenta para operacionalizar isso. Entretanto, Julião (2007) afirma que: Se entendermos a educação como um direito, talvez não seja necessário aceitar a idéia da instrumentalização da educação nas prisões e transformá-la numa estratégia de ressocialização. Isto pode 27 ocorrer, e é bom que aconteça, mas não precisa ser a justificativa para a presença da educação nas prisões. Responsabilizar a educação pela ressocialização dos presos é exigir mais do que se deve da educação; a reinserção do preso na sociedade é dever do sistema penitenciário, como prevê a Lei de Execução Penal e depende de um tratamento penal concebido para que isto ocorra (JULIÃO, 2007, p. 18). Pensar a educação como uma benesse para o detento é subjugar o seu direito, se faz necessário reconhecer a população prisional como público da Educação de Jovens e Adultos com suas especificidades. Também não é possível acreditar que apenas a educação poderá resolver questões que estão intrinsecamente associadas ao desajuste político, social e econômico. A não efetivação do direito a educação, em qualquer esfera da sociedade, é apenas um reflexo desse desajuste. 28 3. CAPÍTULO II – A EJA PRISIONAL: NO BRASIL E NA BAHIA Apesar da diversidade sociocultural no Brasil, os problemas no sistema prisional são semelhantes. O alto índice de reincidência e a superlotação refletem uma crise no sistema que repercute fora dos seus muros. Contudo, podemos afirmar que essa crise não nasceu na prisão, apenas se agravou. Pensar a educação como uma válvula de escape para os problemas do sistema carcerário é mascarar a realidade de desigualdade e exclusão do nosso país. Por outro lado é importante refletir sobre o papel da educação dentro deste sistema. O enfrentamento seria primeiramente compreender a educação como um direito e que a prisão está atrelada ao castigo. Assim, neste capítulo será apresentada a situação da EJA no Brasil e na Bahia , na perspectiva de que a educação não é privilégio e que a população prisional tem o direito de beneficiar-se com as políticas oficiais para a Educação de Jovens e Adultos, modalidade de ensino que melhor atende a realidade dos sujeitos das prisões. 3.1 EJA no BRASIL O cotidiano das prisões ainda é desconhecido pela sociedade em geral. A prisão ganha destaque quando as mídias noticiam as rebeliões, as fugas, a violência e ou denúncias de superlotação e maus tratos. Então, discutir educação nas prisões é antes compreender que existe um sistema maior que regula e controla a vida do preso impondo limites até mesmo aos seus direitos. Na opinião de Santiago e Brito (2006): Embora o arcabouço legal privilegie o papel da educação para a população carcerária, especialmente tendo em conta o caráter ressocializador da pena, e não apenas punitivo, a realidade nos presídios brasileiros está bem distante do que diz a lei. Infelizmente, o reconhecimento legal não tem sido acompanhado de medidas 29 efetivas para garantir a oferta sistemática de oportunidades educacionais nesses estabelecimentos (SANTIAGO E BRITO, 2006, p.301). A escola, dentro dessa realidade, torna-se um espaço improdutivo, principalmente porque não faz parte da dinâmica da prisão: ela está desarticulada da proposta política e de segurança das instituições penais. A aplicabilidade das leis educativas emperra em normas e muitas vezes na boa vontade dos funcionários dos presídios que nem sempre veem com bons olhos a escola e o contato dos presos com outras pessoas. O planejamento escolar fica engessado nos regulamentos dos presídios e no entendimento dos dirigentes das instituições. Segundo a legislação (Constituição Federal, LDB, LEP), todos os estabelecimentos penais são obrigados a assegurar a educação gratuita a todos os apenados. De acordo com a LDB, a EJA é destinada àqueles que não tiveram acesso ou continuidade de estudos no ensino fundamental e médio na idade própria, é assegurada ainda oportunidades educacionais apropriadas, considerando as características do alunado, seus interesses, condições de vida e de trabalho. A Declaração de Hamburgo, resultado da V Conferência Internacional sobre Educação de Adultos – Confintea, afirma