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1 PAULO SÉRGIO LIMA E SILVA PRINCÍPIOS DE GENÉTICA E EVOLUÇÃO ORGÂNICA MOSSORÓ RIO GRANDE DO NORTE 2014 2 Nenhuma parte deste trabalho poderá ser reproduzida sem prévia autorização escrita do autor. Para informações, dirija-se: Paulo Sérgio Lima e Silva Universidade Federal Rural do Semi-Árido (UFERSA) Departamento de Ciências Vegetais (DCV) Caixa Postal 137 59625-900 – Mossoró-RN Fone: (084) 3317-1758 3 “Um homem não pode fazer o certo em uma área da vida, enquanto está ocupado em fazer o errado em outra. A vida é um todo indivisível”. M. GANDHI Para meu filho Paulo Igor Barbosa e Silva 4 PREFÁCIO Esta apostila se destina aos alunos da disciplina Genética dos cursos da ESAM, onde essa disciplina é ministrada. Ela foi escrita após a constatação de que os vários livros de Genética e Evolução Orgânica existentes, apesar de excelentes em sua maioria, não discutem os assuntos em nível de extensão compatíveis com o conteúdo da disciplina referida. De qualquer forma, os livros sobre o assunto disponíveis foram amplamente consultados, para a elaboração da apostila. Esta segunda edição foi escrita com a intenção deliberada de aperfeiçoá-la no futuro. A experiência tem demonstrado que, em trabalhos desta natureza, é mais vantajoso elaborar-se uma “primeira aproximação” e depois aperfeiçoá-la, do que tentar, de início, fazer-se um trabalho mais elaborado. Apostila está dividida em duas partes. A primeira, contendo os oito primeiros capítulos, é dedicada à Genética e a segunda, com os dois capítulos finais, à Evolução Orgânica. Numa nova edição pretende-se incluir pelo menos dois novos capítulos na primeira parte (um sobre ligação fatorial e outro sobre o modo de ação dos genes) e um outro na segunda parte, tratando de aspectos da origem e evolução de plantas cultivadas. Esses e outros capítulos poderiam já constar nesta apostila, mas a urgência em colocar o que já tinha sido escrito à disposição dos estudantes impediu que novos capítulos fossem incluídos. Merecem agradecimentos o Prof. José Torres Filho, Chefe do Departamento de Ciências Vegetais da UFERSA, por sua assistência, e vários dos meus orientados e estudantes, que contribuíram com sugestões e críticas. Mossoró(RN), maio de 2014. Paulo Sérgio Lima e Silva 5 CONTEÚDO PÁGINAS CAPÍTULOS 1 1 – Natureza, Objetivos e Importância da Genética 16 2 – Identificação do Material Genético 58 3 – Primeiro Princípio Mendeliano: Segregação 74 4 – Segundo Princípio Mendeliano: Transmissão Independente 90 5 – Relações de Dominância e Alelos Múltiplos 115 6 – Genética do Sexo 146 7 – Introdução à Genética Quantitativa 168 8 – Introdução à Genética de Populações 187 9 – As teorias da Evolução de Lamarck e de Darwin 205 10 – A Teoria Moderna da Evolução 6 PARTE I GENÉTICA 7 Capítulo 1 NATUREZA, OBJETIVOS E IMPORTÂNCIA DA GENÉTICA 1. A GENÉTICA COMO RAMO DAS CIÊNCIAS BIOLÓGICAS A História Natural, ciência que estuda os corpos naturais e os fenômenos que neles ocorrem, compreende três grandes divisões: Geologia ou estudo da terra, Mineralogia ou estudo dos minerais, e Biologia ou estudo dos seres vivos. A Biologia, por sua vez, também se divide em três grandes áreas: Zoologia, estudo dos animais, Botânica, estudo dos vegetais, e Biologia Geral, que trata dos fenômenos comuns dos seres vivos. Divide-se a Biologia Geral em ciências que podem ser classificadas em cinco grupos: Ciências Biostáticas – estudam o ser vivo sob o ponto de vista estático. São ciências biostáticas: a Morfologia, que estuda a forma exterior do ser vivo; a Citologia, que procura entender a organização da célula e o papel de cada orgânulo celular; a Histologia, que estuda os tecidos, isto é, grupos de células mais ou menos semelhantes em forma e função; e a Anatomia, estudo da estrutura de órgãos (conjuntos de tecidos relacionados em estrutura, e que coordenadamente desempenham funções no indivíduo) e sistemas (conjuntos de órgãos também relacionados em estrutura, e que efetuam uma função mais ampla no organismo); Ciências Biodinâmicas – representadas pela Fisiologia. Estuda os seres vivos sob o ponto de vista dinâmico ou das suas atividades; trata, pois, do funcionamento do organismo; Ciências Bioquímicas – estudam o ser vivo sob o ponto de vista químico e compreendem a Estequiologia., que trata da composição química e a Biodinamoquímica, que considera as transformações químicas que ocorrem no ser vivo; Ciências Biotáxicas – compreendem a Taxonomia, a Sistemática, a Biogeografia, a Paleontologia e a Ecologia. A Taxonomia estabelece as regras da denominação científica dos seres. A Sistemática agrupa as espécies segundo as suas afinidades recíprocas e as diferenças em sua organização. A Biogeografia trata da distribuição dos seres vivos na superfície da terra e dos fatores que a determinam. A Paleontologia estuda os fósseis, isto é, restos ou vestígios de seres que deixaram de existir e se conservam através de milhões e milhões de anos, nas camadas geológicas. A Ecologia estuda as relações entre os organismos e o meio, assim como as relações dos seres vivos com outros seres vivos da mesma espécie ou de espécies diferentes; Ciências Biogênicas – são a Ontogenia, a Fitogenia e a Genética. A 8 Ontogenia estuda as transformações por que passam o ser vivo, desde a formação do ovo até o seu desenvolvimento definitivo. A Filogenia estuda o desenvolvimento histórico dos seres vivos, segundo as fases de evolução por que passaram. Para se definir Genética, existe a necessidade da apresentação de alguns conceitos básicos. 2. DEFINIÇÃO DE GENÉTICA Denomina-se caráter, em Genética, a qualquer particularidade morfológica, estrutural ou funcional de um organismo. Por exemplo, a forma das folhas, a cor das pétalas, a fixação do dióxido de carbono durante a fotossíntese, o tempo de florescimento etc. são exemplos de caracteres nas plantas. De modo semelhante, a estatura, a cor dos olhos, a transmissão de impulsos elétricos ao longo das fibras nervosas, o desenvolvimento de características sexuais secundárias são exemplos de caracteres dos animais. O número de caracteres encontrados num indivíduo é praticamente incontável, dependendo da maior ou menor minúcia da observação. Em todos os tempos, as pessoas de um modo geral e especialmente os naturalistas se preocuparam com a notória semelhança que existe entre os caracteres dos descendentes e dos ascendentes, tanto entre animais, como entre vegetais. Denomina-se hereditariedade a essa semelhança entre os indivíduos ligados pela descendência, e herança, do ponto de vista biológico, tudo aquilo que é legado pelos antepassados aos descendentes, através dos gametas. A semelhança de caracteres entre os pais e os filhos é tida como conseqüência da transmissão de unidades ou genes de origem paterna e materna aos descendentes, através dos gametas. O termo gene foi criado em 1909 por Johannsen, um pesquisador dinamarquês, que desenvolveu suas pesquisas na Alemanha. A palavra gene na língua alemã é neutra, e Johannsen justificou este fato pela razão dos dois sexos contribuírem eqüitativamente com genes para originar um novo indivíduo. O termo gene origina-se da palavra grega “gênesis”, que significa “origem”. Um gene pode ser definido como um elemento do cromossomo situado num local definido, o locus, condicionando um certo caráter. Os genes herdados, em interação com o ambiente, condicionam os caracteres. Assim, por exemplo, o caráter estatura depende tanto de fatores herdados como de fatores tais como tipo de nutrição e atividade externa. Resultando os caracteres tanto da influência daherança como do ambiente, a hereditariedade não implica que os filhos sejam necessariamente idênticos aos pais. Indivíduos com igual patrimônio hereditário poderão ser diferentes, quando se desenvolvem em meios diversos. Provavelmente não ocorrem 9 dois seres exatamente iguais porque, mesmo que tenham o mesmo conjunto gênico, as condições ambientais em que se desenvolvem como alimento, luz e temperatura variam. Genética foi a palavra proposta por Bateson, em 1906, para designar o ramo da Biologia que estuda a herança e suas relações com o ambiente. Johannsen, em 1911, propôs o termo genótipo para designar a constituição hereditária, ou seja, a soma total dos fatores hereditários que um ser recebe dos pais, através dos gametas, e fenótipo para designar os caracteres de um indivíduo, ou seja, a soma total de suas peculiaridades de forma, tamanho, cor, comportamento externo e interno. Os organismos podem ser facilmente comparados quanto ao fenótipo, mas quanto ao genótipo só podem ser por métodos de estudo indiretos, como cruzamentos e experimentações. O que um indivíduo herda é o genótipo e não o fenótipo. Por exemplo, não herda a cor azul dos olhos e sim o gene que tem a potencialidade de, em determinadas condições ambientais, condicionar o caráter citado. Tanto o genótipo como o ambiente são importantes na determinação do fenótipo, pois são interdependentes. O genótipo condiciona diferentes genótipos, segundo as condições ambientais. Assim, o que o genótipo determina é a norma de reação do organismo aos diversos ambientes. Neste contexto, o termo “norma” não significa que algumas reações sejam normais e outras anormais. A norma de reação é toda a série, todo o repertório dos diversos caminhos do desenvolvimento que podem ocorrer nos portadores de um dado genótipo, em todos os ambientes, favoráveis ou desfavoráveis, naturais ou artificiais. Ela não é conhecida completamente para nenhum genótipo. Evidentemente é impossível fazer experimentação com os portadores de um genótipo expondo-os a todos os ambientes possíveis, já que o número de ambientes é virtualmente infinito. Coelhos da variedade Himalaia apresentam um curioso exemplo de norma de reação. Esses animais têm olhos de cor rosa e corpo com pelagem branca, exceto nas patas, focinho, orelhas e cauda., onde há pigmentação preta. Coelhos Himalaia herdam um gene com potencialidade de condicionar pelagem preta em temperaturas baixas e pelagem branca em temperaturas mais altas (superiores a 33oC). A pelagem preta pode ser induzida artificialmente, depilando-se, por exemplo, o dorso do animal e resfriando-se essa região com gelo. A pelagem que surge nesse local será preta, demonstrando essa experiência que um mesmo genótipo apresenta diferentes fenótipos, segundo as condições ambientais. 