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ARTRITE GOTOSA OBJETIVOS: 1. Compreender a Artrite gotosa. 1. COMPREENDER A ARTRITE GOTOSA: → Sinônimo: Gota. → DEFINIÇÃO: ○ A gota é um tipo de artrite inflamatória que se enquadra no grupo das artropatias de depósito. ○ Essa doença possui origem metabólica e é decorrente do acúmulo articular de cristais de urato monossódico mono-hidratado (UMS), o qual, em concentrações muito elevadas nas articulações, se cristaliza. ○ O curso natural da doença progride de uma monoartrite ou oligoartrite intermitente para uma poliartrite crônica, erosiva e debilitante, envolvendo todas as articulações periféricas do corpo. ○ Essa patologia não se restringe apenas às articulações, mas também pode haver formação de tofos gotosos, decorrente do acúmulo de de cristais de urato e infiltrado inflamatório nos tecidos subcutâneos (normalmente próximos às articulações primariamente acometidas) e o acometimento dos rins (nefropatia do urato e cálculos renais). → EPIDEMIOLOGIA: ○ Maior incidência no sexo masculino (7:1). ○ A faixa etária média de acometimento é acima dos 40 anos (30-60 anos). ○ Essa patologia também é comum em mulheres idosas. ○ Sua prevalência tem aumentado mundialmente nos últimos anos (↑ expectativa de vida, uso ↑ de medicamentos e incidência de algumas doenças). • Cerca de 1-5% da população. → FATOR DE RISCO: ○ Sexo masculino. ○ Histórico familiar. ○ Uso de alguns medicamentos hiperuricêmicos (p. ex., hidroclorotiazida, ciclosporina, tacrolimo, IECA, pirazinamida, ritonavir). ○ Dieta (p. ex., carne vermelha, frutos do mar, cerveja e destilados). ○ Idade elevada. ○ Menopausa. ○ Doença crônica do rim. ○ IMC elevado. Guilherme Rios - Módulo I - p7 ○ HAS. ○ Hiperlipidemia e/ou hipertrigliceridemia. ○ Consumo aumentado de café e vitamina C. → FATOR PROTETOR: ○ Sexo feminino. • O estrogênio tem efeito uricosúrico, o que leva as mulheres a terem menor chance de desenvolver a gota. → FISIOPATOLOGIA e ETIOLOGIA: ○ ASPECTOS GERAIS: • O urato é produto final da degradação oxidativa do metabolismo da purina. • As purinas (guanina e adenina) são bases nitrogenadas que compõem os nucleotídeos (grupo fosfato + base nitrogenada + pentose). • Os nucleotídeos consistem nas subunidades formadoras do DNA e RNA. • As purinas possuem funções essenciais para todas as células vivas e quando metabolizadas, esses componentes geram ácido úrico como um dos metabólitos. FUNÇÕES FISIOLÓGICAS DAS PURINAS → Antioxidação (urato). → Blocos de construção de nucleotídeos para os ácidos nucleicos (DNA e RNA). → Componentes de nucleotídeo de coenzimas (p. ex., coenzima A, flavina adenina dinucleotídeo [FAD], dinucleotídeo nicotinamida adenina [NAD]). → Doadores de fosfato de alta energia nas reações enzimáticas (p. ex., ATP). → Reguladores metabólicos (p. ex., monofosfato de adenosina cíclica [AMP] e monofosfato de guanosina cíclica [GMP]). → Neurotransmissores. → Mensageiros extracelulares (p. ex., adenosina, ATP) e intracelulares (p. ex., receptores acoplados à proteína G). → Adjuvantes imunológico, ou seja, mandam “sinal de perigo” endógeno de imunidade inata. → Manutenção do volume extracelular, tônus vascular (urato) - hipotético. ○ METABOLISMO DAS PURINAS: • A gota é resultante da inflamação que ocorre em resposta ao acúmulo de cristais de urato nas articulações. • Tal acúmulo advém de um ou mais desarranjos na fisiologia do urato. • A degradação dos nucleotídeos e nucleosídeos (formados na degradação dos ácidos Guilherme Rios - Módulo I - p7 nucleicos) de purina resulta na formação dos precursores chaves de urato: HIPOXANTINA e GUANINA. • Esses componentes são metabolizados em XANTINA e esta, por fim, se transforma no URATO. OBS: O urato é o produto final do metabolismo das purinas devido ao silenciamento, nos humanos e primatas superiores, do gene da uricase (urato oxidase). ○ FISIOLOGIA DO URATO: • O urato está presente nos sistemas biológicos na forma de ânion do urato e ácido úrico, na proporção de 50:1, respectivamente. • Devido à elevada concentração de sódio no líquido extracelular, o urato funciona, principalmente, como urato monossódico (MSU) ou monourato de sódio. ♦ Como consequência, a alta solubilidade do íon urato (120 mg/dL, 7 nM) é substituída pela solubilidade muito mais baixa do MSU (6,8 mg/dL ou 400nM). OBS: Quanto mais ácido é o meio