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1 SINPEEM 2019 MÓDULO 1: Módulo I – LUDICIDADE E DESENVOLVIMENTO INFANTIL 2 Apresentação do Curso Caros participantes, Primeiramente, sejam todos bem-vindos! Ao longo destas três semanas, vamos discutir e compartilhar conhecimentos sobre as contribuições dos jogos e brincadeiras na educação, a fim de compreender a importância das atividades lúdicas na prática pedagógica e de que modo podemos utilizá-las para favorecer os processos de ensino e aprendizagem. Pela experiência pessoal de todos nós, podemos dizer que as crianças vivenciam com grande intensidade e satisfação as atividades lúdicas (brincadeiras, jogos, histórias). Elas se entregam às suas brincadeiras, aos seus jogos, às suas histórias com vigoroso envolvimento. Com facilidade propõem-se a brincar, a jogar, a contar e a ouvir histórias, construindo um cenário imaginário no qual criam e representam diferentes personagens. Nos momentos de jogo, empenham-se com seriedade e prazer, procurando aprimorar, conhecer e desafiar suas habilidades. Desse modo, o "brincar" constitui uma dinâmica essencial ao ser humano, em relação ao desenvolvimento, à aprendizagem e à construção da cultura e da história humana. 3 Um recurso escolar pode tornar a aprendizagem mais atraente. Entretanto, nem sempre as atividades lúdicas são vistas como facilitadoras da aprendizagem. Concepções como essas não levam em conta a dimensão social da atividade humana que o jogo apresenta, tampouco que o brincar é uma atividade dotada de uma significação que contribui para o desenvolvimento de habilidades: físicas, cognitivas, sociais e afetivas. Além disso, os jogos e brincadeiras podem tornar as aulas mais estimulantes, prazerosas e significativas, contribuindo com a redução da evasão escolar e favorecendo à aprendizagem. Para isso, é essencial que os profissionais da educação conheçam as relações entre a ludicidade, os estágios do desenvolvimento e a vida sociocultural dos estudantes para avaliar quais atividades são mais adequadas aos interesses, conceitos, habilidades e ideias que vão ser trabalhadas e de que forma podem utilizá-las para atingir os objetivos pretendidos. Essa proposta vai ao encontro dos princípios e diretrizes do Currículo da Cidade (SME, 2017, p.15), o qual defende que a criança não deixa de brincar, nem se divide em corpo e mente ao ingressar no Ensino Fundamental. Ao contrário, ela continua a ser compreendida em sua integralidade e tendo oportunidades de avançar em suas aprendizagens sem abandonar a infância. 4 Por isso, é importante considerar “a organização dos tempos, espaços e materiais que contemplem as vivências das crianças no seu cotidiano, a importância do brincar e a integração de saberes de diferentes Componentes Curriculares, em permanente diálogo”. Esperamos que esse material possa contribuir com o seu desenvolvimento profissional e com a construção de ambientes de aprendizagens ricos e estimulantes! Desejamos a todos um bom curso! 5 Módulo I – Ludicidade e desenvolvimento infantil Neste módulo, estudaremos as contribuições do jogar e do brincar para o desenvolvimento das habilidades físicas, cognitivas, sociais e afetivas, a partir do ponto de vista de autores interacionistas clássicos, tais como Jean Piaget, Henri Wallon e Lev Vygotsky, bem como as recentes descobertas realizadas no campo das Neurociências. Além disso, abordaremos alguns aspectos produzidos de modo histórico-cultural que interferem no brincar e por isso requerem discussão. São alguns deles: o sexismo, o consumismo e o adultismo. Assim, para iniciar nossa conversa, gostaria que refletissem sobre as seguintes questões: Os jogos e brincadeiras podem contribuir para o desenvolvimento e a aprendizagem das crianças? Essas atividades fizeram parte de suas experiências? Você considera que o brincar se modificou com o passar do tempo? Existem brincadeiras próprias para meninos e meninas? 