que a EJA: Engloba todo o processo de aprendizagem, formal ou informal, onde pessoas consideradas "adultas" pela sociedade desenvolvem suas habilidades, enriquecem seu conhecimento e aperfeiçoam suas qualificações técnicas e profissionais, direcionando-as para a satisfação de suas necessidades e as de sua sociedade (Declaração de Hamburgo, 1997). A VI Confintea, realizada na Cidade de Belém do Pará, reafirma no Marco de Ação de Belém a definição da EJA apresentada na Declaração de Hamburgo e esclarece que o grande desafio para as Confinteas é que as recomendações sugeridas sejam implementadas nas políticas públicas da EJA. A mobilização para discussões estão sendo promovidas em torno da educação como um direito, mas ela está condicionada a vários outros aspectos para sua real efetivação e ampliação; o que acontece com a educação no sistema prisional. Por falta de clareza das atribuições e responsabilidades, como descrito nos capítulos anteriores, a sua efetivação esbarra principalmente na falta de vontade política e na falta de fiscalização e aplicação de penalidades ao não cumprimento da lei. O que 30 acontece na EJA nas prisões é um reflexo do que acontece com a EJA fora dos seus muros. Com base nos dados do Departamento Penitenciário Nacional do Ministério da Justiça (DEPEN - MJ), o Brasil possui atualmente 494.2372 pessoas presas distribuídas em 1795 estabelecimentos penais; destes, 26.266 são analfabetos e 186.163 tem o ensino fundamental incompleto, correspondendo a aproximadamente 43% da população carcerária do país. Apenas 44.433 estão envolvidos em atividade educacional, englobando todos os níveis educacionais, inclusive os cursos técnicos. Este cenário representa a pouca visibilidade que tem a escola dentro do sistema prisional. Não se sabe ao certo o que acontece dentro das instituições prisionais, mas os números denunciam. De acordo com Teixeira (2007): O princípio fundamental que deve ser preservado e enfatizado é que a educação no sistema penitenciário não pode ser entendida como privilégio, benefício ou, muito menos, recompensa oferecida em troca de um bom comportamento. Educação é direito previsto na legislação brasileira. A pena de prisão é definida como sendo um recolhimento temporário suficiente ao preparo do indivíduo ao convívio social e nãoimplica a perda de todos os direitos (TEIXEIRA, 2007, p. 15). As Diretrizes Nacionais para a oferta de educação para jovens e adultos em situação de privação de liberdade nos estabelecimentos penais (Resolução nº02/2010 CNE) homologada em 07 de maio de 2010 também enfatiza a educação como um direito do preso e que não pode ficar emperrada nas questões burocráticas das instituições penais e no desconhecimento e despreparo dos profissionais que atuam nas prisões, quando afirma: O direito à educação (que deve ser garantido) é visto e tratado como um benefício e até um privilégio. Inclusive muitos trabalhadores penitenciários acreditam que qualquer ação positiva para os presos significa premiar o comportamento criminoso. Em tal contexto pode- se observar duas lógicas opostas: a da educação que busca a emancipação e a promoção da pessoa e a da segurança que visa a manter a ordem e a disciplina por meio de um controle totalitário e violento subjugando os presos. São procedimentos nada educativos. A natureza do estabelecimento penal, como funciona hoje, é hegemonicamente mais punição do que recuperação do apenado. Em tal ambiente de pouco espaço para o exercício da individualidade e da reflexão, a educação fica minimizada em seu potencial de 2 Ministério da Justiça, Departamento Penitenciário Nacional, Sistema Integrado de Informações Penitenciárias (InfoPen). Referência 06/2010. 