fisiológico, mais vai predominar o ácido úrico não ionizado. Isso explica, por exemplo, o porquê da formação de cristais de ácido úrico no trato urinário (pH 5), em detrimento dos cristais de urato monossódico (MSU) encontrados nas articulações, nos tofos e demais tecidos dos pacientes gotosos (pH 7,4). • Em condições de temperatura corporal normal e pH fisiológico (7,4), o urato é considerado supersaturado em concentrações ≥ 6,8 mg/dL (HIPERURICEMIA). ♦ Quando persistente, essa hiperuricemia indica saturação de líquido extracelular com urato. ♦ A hiperuricemia é uma condição essencial para a ocorrência da gota. OBS: Valores crescentes de hiperuricemia conferem risco crescente (mas não linearmente relacionado) de deposição de cristal de urato e desenvolvimento da artrite gotosa. OBS: A redução no pH ou na temperatura irá diminuir o limiar de solubilidade ainda mais. IMPORTANTE! ○ Embora a hiperuricemia seja condição fundamental para o desenvolvimento da gota, cerca de 20% dos indivíduos hiperuricêmicos não desenvolvem a doença. ○ EXCREÇÃO DO URATO: • A quantidade de urato, em geral, deriva da produção endógena. • Ele é gerado, principalmente, pelo fígado, mas também pelo intestino delgado. • Como o urato circula relativamente livre do ligante de proteína sérica (4%), todo urato circulante é filtrado pelos glomérulos renais. Guilherme Rios - Módulo I - p7 ○ HIPERURICEMIA: • Ocorre quando a produção do urato não é equilibrada com a excreção renal. MUITO IMPORTANTE!!! • A SUBEXCREÇÃO RENAL corresponde a 90% da causa desse desequilíbrio nos pacientes gotosos. • A SUPERPRODUÇÃO DE PURINA associada ou não a uma SUBEXCREÇÃO RENAL corresponde, por sua vez, a 10% dos casos de gota. ○ CAUSAS NÃO GENÉTICAS DE HIPERURICEMIA: ○ CAUSAS GENÉTICAS DE HIPERURICEMIA: Guilherme Rios - Módulo I - p7 ○ SUBEXCREÇÃO RENAL DE URATO (90%): • Em condições normais, todo ácido úrico é filtrado pelos rins (por ser pequeno e não ligado a proteínas), entretanto cerca de 90% dele é reabsorvido. • Os transportadores renais responsáveis pela reabsorção do ácido úrico são chamados, em conjunto, de transportassomo e estão localizados no túbulo contorcido proximal. ♦ O principal deles é o URAT1. • Alguns fármacos (p. ex., losartana, AAS, probenecida), quando estão no lúmen tubular, podem deslocar o ácido úrico do transportador, sendo considerados uricosúricos. • A maior parte dos polimorfismos genéticos associados à gota codificam os vários Guilherme Rios - Módulo I - p7 componentes do trasportassomo de ácido úrico. • Como resultado, os pacientes gotosos excretam apenas 70% da quantidade de ácido úrico quando comparados a indivíduos saudáveis. OBS: A hipoexcreção do urato independe do funcionamento renal, ou seja, o paciente pode estar com hipoexcreção de urato, entretanto, com os marcadores de função renal (uréia e creatinina) normais. ○ SUPERPRODUÇÃO DO URATO (10%): • Caracterizada por uma coleta de urina de 24h mostrando mais de 1000 mg de ácido úrico durante o consumo de uma dieta ocidetal-padrão. • Na maior parte desses casos, a superprodução de ácido úrico decorre da reciclagem celular acelerada (p. ex., psoríase, estados hemolíticos crônicos, doenças linfoproliferativa e mieloproliferativas, policitemia vera e glicogenoses musculares). • Outras causas associadas ao aumento da destruição de nucleotídeos purínicos são: ♦ Abuso de álcool. ♦ Consumo excessivo de proteínas, frutose e purinas. • Alguns erros inatos do metabolismo também geram o aumento da produção de purina (p. ex., síndrome de Lesch-Nyhan e síndrome de Kelley-Seegmiller). • A hiperprodução também pode ser idiopática em alguns pacientes. • Estresse oxidativo (p.ex., trauma, infecção, cirurgia). ○ PATOGÊNESE DOS CRISTAIS DE URATO MONOSSÓDICO MONO-HIDRATADO E INFLAMAÇÃO: • Para a formação dos cristais de UMS (causadores da dor e destruição na gota) além da hiperuricemia, parece ser necessário um “fator de nucleação” - que ainda é pouco definido na gota - e outros fatores locais que promovem ou inibem o crescimento progressivo do cristal. • Antes do desenvolvimento da gota, propriamente dita, já se inicia o acúmulo dos cristais nas articulações e tecidos moles. • Esses cristais se acumulam em estruturas chamadas “microtofos” na superfície da cartilagem e no revestimento sinovial, as quais crescem lentamente, ♦ Normalmente, os microtofos são