6 OS SENTIDOS E SIGNIFICADOS CULTURAIS DAS EXPERIÊNCIAS LÚDICAS Afinal, o que podemos chamar de experiências lúdicas? Qual a utilidade dessas vi- vências em nossa vida? Somente as crianças usufruem do lúdico? Johan Huizinga (1971), em seu livro clássico Homo Ludens: o jogo como elemento da cultura, defende a ideia de que o jogo tem uma função cultural e faz parte de sua estrutura desde os tempos mais remotos até a atualidade. Para este autor, o lúdico tem uma fun- ção tão importante para a constituição humana quanto a capacidade de fabricar objetos (Homo faber) e de raciocinar (Homo sa- piens). Assim, ele cunha a denominação de Homo ludens, que significa Homem Lúdico. LUDENS – Do latim ludere, significa, entre outros, “jogar, dar-se a um exercício, divertir-se, brincar, re- crear-se, folgar” (SARAIVA, 1993 ). 7 De acordo com Huizinga (1971), o jogo não produz apenas uma consequência fisiológica, mas transcende as necessida- des imediatas da vida e encerra em si um determinado sen- tido. Ele questiona: Por que uma multidão imensa pode ser leva- da ao delírio por um jogo? O que faz o jogador empenhar- se tão apaixonadamente? Em seguida, propõe que é justamente na intensidade do jogo, no seu poder de fasci- nação, de entusiasmo e arrebatamento que reside a essência e característica primordial do jogo: a diversão. De modo muito interessante, Huizinga (1971) organiza dez aspectos que caracteri- zam uma atividade como lúdica. São eles: O jogo é oposto à seriedade (cômico): diz respeito a um momento de descontração e de relaxamento. Embora, possa ser levado a sério, o que significa estar focado na ativi- dade. O jogo pode ser estético: ter vivacidade, graça, ritmo, harmonia, apresentar a beleza do corpo humano. Tensão, alegria e divertimento do jogo. 8 O jogo é uma atividade voluntária, é livre! Ou seja, quando sujeito a ordens, deixa de ser jogo. As pessoas brincam porque gostam e querem brincar. Assim, é possível, em qual- quer momento, adiar ou suspender a brincadeira. Geralmente é praticada nas “horas de ócio”. O jogo não é vida corrente: é diferente da vida real. É uma fuga do cotidiano, um “faz de conta”. Por isso, usamos a expressão “estou só brincando”. Dentro do círculo do jogo, as leis e costumes da vida perdem a validade. O jogo é desinteressado, improdutivo: ele situa-se fora do mecanismo de satisfação imediata das necessidades e dos desejos. Possui um fim em si mesmo. É uma atividade temporária: é um intervalo da vida corrente. Dura enquanto durar. Tem em vista a própria realização e pode ser repetido a qualquer momento. Possui movi- mento, alternância, associação. Pode ser transmitido de geração em geração, como tradi- ção, bem cultural. Tem um espaço determinado para ocorrer: por exemplo: tabulei- ro, campo, mesa, quadra, palco, arena. Cria uma ordem: porque depende de normas e regras para todos. As regras são absolutas e não permitem discussão. A menor deso- bediência estraga o jogo ou ele termina. 9 O jogo é cativante, fascinante e tenso: alegria e tensão se misturam no jogo. Há um esforço para se alcançar algo, um objetivo. São colocadas à prova as qualidades do jogador: sua força, habilidade, coragem, tenacidade, lealdade (às regras). O jogo une as pessoas: em times, clubes, encontros e favorece as relações sociais. Assim, de acordo com essa perspectiva, podemos chamar de atividades lúdicas não apenas as brincadeiras infantis, mas os jogos esportivos, as atividades artísticas, tais como a dança, o cinema, o teatro, as festas (Carnaval, Páscoa). No entanto, não fazem parte do escopo, dessa definição osjogos pedagógicos e os es- portes de alto rendimento. Nesse último, imperam a competição e as cobranças excessivas sobre os jogadores regidos sobre o imperativo do lucro. A essência lúdica, tal como defini- da por Huizinga (1971), não faz parte dessas atividades. E você? Quais jogos e brincadeiras fizeram ou fazem parte da sua vida? Quando crian- ça você brincava na rua? No pátio da escola? Quais eram seus jogos prediletos? Com quem costumava brincar? Quais eram os objetos que faziam parte destas atividades? O que você sentia quando estava jogando ou brincando? Mas, afinal, o que podemos chamar de jogo, brinquedo e brincadeira? 