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REUMATOLOGIA 4 Febre Reumática e Gota

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- Miscelânea -
Febre Reumática (“morde o coração, lambe as articulações”)
- A febre reumática é a irmã da GNPE: é uma complicação da infecção estreptocócica. Trata-se de doença de país pobre, pois está relacionada à transmissão de IVAS em aglomerados e dificuldade de acesso da criança afetada ao sistema de saúde para tratamento e acompanhamento adequado.
Características
Mais prevalente em crianças (escolares 5-15 anos), devendo ser considerada como diagnóstico diferencial em febres a esclarecer.
É uma complicação da infecção por estreptococo do grupo B-hemolítico do grupo A NA GARGANTA (de pele não dá Febre Reumática, apenas GNPE)
Ocorre em função de reações cruzadas auto-imunes entre os anticorpos produzidos durante a infecção da orofaringe e estruturas de órgãos do infectado.
Período de incubação: 1-5 semanas (média = 2-4 sem) – não ocorre ao mesmo tempo em que a infecção da orofaringe.
É uma doença inflamatória sistêmica aguda com todas as suas manifestações: febre, astenia, anorexia...
Para quem tem a infecção da orofaringe o risco de fazer febre reumática é 1-5%, mas se o paciente já tiver história de febre reumática e for novamente infectado, a chance aumenta para 20% (já foi previamente sensibilizado). Outro fator que explica maior recorrência é que aspectos GENÉTICOS também estão envolvidos na sua patogenia.
Alvos e manifestações clínicas:
Articulação – ARTRITE:
- É a manifestação mais comum da FR
- Poliartrite assimétrica e migratória: acomete grandes articulações, por 2-5 dias e depois passa para outra articulação. Não é deformante e não deixa seqüela, e dura 2-4 semanas (é importante para fazer diagnóstico diferencial com artrite reumatóide juvenil, que pode se estender por mais de 4 semanas). Não sinais flogísticos. Após 20 anos acomentimento mais grave. Crainaças podem ter acomentimento de coluna vertebral. Sindrome de Jaccoud tem deformidade transitória com desvio ulnar dos dedos.
Coração – PANCARDITE:
- Envolvimento de qualquer folheto cardíaco: endocárdio, miocárdio e vias de condução cardíaca.
- Tem duração máxima de 2 meses.
- Deixa sequela e por isso é uma doença que precisa de atenção médica. A amigdalite bacteriana se resolve com, sem ou apesar do médico, mas como não sabemos se é por estreptococo B-hemolítico do grupo A, devemos tratá-la corretamente para evitar a cardite reumática.
- Endocardite: leva a lesão valvar e a mais acometida é a mitral
> Sopro agudo: sopro de regurgitação mitral, típico da lesão valvar aguda (insuficiência mitral, sopro sistólico em foco mitral com irradiação para axila).
> Sopro crônico: com o passar do tempo, ocorre um processo de fibrose valvar, levando a estenose mitral (ruflar diastólico no foco mitral, podendo haver um clique de abertura) > PROVA
> Sopro de Carey-coombs: lembra muito o sopro crônico, pois é um ruflar diastólico no foco mitral, mas ocorre em caso agudo, pois o átrio esquerdo está sobrecarregado (sangue que vem do pulmão + sangue regurgitado) levando a um turbilhonamento ou ruflar. A diferença é que não há clique de abertura, já que ainda não há fibrose
- Miocardite: geralmente não deixa seqüela, mas é importante pois leva a formação dos NÓDULOS DE ASCHOFF, que são PATOGNOMÔNICOS da FR, porém, como ninguém faz biopsia cardíaca para diagnóstico, na prática não tem grande importância clínica.
- Pericardite – “Pão com manteiga”: semiologicamente o paciente se apresenta com dor precordial, que melhora em ortostatismo, à ausculta temos atrito pericárdico e o ECG mostra supra de ST em VÁRIAS derivações (diferente do SST do IAM, aqui o supra é côncavo, semelhante a um copinho, e tende a poupar aVR e V1).
- Vias de condução: se houver lesão as vias de cordução cardíacas, outro achado do ECG pode ser um BAV de primeiro grau (alargamento do iPR), BAV 2º 3º graus (menos comum) e traquiarrtimias supraventriculares – é um critério diagnóstico.
“A FR lambe as articulações e morde o coração”: Ela atinge ambos os órgãos, mas nas articulações ela não deixa seqüelas e no coração ela deixa seqüelas importantes para toda a vida, daí sua importância médica.
Pele – ERITEMA MARGINATUM:
- É a manifestação mais rara da FR.
- É um “caminho vermelho” na criança, pois dá lesões eritematosas que acomete somente a borda e poupa o centro.