31 recuperação das pessoas encarceradas. Além disso, dificulta a prática educativa (Conselho Nacional de Educação, 2010, p.5). Neste isolamento das partes – escola e prisão – o único prejudicado é o preso que deseja estudar. A preocupação com a segurança sobrepõe-se ao direito, fazendo da escola um espaço como outro qualquer e descontextualizado, comprometendo a realização de seus objetivos. Outro ponto que se deve destacar é o perfil dos presos que cumprem pena no país: 71,41%3 têm entre 18 a 34 anos; 56,35% são negros e ou pardos; e 42,20% são oriundos dos municípios do interior dos estados. São semelhantes ao perfil descrito por Arroyo (2005, p.47) do alunado da EJA: “por décadas esses jovens e adultos são os mesmos, pobres, oprimidos, excluídos, vulneráveis, negros, das periferias e dos campos. Os coletivos sociais e culturais a que pertencem são os mesmos”. A exclusão social do preso e do educando da EJA confronta a educação pública, pois as barreiras sociais impostas têm esvaziado as salas de aulas dentro e fora das prisões. Haddad (2007) contribui afirmando que: Nos casos em que a igualdade de acesso não é suficiente para garantir oportunidades escolares a todas as pessoas, o Estado deve intervir com políticas de inclusão em defesa dos grupos mais vulneráveis. Sabe-se que a falta destas políticas afeta principalmente as pessoas que historicamente foram excluídas do sistema, como negros, idosos, mulheres e camponeses, gerando situações de iniquidades no que diz respeito ao acesso e à permanência no sistema educacional (HADDAD, 2007, p.7). As escolas, dentro e fora da prisão, que recebem jovens e adultos devem compreender a diversidade de seus sujeitos e adotar medidas que atendam essa realidade. Sejam através de horários das aulas, material didático, suas medidas devem estimular a permanência do educando a continuar sua trajetória escolar e de aprendizagem. A escassez de políticas sociais que minimizem as desigualdades contribui para superlotação das prisões, que por sua vez não conseguem dar conta de tanta diversidade, ou melhor, carência em seu espaço. Mesmo diante das dificuldades, a EJA tem sido implementada nos sistemas prisionais, porém a sua sustentação e 3 Dados calculados tendo como referência as informações do Ministério da Justiça- Departamento Penitenciário Nacional – Sistema Integrado de Informações Penitenciárias (InfoPen). Referência 06/2010. 32 desenvolvimento dependem de medidas que mexam com a dinâmica da prisão para resoluções de questões que afetam diretamente o trabalho pedagógico como higiene, saúde, violência, alimentação. É um desafio, para os operadores da lei, otimizar as verbas da educação; definir uma política educacional coerente e de longo prazo e mantê-la durante diferentes governos, mas é necessário a participação da sociedade nesse processo, todavia o Documento Base Nacional preparatório à VI CONFINTEA destaca: A tutela do Estado em relação a internos penitenciários tem sido um aspecto muito questionado pela sociedade, quanto ao custo de manutenção de sujeitos privados de liberdade, por um lado, e pelas condições indignas de vida a que estes são submetidos, como uma “pena” complementar à condenação da justiça, por outro. A responsabilidade constitucional do Estado com a educação para todos não exclui ninguém, nem internos penitenciários, e especialmente estes, privados de escolhas, porque mantidos em cárcere (MEC, 2008, p.16). A educação é um direito e o Estado e a sociedade civil devem garantir o acesso de todos aos serviços essenciais independente da condição do indivíduo. A educação, como parte importante para integração do preso à sociedade, deve ser efetivada de maneira eficaz; deixá-la à revelia é negar, de forma silenciosa, esse direito. 3.2 EJA na Bahia A população carcerária do Estado da Bahia é de aproximadamente 16.907 detentos4 distribuídos entre os 20 estabelecimentos penais. O órgão responsável pelo Sistema Penitenciário é a Superintendência de Assuntos Penais - SAP, um órgão do regime especial da administração direta, integrante da estrutura da Secretaria da Justiça, Cidadania e Direitos Humanos – SJCDH, que tem por finalidade planejar, coordenar, executar, supervisionar, controlar e avaliar, em harmonia com o Poder Judiciário, os serviços penais do Estado. 4 Ministério da Justiça- Departamento Penitenciário Nacional – Sistema Integrado de Informações Penitenciárias (InfoPen). Referência 06/2010. 