10 Considerando o trabalho de Kishimoto (1999), sabemos que é difícil elaborar uma definição de jogo que englobe a multiplicidade de manifestações concretas. Pois, os jogos são aprendidos de acordo com o contexto social e transmi- tidos pela linguagem. Além disso, um mesmo jogo, brin- quedo ou brincadeira pode assumir diferentes significados em culturas distintas. De acordo com a autora, jogo é uma atividade que possui um sistema de regras e objetos (tabuleiro, peças, cartas, bolinhas de gude) e exige o desempenho de habilidades específicas. Ele termina quando se chega ao objetivo ou quando há um ganhador. São exemplos de jogos: quebra-cabeça, charada, palavras cruzadas, paciência, dama, futebol, jogos de vide- ogame, queimada, amarelinha, buraco, pega-bandeira, esconde-esconde entre outros. Por outro lado, a brincadeira é uma atividade que pode ser tanto coletiva, quanto individual. Não há um tempo ou objetivo determinados para a brincadeira terminar. Brinca-se até a criança ou o grupo resolver fazer outra coisa. Depende muito mais de uma motivação interna do que de regras externas. Na brincadeira, pode-se modificar a ordem das situações vivenciadas, as regras, in- cluir novos membros, adotar as próprias regras. 11 O jogo “ornamenta a vida, ampliando-a, e nessa medida torna-se uma necessidade tanto para o indivíduo, como função vital, quanto para a sociedade, devido à sua significa- ção, seu valor expressivo e, em resumo, como função cultural”. (Huizinga, 1971, p.12) Oferece uma liberdade maior e contribui de modo fundamental para o desenvolvi- mento cognitivo, social e emocional da criança pequena, como veremos no próximo tópi- co. A autora classifica as brincadeiras como: Tradicionais (amarelinha, empinar pipa, jogar pião, bolinha de gude), De faz de conta (mamãe e filhinho, mecânico, escolinha) e De construção (quebra-cabeça, boliche, quadrilha). Já o brinquedo é um objeto que dá suporte à brincadeira. Ele pode ser estruturado, ou seja, pronto e comercializado (carros, boneca, super-heróis) ou não estruturado, objetos que serão usados conforme a criatividade e imaginação da criança adquirindo outro significado ou representação, tais como a vassoura que pode “transformar-se” em um cavalo. 12 É importante salientar que alguns pesquisadores, tais como Schmidt (2012), questionam a influência dos brinquedos industri- alizados no desenvolvimento das crianças, tanto em re- lação ao incentivo ao consumo, ao isolamento (em contraposição à sociali- zação oferecida por meio das brincadeiras tradicionais), à capacidade de cri- ar e imaginar, quanto à imposição de certas concepções identitárias do que é ser criança, da adultização infantil (erotizada, à frente do seu tempo) e de certos padrões de beleza, estilo, gênero e prestígio. Por exemplo, atualmente (e finalmente!) vemos bonecas negras sendo cada vez mais produzidas em nosso país, o que era difícil. A referência predominan- te para nossas crianças era a boneca Barbie e outras que apresentavam o mesmo tipo físico feminino dos países de primeiro mundo. Se considera- mos o Brasil como um país com maioria de afrodescendentes, como fica a questão identitária? Alguns projetos atuais, como o Tree Change Dolls, se propõem a trocar a aparência sexy e de beleza padrão que as bonecas costumam apresentar por algo mais realista e que faça parte do dia a dia das crianças. Assim, Sonia Singh, artista responsável pela pro- posta, modifica as faces e as vestimentas das bonecas. Além disso, sabemos que diferentes recursos de marketing e publici- dade são usados para atrair e seduzir as crianças. 