estáveis quando o ambiente ao redor não muda de forma drástica em relação à quantidade de urato, temperatura e/ou pH. • Normalmente, os primeiros surtos estão relacionados a alterações no ambiente articular que levam à quebra dessas estruturas cristalinas e subsequente liberação de cristais no espaço articular. • Esses cristais ativam receptores de macrófagos sinoviais e são depois fagocitados por monócitos e macrófagos, levando à interação com o inflamassomo NALP3. Guilherme Rios - Módulo I - p7 ♦ Isso resulta na rápida produção de IL-1, a qual é a principal responsável pelo processo inflamatório mais grave da gota aguda. • Dentre os mecanismos que tentam explicar o motivo da crise de gota ser autolimitada estão: ♦ A fagocitose e parcial digestão dos cristais geram uma alteração física dos cristais. ♦ A maturação dos monócitos residentes na articulação inflamada. • Uma inflamação de baixo grau na articulação inflamada ainda persiste na articulação assintomática. ♦ Esse processo inflamatório progressivo e persistente, caso não seja tratado, possivelmente, resultará na formação de erosões ósseas, destruição cartilaginosa e hipertrofia sinovial. → QUADRO CLÍNICO: ○ A gota é com frequência manifestada por articulação ou pé agudamente doloroso e intumescido. Isso, entretanto, é apenas um estágio único na progressão da doença de deposição de urato nos tecidos moles e articulações. ○ A gota típica evolui de um período inicial geralmente prolongado de acúmulo assintomático de cristais de UMS nas articulações e em torno delas para uma fase de episódios agudamente dolorosos, mas autolimitados de monoartrite ou oligoartrite e daí para uma fase final de poliartrite cronicamente dolorosa, deformante e debilitante associada à presença visível de depósitos de cristal de UMS em tecido mole, conhecidos como tofos. ○ A duração de cada estágio da gota varia de uma pessoa para outra dependendo de vários fatores endógenos e exógenos. Desses fatores, o mais importante é o grau de hiperuricemia. RESUMO DA HISTÓRIA NATURAL: ○ A gota ocorre, subitamente, com o primeiro episódio de monoartrite/podagra → O quadro é resolvido e o paciente passa por um período de meses a anos completamente assintomático (período intercrítico) → Apesar de não estar sintomático, na articulação está havendo um processo inflamatório crônico de baixo grau que leva à formação de tofos, doença renal e etc. ○ HIPERURICEMIA ASSINTOMÁTICA: • Embora esse estágio inicial da artrite gotosa – hiperuricemia assintomática – permaneça, em boa parte dos casos, sem reconhecimento clínico, ele é um período importante na alteração da anatomia estrutural e na promoção do desenvolvimento de condições clínicas comórbidas associadas à gota. Guilherme Rios - Módulo I - p7 • O período de hiperuricemia assintomática, normalmente, dura várias décadas, mas pode ser consideravelmente mais curto em pacientes com intenso aumento na quantidade de urato sérico. ♦ Isso é especialmente verdadeiro em pacientes com determinados erros inatos do metabolismo e naqueles que fazem uso de ciclosporina, nos quais o período de hiperuricemia que precede a gota clínica pode ser tão curto quanto vários anos. ○ GOTA INTERMITENTE AGUDA: • O ataque inicial de gota aguda, geralmente, ocorre em homens entre os 40-60 anos de idade. Em mulheres, normalmente, esse início coincide com a menopausa. • Normalmente, antes do ataque gotoso típico, o paciente pode notar o aparecimento de sinais flogísticos na articulação (p. ex, calor local, tumefação, eritema e dor aguda). ♦ Esses sintomas podem aparecer a qualquer momento do dia, mas existe uma incidência ligeiramente mais alta de início nas horas de sono. • O paciente pode ter quadro de febre associada. • A dor evolui de pontada fraca a seu nível mais intenso em um período de 3 a 14 horas. ♦ Normalmente, a dor é tão intensa que os pacientes não podem resistir ao mais leve dos toques ou ao lençol do leito tocando na articulação acometida. ♦ Devido à intensa dor nos MMII, muitos pacientes evitam deambular ou mesmo não andam. • Os ataques iniciais são, em geral, monoarticulares, e, em cerca de 50% dos casos, a artrite envolve a 1ª articulação metatarsofalangeana (PODAGRA) inicialmente, entretanto, com o curso da doença, essa articulação é acometida em 90% dos indivíduos com gota. • Outras articulações que são bastante acometidas na