10 3. OBJETIVOS DA GENÉTICA A genética, a ciência da hereditariedade, procura respostas às três seguintes questões fundamentais: O que é herdado? Isto é, qual a natureza física e química do material genético que os pais transmitem aos seus descendentes? Como é transmitido este material dos pais aos descendentes? Ou seja, quais os mecanismos que fazem a ligação das gerações? Como age o material genético? Isto é, por qual processo garante-se a expressão dos caracteres considerados? A segunda questão, a mais formal, é a que foi respondida em primeiro lugar; a resposta surgiu com os estudos sistemáticos publicados em 1866 por Mendel. Os resultados de tais estudos são hoje apresentados, por razões didáticas, como sendo as duas leis de Mendel ou leis mendelianas. A natureza do material genético transmitido aos descendentes fora entrevista por A. Weismann que, em 1885, assinalou o provável papel dos cromossomos como partículas hereditárias, depois confirmado, por volta de 1910, por T.H. Morgan e C. B. Bridges, que assim emitiram a teoria cromossômica da hereditariedade. De qualquer forma, uma resposta definitiva à primeira questão, foi dada em 1944 pela descoberta por O Avery, C. Macleod e McCarty do papel dos ácidos nucléicos, descobertos por Miescher e Altmann (1889), na herança de bactérias. A resposta à última das três questões é a mais complexa, uma vez que implica no funcionamento metabólico da célula, considerado sob seu aspecto molecular. Depois de 1941, graças aos trabalhos de G. Beadle e E. Tatum e aos progressos realizados na Bioquímica, sabe-se que o material genético governa a produção de proteínas. Dentre essas proteínas, as enzimas desempenham um papel de primeiro plano no metabolismo celular; contudo, outras proteínas devem ser responsáveis pelas propriedades imunoquímicas, morfológicas, etc. da célula e, portanto, do organismo. 4. DIVISÃO DA GENÉTICA Conforme já mencionado, as leis de Mendel foram publicadas em 1866, mas não despertaram maiores atenções da comunidade científica. Alguns pesquisadores acreditam que os trabalhos de Mendel não interessaram muito aos cientistas da época pelo fato de terem sido publicados em revista com circulação restrita. Esse fato não parente ser muito procedente, pois a 11 revista era distribuída por mais de cem instituições científicas européias. Os trabalhos de Charles Darwin sobre evolução, publicados mais ou menos à mesma época do trabalho de Mendel, o nome pouco conhecido de Mendel e o fato de seu trabalho ter sido apresentado em termos matemáticos devem ter sido a causa do desinteresse aparente por suas descobertas. De qualquer forma, as leis mendelianas foram redescobertas em 1900, independentemente, por três europeus: de Hugo de Vries (Holanda), Carl Correns (Alemanha) e Erick Von Tschermak (Áustria). Foi praticamente a partir de 1900 que a Genética surgiu como ciência. Desde então, tem tido um desenvolvimento tão acentuado que vem sendo subdividida em áreas ou ramos. Por sua importância, merecem citação os seguintes: Genética Básica ou Mendeliana, Genética de Populações, Genética Quantitativa, Genética Fisiológica, Genética Molecular, Engenharia Genética. A Genética Mendeliana limita suas investigações às semelhanças ou diferenças entre pais especificados e sua descendência, isto é, ela estuda a hereditariedade ao nível de famílias. A Genética de Populações trata do fenômeno hereditário ao nível populacional. Isso é, esse ramo da genética está interessado nas conseqüências estatísticas do mendelismo em um grupo de famílias. A Genética Quantitativa ocupa-se com a herança das chamadas características quantitativas, isto é, caracteres condicionados geralmente por vários genes e bastante influenciados pelo ambiente. A Genética Fisiológica engloba os estudos que tratam do modo de ação dos genes. O modo de ação dos genes, do ponto de vista molecular, é estudado pela Genética Molecular. A Engenharia Genética é um ramo relativamente recente da Genética que engloba um conjunto de técnicas, chamadas técnicas do DNA recombinante, que trata do estudo da união de materiais genéticos de diferentes organismos. 5. IMPORTÂNCIA DA GENÉTICA Discutir a importância da genética é ao mesmo tempo fácil e difícil. Fácil, porque a Genética é importante sob inúmeros aspectos. Difícil, porque tais aspectos estão tão interrelacionados que se torna complicado discuti-los sem confundi-los. Afirmativas dessa natureza já dão uma espécie da importância da ciência da hereditariedade, mas não expõem com clareza a real importância da genética. A seguir, serão discutidos aspectos que mostram que a genética é importante para o homem, de modo direto e indireto, sob vários aspectos. 12 De imediato, pode-se aquilatar a importância da Genéticapor sua popularidade. Atualmente, jornais, revistas, emissoras de rádio e televisão e agências de propaganda abordam temas relacionados com a Genética. Nenhuma outra ciência tem atualmente a popularidade da Genética. Os cursos de pós-graduação em Genética, o número de livros sobre Genética, o número de profissões que passaram a incluir ou enfatizar a Genética em seus currículos e o número de pessoas desejosas de fazer da Genética uma profissão se multiplicam de maneira notável. Mas esta não é uma abordagem científica de se demonstrar a importância da Genética. Essa abordagem vai ser feita considerando-se que a Genética é importante sob os aspectos científico, agrícola, social, educacional, médico e político. Mas outros aspectos poderiam ser considerados. Por exemplo, a Genética tem importâncias econômica, ambiental, filosófica? Do ponto de vista científico pode-se dizer que a Genética é importante porque contribui para o conhecimento da herança do homem, de outros animais e dos vegetais e também porque os conhecimentos de Genética contribuem para o desenvolvimento de outras ciências biológicas. Costuma-se afirmar que a Genética ocupa a posição central entre as ciências biológicas, ou que a genética é na Biologia o que a teoria atômica é nas ciências físicas. O funcionamento celular é explicado em grande parte, atualmente, em termos genéticos. A genética de mitocôndrias e cloroplastos explica muitas características dos seres vivos (ler, por exemplo, Alberts et al., 1997). Assim, a Genética tem importância para a citologia. O número de contribuições da Genética para a Evolução Orgânica é tão grande que se torna impossível menciona-los aqui. Aliás, A Genética ocupa um grande espaço dos modernos livros de Citologia e de Evolução. A Teoria Moderna da Evolução baseia-se, em grande parte, em livros como The Genetical Theory of Natural Selection (Ronald A. Fisher) e Genetics and the Origin of Species (Theodosius Dobzhansky), dentre outros. Como entender o processo de especiação sem o conhecimento da genética da diferença entre espécies? (ler, por exemplo, Futuyama, 1997). A Genética tem importância também para a Ecologia, pois auxilia na preservação dos seres vivos (Wilson, 1997) sugerindo métodos de conservação de germoplasma, indicando o número de indivíduos que deve ser mantido para a conservação de germoplasma, etc. A rigor, a genética não contribui apenas para as ciências essencialmente biológicas. Para a Filosofia, que é a síntese dos conhecimentos humanos, a genética veio trazer a sua contribuição, permitindo delimitar e comprovar melhor a origem da vida, a evolução de animais e plantas, etc. Em alguns casos, a contribuição da Genética para 13 outras ciências é tão significativa que novas ciências híbridas surgem, como a Citogenética, por exemplo. A educação, problema de grande importância social e econômica, especialmente para os países em desenvolvimento, adquire novas bases com o conhecimento da hereditariedade de características tais como inteligência, habilidade, vocação, etc. A genética, mostrando que os indivíduos diferem entre si quanto a esses caracteres, pode determinar que as bases educacionais devem fundamentar-se nessas diferenças. É geralmente aceito que a genética tem uma contribuição de importância crescente à Medicina. Quatro setores parecem receber de forma preferencial essa contribuição: diagnóstico diferenciador, Medicina Legal, Eugenia e aconselhamento genético. Uma outra área da medicina que deverá receber contribuição da Genética é a da terapia gênica. Em inúmeros casos, os dados genéticos podem ser decisivos na determinação de um diagnóstico. O diagnóstico diferenciador pode ser feito em qualquer idade, mas existe maior interesse no diagnóstico pré-natal, que envolve a análise das células da criança (feto) quando ainda em desenvolvimento no útero materno, para se determinar se ela é normal ou afetada. O diagnóstico pré-natal é interessante pois permite que se inicie o tratamento ainda durante a gestação ou logo após o nascimento, evitando algumas vezes a manifestação da doença genética. Na fenilcetonúria, uma doença que causa retardo mental severo e óbito ainda na infância, pode-se evitar a manifestação do quadro clínico, desde que o diagnóstico seja precoce. A criança diagnosticada como afetada terá desenvolvimento normal se receber uma dieta pobre no aminoácido fenilalanina. Quando não existe tratamento disponível ou formas de se evitar a manifestação da doença, o diagnóstico pré-natal permite ao casal a opção de interromper a gestação pelo aborto do feto. No diagnóstico pré-natal o tecido fetal pode ser obtido por dois procedimentos: amniocentese e coleta de amostras da vilosidade coriônica. A amniocentese consiste na coleta, por volta da 16a. semana de gestação do flúido amniótico (líquido que envolve o feto no útero) com o auxílio de uma agulha de injeção inserida no abdômen materno, monitorando-se o caminho da agulha com o aparelho de ultra-som. As vilosidades coriônicas são formadas também por tecido fetal e compõem o tecido que formará a placenta. A coleta de pequena amostra das vilosidades coriônicas acontece entre a 8a. e a 16a. semanas de gestação, por meio de um cateter introduzido na vagina. 