33 O Plano Diretor do Sistema Penitenciário do Estado da Bahia, elaborado pela Comissão de Monitoramento e Avaliação do Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania - PRONASCI e o Departamento Penitenciário Nacional - DEPEN, traçou em 2007 um diagnóstico da situação atual da Execução Penal no Estado da Bahia. A meta 15 que trata da educação e profissionalização do preso estabelecem entre suas etapas a ampliação da oferta de ensino nas Unidades Prisionais, compra de equipamentos, construção de salas de aula e contratação de professores. A Ação nº 2 do Plano Diretor tem como meta a implantação com ampliação de turmas de ensino fundamental e médio, nas Unidades Prisionais da Capital e do Interior do Estado. Seria pertinente a concretização dessa ação, pois de acordo com a Tabela 1 o número de presos que possuem o ensino fundamental incompleto corresponde a 44,3% e serviria de estimulo para que esses presos frequentassem a escola a fim de concluir esta etapa. De acordo com o Plano Diretor deste período (2007) a situação é descrita na tabela abaixo: Tabela 1. Quantidade de presos no Sistema Penitenciário de acordo com grau de instrução ESCOLARIDADE MASCULINO FEMININO TOTAL Analfabeto 1.289 36 1.325 Alfabetizado 1.507 24 1.531 Ensino Fundamental Incompleto 3.478 173 3.651 Ensino Fundamental Completo 658 20 678 Ensino Médio Incompleto 530 18 548 Ensino Médio Completo 393 22 415 Ensino Superior Incompleto 34 07 41 Ensino Superior Completo 21 01 22 Ensino acima de Superior Completo 02 01 03 Não Informado 26 01 27 TOTAIS 7.938 303 8.241 Fonte: Plano Diretor doSistema Penitenciário do Estado da Bahia. Setembro 2007. O destaque ficou na Ação nº 03 que tinha o Projeto Resgatando a Individualidade do Interno que deveria ser desenvolvido a partir da identificação das necessidades dos internos do sistema penitenciário. 34 Em 2010 o MJ e o DEPEN divulgaram os seguintes indicadores: Tabela 2. Quantidade de presos no Sistema Penitenciário de acordo com grau de instrução ESCOLARIDADE MASCULINO FEMININO TOTAL Analfabeto 1.144 51 1.195 Alfabetizado 1.279 64 1.343 Ensino Fundamental incompleto 4.204 213 4.417 Ensino Fundamental Completo 860 43 903 Ensino Médio Incompleto 711 27 738 Ensino Médio Completo 466 42 508 Ensino Superior Incompleto 46 10 56 Ensino Superior Completo 14 03 17 Ensino acima de Superior Completo 0 0 0 Não Informado 46 01 47 TOTAIS 8.770 454 9.224 Fonte: DEPEN/InfoPen. Referência junho2010. Vale ressaltar, que a população carcerária na Bahia em 2007 era de 13.9195 detentos e em 2010 esse contingente cresceu aproximadamente 18%. Ainda com base nos dados de 2010, outro ponto a destacar é a diferença entre o total de detentos (16.907) e o total dos registrados, conforme grau de instrução (9.224). Onde estão? O que fazem os 7.683 detentos? E por que não entraram nos indicadores do MJ? A dúvida se agrava se compararmos com os 1.1826 detentos que estão envolvidos em alguma atividade educacional. O Plano Diretor do Sistema Penitenciário do Estado da Bahia foi atualizado em dezembro de 2009 com o monitoramento das metas estabelecidas pelo Plano. Constatou-se que a 1ª Etapa da Ação nº 1 que corresponde à ampliação da oferta de ensino nas Unidades Prisionais da Capital e do Interior do Estado, por meio da construção de novas salas de aula, não foi alcançada, conforme quadro abaixo extraído do Relatório de monitoramento do Plano Diretor / BA. 5 Ministério da Justiça- Departamento Penitenciário Nacional – Sistema Integrado de Informações Penitenciárias (InfoPen). Referência 12/2007. 6 Ministério da Justiça- Departamento Penitenciário Nacional – Sistema Integrado de Informações Penitenciárias (InfoPen). Referência 06/2010. 