fase inicial da gota intermitente aguda são o tarso, tornozelo, calcanhar e joelhos. OBS: O que justifica esse aparecimento inicial da gota nas articulações dos MMII é a temperatura mais baixa nessas regiões, a qual gera maior cristalização e precipitação dos cristais. • Após os primeiros 5-8 episódios de gota aguda, outras articulações (p. ex., quirodáctilos, punhos e cotovelos) também podem ser acometidas. COMPONENTES-CHAVE DE CRISE DE GOTA ○ Sensibilidade acentuada e inchaço da articulação afetada (muitos sinais flogísticos). ○ Início agudo, com dor máxima em 3 a 14 horas. ○ Padrão recorrente de ataques semelhantes. ○ Prejuízo acentuado da função física. Guilherme Rios - Módulo I - p7 ○ Resolução de sintomas dentro de 3 a 14 dias. • Os fatores capazes de provocar uma crise aguda incluem qualquer coisa que possa alterar o microambiente estável usual que circunda os microtofos no espaço da articulação. • A desestabilização dos microtofos provoca derramamento de cristais para o espaço articular e início do ataque agudo. • Dentre esses fatores estão: ♦ O ↓ do pH do líquido sinovial circundante e ↑ da [ ] de urato (principais). ♦ O trauma da articulação (com ou sem sangramento intra-articular) ou acidose sistêmica associada à cirurgia são capazes de mudar o pH intra-articular. ♦ Qualquer condição ou medicamento que ↑ ou ↓ dramaticamente os valores de urato no líquido sinovial também irá desestabilizar os microtofos, resultando em “crises da mobilização”. ♦ Os fatores que ↓ rapidamente os [ ] séricas de urato (p. ex., alopurinol) também pode levar à mobilização de cristais, resultando em gota. ♦ As dietas com ↑ quantidade de carne, crustáceos (em especial marisco) e álcool (em especial, cerveja) ↑ [ ] de urato, resultando em derramamento de cristal. OBS: Os fatores que causam redução súbita da [ ] de urato sérico têm mais probabilidade de deflagrar ataques que aqueles que elevam os valores de urato. • Um dos marcos da crise aguda de gota é sua natureza AUTOLIMITADA. ♦ Uma coleta detalhada da história da doença, evidenciando um ataque artrítico agudo seguido de um período intercrítico completamente assintomático antes de um outro ataque semelhante é importante para direcionar o diagnóstico clínico de gota. • DURAÇÃO ESTIMADA DAS FASES: ♦ Ataques iniciais: Entre 3 e 14 dias. ♦ Período intercrítico: Meses a anos (duração média de 11 meses). • Caso não seja tratado, ocorre aumento da frequência (ou seja, redução progressiva do período intercrítico) da intensidade e da duração dos ataques agudos, os quais, em geral, são oligoarticulares ou poliarticulares. • Mesmo quando a crise aguda gotosa se curou completamente, os cristais de UMS permanecem no líquido sinovial, e a inflamação de grau baixo persiste no interior da articulação, como evidenciado por contagens de leucócitos na variação de 1.000 a 2.000/mm3. • Assim, o estágio inteiro da gota intermitente aguda é de uma INFLAMAÇÃO DE BAIXOGRAU PERSISTENTE COM PERÍODOS RELATIVAMENTE CURTOS DE INFLAMAÇÃO GRAVE AGUDA. Guilherme Rios - Módulo I - p7 • Em geral, esse estágio persiste por 10 anos ou mais antes da progressão para o estágio cronicamente sintomático da gota avançada. ♦ Entretanto, dependendo da causa e do grau de hiperuricemia, o estágio intermitente agudo pode durar de 3 a 4 anos ou por um período superior a 20 anos. ○ ARTRITE GOTOSA AVANÇADA: • A transição da gota intermitente aguda para gota avançada ocorre quando o período intercrítico entre os rubores apresenta dor constante. • Nesse estágio, geralmente, o paciente apresenta o tofo subcutâneo característico, mas nem sempre este encontra-se presente. • Na gota avançada, as articulações envolvidas são PERSISTENTEMENTE desconfortáveis e intumescidas, ainda que a intensidade desses sintomas seja muito menor que durante as crises agudas. • As crises podem continuar acontecendo associadas a esse estado doloroso basal e, sem terapia, o período intercrítico tende a ser cada vez menor e a intensidade da dor, maior. • Na gota avançada, os macrotofos/tofos clinicamente evidentes podem ou não ser detectados no exame físico, entretanto, os tofos ósseos ou periarticulares quase sempre são detectados através da USG ou RM. • O envolvimento poliarticular se torna muito mais frequente nesse estágio da doença. Com envolvimento DIFUSO e SIMÉTRICO das articulações pequenas nas mãos e