14 Depois que as células fetais são obtidas, existem três tipos de métodos para se realizar o diagnóstico diferenciador: análises dos cromossomos, dos produtos gênicos e do próprio material genético. Os cromossomos podem ser visualizados ao microscópio para se verificar a ocorrência de alguma aberração cromossômica. Muitas síndromes estão associadas a aberrações cromossômicas. Uma síndrome é um conjunto de características anormais no mesmo indivíduo. A Síndrome do Cri du Chat, em que bebês, crianças e adultos apresentam pelo menos 22 características anormais, que vão de baixa estatura a retardamento mental, é devida a uma perda de parte do cromossomo 5. Na Síndrome de Down, que é devida à presença de um cromossomo 21 adicional, os indivíduos apresentam inúmeras características anormais, entre as quais anomalias cardíacas e perda de audição. Os produtos gênicos podem ser analisados em testes bioquímicos, que revelam a presença ou ausência de certas enzimas ou proteínas críticas. Entretanto, esta abordagem implica uma série de limitações importantes. Em primeiro lugar, testes bioquímicos só podem ser aplicados numa minoria de genes, na qual se conhece o produto primário. O estudo da enzima exige que o gene apresente expressão no tecido sob análise. Além do mais, testes que avaliam o produto gênico são algumas vezes pouco confiáveis. Resta então extrair o DNA das células, para a análise direta dos genes. A extração e a purificação do DNA genômico compreendem vários passos que incluem a lise das células, extração das proteínas e do RNA e a precipitação do DNA. Cada tipo de macrmolécula (RNA, DNA, proteína, lipídeo, etc.) apresenta propriedades particulares que permitem seu isolamento e purificação. A maioria dos procedimentos baseia-se na solubilidade diferenciada das macromoléculas – a fração celular é tratada com soluções que dissolvem ou precipitam o composto desejado. Para isolar o DNA de células do sangue, por exemplo, o sangue é colhido com anticoagulante e em seguida adiciona-se uma solução de lise: a solução de células é então centrifugada para concentrar os núcleos no fundo do tubo, o sobrenadante é desprezado e o precipitado é ressuspendido em solução salina. Em seguida, adiciona-se um detergente para provocara ruptura das membranas e coloca-se a solução na estufa, a 37 oC, por uma noite. Assim, o DNA que estava no interior das células é liberado. Para separar o DNA das demais substâncias presentes no lisado celular, adiciona-se fenol para remover as proteínas, desnaturando-as e tornando-as insolúveis em água. A mistura é então centrifugada para separar o fenol com 15 proteínas da fase aquosa, que contém o DNA. Esta centrifugação leva à formação de 3 camadas: uma clara, na parte inferior do tubo (fenol), uma branca intermediária (proteínas coaguladas) e uma superior transparente (ácidos nucléicos). A camada superior é então transferida para outro recipiente e sobre ela são adicionados cloreto de potássio e álcool etílico gelado. Obtém-se assim, uma mistura com duas fases: a inferior, aquosa, com DNA dissolvido e a superior, alcoólica. Um bastão de vidro capilar é mergulhado na solução e girado suavemente de modo a ir misturando álcool e álcool, na região da interface. Quando as camadas são delicadamente misturadas, as longas moléculas de DNA enrolam-se no bastão de vidro e são removidas da solução.Para estudar o DNA é necessário fragmentar suas longas moléculas (Otto et al., 1998). Algumas linhagens de bactérias produzem enzimas que são capazes de destruir o DNA de outros organismos. Este fenômeno, conhecido como restrição, deu a estas enzimas o nome de endonucleases ou enzimas de restrição. O nome dessas enzimas refere-se à sua função, uma vez que elas restringem a multiplicação do vírus, que poderia interferir no funcionamento da bactéria. As enzimas de restrição possuem a propriedade de cortar a dupla hélice de DNA de uma forma muito precisa. Primeiro elas reconhecem uma seqüência específica no DNA que, normalmente, varia entre 4 e 6 bases e, então, cortam cada cadeia num dado ponto. A clivagem de uma molécula de DNA com determinada enzima de restrição digere o DNA e resulta em uma coleção típica e reproduzível de fragmentos, que refletem a freqüência e a localização dos sítios de clivagem. O gene que se deseja analisar estará contido em um ou mais fragmentos. A eletroforese em gel de agarose é uma forma simples e rápida para se separar e se visualizar fragmentos de DNA produzidos pela digestão com enzimas de restrição. Quando submetido a um campo elétrico em pH neutro, as moléculas de DNA são atraídas para o pólo positivo e repelidas do pólo negativo, porque o DNA apresenta carga negativa devida à presença do ácido fosfórico. Quando a migração do DNA é realizada em uma matriz que apresenta alguma resistência à migração das moléculas, os fragmentos menores podem se mover através da matriz com maior facilidade do que os fragmentos grandes. Assim, em um dado período, os fragmentos pequenos de DNA alcançarão distâncias maiores em relação à origem, quando comparados com os fragmentos grandes, os quais têm maior dificuldade para atravessar a resistência da matriz. O DNA, após a separação em gel de agarose, pode ser corado com um corante fluorescente, o brometo de etídio, e ser visualizado sob luz ultravioleta. Moléculas do brometo de etídio intercalam-se entre os nucleotídeos na dupla hélice do DNA, permitindo a observação dos 16 fragmentos presentes no gel. A molécula de DNA humano é tão grande e complexa que, após a digestão com qualquer enzima de restrição, milhões de fragmentos são gerados, de tal forma que é impossível individualizar os fragmentos quando o DNA é visualizado sob luz ultravioleta, após a eletroforese. Portanto, o que se observa não são propriamente bandas separadas, mas sim uma faixa contínua dos fragmentos distribuídos por ordem de tamanho. Nessa fase, qualquer DNA humano terá o mesmo aspecto, quer ele provenha de um indivíduo normal ou de um paciente com doença genética grave. Uma vez obtidos os fragmentos de DNA espalhados em ordem decrescente de tamanho a partir do ponto de origem (eletroforese), um determinado segmento de DNA, que contém o gene de interesse, pode ser detectado pela hibridização com uma sonda específica. A hibridização é um método que utiliza a tendência natural que uma cadeia simples de DNA tem de se reassociar com sua cadeia complementar para formar a dupla hélice. Dessa forma, um determinado fragmento de DNA pode ser localizado em uma mistura heterogênea, desde que se disponha de uma seqüência complementar ao fragmento. Essa seqüência complementar é chamada de sonda. A sonda deve ser previamente marcada de alguma forma para permitir sua identificação posteriormente. Existem vários métodos para se fazer essa marcação, mas a marcação radioativa ainda é a mais utilizada. Numa reação muito simples, alguns dos nucleotídeos que formam a sonda são substituídos por nucleotídeos semelhantes, mas que contenham átomos radioativos do fósforo (32P). Os átomos radioativos emitem radiação que funciona como um sinal. Essa radiação não pode ser observada diretamente, mas é capaz de marcar um filme de raios X da mesma forma que a luz impressiona um filme fotográfico. Assim, os segmentos de DNA são mergulhados numa solução de hidróxido de sódio, a qual provoca a desnaturação da fita dupla do DNA. O material é agora colocado para se hibridizar com uma sonda específica, marcada radiativamente, que se ligará somente na seqüência de DNA complementar a ela. Após a retirada do material que não se hibridizou, o material é exposto a um filme de raios X sensível à radioatividade. Como resultado, observa-se na auto-radiografia um padrão com uma ou mais bandas, indicando o número e o tamanho dos fragmentos de DNA complementares à sonda. Assim, para uma dada amostra de DNA, o padrão de bandas será constante, desde que o DNA seja digerido com a enzima correta e hibridizado com determinada sonda. Diferenças no padrão normal obtido indicam a presença de um gene alterado ou mutante Farah, 1997). 