- Acomete mais tronco
- Não é doloroso, não tem prurido, é migratório (desaparece e aparece subitamente) e, quando presente, está associado à cardite (“Se a pele está acometida, corra atrás do coração”)
NÓDULOS SUBCUTÂNEOS
- Indolores, de diversos tamanhos, que ficam próximos a tendões.
- Duram no máximo um mês: se durar mais que isso, devemos pensar em AR
- Também associado à cardite, quando presente.
SNC (núcleos da base) – COREIA DE SYDENHAM:
- Quando atingimos os núcleos da base podemos ter duas síndromes motoras:
1. Síndrome parkinsoniana: hipertônica (duro) e hipocinético (lento) – não ocorre na FR
2. Coreia: hipotônica (mole) e hipercinética (rápido) – é o oposto da parkinsoniana e é o que ocorre na FR, gerando movimentos rápidos, incoordenados que pioram com o estresse.
- Acomete meninas e é a principal causa de coréia em escolares (as outras causas de coréia são MUITO raras nesta idade.
- Ocorre 1-6 meses após a Febre Reumática aguda: é a manifestação mais tardia da FR e normalmente ocorre de forma isolada.
- Apresenta labilidade emocional: mudança no padrão comportamental da criança.
- Não deixa seqüelas, assim como os outros acometimentos da FR (exceto endocardite)
Coreia de Sydenham: a presença ISOLADA de coréia em escolares nos permite diagnosticar FR sem nenhum outro sinal ou informação clínica
Laboratório
Reagentes de fase aguda
- PCR: é a primeira que sobe e a primeira que desce, por isso, se a PCR voltar ao normal durante o acompanhamento do paciente, ele ainda pode estar muito doente.
- VHS: é o segundo que sobe e normaliza com a instituição da terapêutica, sem significar necessariamente melhora da inflamação.
- Mucoproteínas – Alfa2-macroglobulina (Mucoproteína B): é a última que sobe, mas só cai com a melhora clínica (é o melhor parâmetro para remissão).
- Eletroforese de proteínas: aumento de alfa 2
Provas imunológicas: FAN e FR negativos; ASLO positivo em 80%, Anti-DNase B: aumenta probabilidade de dignóstico para 95%, anti-hialuronidade.
Outros: leucocitose, anemia normo/hipo, transaminases elevadas.
Diagnóstico – Critérios de Jones modificados (1992)
CRITÉRIOS MAIORES – relacionados ao alvo:
Para fechar o diagnóstico é necessário:
2
 maiores
1
 maior e 2 menores
+ Provar que houve infecção estreptocócica faríngea recentePoliartrite (70%)
Cardite (50%)
Coreia Sydenham (20%)
Nódulo Subcutâneo (5%)
Eritema Marginado (5%)
CRITÉRIOS MENORES – marcadores inflamatórios:
Febre
Artralgia em articulação não acometida por artrite
Reagente da fase aguda: PCR, VHS, MCP,
Aumento do iPR (BAV 1º grau)
CRITÉRIO OBRIGATÓRIO - Infecção faríngea Estreptocócica recente: pode ser feito com sorologia (ASO>333 no Brasil e >250 nos EUA, Anti-DNAse B, anti-hiluronidase) ou cultura de orofaringe.
Situações especiais: 1. Com cardite crônica previa: ele já tem um critério maior para a vida toda e, portanto só necessita de mais dois critérios menores + critério obrigatório; 2. Coreia em escolar já é FR.
Tratamento
Fase aguda:
- A erradicação do estreptococo da orofaríngea não altera em NADA o prognostico do paciente com diagnóstico de FR, mas deve ser tratado para que evite transmissão para a população contactante. Podem ser usados vários ATBs VO, mas a escolha deve ser Penicilina G benzatina IM dose única.
- Artrite: AAS 100 mg/Kg/dose – é uma dose cavalar para qualquer pessoa e, além disso, como há uma boa resposta, perderíamos o critério diagnóstico (pois deveríamos documentar uma artrite migratória, assimétrica). Deve-se inicialmente dar somente analgésico, observar o padrão da artrite e, depois de fechado o critério, iniciar o AAS com cuidado para possíveis efeitos colaterais.
- Cardite: corticoide (curso por 2-3 meses)
- Coréia: Repouso +Benzodiazepínicos + Prednisona + Haloperidol ou Carbamazepina ou Ácido Valpróico.
Profilaxia:
- Primária: nunca teve FR e não queremos que tenha. Consiste em tratar qualquer infecção bacteriana de garganta. Escolha: Penicilina G benzatina IM dose única (até 9 dias)
- Secundária: já teve FR e queremos prevenir recorrência. A aplicação de ATB nestes pacientes reduz a chance de recorrência para semelhante àquelas pessoas que nunca tiveram. Deve ser feita com Penicilina G benzatina IM dose única de 21/21 dias...