13 Assim, os objetos veiculados na mídia e no mercado acabam atuando no imaginário infantil, incentivando o consumismo desde a infância. Deste modo, as crianças podem sofrer e sentirem-se inferiores por não ter o tal brin- quedo. Mesmo após ganhar determinado brinquedo, elas já desejam outro que veem na pro- paganda porque a chegada de produtos novos no mercado acontece diariamente. Por esse motivo, o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda) e a Secretaria dos Direitos Humanos elaboraram a Resolução 163, publicada no Diário Oficial da União, em 04 de abril de 2014, que considera abusiva a prática do direcio- namento de publicidade e comunicação mercadológica à criança com a intenção de persu- adi-la para o consumo de qualquer produto ou serviço. No entanto, ela ainda não entrou totalmente em vigor, pois de acordo com um estudo divulgado pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), na época, em São Paulo, esta ação poderá representar uma perda para a economia estimada em R$ 33 bilhões. Assim, esta legisla- ção ainda será muito debatida. ASSISTA ... Documentário: Criança: a alma do negócio https://www.youtube.com/watch?v=1ZGEeff6gAY 14 O papel dos jogos e brincadeiras no processo de desenvolvimento Antes de exploramos as contribuições do brincar nas dimensões afeti- vas, cognitivas e sociais da criança em desenvolvimento, é importante lembrar que brincar é um direito da criança, assim como ter acesso a uma boa alimentação, a uma educação de qualidade e a um atendi- mento médico adequado. Juridicamente, esse direito é garantido pela Declaração Universal dos Direitos Huma- nos (1948) que estabelece em seu artigo 24 “o direito ao repouso e ao lazer”. Já, a Decla- ração dos Direitos da Criança (1959), em seus artigos 4 e 7, confere aos meninos e meni- nas o “direito à alimentação, à recreação, à assistência médica” e a “ampla oportunidade de brincar e se divertir”. SAIBA MAIS... Resolução do Conanda http://criancaeconsumo.org.br/noticias/publicidade-dirigida-as-criancas-deve-acabar/ Reportagem sobre o fim da publicidade infantil http://www.brasilpost.com.br/2014/12/12/fim-da-publicidade-infantil_n_6313624.html 15 Mais recente, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), em seu artigo 16, estabelece o direito a “brincar, praticar esportes e divertir-se”, pois é uma atividade reconhecida como basilar para um desenvolvimento pleno e saudável das crianças. Como apresentado no documentário Território do brincar (2012), dirigido pelos docu- mentaristas Renata Meirelles e David Reeks, realizado em parceria com o Instituto Alana, a brincadeira é nosso primeiro modo de experimentação do mundo. O brincar é a linguagem da criança! Assim, uma das propostas deste curso é a de que possamos resgatar esse gosto pela brincadeira e reconhecer as diferentes contribuições que essa atividade primordial oferece para nossa constituição social, cultural e individual, tanto nos planos afetivo e intelectual, quanto das sociabilidades. ASSISTA ... Documentário “Território do brincar: um encontro com a criança brasileira” https://www.youtube.com/watch?v=xTapOP0YmpE Trailer do documentário Território do brincar no link: https://www.youtube.com/watch?v=NtX- lOAdvRM 16 “ “ Toda experimentação é brincadeira. O cientistano laboratório também está brin- cando. A forma como a ciência se desenvolve é brincadeira. A criança é justa- mente este ser que tem isso como prática habitual de construção de conheci- mento e desconhecimento do mundo. Território do brincar (2012) 17 As perspectivas teóricas de Piaget, Vygotsky e Wallon A teoria de Jean Piaget (1896-1980) trouxe contribuições sumá- rias, tanto para o campo da psicologia, quanto para o da educa- ção, ao investigar o modo de raciocínio das crianças, ou seja, os mecanismos mentais que as pessoas usam nas diferentes etapas da