17 A Medicina Legal é a parte normativa – e não preventiva ou curativa – da Medicina que consiste, basicamente, no conhecimento médico e biológico do homem em tudo que possa interessar à Justiça (www.imesc.sp.gov.br). Há alguns anos, a contribuição da Genética para a Medicina Legal estava associada principalmente à solução de problemas relacionados com casos de paternidade duvidosa. Pode-se excluir a possibilidade de um homem ser o pai de uma criança pelo estudo dos grupos sangüíneos e de outros traços marcadores, mas não se pode provar a paternidade com certeza absoluta, muito embora quando se encontra algum tipo sangüíneo muito raro no suposto pai e no filho, a probabilidade possa atingir alto grau. Atualmente, com o chamado Teste do DNA (ver Apêndice) a solução desse tipo de problema é mais segura e outros tipos de problemas podem ser solucionados. Dessa forma, casos de homicídios e estupros têm sido resolvidos obtendo-se as impressões digitais do DNA a partir de gotas de sangue, bulbos capilares ou resíduos de esperma e comparando-se os resultados com os suspeitos do crime. Algumas vezes, tais técnicas foram empregadas na reabertura de casos judiciais que permitem inocentar o condenado. Como as impressões digitais do DNA permitem também estabelecer as relações de parentesco entre os indivíduos, elas têm sido empregadas na identificação de desaparecidos, das vítimas de acidentes ou dos corpos enterrados sem identificação. Em países que aceitam imigrantes com base na relação familiar com pessoas já residentes, essas técnicas possibilitam estabelecer o grau de parentesco entre dois indivíduos, permitindo a reunião de famílias. Pode-se definir Eugenia como o conjunto de medidas tendentes a melhorar o padrão genético das populações humanas. A Eugeniaé geralmente dividida em dois setores: Eugenia Positiva (que vista a incrementar a reprodução dos casais normais e com maiores probabilidades de não serem heterozigotos para os mesmos genes recessivos condicionadores de anomalias) e Eugenia Negativa (que visa a eliminar ou reduzir a reprodução de casais com alta probabilidade, ou certeza, de serem heterozigotos para os mesmos genes recessivos e daqueles com, pelo menos, um cônjuge afetado). Aconselhamento Genético é um processo de comunicação que trata dos problemas humanos associados com a ocorrência, ou risco de ocorrência, de uma desordem genética em uma família. O aconselhamento genético envolve uma tentativa de ajudar a uma pessoa ou a uma família a: (1) compreender os fatos médicos, incluindo-se o diagnóstico, provável curso da doença, e o possível controle; (2) apreciar o papel desempenhado pela hereditariedade no 18 aparecimento da doença, e o risco de recorrência nos parentes; (3) compreender as alternativas para tratar com os riscos de recorrência; (4) escolher a ação mais apropriada, tendo em vista os riscos envolvidos, o planejamento familiar, e os padrões éticos e religiosos, e agir de acordo com a decisão; e (5) fazer o melhor ajustamento possível à existência da desordem na família e/ou ao risco de recorrência. Um exemplo de consulta, visando aconselhamento genético foi fornecido por Freire-Maia (1976): Um jovem de 15 anos teve relações sexuais com uma sua irmã de 14, que deu à luz uma menina branca, absolutamente normal na base de minucioso exame clínico feito aos 2 meses. Um estudante de medicina, sobrinho de uma viúva sem filhos e residente no Rio de Janeiro, que está desejosa de adotar a criança, solicita esclarecimentos sobre os riscos de que a filha do incesto venha a manifestar, mais tarde, anomalia grave de ordem hereditária. Freire-Maia (1976) comentando dados de um trabalho sobre descendência de incestos informou que, de 18 crianças, 7 eram normais ou apresentavam defeitos sem grande significação, uma era prematura e morreu em 6 horas, uma morreu em 15 horas, uma morreu com 2 meses, duas eram retardadas, uma tinha um defeito nos lábios e 5 apresentavam Quociente Intelectual (QI) entre 50 e 70. Tradicionalmente, o termo terapia gênica envolve diversas tecnologias que têm em comum um novo conceito terapêutico, ou seja, a introdução de material genético para atuar na causa fundamental da doença, o gene. Apresenta como maiores dificuldades técnicas a obtenção da alta eficiência na transferência gênica, expressão adequada do gene transferido e a ocorrência de inserção casual no genoma da célula hospedeira.Existem técnicas físicas, químicas e biológicas para se introduzir um gene em outras células. Uma possibilidade é o método da microinjeção utilizado para a transferência direta de genes. Outra alternativa baseia-se no fato de que as células de mamíferos permitem a entrada de DNA na forma de precipitado de fosfato de cálcio. Quando cloreto de cálcio é adicionado ao DNA, que está diluído em fosfato, forma-se um precipitado fino de fosfato de cálcio e DNA. Acrescentando-se este precipitado às células em culturas, após algumas horas as células terão absorvido o DNA precipitado. Na eletroporação, as células-alvo são misturadas com o DNA a ser transferido; o conjunto é colocado em uma câmara e submetido a um breve pulso elétrico, que provoca a abertura dos poros da membrana celular, permitindo a entrada do DNA. O DNA também pode ser introduzido na célula por vesículas de fosfolipídios sintetizadas artificialmente, conhecidas como lipossomos. Tais vesículas fundem-se com a membrana celular e depositam o DNA diretamente no interior das células. Entretanto, o método 19 que mais tem sido empregado nas propostas de terapia gênica utiliza os vetores virais para a introdução do DNA. O material genético dos retrovirus é formado por duas moléculas de RNA, as quais são circundadas por uma cápsula protéica interna e uma dupla camada de lipídios. Nessa última camada, existem substâncias especiais, as glicoproteínas que se ligam à membrana da célula durante a infecção. Após entrar na célula, a cápsula protéica do vírus é quebrada e seu genoma de RNA é copiado em uma molécula de DNA. A dupla fita recém-formada de DNA se circulariza e seqüências específicas do retrovírus dirigem a integração do DNA viral no genoma da célula hospedeira. A terapia gênica é bem aceita nas comunidades médica e científica. O estágio inicial, no qual se discutia a viabilidade prática do processo já foi vencido. Contudo, ainda não se sabe se um dia será um procedimento largamente aplicado. O homem é quase que totalmente dependente das plantas e dos animais como fontes de alimentos, vestuário, combustível, medicamentos, materiais de construção, etc. Existem basicamente duas maneiras de se aumentar a quantidade e a qualidade desses produtos: através da melhoria das condições ambientais em que as plantas são cultivadas ou os animais são criados e por meio do melhoramento de plantas e animais. Melhoria do ambiente das plantas inclui adubações, irrigações, uso de pesticidas, etc. Por outro lado, melhoria do ambiente de exploração dos animais envolve melhores rações, melhor manejo, etc. O melhoramento das plantas (ou dos animais) é a arte e a ciência de melhorar o padrão genético das plantas (ou dos animais), em relação ao seu uso econômico. É através do melhoramento de plantas e de animais que se manifesta a importância agrícola da Genética. Freqüentemente, procura-se discutir qual dos dois fatores ambiente ou herança, é o mais importante. Ambos estão tão interrelacionados que dificilmente pode-se separar a importância de cada um deles. Entretanto, a respeito do assunto, pelo menos os dois aspectos devem ser considerados. Enquanto todo o melhoramento de ambiente custa dinheiro, o melhoramento genético é praticamente sem custo para agricultor. Isso é válido principalmente com as plantas, onde a semente melhorada custa relativamente pouco, em relação à não melhorada. Freqüentemente, melhores plantas ou animais levam à economia de recursos e trabalho. Por exemplo, variedades resistentes a doença e pragas dispensam o uso de defensivos, contribuindo ainda para diminuir a poluição ambiental. Vários problemas de ordem sociológica, incluindo alguns já ressaltados anteriormente, podem ser orientados de modo mais eficiente pela genética. Pesquisas realizadas na Dinamarca sobre o papel dos fatores genéticos e ambientais no desenvolvimento da criminalidade revelaram 20 que, de vários fatores avaliados, os mais relevantes foram: criminalidade em pelo menos um dos genitores, criminalidade em pelo menos um dos pais adotivos e diagnóstico psiquiátrico para a genitora. Isto significa que a criminalidade dos genitores e dos pais adotivos, assim como a presença de doença mental na genitora são importantes fatores na gênese da criminalidade entre os filhos. Assim, o conhecimento da predisposição hereditária da criminalidade, da tendência ao suicídio, de doenças mentais, etc. podem sugerir medidas mais adequadas para a solução desses problemas e para que problemas maiores não surjam. Talvez a simples permanência de indivíduos com esses problemas em instituições de correção não seja a única medida que deva ser tomada. Provavelmente, alternativas adicionais devam ser consideradas. A política também recebe influência da genética, através dos aspectos acima estudados. Além disso, problemas como regulamentação da imigração e da emigração, formas de governo, distribuição das atividades políticas segundo as competências sociais dos indivíduos, preconceitosraciais, etc, são orientados em bases mais seguras com os conhecimentos genéticos. 