pés. ♦ A gota avançada pode, às vezes, ser confundida com a AR, devido à: poliartrite simétrica, erosões e destruição óssea e articular, as quais cursam com perda funcional. TOFO SUBCUTÂNEO • Consiste em uma coleção bem organizada de cristais de UMS e é patognomônico de gota, tal qual a artrite destrutiva da gota avançada. • Essas estruturas podem ocasionar dor e disfunção por si só. • Podem ser encontrados em qualquer parte do corpo, principalmente nos dedos, punhos, orelhas, joelhos, bursa olecraniana (cotovelo) e pontos de pressão (p. ex., face ulnar do antebraço e tendão de Aquiles). • Os tofos, menos comumente, podem se manifestar nos tecidos conjuntivos em outros locais (p. ex., pirâmides renais, valvas cardíacas e esclera). OBS: Nódulos de aparência semelhante são clinicamente observados em outros distúrbios reumáticos (p. ex., AR e retículo-histiocitose multicêntrica), podendo resultar em confusão Guilherme Rios - Módulo I - p7 diagnóstica. Nos pacientes com OA nodal coexistente, os tofos tem propensão a se formar nos nódulos de Heberden (IFD). ○ APRESENTAÇÕES ATÍPICAS DA GOTA: • INÍCIO PRECOCE: ♦ Cerca de 5% dos pacientes com gota exibem a instalação de sintomas com idade <25 anos. Normalmente, esses casos apresentam um componente genético e tem propensão a ter um curso clínico mais acelerado, necessitando de tratamento anti-hiperuricêmico mais agressivo. • REALIZAÇÃO DE TRANSPLANTES: ♦ Cerca de 15% dos transplantados cardíacos que estão utilizando a ciclosporina para prevenir a rejeição do aloenxerto irão desenvolver gota. Menos frequentemente, os pacientes com transplante renal ou hepático também desenvolverão a doença. ♦ A gota induzida por ciclosporina ocasiona acentuada diminuição dos quadros assintomáticos e agudos, com o aparecimento rápido dos tofos em 1 a 4 anos. • ACOMETIMENTO FEMININO: ♦ Nas maiores revisões, as mulheres representam <5% de todos os indivíduos com gota. Porém, esses dados estão se alterando, com a gota se tornando mais comum em mulheres mais velhas, especialmente nas menopausadas. ♦ As mulheres que têm gota na pré-menopausa, geralmente, têm IR e HAS, além de fazerem o uso de diuréticos tiazídicos ou então apresentam um componente genético forte. ♦ Normalmente, a gota nas mulheres mais velhas acomete as articulações previamente lesadas pela OA (p. ex., joelhos, IFD). • EXPOSIÇÃO CRÔNICA AO CHUMBO: ♦ A GOTA SATURNINA é o termo usado para descrever gota causada por exposição crônica ao chumbo (forma incomum). ♦ Dentre os fatores desencadeantes incluem-se: Exposição ocupacional e exposição ambiental a tintas à base de chumbo. → DIAGNÓSTICO: ○ O PADRÃO-OURO no diagnóstico de artrite gotosa é a observação de cristais de UMS na microscopia óptica de luz polarizada compensada, em que esses cristais apresentam birrefringência negativa (apenas 10% dos pacientes são diagnosticados com essa técnica). • Preferencialmente, a amostra deve ser coletada tanto de articulações afetadas recentemente, quanto de articulações anteriormente afetadas. Guilherme Rios - Módulo I - p7 ○ Deve-se buscar história sugestiva, como o início mono ou oligoarticular, manifestações anteriores, entre outras. ○ Pode-se, no início, realizar um raio-x para a avaliação dos possíveis acometimentos. IMPORTANTE! ○ Quando o paciente manifesta uma apresentação clínica típica e na ausência de microscopia disponível, o diagnóstico clínico é razoavelmente preciso e aceitável, entretanto, não se enquadra como definitivo. ○ Após a comprovação da presença de cristais de UMS no ambiente articular, é preciso quantificar essa deposição, bem como avaliar sua extensão e o dano estrutural produzido. ○ Além da anamnese e do exame físico, recursos de imagem (p. ex., RX, USG e TC de dupla emissão), podem ser úteis para avaliar a fase crônica da doença e os danos acarretados. OBS: Os pacientes com hiperuricemia devem ser avaliados na busca por doenças associadas e acometimento de órgãos. OBS: Algumas vezes, durante a crise, o paciente não apresenta uma hiperuricemia. Nesse sentido, paciente com dosagem de ácido úrico normal, durante a crise, não se descarta a artrite gotosa. OBS: Pode ser realizada uma cultura do líquido sinovial, a fim de diferenciar da artrite piogênica. → DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL: ○ AR, espondiloartropatias, artrite séptica, OA, febre reumática, chikungunya, pseudogota, entre outros. → TRATAMENTO: ○ O tratamento da artrite gotosa, basicamente, divide-se em duas etapas: 1. Manejo da crise aguda: Visa, principalmente, aliviar a dor, diminuir a inflamação e a incapacitação articular. Para isso, são utilizados agentes anti-inflamatórios. 