vida para entender o mundo. Seu objetivo era o de traçar uma epistemologia genética, o que significa criar uma teoria sobre a origem e desenvolvimento da inteligência. Uma de suas primeiras conclusões foi a de que as crianças são pensadoras ativas tentando compreender o mundo. Embora, Piaget (1964) não tenha desenvolvido sua teo- ria pensando em aplicá-la na educação, é considerado como um dos pensadores do sécu- lo XX que mais contribuíram para a renovação das teorias pedagógicas nos anos de 1950- 1960 sobre os processos de construção da inteligência e de aprendizagem. Na época, pre- valecia o modelo tradicional de ensino, que concebia os alunos como “lousas em branco”, prontos a receber todo o conhecimento do professor (detentor do saber), de modo obe- diente e passivo. De acordo com Piaget (1964), a inteligência não vem pronta ao nascer, ela é constru- ída na medida em que a criança explora o mundo, por meio de seus gestos, movimentos, de sua interação com os adultos, manipulando objetos, de modo ativo e sustentado por toda a curiosidade que nos faz essencialmente humanos. Somos investigadores natos. 18 Assim, a estimulação da inteligência da criança por meio de atividades e recursos fa- voráveis é fundamental para que ela se desenvolva ao máximo. O desenvolvimento da inteligência se dá por meio dos processos de desequilíbrio, as- similação, acomodação e adaptação que permeiam os quatro estágios de desenvolvimento propostos por ele: o estágio sensório-motor (0 a 24 meses), o estágio pré-operacional (2 a 6 anos), o estágio operacional concreto (7-12 anos) e o estágio operacional formal (12 anos em diante). Essas etapas se sucedem de modo ordenado, sequencial e as estruturas men- tais modificam-se a partir das aquisições anteriores. Piaget (1964) propôs uma classificação com três modalidades de jogos que as crianças exercem de modo correspondente às características do estágio no qual se encontram: Jogos de exercício sensório – motor: atividades de encaixar, produzir sons, balançar, pegar, morder, andar, correr, pintar, saltar. São marcadas pelo prazer funcional e modos de exploração do mundo próprios do período sensório-motor. Jogos simbólicos: nos quais a criança assimila e transforma o real em função de seus desejos. Nos jogos de faz de conta, a criança se expressa, realiza seus sonhos e fantasias, revela conflitos, medos e angústias, desenvolve a criatividade, a imaginação e alivia-se de tensões e frustrações. Essa atividade predomina entre os dois e os seis anos. 19 Jogos de regras: começam fazer parte do interesse das crianças por volta dos cinco anos, na idade escolar e predominam entre os sete e doze anos. Neste período, a criança desenvolve atividades lúdicas por meio dos trabalhos escolares, desenhos, representações teatrais, jogos de construção, de regras e também de computador. Os jogos de regras são ferramentas importantes para a socialização e requerem, dentre outras, as capacidades de controlar impulsos, respeitar os combinados e colocar-se no lugar do outro. Esses continu- am a fazer parte da vida do indivíduo na fase adulta. De outra perspectiva, Vygotsky (1896-1934), psicólogo e professor judeu-russo, bas- tante influenciado pela teoria marxista, ressaltou a importância das experiências sociais e culturais no plano psíquico, na forma como aprendemos e desenvolvemos nossas aptidões e habilidades. Para Vygotsky (2007), o homem é um ser sócio histórico. Assim, as condições de vida, a cultura, o momento histórico e os subgrupos dos quais a pessoa pertence influenciam sobremaneira o que a pes- soa vai aprender ou não e como isso irá ocorrer. Assim como Piaget, ele defende a ideia de que não nascemos prontos, as habilidades irão se desenvolver naturalmente. Para ele, nos constituímos enquanto sujeitos de acordo com nossas experiências e com o plano ge- nético (características biológicas, genéticas, hereditárias). Ele afirma que todo homem nas- ce com capacidade para aprender, mas essas aquisições vão depender do meio social no qual a pessoa se encontra. 