6. LITERATURA CITADA ALBERTS, B.; BRAY, D.; LEWIS, J.; RAFF, M.; ROBERTS, K.; WATSON, J.D. Biologia molecular da célula. 3.ed. Porto Alegre, Artes Médicas, 1997. FARAH, S.B. DNA: segredos e mistérios. São Paulo, Sarvier, 1997. FREIRE-MAIA, N. Informação e aconselhamentos genéticos. In: ___________. Tópicos de genética humana. São Paulo, Ed. de Humanismo, Ciência e Tecnologia, 1976. Cap. 13, p. 166 – 220. FUTUYMA, D.J. Biologia evolutiva. Ribeirão Preto, Sociedade Brasileira de Genética, 1997. GRIFFITHS, A.J.; GELBART, W.M.; MILLER, J.H.; LEWONTIN, R.C. Genética moderna. Rio de Janeiro, Guanabara Koogan, 2001. OTTO, P.G.; OTTO, P.A.; FROTA-PESSOA, O. Genética humana e clínica. São Paulo, Roca, 1998. WILSON, E.O.: PETER, F.M. Biodiversidade. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1997. 7. QUESTÕES PARA REFLEXÃO Qual a importância econômica da Genética? Qual a importância filosófica da Genética? 21 A Genética traz implicações éticas para a sociedade? A Genética traz implicações para as religiões? Quais as características que um geneticista deve ter para ser um bom profissional no Século XXI ? APÊNDICE O “TESTE DE DNA” Genoma é o termo usado para designar um complemento total de genes em uma célula, um indivíduo ou uma espécie. Cerca de 75 % do genoma humano é constituído de seqüências simples de DNA, isto é, seqüências de nucleotídeos únicas ou que aparecem muito poucas vezes representadas no genoma. O DNA restante é composto de seqüências que se repetem de centenas a milhões de vezes no genoma humano, compondo o DNA repetido (rDNA) Nesse ponto é interessante a distinção entre os genes e as outras seqüências de DNA presentes no genoma humano. A partir dos genes é sintetizado um RNA e, portanto, os genes apresentam uma atividade de transcrição. Embora a vasta maioria dos genes humanos codifique um polipeptídio específico, existe uma minoria de genes cujo produto final é RNA. De toda forma, o total de DNA codificador (genes) compõe somente cerca de 2 a 3% do genoma humano e encontra-se principalmente entre as seqüências únicas de DNA. O DNA não-codificador pode ser encontrado dentro dos genes, formando os íntrons (seqüências não representadas no mRNA), ou como pseudogenes (genes que se acredita foram um dia ativos, mas que perderam sua atividade ao longo da evolução) ou, ainda, podem ser seqüências dispersas entre os genes, DNA extragênico. Apesar da maior proporção do DNA humano ser composta de seqüências simples, em grande parte sua função ainda não foi esclarecida, tendo em vista que somente uma pequena fração deste DNA é codificador. A grande maioria do DNA com seqüências simples encontra-se em pequenos segmentos distribuídos entre as seqüências de DNA repetido. Isto é: DNA do núcleo = DNA simples + DNA repetido. DNA simples = DNA codificador (genes) + DNA não-codificador. DNA não-codificador = pseudogenes + íntrons + DNA extragênico. O DNA repetido, que compões cerca de 30% do genoma humano, pode ser classificado em DNA codificador (que forma as famílias de multigenes) e DNA não-codificador. Vários genes humanos são ditos pertencentes a uma família devido à notável semelhança que existe entre suas seqüências, embora eles possam exibir funções diferentes. Uma característica comum a essas famílias de genes é que possuem um número considerável de pseudogenes. O DNA repetido extragênico, o qual não inclui genes funcionais, é composto de um conjunto de seqüências que se repetem em tandem (uma após outra), ou por seqüências que se repetem individualmente dispersas no genoma. A categoria de seqüências repetidas em tandem é subdividida de acordo com o tamanho médio das unidades de repetição em: DNA satélite, minissatélite e microssatélite. O DNA satélite compreende seqüências relativamente grandes e sem atividade de transcrição. Nos DNA minissatélites, a seqüência repetida em tandem é de tamanho moderado. Famílias de DNA microssatélites incluem seqüências muito pequenas repetidas em tandem, que aparecem distribuídas ao longo do genoma. Na identificação de indivíduos com vistas às aplicações em Medicina Legal, as regiões hipervariáveis do DNA são muito importantes. Tais regiões são constituídas de pequenas seqüências repetidas em tandem, os minissatélites. Neste caso, o polimorfismo resulta das diferenças observadas no número das seqüências repetidas, sendo conhecido como VNTR, sigla para Variable Number of Tandem Repeats (número variável de repetições em tandem). O polimorfismo do tipo VNTR pode ser observado quando o DNA é digerido com qualquer enzima que não corte a unidade repetida, e é hibridizado com uma sonda adequada. A grande vantagem de se analisar VNTRs para a identificação de indivíduos é que se trata de regiões hipervariáveis. Embora cada indivíduo apresente no máximo dois alelos diferentes, muitos alelos podem estar presentes na população. Isto se deve ao fato de que a repetição de seqüências idênticas ou muito semelhantes na região dos minissatélites pode causar erros no alinhamento dos cromossomos homólogoss, o que acarreta em crossing-over desigual durante a meiose, produzindo alelos com número de cópias aumentado ou diminuído em relação à seqüência repetida original. Dessa forma, apesar de a posição dos VNTRs ser constante no genoma humano, o número de seqüências repetidas em cada VNTR é altamente variável entre indivíduos. Inúmeras seqüências de minissatélites encontram-se distribuídas nos 23 pares de cromossomos humanos e, convenientemente, apresentam entre si semelhanças suficientes para permitir a detecção simultânea de vários loci por uma única sonda. O padrão completo de hibridização com essas sondas é único para cada indivíduo, com exceção de 22 gêmeos idênticos. Pelo seu poder discriminatório, criou-se o termo DNA fingerprint para designar o padrão de bandas exibido por essas sondas, numa alusão ao uso das impressões digitais, que por tanto tempo mostraram ser um método eficiente para a identificação humana. Entretanto, ao contrário das tradicionais impressões digitais, as “impressões digitais do DNA” fornecem evidências não somente sobre a identidade individual, mas também sobre a relação de parentesco. Cada banda refe-se a um locus distinto e são herdadas independentemente. Dessa forma, metade das bandas observadas em um indivíduo foi herdada de sua mãe, enquanto a outra metade foi herdada de seu pai. 23 CApítulo 2 IDENTIFICAÇÃO DO MATERIAL GENÉTICO 1. A TEORIA CROMOSSÔMICA DA HERANÇA A teoria cromossômica da herança, ou seja, a teoria de que os cromossomos são os constituintes celulares portadores do material genético foi estabelecida durante o período de 1902 a 1904 por Sutton, Boveri e De Vries. Os fatos principais que serviram de base para o estabelecimento dessa teoria foram, entre outros, os seguintes: o óvulo e o espermatozóide contribuem com o mesmo número de cromossomos para a formação do zigoto, no momento da fertilização; as espécies se caracterizam por um número constante de cromossomos; a duplicação longitudinal dos cromossomos ma mitose fornece uma base perfeita para a igualdade genética dos núcleos das células-filhas e para os aspectos de conservação da herança; o comportamento dos cromossomos na meiose concorda com o que se espera da herança. Assim, a mistura ao acaso e o entrecruzamento que sofrem durante a meiose proporcionam uma fonte importante para a variabilidade que se observa entre os indivíduos. Além do mais, a meiose provê um meio de reduzir o número de cromossomos à metade, observado nos gametas; a relação entre os cromossomos e os fatores mendelianos ou genes. Assim, há cerca de 90 anos atrásjá se admitia os cromossomos como os prováveis portadores do material genético. Mas, qual é esse material? O presente capítulo descreverá experimentos que permitirão uma resposta a esta questão. 2. CONSTITUIÇÃO QUÍMICA DOS CROMOSSOMOS Desde que os cromossomos são os prováveis portadores do material genético, se existe interesse na identificação desse material, o passo inicial será se procurar saber de que estão constituídos os cromossomos. 2.1. Cromossomos de Vírus Por volta de 1880, conheciam-se de um lado as bactérias, patogênicas ou não (isto é, capazes de produzir ou não uma doença) e os venenos (substâncias químicas que provocam desordens no funcionamento dos seres vivos); bactérias e venenos eram, então, os vírus. 