35 Quadro 1. Relatório de monitoramento das Ações do Plano Diretor do Estado da Bahia. Dezembro de 2009. AÇÃO Nº 01: Implantação com ampliação de turmas de alfabetização, nas Unidades Prisionais da Capital e do Interior do Estado ETAPAS DA AÇÃO INÍCIO CONCLUSÃO 1ª ETAPA Ampliação da oferta de ensino nas Unidades Prisionais da Capital e do Interior do Estado, através da construção de novas salas de aula. Março/2008 Março/2009 SITUAÇÃO AGOSTO/08: Não foi possível a construção de novas salas de aula* visto que a solicitação encaminhada ao Depen não foi aprovada, por conta do tamanho da área não ser compatível com as exigências do Depen. SITUAÇÃO DEZEMBRO/09: Em andamento – modificada Como não foi possível a construção de novas salas de aula, a SJCDH, a partir do segundo semestre de 2009, desenvolveu, em conjunto com a Secretaria de Educação, um projeto para a utilização das salas de aula existentes em horários alternativos. O Projeto piloto está sendo desenvolvido para o Complexo Penitenciário Lemos Brito, localizado no Complexo Penitenciário de Salvador e se propõe a utilizar o horário de 11:30 às 13:30h, a partir do ano de 2010. Como essa ação alternativa, tem o alcance restrito no resultado a ser alcançado de ampliação de vagas, em 2010 a SJCDH vai elaborar e apresentar um novo projeto de ampliação de salas de aula ao Depen. Área responsável enviará quantas turmas serão geradas. Quadro retirado do Relatório de monitoramento das Ações do Plano Diretor do estado da Bahia. Dez.2009. * Grifo da autora. Outra etapa da Ação nº 1 que também não alcançada foi a construção de um Projeto Político-Pedagógico para a educação no sistema penitenciário. De acordo com o Relatório de monitoramento o Projeto Político-Pedagógico está em fase de elaboração na Escola Especial Lemos Brito, com a participação da SEC, por meio do Instituto Anísio Teixeira e da Secretaria da Justiça, Cidadania e Direitos Humanos. O Projeto Resgatando a Individualidade do Interno da Ação nº 03 teve alteração no prazo para conclusão da sua 1º Etapa (deveria ser concluída em dezembro de 2009) que era o levantamento do perfil de toda população prisional em todos os aspectos. Esse trabalho estava previsto para começar, de acordo com o Relatório de Monitoramento de janeiro de 2010 e, devido à impossibilidade de cobrir todo o 36 universo prisional, nesta etapa será realizada uma amostra de 3% das Unidades Prisionais da capital. A proposta da Secretaria da Educação do Estado da Bahia para EJA é “Educação de Jovens e Adultos: aprendizagem ao longo da vida”. O Estado assume o compromisso de assegurar o direito à Educação Básica para os sujeitos jovens e adultos por meio de medidas que devem ser adotadas, entre elas: 1. Inserir a EJA no campo de Direitos Coletivos e de Responsabilidade Pública. 2. Assumir a Política de EJA na atual política do Estado, definida no documento Princípios e Eixos de Educação na Bahia. 3. Assegurar a EJA como oferta de educação pública de direitos para jovens e adultos, com características e modalidades adequadas às suas experiências de vida e de trabalho, garantindo as condições de acesso e permanência na EJA, como direito humano pleno que se efetiva ao longo da vida (SEC, 2009). Apesar de não citar a Educação em ambientes privados de liberdade, a proposta quando regulamentada, também deve beneficiar a educação no sistema prisional, pois a EJA é a modalidade de ensino da escola na prisão e nela também destacam- se os sujeitos da EJA referidos no documento citado: No cenário educacional, configuram-se enquanto aqueles que não tiveram passagens anteriores pela escola ou, ainda, aqueles que não conseguiram acompanhar e/ou concluir a Educação Fundamental, evadindo da escola pela necessidade do trabalho ou por histórias margeadas pela exclusão por raça/etnia, gênero, questões geracionais, de opressão entre outras (SEC, 2009). Mesmo com a existência da Escola Especial Lemos Brito no sistema prisional do Estado da Bahia, a EJA prisional é um campo de incertezas. A formação educacional para os detentos está inserida dentro de um sistema que a urgência é a segurança. As aulas são suspensas por toda e qualquer tipo de suspeitas, além das demandas existentes dentro do sistema como as visitas (nesse dia não tem aula) e as revistas (normalmente levam o dia todo). As Varas de Execuções do Estado adotam a remição de pena pelo estudo. De acordo o art. 13, § 1º do Provimento CGJ nº14/2007 da Corregedoria Geral de Justiça da Bahia, a cada 18 horas de atividade intelectual (estudo) é remido um dia da pena. Todavia, diante da dinâmica do sistema prisional essas 18 horas de 37 estudos ficam em desvantagem se comparado ao trabalho. O Artigo 126 da LEP garante um dia de pena por três de trabalho. As