2. Terapia de longo prazo: Visa ↓ as [ ] de ácido úrico circulante (AUC), e, dessa forma, prevenir novas crises. Guilherme Rios - Módulo I - p7 ○ MANEJO DAS CRISES AGUDAS: • O tratamento da crise de gota (aguda) deve ser iniciado o quanto antes. • MONOTERAPIA: ♦ Indicada para crises de baixa ou moderada intensidade (≤ 6 [0-10]) que envolvam 1 a 3 articulações pequenas ou 1 a 2 grandes articulações (p. ex., tornozelo, joelho, punho, cotovelo, quadril e ombro). ♦ Podem ser utilizados: AINES, colchicina ou corticosteróides. • TERAPIA COMBINADA: ♦ Recomendada quando a dor é intensa (>6 [0-10]), especialmente, quando o envolvimento é poliarticular (≥ 4 pequenas articulações), quando há envolvimento de mais >2 ou duas grandes articulações ou quando não há melhora em monoterapia. ♦ São recomendadas as seguintes combinações: Colchicina + AINE, corticosteroides orais + colchicina ou corticoides intra-articulares + qualquer uma das outras classes. OBS: O uso de corticoides sistêmicos e AINE não é recomendado pelo sinergismo da toxicidade gastrointestinal. • Após o diagnóstico de uma crise aguda de gota, são recomendadas: Medidas gerais analgésicas de repouso do membro e aplicação de gelo local (com proteção da pele durante 20 minutos, três vezes por dia). Nenhuma destas medidas substitui o tratamento farmacológico analgésico e carecem de maior evidência para provar a sua eficácia. OBS: O tratamento hipouricemiante NÃO deve ser iniciado durante a crise aguda. No entanto, se o paciente estiver em uso desta classe de medicamento, deve continuá-lo sem interrupção. 1. AINES: • Os AINEs constituem a terapia mais usada no tratamento precoce da artrite gotosa aguda e, devido à intensidade das crises, podem ser administrados em suas dosagens máximas. • MECANISMO DE AÇÃO: Os AINEs têm sua função anti-inflamatória por meio da inibição das enzimas COX, que catalisam a transformação de ácido aracdônico derivado de fosfolipídios de membranaem prostaglandinas. • FÁRMACOS RECOMENDADOS: É tradicional o emprego de indometacina. Entretanto, há evidências de que qualquer AINE tem efeito semelhante na redução da atividade inflamatória aguda na gota. • OBSERVAÇÕES: Como os pacientes com gota geralmente têm comorbidades e as doses de anti-inflamatórios prescritas são altas, os IBPs podem ser usados a fim de prevenir danos gastrointestinais (p. ex., ulceração, sangramentos e perfuração). Deve ser dada Guilherme Rios - Módulo I - p7 especial atenção à função renal e hepática desses pacientes e, em caso de uso de AINE de segunda geração, atentar-se aos RCVs do paciente. 2. COLCHICINA: • A colchicina, um alcalóide derivado de extratos do açafrão-do-prado, também é recomendada no tratamento de primeira linha. • MECANISMO DE AÇÃO: Dentre os diversos efeitos já relatados dessa substância, a inibição da divisão celular é o mais conhecido. No contexto da gota, essa função interfere diretamente na atividade dos neutrófilos, além de inibir a formação do inflamassomo NLRP3, induzida por cristais de ácido úrico e que resulta na inflamação. • DOSAGENS RECOMENDADAS: (pelos órgãos competentes) ♦ EULAR: Dose máxima de 0,5 mg, três vezes ao dia. ♦ ACR: Dose de 1,2 g, seguida de outra administração de 0,6 mg uma hora depois, duas vezes ao dia. → As diretrizes da ACR complementam que o tratamento com colchicina obtém melhores resultados se iniciado em até 24 horas do início dos sintomas, não deve exceder 36 horas e permanece até que a crise seja suprimida. • OBSERVAÇÃO: A administração EV de colchicina é extremamente tóxica e não é recomendada. 