24 As bactérias puderam ser caracterizadas por seu tamanho apreciável e por sua propriedade de se multiplicar. Devido às suas dimensões, eram visíveis os microscópios da época e ficavam retidas nos filtros em uso. Os venenos, ao contrário, moléculas de tamanho bem mais reduzido, passavam pelos filtros e não se multiplicavam. Em 1892, Ivanovsky mostrou que o “mosaico do fumo” era devido a um agente que não pertencia a nenhuma das duas categorias referidas. Ele se multiplicava na planta de fumo após inoculação (era infeccioso), portanto não era um veneno, mas passava, como os venenos, através dos filtros que retinham as bactérias. Tratava-se, pois, de um representante de uma nova categoria de agentes patogênicos. Esse novo agente foi chamado de ultravírus: ultravírus do mosaico do fumo. Descobriu-se rapidamente que uma série de outras doenças também eram devidas a agentes análogos e, progressivamente, foram definidas com precisão as características dessa nova categoria de “organismos”, cuja individualidade se mostrou cada vez mais marcada. Foi então abandonado o termo ultravírus e vírus passou a ser a denominação das entidades análogas ao agente do mosaico do fumo. Todos os trabalhos realizados até o presente mostraram que os vírus não são capazes de se multiplicar, a não ser no interior de células vivas. Por outro lado, o estudo comparativo da composição química dos vírus conhecidos mostra que existe certo número de constituintes essenciais, presentes em todos os vírus, aos quais se adicionam, em certos tipos de vírus, um ou mais constituintes adicionais. Os constituintes essenciais são, de um lado, um ácido nucleico e, de outro, uma ou mais proteínas. Os constituintes adicionais são muito variados. Um vírus não possui nunca mais que um ácido nucleico. Todos os organismos que possuem ao mesmo tempo DNA e RNA não são vírus, se bem que, às vezes, seu tamanho seja próximo ao deles. Esse ácido nucleico ou é DNA ou RNA. Constitui uma parte mais ou menos importante da massa do vírus, desde 50% no caso dos bacteriófagos da série T, até menos de 1% no aso do vírus gripal. Encontram-se sempre proteínas num vírus, mas o número de proteínas diferentes existente num mesmo vírus é sempre muito limitado. Essas proteínas, como todas as demais, são dotadas de propriedades antigênicas. Certos vírus só contêm um ácido nucleico e proteínas. Outros, além dos dois constituintes essenciais, possuem constituintes adicionais, como lipídeos (que podem representar até 50% da massa total) ou polissacarídeos. 25 Em geral, os cromossomos de vírus são simples moléculas de DNA. De qualquer forma, existem vírus, como o TMV, cujo cromossomo é composto inteiramente de RNA e não de DNA. 2.2. Cromossomos de Procariontes As células de bactérias e de algas verdes-azuladas são classificadas como protocélulas e se caracterizam pela ausência da membrana nuclear, de mitocôndrias, de um aparelho mitótico definido e dos sistemas citoplasmáticos membranosos das eucélulas, isto é, as dos organismos superiores. Os cromossomos dos procariontes são formados de DNA. 2.3. Cromossomos de Eucariontes Os cromossomos dos eucariontes são constituídos basicamente por dois tipos de macromoléculas: ácidos nucleicos (DNA e RNA) e proteínas. Existem dois tipos de proteínas. Uma proteína básica de baixo peso molecular, histona, que nos espermatozóides de certos peixes (salmão, truta, etc.) é substituída por uma proteína comparável, a protamina. Todavia, nas células somáticas desses peixes a protamina é substituída por história. Além da proteína básica, existe nos cromossomos uma proteína ácida chamada proteína residual. A maneira pela qual essas quatro moléculas (DNA, RNA, proteína básica e proteína ácida) estão ligadas para formar um cromossomo ainda não foi elucidada completamente. Lipídios, cálcio, magnésio e possivelmente ferro também estão presentes nos cromossomos, com os seus papéis na estrutura e no comportamento igualmente incertos, e parece agora estar certo que a polimerase do DNA, a enzima necessária para a duplicação do DNA, também está presente no cromossomo, estando ligada, possivelmente, pelo magnésio, no corpo principal do cromossomo. 3. A CARACTERÍSTICA FUNDAMENTAL REQUERIDA NO MATERIAL GENÉTICO A diversidade dos organismos bem como a diversidade entre os organismos deve exigir que o material genético seja capaz de transportar mensagens muito complexas. Assim, antes de se proceder à tentativa de identificação do material genético, é útil se procurar conhecer a estrutura e 26 composição dos dois tipos de macromoléculas que constituem os cromossomos: proteínas e ácidos nucleicos. 4. PROTEÍNAS As proteínas compõem-se de subunidades moleculares chamadas polipectídeos. Por sua vez, os polipeotídeos estão constituídos por componentes químicos menores denominados aminoácidos, os quais, unidos, formam longas cadeias. As cadeias polipectídicas de uma proteína podem conter 200 ou mais moléculas de aminoácidos. Não obstante, sabe-se que nas proteínas somente se encontram 20 tipos principais de aminoácidos diferentes. A composição química de uma determinada proteína é uniforme: cada molécula compõe-se do mesmo número e tipo de cadeias polipeptídicas e, por sua vez, cada uma destas cadeias polipeptídicas se compõe do mesmo número e tipo de aminoácidos, unidos entre si exatamente na mesma seqüência. Pode-se considerar que uma proteína tem quatro níveis de organização estrutural. A estrutura primária de uma proteína refere-se à seqüência dos aminoácidos presentes na cadeia polipeptídica. A estrutura secundária é a orientação espacial dos aminoácidos, uns em relação aos outros. Na maior parte das proteínas, a cadeia polipeptídica está, em grandes porções de sua extensão, enrolada no que se chama de hélice alfa. A estrutura terciária refere-se à disposição espacial da molécula protéica, que se enovela, pelo dobramento da cadeia sobre ela mesma, em inúmeros pontos da seqüência de aminoácidos. A associação de cadeias protéicas para formar uma molécula composta é chamada de estrutura quaternária. 5. OS ÁCIDOS NUCLEICOS 5.1. Nucleotídios Levene e outros bioquímicos mostraram que os ácidos nucleicos poderiam ser decompostos em frações menores que foram denominadas, então, de nucleotídios. Cada nucleotídio, por sua vez, estava constituído por um açúcar, um grupo fosfórico e uma porção nitrogenada. O açúcar era de dois tipos (Figura 1). Ambos apresentavam cinco carbonos, mas enquanto um deles apresentava um grupo OH no carbono 2, o outro açúcar, nesse carbono, mostrava apenas um átomo de hidrogênio. O primeiro açúcar é chamado ribose e o segundo desoxirribose. Ainda que estes sejam os dois principais açúcares que se encontram nos ácidos nucleicos, qualquer ácido 27 nucleico em particular não apresenta, ao mesmo tempo, ambos os açúcares. Comoconseqüência, existem dois tipos de ácidos nucleicos: o ácido ribonucleico (RNA), que normalmente acha-se no citoplasma, e o ácido desoxirribonucleico (DNA) que, com raras exceções, somente se encontra no núcleo. O grupo fosfórico de cada nucleotídio une-se ao carbono 5 do açúcar (Figura 2). Além do açúcar e do grupo fosfórico, que eram componentes constantes de todos os nucleotídios de um ácido nucleico, também é encontrado um grupo nitrogenado muito mais variável, associado ao carbono 1 do açúcar. A unidade nitrogenada apresenta um ou dois anéis com carbono e nitrogênio e pode atuar como base (aceptor de íons hidrogênio), em contraste com a natureza ácida do grupo fosfórico. As bases com um só anel são as pirimidinas e as que possuem dois anéis são as purinas (Figura 3). No DNA, as duas principais pirimidinas encontradas são a citosina e a timina, enquanto que o RNA apresenta citosina e uracilo. A diferença entre a timina e o uracilo parece ser insignificante (a presença de um grupo metil, CH3, na posição número 5 da timina) mas é, não obstante, significativa, de modo que geralmente não se encontra timina no RNA, nem uracilo no DNA. As duas purina principais, adenina e guanina, se encontram tanto no DNA como no RNA. Além das diferenças na estrutura dos anéis, as bases apresentam um grupo amino (NH2) na posição número 6 de uma das pirimidinas e de uma das purinas (cotosina e adenina), e um grupo cetônico (C=O) na mesma posição das outras bases (timina, uracilo e guanina). O DNA e o RNA podem, portanto, ser descritos como portadores de dois tipos de bases 6-amino e dois tipos de bases 6-cetônicas, divididas exatamente entre purinas e pirimidinas. 5.2. Estrutura do DNA 5.2.1. Estrutura Primária Como cada uma das bases permite distinguir o nucleotídio que a transporta, existem em geral quatro tipos distintos de desoxirribonucleotídios no DNA e quatro ribonucleotídios no RNA. Desta forma, a combinação fosfato-desoxirribose-adenina dá origem a um nucleotídio denominado ácido desoxiadenílico. Os outros três nucleotídios do DNA são, de modo semelhante, ácido desoxicitidílico, ácido desoxiguanílico e ácido desoxitimidílico. Quando Levene descobriu os desoxirribonucleotídios, notou que podiam unir-se por meio de pontes fosfato-açúcar. Baseando-se em suas técnicas, que sem saber como haviam levado à 28 fragmentação do DNA, propôs que todos os desoxirribonucleotídios se achavam presentes em quantidades iguais, e que se uniam em pequenas cadeias de, aproximadamente, quatro nucleotídios distintos (tetranucleotídios), cada uma delas. Na década de 40, alguns bioquímicos, Charfaff e outros, mostraram que nem todas as bases nucleicas estavam presentes nas mesmas quantidades e que a relação entre as bases variava de uma espécie para outra (Tabela 1). Estes experimentos, em combinação com melhores técnicas de isolamento de filamentos moleculares, sugeriram que o DNA não era uma molécula simples formada pelos mesmos 4 nucleotídios, e sim uma cadeia muito longa, constituída por centenas ou milhares de nucleotídios distintos, em seqüências diversas. TABELA 1. Composição de bases do DNA em vários organismos (segundo STRICKBERGER, 1971). Organismos Purinas Pirimidinas (A + G)/ C + T(U)A G C T U ------------------------------%--------------------------- Homem (esperma) 31,0 19,1 18,4 31,5 - 1,00 Touro (esperma) 28,7 22,2 22,0 27,2 - 1,03 Rato 28,6 21,4 21,7 28,4 - 1,00 Salmão 29,7 20,8 20,4 29,1 - 1,02 Ouriço do mar 32,8 17,7 17,4 32,1 - 1,02 Trigo 27,3 22,7 22,8 27,1 - 1,00 Levedura 31,3 18,7 17,1 32,9 - 1,00 Escherichia coli 26,0 24,9 25,2 23,9 - 1,04 Nycobacterium tuberculosis 15,1 34,9 35,4 14,6 - 1,00 Bacteriófago T2 32,6 18,2 16,6 32,6 - 1,03 Bacteriófago 0 X 174 24,7 24,1 18,5 32,7 - 0,95 TMV 29,3 25,8 18,1 - 26,8 1,23 Vírus da pólio 30,4 25,4 19,5 - 24,7 1,26 Vírus influenza 23,0 20,0 24,5 - 32,5 0,75 1/ A, G, C, T e U representam, respectivamente, adenina, guanina, citosina, timina e uracilo. * 5 - Hidroximetilcitosina 5.2.2. Estrutura Secundária Após o estabelecimento da estrutura nucleotídica do DNA (estrutura primária), surgiram perguntas a respeito da relação entre cadeias nucleotídicas individuais: estariam tais cadeias presentes unicamente em condição simples?; estariam distribuídas ao acaso, umas ao lado das outras, em grupos de 2, 3 ou mais?; existiria uma relação regular entre elas? 29 Nos anos quarenta, algumas descobertas indicaram que a molécula de DNA apresentava uma organização regular. Chargaff e outros haviam mostrado que, como regra geral, a quantidade de bases aminadas na posição 6 (A + C) era igual à quantidade de bases com um grupo cetônico na posição 6 (T + G), em qualquer espécie em particular, o que significava talvez uma relação de pareamento entre estes dois tipos de bases. Os estudos com difração de raios X, realizados por Wilkins e outros, haviam mostrado evidências de uma fibra multifilamentada, com cerca de 22 A de diâmetro, que se caracterizava também pela presença de grupos dispostos ao longo da fibra, espaçados por 3,4 A e pela presença de uma unidade repetitiva a cada 3,4 A (1 A = 0,0001 micron = 0,0000001mm). Levando em consideração os fatos conhecidos nessa época, Watson e Crick propuseram, em 1953, uma estrutura de dupla hélice para o DNA que foi, com rapidez, amplamente aceita. Segundo Watson e Crick, a molécula de DNA apresenta dois filamentos e se acha enrolada como uma corda, de modo que as duas cadeias complementares somente podem ser separadas caso se permita que as suas extremidades girem livremente. O enrolamento é helicoidal, à semelhança de uma escala de corda, enrolada em hélice, que mantém sempre o mesmo diâmetro e a mesma largura em todos os degraus (Figura 4). Continuando com a analogia da escala, podemos considerar que cada um dos filamentos complementares do DNA é a metade da escada, isto é, a metade da largura de cada degrau, com um dos “braços” da escada conectando cada um destes “meio-degraus”. O braço da escada é composto de ligações fosfato-açúcar, que são continuamente repetidas sem alterações. Os “meio-degraus” de um “braço” de escada, que ligam- se aos “meios-degraus” do “braço” complementar são bases púricas ou pirimidicas. Cada degrau é, pois, um par de bases entre os dois filamentos complementares de DNA. Dimensionalmente, os degraus estão separados por uma distância de 3, 4 A e cada um deles forma com o precedente dez degraus e tem um comprimento de 34 A. Propondo estas dimensões e limitando o diâmetro da hélice dupla a 20 A, Watson e Crick verificaram que somente quando cada par de bases fosse constituído pela combinação de uma purina com uma pirimidina, poderia tal par ajustar-se à largura de cada degrau (próxima a 11 A). A união entre duas bases seria determinada por pontes de hidrogênio, que consistem na habilidade de um único átomo de hidrogênio (com carga positiva) ser compartilhado por um átomo de oxigênio (carga ligeiramente negativa) e um átomo de nitrogênio (carga ligeiramente negativa) opostos em cada uma das bases complementares. 30 Embora as ligações de hidrogênio sejam mais fracas que as ligações químicas usuais, o fato de muitas delas ocorrerem ao longo do comprimento da hélice dupla do DNA, pelo menos duas para cada par de bases, dá um alto grau de estabilidade e rigidez à molécula. Assim, as ligações de hidrogênio são responsáveis pelo ajuste exclusivo entre a adenina e a timina e entre a guanina e citosina. Em outras palavras, as bases do DNA de filamento duplo dariam relações quantitativas nas quais A = T E C = G OU A + G = C + T, ou (A + G)/C + T) = 1 (note-se, entretanto, que A + T não temque ser necessariamente igual a (G + C) (ver Tabela 1). Outras possíveis combinações de bases, tais como adenina e citosina, levariam à presença de 2 átomos de hidrogênio em uma das posições de enlace e a nenhum átomo nas outras. Ademais, para que as bases se ajustem de forma adequada, os açucares de um filamento devem estar dirigidos em direção oposta à dos açúcares do filamento complementar. Assim, pois, de maneira diferente ao que se sucede em uma escala regular, espera-se que os braços da escada (cada um dos filamentos de DNA) se apresentem em direções opostas. A estrutura do DNA apresentada oferece uma explicação adequada de como uma molécula pode formar cópias perfeitas de si mesma. Para replicar-se, o DNA enrolado em hélite tem, tão somente, que separar-se em seus dois filamentos, atrair os nucleotídios livres dispersos no meio, para que se pareiem com as bases de cada um dos filamentos e então unir tais nucleotídios, com a ajuda de enzimas adequadas, em novos filamentos. Como a adenina somente se pareia com a timina, um filamento somente pode atrair moléculas de timina nas posições em que apresenta adenina e vice-versa. De modo semelhante, a mesma relação é válida para citosina e guanina. Portanto, qualquer filamento separado só pode formar uma réplica exata do filamento complementar do qual se separou. Tem-se, pois, uma molécula capaz de duplicar-se exatamente e, portanto, de transmitir sua estrutura a todos os produtos da divisão celular. Nos casos em que não ocorre a igualdade entre as relações das bases complementares (A = T, G = C), como por exemplo no bacteriófago 0 X 174, isto indica uma estrutura de filamento simples e não complementar. Tais filamentos de DNA, chamados “filamentos +” podem, não bastante, produzir “filamentos” complementares, durante a replicação que, por sua vez, atuam como modelos para produzir mais filamentos +, por pareamento de bases. Assim, mesmo para o DNA de um só filamento, ainda se espera que seu modo de replicação esteja baseado no pareamento complementar exato. 31 5.3. Estrutura do RNA As características distintivas do RNA são, como já foi visto, o açúcar ribose e a substituição da base pirimídica timina por uraci.lo. A ausência geral de igualdade na proporção de bases de guanina e citosina e de adenina e uracilo no RNA significa uma falta de complementariedade entre tais bases, isto é, a ausência de uma hélice dupla. Como regra geral, o RNA mantém, portanto, uma estrutura de filamento simples, ainda que algumas formas de RNA pareçam apresentar dois filamentos, como acontece em alguns vírus. Não obstante, mesmo quando apresenta a estrutura de filamento simples, a estabilidade do RNA é incrementada pela capacidade que a molécula apresenta para dobrar-se sobre si mesma, de modo que um pareamento ocasional de bases e algumas p0ontes de hidrogênio permitem a formação de certa estrutura helicóide. 6. ÁCIDOS NUCLEICOS X PROTEÍNAS A discussão precedente permite que se avance na solução do problema de identificação do material genético. De início, deve ser dito que, nos organismos eucariônticos, nem o RNA nem a proteína residual parecem ser o material genético por, pelo menos, duas razões. Em primeiro lugar, ocorrem em proporções relativamente reduzidas no cromossomo (o DNA e a histona formam um complexo que perfaz de 60 a 90% da massa do cromossomo). Em segundo lugar, as quantidades de RNA e proteína ácida residual variam com o estado metabólico do núcleo. Restam assim como candidatos ao material genético o DNA e a proteína básica (histonas ou protaminas). Ainda que as histonas pareçam ser relativamente complexas, a protamina possui uma estrutura simples, constituída em sua maior parte pela união de grupos do aminoácido arginina. Uma de tais proteínas (ou as duas) poderia ser o material genético? Conforme já foi mencionado, a diversidade de organismos bem como a diversidade entre os organismos deve exigir que o material genético seja capaz de transportar mensagens muito complexas. Ainda que os peixes não sejam os organismos mais complexos, parece difícil aceitar a idéia de que o material genético de um peixe seja uma cadeia proteica repetitiva, a protamina, composta principalmente por um só aminoácido. Como pode uma cadeia tão simples determinar a síntese de outras proteínas com 32 numerosos tipos de aminoácidos? Também parece estranho que, até a formação do esperma, o material genético possa ser uma histona que, então, converte-se em uma protamina. Por outro lado, a porção ácido nucleico é uma característica constante de todas as células e apresenta, como já foi visto, uma variabilidade muito superior à da protamina. Assim, conhecendo-se apenas a composição química da célula e, mais especificamente a do cromossomo, chega-se à conclusão de que o DNA é o candidato mais forte ao cargo de material genético. Outras provas, que serão discutidas a seguir, mostrarão ser realmente o DNA, pelo menos na maioria dos casos, o material genético. Em alguns casos, o RNA é o material genético. 