ações isoladas dos Estados testificam a falta ou a ineficiência de políticas públicas de âmbito nacional. Mesmo reconhecendo as especificidades que cada estado possui é necessária uma lei que normatize e fiscalize as ações de cada um deles. Um olhar mais atento perceberá que questões como superlotação, alto índice de violência e estrutura físicas precárias são comuns nos sistemas prisionais de todo país. Os sujeitos que frequentam a escola na prisão na Bahia, ou em qualquer outro estado, carregam consigo o estigma da exclusão. São na sua maioria analfabetos ou possuem o ensino fundamental incompleto, negros, pobres, sem renda, semmoradia fixa. Outro fator de destaque é o baixo índice de presos que se matriculam e frequentam a escola em comparação à população carcerária geral e isto é agravado principalmente pela falta de articulação das escolas com as administrações das penitenciárias. Elas atuam com os mesmos sujeitos, mas com ações isoladas. Espera-se que as Diretrizes Nacionais para Educação em Prisões, aprovada em 2010, possibilite uma integração e comunicação de medidas que rompam o isolamento das escolas nas prisões. 38 4. CAPÍTULO III – CAMINHOS INCERTOS – CAMINHOS POSSÍVEIS A pesquisa, na visão de Gil (2002), “é um procedimento racional e sistemático que tem como objetivo proporcionar respostas aos problemas que são propostos”. No primeiro momento da pesquisa o intuito não era responder, mas conhecer o problema e torná-lo evidente. A racionalidade e sistematização sugerida por Gil (2002) não resistiu ao primeiro contato e as hipóteses e suposições caíram por terra, pois eles não correspondiam à vivência de atuar na escola na prisão e a interação com os seus sujeitos. Para o pesquisador, aquele que vai a campo, “foi um tiro no escuro”, caminhos incertos, mas válidos. Para os críticos de plantão, loucura, utopia, o risco não valeria a pena, literalmente. Foi necessário um mergulho, procurar como se procura uma jóia perdida ou roubada. Para os autores Marconi e Lakatos (2002, p.71) a pesquisa bibliográfica, iria contribuir, pois reúne toda a bibliografia já tornada pública em relação ao tema estudado e ainda fornecer subsídios necessários ao pesquisador para a construção de uma discussão consistente entre os teóricos da temática. Ajuda também a apresentar as visões convergentes e divergentes sobre o tema que permitirá uma análise crítica do problema da pesquisa. Ao recorrer à bibliografia especializada neste tema pude constatar, à medida que as minhas contradições cresciam, que as opiniões eram semelhantes. O livro “Educação escolar entre as grades”, uma coletânea de textos de pesquisadores da área da educação escolar nas prisões, foi uma pérola encontrada nessa caça ao tesouro e tornou–se um companheiro indispensável. Algumas teses, dissertações e artigos foram importantes para confrontar os preconceitos, outras funcionaram como chave correta do cadeado da dúvida; outras como um banho de sol nas idéias a saber, Arroyo (2005), Urpia (2008), Vieira (2008) e Silva (2004). Para Gil (2002, p.66) “fontes dessa natureza podem ser muito importantes para a pesquisa, pois muitas delas são constituídas por relatórios de investigações científicas originais ou acuradas revisões bibliográficas”. 39 A pesquisa documental foi necessária para levantar dados relevantes sobre o tema e que, de acordo com Marconi e Lakatos (2002, p.62-63), possibilita ao pesquisador um contato direto com tudo o que foi escrito, dito ou filmado sobre determinado assunto; ainda segundo as autoras, a pesquisa documental também contribuirá na coleta de dados, pois os documentos, escritos ou não, são fontes primárias de pesquisa e que também darão uma base sólida. Com essa indicação, elegeu-se como documentos pertinentes ao tema a legislação, especificamente a Lei de Execução Penal (1984) que define as condições em que o sentenciado cumprirá sua pena; a Lei de Diretrizes e Bases (1996) que estabelece as diretrizes para a Educação no Brasil; e a Lei 10.172 (2001) que aprovou o Plano Nacional de Educação, que subsidiaram esta pesquisa. A dificuldade de avançar na compreensão e expressar uma opinião