20 As habilidades, conhecimentos e aptidões, os signos e seus significados compartilha- dos por determinado grupo social podem ser internalizados a partir da interação da criança com parceiros mais experientes. Segundo Vygotsky (2007), é papel da educação garantir o desenvolvimento de apti- dões e possibilitar o acesso dos indivíduos aos elementos construídos pelo homem sócio culturalmente. O professor é um mediador da relação da criança com o mundo. Neste sentido, ele propõe que o jogo: É o primeiro instrumento utilizado para a aquisição do conhecimento. Promove a transmissão de cultura: objetos, valores, normas, modos de ser e agir, costumes, crenças, tradições, conhecimentos. Estimula a criatividade e a incorporação de papéis sociais. Colabora com a aquisição da linguagem. Favorece assim a função comunicativa, a capacidade de decodificar o contexto e aprender a falar (brincadeiras mãe- filho). É prazeroso e envolvente. 21 Henri Wallon (1879-1962) também foi um teórico sociointeracionista que elaborou uma teoria do desenvolvimento humano na qual buscou integrar todo o conhecimento elaborado até então, para privilegiar a pessoa em sua totalidade, a pessoa completa. Para Wallon (2007), o desenvolvimento engloba quatro elementos funcionais: a inteligência, a afetividade, o movimento e a pessoa. Assim como Vygotsky, ele defende que esse processo ocorre a partir da influência do meio, da cultura, bem como das características individuais e das condições de existência. No entanto, considera que o desenvolvimento “é um movimento da total dependência pa- ra a independência”, ou seja, se dá na busca da individualização, da autonomia que se ini- cia pela afetividade. Pois, o choro do bebê e as trocas afetivas estabelecidas com as pesso- as mais próximas constituem-se como as primeiras formas de comunicação do indivíduo com o mundo. É, portanto, na situação de brincar, que as crianças se colocam questões e desafios além de seu comportamento diário, levantando hipóteses, na tentativa de compreender os problemas que lhes são propostos pela realidade na qual interagem. Assim, ao brincarem, constroem a consciência da realidade e, ao mesmo tempo, vivenciam a possibilidade de transformá-la . (VYGOTSKY, 2007, p.113) 22 Do mesmo modo que Piaget, Wallon (2007) definiu quatro tipos de jogos praticados ao longo das etapas do desenvolvimento, são eles: Jogos funcionais: movimentos simples de exploração do corpo, através dos sentidos. Estender e encolher braços e pernas, tocar objetos, produzir sons. Re- petir efeitos agradáveis e interessantes. Jogos de faz de conta: imitação, representação, assumir papéis presentes no seu contexto social. Por exemplo: brincar de mamãe-filhinho. Jogos de aquisição: envolvem compreender, conhecer, imitar: canções, ges- tos, sons, imagens e histórias. Jogos de fabricação: atividades manuais de criar, combinar, juntar e trans- formar objetos. Wallon (1972) também enfatiza a importânciado trabalho pedagógico com as duas dimensões do movimento da criança: a expressiva (ou afetiva) e a instrumental (ou cogniti- va). A primeira tem a função de comunicar necessidades, desejos, sentimentos, emoções, ideias e favorece o autoconhecimento e a interação social. Para Wallon, brincar e jogar são atividades que estimulam os campos da afetivida- de, do movimento e da cognição, pois, promovem o autodomínio, a socialização, a aten- ção,“ a coordenação (pensamento), a expressão de si e, desse modo, a individualização. 