7.1 Transformação Bacteriana em Pneumococos Nos mamíferos, a pneumonia é algumas vezes causada por uma bactéria denominada Streptococcus pneumoniae (também conhecida como Diplococcus pneumoniae), comumente conhecida como pneumococos. Existem dois tipos de células pneumocócicas. Em um tipo, a célula secreta considerável porção de material polisscarídico e forma uma grande capsula em torno de si. A colônia produzida por essas células tem uma aparência reluzente e é chamada lisa (S), do inglês “smooth”. No outro tipo de célula bacteriana, nenhuma camada de muco polissacarídico é secretada. A colônia formada por esse tipo de células tem aparência irregular e é chamada rugosa ®, do inglês “rough”. As “células lisas” (S) são virulentas, pois a capsula de polissacarídios impede que a bactéria seja fagocitada, mas as rugosas ® não são virulentas. Investigações sobre a forma S do peneumococo revelaram a existência de muitas espécies de capsulas diferentes, devido às diferenças nas composições químicas de seu polissacarídeo. Os pneumococos S foram classificados como tipo I-S, tipo II-S, tipo III-S, etc. Cada um destes tipos é herdado e, assim, as bactérias poderão reproduzir suas capsulas específicas por inúmeras gerações celulares. A capacidade de produzir um tipo específico de polissacarídio, portanto, é parte do genótipo do organismo. Eventualmente, uma bactéria S pode sofrer um evento conhecido como mutação, transformando-se em bactéria do tipo R (esse evento ocorre com uma freqüência de 1 por 106 ou 107 células). O próprio tipo R também é herdado, pois é reproduzido através das gerações. Uma cultura de células R pode, ocasionalmente, dar origem a uma célula S, por uma Segunda mutação. Quando isso ocorre, o tipo S é idêntico àquele da colônia lisa da qual foi obtido o mutante original R. Não obstante, qualquer tipo de bactéria é sensível ao calor e, se a temperatura eleva-se suficientemente, as bactérias morrem. 33 7.2. Os Experimentos de Griffith Examoes serológicos com pneumococos, os causadores da pneumonia, eram cruciais antes da era dos antibióticos, por serem anti-soros específicos essenciais na terapia de entãoEm uma série básica de experimentos, Frederick Griffith, um médico londrino, mostrou, em 1928, que as bactérias de um tipo, mortas pelo calor, podiam ter uma influência hereditária sobre as bactérias de outro tipo. Ele observou que ratos injetados subcutaneamente com uma pequena quantidade de uma cultura viva R, derivada de pneumococo tipo II, juntamente com um grande inóculo de células do tipo III-S, mortas pelo calor, freqüentementesucumbiam à infecção, e que do sangue desses animais conseguia-se obter pneumococo tipo III, em cultura pura. Embora este inusitado fenômeno de “metamorfose ou de transformação tivesse atraídop a atenção de Griffith, ele não se ocupou mais intensamente com o assunto. Em vez deste tema, ele preferiu se dedicar a outros aspectos da bacteriologia médica até que, em 1941, trabalhando em seu laboratório londrino do Ministério da Saúde, ele foi estraçalhado por uma bomba nazista, pois não estivera disposto a, continuamente interromper seu trabalho para refugiar-se nos abrigos subterrâneos antibombas, sempre que fosse soado o alarme de perigo (Hausmann, 2002). Os seguintes fatos levaram à conclusão de que deveria ter ocorrido uma mudança ou transformação do tipo II-R ao tipo III-S, por meio da transferência de alguma substância ativa: a linhagem R era avirulenta e incapaz, por si mesma, de causar pneumonia fatal; a suspensão aquecida de células do tipo III-S não continha organismos viáveis; o tipo II-R não muta ao tipo III-S. As observações originais de Griffith foram posteriormente confirmadas por Neufeld e Levinthal (1928), Baurhenn (1932) e por Dawson (1930). 7.3. Os Experimentos de Dawson e Sia Em 1931, Dawson e Sia foram capazes de induzir a transformação “in vitro”. Isso foi possível cultivando-se células R em um meio contendo soro anti-R e células S mortas pelo calor. Essa foi uma contribuição importante, pois passou a permitir que os experimentos fossem feitos de uma maneira mais cômoda, mais simples e mais barata. O uso de ratos implicava, obviamente, na criação, manejo, morte, etc. desses animais. 34 7.4. Os Experimentos de Alloway Em 1932, Alloway foi capaz de obter transformação “in vitro”, usando extratos de células S, que tinham sido separados de outros elementos e restos celulares por filtração. Dessa maneira, ele mostrou que extratos “não-purificados” contendo o material transformante ativo sob forma solúvel eram tão efetivos, na indução de transformação específica, quanto as células intactas a partir das quais os extratos foram preparados. 7.5. Os Experimentos de Avery, Macleod e McCarty Em 1934, no Instituto Rockfeller, nos Estados Unidos, Oswald T. Avery e seus colaboradores Colin M. Macleod e Maclyn McCarty começaram a trabalhar pacientemente para identificar o componente específico do extrato das células mortas que causava a notável modificação. Os trabalhos deles foram realizados em três etapas: isolamento e purificação da substância transformante; análise do material transformante purificado; e determinação quantitativa da atividade biológica do material purificado. 7.5.1. Isolamento e Purificação da Substância Transformante No isolamento e purificação da substância transformante, a partir de extratos de células pneumocócicas, Avery e colaboradores seguiram os seguintes passos: a) Cultivo das bactérias tipos III em caldo de coração de boi; b) Centrifugação do material e ressuspensão em solução salina (NaCl) com aquecimento da suspensão a 65oC por 30 minutos, para inativação das enzimas que destroem o princípio transformante; c) Três lavagens das células mortas com solução salina, para remover polissacarídio capsular, proteína, ácido ribonucleico e polissacarídio somático; d) Agitação das células com solução salina contendo desoxicolato de sódio, para extrair componentes celulares solúveis; e) Separação das células por centrifugação e repetição do processo de extração por 2 ou 3 vezes. Precipitação do extrato para adição de 3 a 4 volumes de álcool etílico. O desoxicolato de sódio sendo solúvel em álcool permanece no sobrenadante e assim é removido. O precipitado forma uma massa fibrosa que flutua na superfície do álcool e pode ser removido com uma espátula; f) O precipitado é redissolvido em solução salina e agitado com clorofórmio, para a extração de proteínas. O procedimento é repetido 2 a 3 vezes e o material é reprecipitado em 3 a 4 volumes de álcool. O precipitado obtido é dissolvido em um volume maior de solução salina, ao qual são adicionados 3 a 5 mg da enzima bacteriana capaz de hidrolisar o polissacarídio tipo III; 35 g) O material obtido é precipitado em 3 a 4 volumes de álcool etílico e o precipitado é redissolvido em solução salina. O processo de desproteinização pelo clorofórmio é novamente usado para remover a proteína enzimática adicionada e traços remanescentes de proteína pneumocócica; h) O material obtido é fracionado em álcool etílico que é adicionado gota a gota à solução, com agitação constante com um bastão. Na concentração crítica de álcool, o material ativo separa-se na forma de filamentos fibrosos que enrolam-se no bastão. O precipitado é removido do bastão e lavado em uma mistura de álcool e solução salina. A produção de material obtido pelo método descrito varia de 10 a 25 mg por 75 litros de cultura e representa a maior porção ativa do material ativo presente no extrato bruto original. 7.5.2. Análise do Material Transformante Purificado Depois de terem isolado e purificado o material transformante, Avery, Macleod e McCarty o submeteram a uma série de análises e testes: a) Testes Químicos Qualitativos – Avery e colaboradores verificaram que o material purificado deu resultado negativo, quando submetido aos testes do biureto e Millon, para proteína. O teste orcinol foi fracamente positivo para ácido ribonucleico, mas a reação difenilamina de Dische, para ácido desoxirribonucleico foi fortemente positiva. b) Análise Química Elementar – quatro preparações purificadas foram analisadas para os teores de N, P, C e H. Foi verificado, com base na relação N/P, que parecia haver pouca proteína ou outras substâncias contendo N ou P presentes como impurezas, pois se isso acontecesse, a razão N/P seria consideravelmente alterada; c) Análises Enzimáticas – foi constatado que tripsina, quimiotripsina e ribonuclease não tiveram efeito sobre o princípio transformante, indicando que esta substância não é nem ácido ribonucleico, nem proteína susceptível à ação das enzimas trípticas. Além das enzimas puras, eles também testaram preparações enzimáticas obtidas dos órgãos de vários animais: fostatases de osso de coelho e de rim de porco, polinucleotidase da mucosa intestinal de cachorro, autolisatos de pneumococos e soro de cachorro e coelho. Foi verificado que as preparações que destruíram o princípio transformante destruíram também amostras de ácido desoxirribonucleico obtidas de esperma de peixe e de tecidos de mamíferos. Adicionalmente, Avery, Macleod e McCarty testaram o efeito do soro de cachorro e de coelho sobre a atividade da substância transformante. O soro dos dois animais foi dividido em três partes: uma parte foi aquecida a 65oC por 30 minutos, outra a 60oC por 30 minutos e a outra não foi aquecida. Cada parte foi misturada com o material transformante e, depois de 2 horas, todas as misturas foram aquecidas por 30 minutos a 65oC, para parar a atividade enzimática. Cada material foi, então, testado para atividade transformada, misturando-o com células do tipo R. Eles verificaram que o soro não aquecido destruiu totalmente a atividade transformante. Por outro lado, as amostras de soro de cachorro aquecidas a 60 ou a 65oC, por 30 minutos, não determinaram perda da atividade transformante. Assim, nesse animal, a enzima do soro responsável pela destruição do princípio transformante é inativada a 60oC. Todavia, foi requerida a exposição a 65oC por 30 minutos para destruição da enzima correspondente do soro do coelho. As mesmas amostras de soro de cachorro e coelho usadas no experimento precedente
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