3. CORTICOESTEROIDES SISTÊMICOS: • Os anti-inflamatórios esteroides têm diversos efeitos conhecidos na supressão da resposta inflamatória, além de regular positivamente genes para fatores anti-inflamatórios. • VIAS DE ADMINISTRAÇÃO: Pode ser oral, endovenosa, intramuscular ou intra-articular. ♦ A injeção de corticoide intra-articular após aspiração da articulação é considerada o tratamento ideal para a crise aguda de gota, pois a aspiração reduz rapidamente a dor (uma vez que diminui a pressão intra-articular causada pelo processo inflamatório) e o corticoide, com mínima absorção sistêmica, produz maiores efeitos locais. ♦ O uso oral é indicado quando há falha no tratamento com colchicina e/ou AINEs ou quando esses não são indicados. → Não há evidência de uma dose considerada ideal para esse tratamento. ♦ A administração intramuscular de CS é uma opção, entretanto é limitada ao uso intra-hospitalar e também não há consenso quanto à dose a ser usada. Guilherme Rios - Módulo I - p7 4. OUTRAS TERAPIAS: • CORTICOTROPINA (ACTH): Hormônio secretado pela hipófise e tem influência direta na secreção de CS pelas adrenais. O ACTH representou, durante algum tempo, uma terapia opcional na artrite gotosa aguda, sendo administrado em injeções intramusculares. ♦ O mecanismo de ação desse hormônio na gota não é bem estabelecido. • INIBIDORES DA IL-1 (anaquinra, canaquinumabe e rilonacept - biológicos): A IL-1 é uma citocina inflamatória envolvida na inflamação gotosa e a indicação de medicamentos inibidores de sua atividade ocorre apenas quando todos os agentes anteriores foram descartados por falha ou impossibilidade no tratamento. ♦ Tratamento de alto custo e as drogas não são licenciadas na maioria dos países. • COMPRESSAS DE GELO: Podem ser aplicadas no local inflamado. ○ TRATAMENTO DE LONGO PRAZO: • Na terapia de longo prazo para gota, existem duas metas a serem atingidas: 1. Reduzir os níveis circulantes de urato para baixo do ponto de saturação, manter o AUC < 6,0 mg/dL. 2. Prevenir a formação de novos cristais de USM. • O método mais efetivo para atingir esse objetivo é a TERAPIA DE REDUÇÃO DE URATO (ULT) e diversas classes de drogas podem ser usadas na prática clínica atual. OBS: As MEV são tão importantes na ULT (ou até mais importantes) que o tratamento farmacológico na gota. • O PRIMEIRO PASSO após a resolução de um episódio de artrite gotosa aguda é explicar ao paciente a natureza da crise e conscientizá-lo acerca da possível etiologia e das modificações em seu estilo de vida que podem impedir que novas crises aconteçam. • Assim, esses pacientes devem ser informados sobre todos os fatores de risco NÃO MODIFICÁVEIS que podem acelerar crises de gota (p. ex., idade, etnia e gênero). • Quanto aos fatores de risco MODIFICÁVEIS (p. ex., hiperuricemia, obesidade, hipertensão, dislipidemia, doença isquêmica cardiovascular, DM, doença renal crônica, fatores dietéticos e modificações abruptas nos níveis de urato) é imprescindível a orientação sobre medidas de controle. • Dentre as MEDIDAS DE CONTROLE, destacam-se: ♦ Redução da massa corporal; redução do consumo de cerveja e destilados; redução do consumo de alimentos ricos em purinas, como carne vermelha e frutos do mar, e redução do consumo de bebidas e alimentos ricos em frutose, como maçã e laranja. Guilherme Rios - Módulo I - p7 • Faz parte do tratamento, a avaliação dos medicamentos em uso pelo paciente. ♦ Por exemplo, o uso de fármacos como os diuréticos (tanto tiazídicos como, principalmente, os de alça), aumentam o risco de incidência de gota até em pacientes com a doença estabilizada. • O momento exato de iniciar uma ULT não é bem estabelecido, entretanto, é consensual iniciá-la quando a gota está bem estabelecida e relativamente grave, ou seja: ♦ Crises recorrentes (2 ou mais por ano). ♦ Uma crise em paciente com doença renal crônica de estágio 2 ou superior. ♦ Presença de 1 ou mais tofos ao exame clínico ou de imagem. ♦ Dano articular ou nefrolitíase. ♦ Antecedente de litíase urinária. ♦ Jovens (<40 anos) ♦ Hiperuricemia elevada (>8 mg/dL). ♦ Comorbidades: Doença coronária ou IC. OBS: Estudos apontam que, uma vez iniciada, a ULT NÃO deve ser descontinuada, devido ao risco de recorrência da artrite aguda. 