23 A segunda possibilita a exploração do mundo e de seus objetos nos atos de abrir, fe- char, pegar, cortar, falar, andar, escrever, coordenar e conter movimentos. Para Garanhani e Nadolny (2008, p.66): Desde que nascem, as crianças se movimentam e, progressivamente, apropriam-se de possibilidades corporais para a interação com o mundo. Por meio do movimento, aprendem sobre si mesmas, relacionam-se com o outro e com os objetos, desenvolvem suas capacidades e aprendem habilidades. Portanto, o movimento é um recurso utilizado pela criança, para o seu conhecimento e do meio em que se insere, para expressar seu pensamento e também experimentar relações com pessoas e objetos. Pelos gestos, posturas corporais, o professor pode identificar áreas cognitivo-afetivas a serem trabalhadas com o aluno. Dessa forma, o movimento pode ser considerado como uma linguagem não-verbal que permite à criança agir no meio em que está inserida, através da expressão de suas in- tenções e construção de relações de comunicação. Assim, o corpo em movimento constitui a matriz básica da aprendizagem infantil e o trabalho com este dimensão favorece os processos de ensino-aprendizagem. Atividades por meio das quais as crianças podem se divertir, criar, interpretar, se re- lacionar com o mundo em que vivem, considerando o corpo que se expressa, interage e se movimenta atuam como um instrumento do fortalecimento da criança enquanto sujeito completo. Na educação infantil atividades psicomotoras podem ser consideradas como instru- mentos altamente valiosos para estimular o desenvolvimento da criança. 24 Na perspectiva de propiciar o desenvolvimento global da criança, devemos trabalhar do modo integrado e nos ocuparmos da criança como um todo, explorando atividades cor- porais, intelectuais e o aprender com situações lúdicas, mediadas pelo prazer do brincar. ASSISTA ... A entrevista com o Prof. Dr. Marco Santoro, realizada pelo Instituto Alana (2012) <https://www.youtube.com/watch?v=TC3RpoTFb1w&t=614s> Acesso em: 24/05/2017. 25 A perspectiva das Neurociências Atualmente, a educação compreende que é importante considerar os aspectos neu- robiológicos, a herança genética, a interação com o meio ambiente e o contexto cultural no qual os estudantes estão inseridos, pois essas dimensões exercem grande impacto so- bre a forma como o aluno aprende. Deste modo, é possível criar e selecionar estratégias pedagógicas mais favoráveis para a aprendizagem. Por isso, nos últimos anos, temos visto um aumento significativo de pesquisas nacionais e internacionais sobre a interlocução entre a neurociência e a educação. Nesse campo de estudos, são investigados os processos cognitivos necessários para planejar e direcionar atividades, executar ações, controlar movimentos e regular as emo- ções. Essas habilidades estão ligadas à nossa capacidade de sustentar a atenção, iniciar atividades, monitorar nosso desempenho, controla (inibir) impulsos e realizar tarefas com foco e persistência. SAIBA MAIS... Neurociência é uma área de estudo interdisciplinar que investiga o funcionamento do sistema nervoso sob diversas óticas a fim de compreender como nossas vivências, experiências e tempo de vida modificam os circuitos neurais que interferem no desenvolvimento mental. Isso inclui as investigações sobre como aprendemos, como nos desenvolvemos e como podemos auxiliar as pessoas que sofrem de distúrbios/transtornos cerebrais e comportamentais. (Cosenza; Guerra, 2011) 26 Todos esses processos estão englobados no conceito “guarda-chuva” que os neuro- cientistas denominam de Funções Executivas. Essas funções começam a aprimorar-se durante a primeira infância e atingem sua maturidade no final da adolescência e início da vida adulta. Deste modo, os primeiros anos de vida requerem o auxílio de um cuidador ou responsável para nos ajudar a desen- volver essas competências até que possamos incorporá-las e executá-las com autonomia. 27 O lobo frontal é a região do cérebro responsável pelo desenvolvimento dessas habilida- des. Veja na figura a seguir: Neste sentido, os jogos são ferramentas importantes para o aprimoramen- to das habilidades executivas! Assim, por exemplo, no jogo pega-varetas, os participantes precisam seguir as regras, planejar suas ações, coordenar movimentos, tomar decisões, prestar atenção nas jogadas dos oponentes e nas suas, dentre outros. 