mais sólida sobre o tema deve-se, em parte, à falta de clareza e objetividade da referida legislação, com exceção da Lei de Execução Penal, especifica para o preso e que abrange uma série de outras questões, sendo a escola mais um item dela. A LDB e o PNE não abordam especificamente a educação prisional. Todavia, em 2010, foi homologado o Parecer CNE/CEB nº 4/2010 que aprovou as Diretrizes Nacionais para a oferta de educação para jovens e adultos em situação de privação de liberdade nos estabelecimentos penais brasileiros, um marco normativo para história da educação prisional. Para responder às hipóteses de pesquisa foi fundamental realizar uma pesquisa de campo que, na opinião de Oliveira (1999. p.124), “consiste na observação dos fatos tal como ocorrem espontaneamente, na coleta de dados e no registro de variáveis presumivelmente para posteriores analises”, permitindo assim, conhecer a realidade in loco. A escuta sensível, do mesmo modo, teve que percorrer todo o trajeto da pesquisa, na perspectiva de Barbier (1998), que diz: A escuta sensível reconhece a aceitação incondicional de outrem. O ouvinte sensível, não julga, não mede, não compara. Entretanto, ele compreende, sem aderir ou se identificar às opiniões dos outros, ou ao que é dito ou feito. A escuta sensível pressupõe uma inversão de atenção. Antes de situar uma pessoa em seu lugar começa-se por reconhecê-la em seu ser (BARBIER, 1998, p.1). 40 Muitas vezes, essa escuta foi tomada pela indignação, pois quanto mais se dava a aproximação com o espaço da escola na prisão, mas as incoerências entre o direito e sua efetivação evidenciavam-se. Devido à impossibilidade de permanência em alguns ambientes foram aplicados questionários aos professores e educandos com o objetivo de conhecer as falas e opiniões dos sujeitos envolvidos na realidade da educação do sistema prisional. Para a análise dos dados coletados foi realizada uma tabulação que tornou mais objetiva a percepção da realidade do campo pesquisado. Na perspectiva de Marconi e Lakatos (2002) Na análise, o pesquisador entra em mais detalhes sobre os dados decorrentes do trabalho [...], a fim de conseguir respostas às suas indagações, e procura estabelecer as relações necessárias entre os dados obtidos e as hipóteses formuladas. Estas são comprovadas ou refutadas, mediante a análise (MARCONI e LAKATOS 2002, p.35). Os questionários foram aplicados a uma amostra do universo de educandos e professores. Segundo Gil (2002, p.121) a amostra “é uma pequena parte dos elementos que compõem o universo. Quando essa amostra é rigorosamente selecionada, os resultados obtidos no levantamento tendem a aproximar-se bastante dos que seriam obtidos caso fosse possível pesquisar todos os elementos do universo.” No caso específico desta pesquisa, não foi possível realizar escolhas, a quem e quando entrevistar, devido à dinâmica da prisão os fatos aconteciam de forma não sistemática. 4.1 A penitenciária no senso comum As prisões caracterizam-se principalmente por ser uma instituição fechada. Sua arquitetura, as normas e o rígido controle fazem parte do dia-a-dia daqueles que trabalham, visitam e, sobretudo àqueles que são a razão de ser do local – os presos. Para Foucault (1999): 41 A prisão, essa região mais sombria do aparelho de justiça, é o local onde o poder de punir, que não ousa mais exercer com o rosto descoberto, organiza silenciosamente um campo de objetividade em que o castigo poderá funcionar em plena luz como terapêutica (FOUCAULT, 1999, p. 214). A punição é o diferencial do sistema prisional e Onofre (2007) afirma que os presos são punidos com a prisão. A autora ainda revela: As prisões se caracterizam como teias de relações sociais que promovem violência e despersonalização dos indivíduos. Sua arquitetura e as rotinas a que os sentenciados são submetidos demonstram, por sua vez, um desrespeito aos direitos de qualquer ser humano, à vida. Nesse âmbito, acentuam-se os contrastes entre a teoria e a prática, entre os propósitos das políticas públicas penitenciárias e as correspondentes práticas institucionais,
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