1. INIBIDORES DA XANTINA OXIDASE: • São drogas que diminuem a concentração de uratos por meio da inibição de sua síntese. • MECANISMO DE AÇÃO: A enzima xantina oxidase (XO) catalisa as duas últimas etapas no metabolismo das purinas em humanos (hipoxantina → xantina e xantina → urato). O uso dos inibidores impedem a ação da enzima e a consequente formação do urato. • FÁRMACOS CAPAZES DE INIBIR O EFEITO: O alopurinol e o febuxostate. - ALOPURINOL (uricostático): • Funcionam tanto com os hiposecretoras, quanto pelos hiperprodutores. • Alopurinol é uma droga considerada de primeira linha na redução de uratos (uma vez que é efetivo em até 90% dos pacientes), de uso bem estabelecido, administrado apenas uma vez ao dia, de baixo custo e relativamente seguro. Por esse motivo, é o medicamento mais prescrito na ULT. • DOSE: O ajuste de dose do alopurinol deve ser individualizado, inicia-se com 100mg e aumenta-se nessa mesma quantidade mensalmente até que os níveis de urato estejam sob controle (A uricemia alvo ≤ 6,0mg/dL ou, idealmente, 5,0mg/dL), em um máximo de 900 mg. ♦ A dose diária mais bem estabelecida é de 300 mg, contudo nessa dosagem cerca de metade dos pacientes não atingem controle da enfermidade. Guilherme Rios - Módulo I - p7 • EFEITOS COLATERAIS: Aparecem em até 20% dos pacientes, intolerância gastrointestinal, náusea e erupções cutâneas são as mais comuns. ♦ Em 1984 foi descrita a síndrome de hipersensibilidade ao alopurinol (hoje conhecida como DRESS – drug reaction or rash with eosinophilia and systemic symptoms), que envolve febre, erupção cutânea, eosinofilia, hepatite, insuficiência renal progressiva e morte devido a vasculite de múltiplos órgãos. ♦ Síndrome de Steven-Johnson e necrólise epidérmica tóxica podem associar-se ao quadro ou ocorrer de forma isolada (conhecida como SCAR – severe cutaneous adverse reactions). ♦ Essas reações ocorrem com maior frequência em pacientes com insuficiência renal pré-existente ou em uso de diurético. ♦ Há evidências, também, do maior risco para reações de hipersensibilidade naqueles que iniciaram a terapia recentemente. - FEBUXOSTATE (uricostático):• Febuxostate é um inibidor da XO derivado de ácido tiazolocarboxícilico altamente específico. • Tem metabolismo essencialmente hepático, é pouca a quantidade excretada na urina. ♦ Devido a essa característica, o febuxostate revela-se uma opção promissora aos pacientes com doença renal crônica. • Em comparação com alopurinol, febuxostate não necessita de ajustes de dose e tem menos interações medicamentosas que podem limitar a eficácia ou segurança. • Desde 2012 o febuxostate é recomendado pela ACR como primeira linha na terapia de redução de uratos. OBS: Devido principalmente ao custo, seu uso é mais indicado no caso de falha ou impossibilidade do uso de alopurinol. • EFEITOS COLATERAIS: Alterações nas provas de função hepática e, em alguns casos relatados, a possibilidade de um efeito cardiovascular adverso. ♦ Por isso, não se recomenda o uso de febuxostate em pacientes com insuficiência cardíaca. 4. AGENTES URICOSÚRICOS: • Melhor indicado para os pacientes hipoprodutores. Nos hiperprodutores, facilita a formação de cálculos renais. • Agentes uricosúricos (p. ex., probenecida, benzobromarona e sulfinpirazona) são ácidos orgânicos fracos cujo principal efeito é aumentar a excreção renal de ácido úrico, isso Guilherme Rios - Módulo I - p7 por inibição de transportadores de ânions no túbulo contorcido proximal (p. ex., URAT1), responsáveis pela reabsorção de urato. • Os uricosúricos são agentes de segunda linha no tratamento da gota, tornaram-se de primeira linha apenas nos pacientes que não toleram ou quando não está indicado um inibidor da XO. Além disso, essas drogas aumentam consideravelmente a concentração de ácido úrico nos ductos coletores e predispõe a cálculos (citrato de potássio pode ser utilizado para alcalinizar a urina, reduzindo a formação de lítiase). OBS: Lesinurade, um promissor uricosúrico em estágio final de desenvolvimento clínico para aprovação, caracteriza-se por ser inibidor da transcriptase reversa não nucleosídico inicialmente desenvolvido para tratar o HIV. 5. OUTRAS TERAPIAS: • A pegloticase é uma uricase recombinante de origem porcina, ligada a vários cordões de etilenoglicol para prolongar a atividade e reduzir a imunogenicidade. • Os níveis de AUC diminuem a níveis muito baixos ou indetectáveis poucas horas após a administração endovenosa de 8mg de pegloticase. • Além disso, infusões repetidas promovem a reabsorção de depósitos de cristais de UMS, são eficazes e rápidas na redução de tofos. ♦ Há descrições de pacientes que formam anticorpos contra a pegloticase, o que reduz sua ação e aumenta o risco de reações de hipersensibilidade. Atualmente, a infusão de pegloticase está licenciada nos EUA para casos refratários à terapia oral. • Agentes uricolíticos fazem uma oxidase de urato. Guilherme Rios - Módulo I - p7
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