	> Sem cardite: até 21 anos ou mínimo de 5 anos após o último surto (escolha o que for maior)
	> Com cardite residual: até 40 anos ou por toda a vida (a escolha vai depender basicamente da profissão do paciente – Ex.: professor primário com contato direto com crianças deve ser por toda a vida)
	> Com cardite curada ou regurgitação mitral leve: ate 25 anos ou 10 anos após o último surto
Alérgicos a penicilina: droga de escolha deve ser a Azitromicina
Gota
- É uma doença METABÓLICA, pois é causada por artrite por cristas de urato monossódico: quando pegamos um copo d’água e colocamos uma colher de chá de açúcar, conseguimos dissolver todo o açúcar. Caso seja adicionada uma colher de sopa, já veremos açúcar não dissolvido. O mesmo ocorre quando o ácido úrico ultrapassa a concentração de 7 no plasma, para homens (em mulheres precipita menos, pois o estrogênio promove eliminação renal de ácido úrico).
O Ácido Úrico
Proveniente do metabolismo das purinas, adquiridas por metabolismo celular e dieta (carne, cerveja, frutos do mar – é menos importante que o metabolismo celular)
Por ação da xantina oxidase as purinas são transformadas em ácido úrico, o qual é eliminado 2/3 pela urina (eliminação mais difícil) e 1/3 pelas fezes (facilmente eliminado).
O excesso de ácido úrico pode ser causado por:
Superprodução: >800 mg de ácido úrico na urina de 24h (10%)
Redução da eliminação: é responsável por mais de 90% dos casos de excesso
Fatores secundários: consumo de álcool, obesidade e uso de diuréticos (principalmente tiazídicos) e HAS (ainda não sabe o porquê, mas sabe-se que já há uma relação direta entre HAS e aumento de ácido úrico)
Epidemiologia
Homem adulto jovem(40-50anos), obeso, hipertenso, doença metabólica, alimentação rica em purina (cerveja), doença poligênica, em uso de tiazídico, etilista.
Latícinios com baixo teor de gordura= proteção. 
Evolução Clínica
HIPERURICEMIA ASSINTOMÁTICA: ainda não é gota
- Indivíduos geneticamente predispostos, iniciam o acúmulo de ácido úrico geralmente após a adolescência, onde começa a vida desregrada (faculdade >> residência >> casamento).
- Esta etapa pode durar vários anos, sem que haja precipitação e cristalização do ácido úrico em locais frios >> artrite gotosa aguda
- Homens: 3-7 mg/dL // Mulheres: 2-6mg/dL.
ARTRITE GOTOSA AGUDA
- Precipitação de cristais de ácido úrico em articulações frias (punhos, pés), gerando uma inflamação local, com neutrófilos fagocitando esses cristais. Como eles estão “comendo pedra” os neutrófilos começam a morrer e liberam produtos inflamatórios de forma exagerada dentro da articulação >> monoartrite súbita
- Monoartrite de Início súbito com duração de 3/10 dias
- Acometimento em ordem decrescente:
A dor pode ser tão forte que um lençol
 colocado sobre a 
articulação ou uma meia podem não ser 
tolerados
.	> Grande artelho (podagra) – no dedão do pé
	> Metatarsos
	> Tornozelos
	> Calcanhares
	> Joelhos
- Diagnóstico de monoartrite:
> Análise do líquido sinovial: importante para excluir artrite séptica. A análise pode ser bastante semelhante, porém se analisar sob a luz polarizada há “forte birrefringência negativa dentro dos leucócitos”, evidenciando presença dos cristais de ácido úrico.
> Dosagem de ácido úrico: durante a crise aguda ele geralmente abaixa por aumento da eliminação renal podendo estar em níveis NORMAIS. Os níveis elevados estarão presentes na gota crônica. Por isso a dosagem no quadro agudo NÃO está indicada, pois não confirma nem exclui o diagnóstico, muito menos muda a terapêutica.
GOTA INTERCRÍTICA
- Representa o período assintomático, após um episódio de monoartrite aguda. Em quase 100% dos casos o paciente terá uma nova crise.
- Os períodos assintomáticos são variáveis (podem ser anos >> meses >> dias), que tendem a reduzir o intervalo assintomático com o passar das novas crises e, ainda, de acometer mais articulações com o passar do tempo >> crises tornam-se mais freqüentes e acometem mais articulações com o tempo.
- Há tendência de desenvolver uma POLIARTRITE CRÔNICA: muitas articulações acometidas com recorrências freqüentes.
GOTA TOFOSA CRÔNICA
- Representa a cronificação da doença
- Acúmulo de cristais acompanhado de tecido granulomatoso não só em articulações, mas também em cartilagens, tendões, partes moles e rim.
- Quanto mais tofos são formados, menor a artrite. Isto ocorre porque o paciente está cronicamente inflamado, perdendo a característica inicial típica da doença.
Nefrolitíase: a partir do estágio 2 (gota propriamente dita) pode haver deposição e acúmulo de ácido úrico em pelve renal gerando litíase renal de ácido úrico. 
Radiografia: Erosões em saca bocado, preservação dos espaços articulares, erosões com margens escleróticas e bordas proeminentes e ausência de Osteopenia justarticular. 
Tratamento
Cortar a crise aguda
- 1ª linha: AINE respeitando contra-indicações, sendo a melhor escolha os de meia vida curta (indometacina, diclofenaco).
- 2ª linha: Colchicina – não é um antiinflamatório, ela inibe microtúbulos e microfilamentos de neutrófilos, impedindo sua movimentação, logo impede a fagocitose. A dose terapêutica é muito próxima da dose tóxica, por isso deixou de ser a droga de primeira linha. Pode ser usado como prova terapêutica no sufoco >> se o paciente melhorar é gota (a artrite séptica não melhoraria)
- Corticóides: IA, VO, EV
- ACTH: Se nenhum acima resolver ou houver contra-indicação, o ACTH pode ser usado, pois aumentará o cortisol (corticóide endógeno) e ainda bloqueia a movimentação de neutrófilo (semelhante à colchicina).
- AAS: NÃO deve ser usada na crise, pois ele pode variar o acido úrico para mais ou para menos.
- Alopurinol: também NÃO deve ser iniciado na crise aguda. Se o paciente já for usuário, não deve mexer na dosagem, pois a redução do ácido úrico também pode piorar a crise. Isto ocorre porque a redução do ácido úrico faz com que ocorra a diluição de mais ácido úrico do precipitado e os cristais de ácido úrico que estavam no interior do precipitado (até então sem contato com a articulação) são liberados ali dentro e pioram a o quadro inflamatório (semelhante ao copo de leite com toddy com bolinhas sobrenadantes, que quando espremidas no canto do copo, deixam Toddy seco sobrenadante à mostra).
Fase aguda: NÃO deve usar nenhuma droga que altere o ácido úrico para mais nem para menos, pois isso pode piorar os sintomas. AAS e Alopurinol não estão indicados nesta fase.
Prevenir as recidivas da artrite gotosa aguda
- Colchicina 0,5mg 12/12h: Não podemos reduzir drasticamente o ácido úrico de qualquer forma com o Alopurinol, pois, como visto anteriormente, a redução pode acarretar novas crises. Esta colchicina protege a articulação desse efeito. O tempo de profilaxia varia de acordo com o serviço médico.
- Avaliar fatores secundários: Álcool, obesidade, dieta, suspender tiazídico (iniciar Losartan e/ou Anlodipina que auxiliam na excreção do ácido úrico). A dieta isoladamente NÃO abaixa muito o ácido úrico, o que abaixa mesmo é o medicamento.
Colchicina: é a única droga para gota que é usada tanto na crise aguda quanto na profilaxia pós crise.
Reduzir a hiperuricemia
- Redução da síntese: Alopurinol, usar após uso de Colchicina por um tempo. O tratamento com ambos (Colchicina e Alopurinol) deve ser feito por seis meses APÓS normalização dos níveis de ácido úrico. Após esta fase pode-se suspender a Colchicina e usar somente o Alopurinol
- Aumento da eliminação (uricusúricos): Probenecida – usadapara paciente com < 60 anos, que excretam <600mg na urina, sem evidência de nefrolitíase (paciente que não apresenta nenhuma patologia renal a não ser redução de eliminação de ácido úrico na urina).
Por que em nefrolitíase não podemos fazer uricosúricos? Pois o ácido úrico precipita em ambientes frios ou ácidos, e como a urina é ácida por natureza, um aumento da excreção desse composto pode precipitar mais sais ainda e piorar a nefrolitíase.
Tratamento da Hiperuricemia assintomática – Critérios:
- Excreção de ácido úrico superior a 1100 mg/24h >> chance muito grande de desenvolver nefrolitíase.
- Uricemia > 10 em mulheres e > 13 em homens
- Prevenção de síndrome da lise tumoral: a morte de muitas células promove aumento ABSURDO do ácido úrico, sobretudo se a neoplasia for hematológica (mata muito fácil as células). O aumento agudo do ácido úrico fará com ele se deposite em articulações e, pior, nos rins, gerando uma IRA aguda. Deve-se associar hidratação, alopurinol e alcalinização urinária (bicarbonato, citrato de potássio).

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