28 Deste modo, os jogos desenvolvem competências e atitudes que se tornam proprie- dades das crianças (Macedo, 2008). As crianças passam a ter outros posicionamentos diante dos desafios. Nas situações de jogo, lidamos com situações que envolvem a cooperação, competição, o ganhar e o perder, o sucesso e o fracasso, reforçando nossa capacidade de gerenciar e controlar nos- sas emoções, adiar gratificações e fortalecer nossa determinação, perseverança e autodis- ciplina. A partir dessas contribuições, podemos concluir que o brincar e o jogar favorecem o desenvolvimento de habilidades físicas, cognitivas, sociais e afetivas. Dentre elas: a criativi- dade, o raciocínio lógico, a representação simbólica, o planejamento, a capacidade de res- peitar regras, de considerar diversos pontos de vista e de criar vínculos consistentes, as- pectos que encorajam a autonomia e são necessários para que a criança gradualmente en- tenda a si própria, sua cultura, sua importância na vida dos outros e futuramente na socie- dade. 29 De modo resumido, os jogos favorecem o desenvolvimento das seguintes habilidades: ASSISTA ... Vejam a aplicação das Neurociências na vida das pessoas nesses dois episódios da série desenvolvida pelo jornal da Rede Globo, “Cérebro, máquina de aprender”. Episódio 1 - https://www.youtube.com/watch?v=k58enXTJyy4 Episódio 2 - https://www.youtube.com/watch?v=HcUNOywRbhI Experiências do brincar diferenciadas pelo sexo e pelas escolhas das crianças Para finalizar este módulo, é interessantes discutirmos ainda a seguinte questão: existem brincadeiras específicas para meninos e meninas? De acordo com Hislam (2006), desde a mais tenra idade as crianças aprendem sobre os papéis sexuais, preferências e certos tipos de brincar que são mais apropriadas para cada gênero. 30 De maneiras indiretas, os adultos influenciam imensamente os parâmetros segundo os quais as crianças brincam. As divisões das brincadeiras em “coisas de menino” e “coisas de menina” é algo produzido histórica e culturalmente, portanto não correspondem a uma escolha própria e natural das crianças. Assim, é importante oferecermos possibilidades mais amplas para as crianças brincarem, evitando a perpetuação de estereótipos prejudici- ais, como no caso do racismo e do sexismo. A autora indica que é importante priorizarmos: a variabilidade do contexto do brincar envolver a criança na escolha, na discussão e no planejamento do brincar aproveitar experiências de seu contexto social participar do brincar infantil questionar suposições pessoais e profissionais sobre gênero. No entanto, precisamos refletir sobre as seguintes questões: porque há um incômodo na utilização de brinquedos independentemente do gênero? Por que uma menina que joga futebol ou um garoto que gosta de panelinhas incomo- da? Quais são as questões dos adultos que os levam a crer que essa brincadeira seja pro- blemática? 31 Considerando que a brincadeira seja uma preparação para a vida, uma forma de expressão e de exploração do mundo, o tipo de brinquedo escolhido não irá determinar as preferências sexuais fu- turas das crianças, como erroneamente possa se supor de modo conservador e ingênuo. Ao invés disso, poderíamos entender que um garoto que brinca com bo- necas será um bom pai quando adulto, ou ainda, entender que uma ga- rota que gosta de brinquedos complexos poderá ser uma boa pesquisa- dora. Ainda, de acordo com a reportagem do G1 (2014) e com o IBGE, (2010), pelo menos, 38,7% dos 57,3 milhões de domicílios registrados são co- mandados por mulheres. Sendo que, em mais de 42% destes lares, a mulher vive com os filhos, sem marido ou companheiro. Em relação ao tipo de composição familiar, as mu- lheres aparecem como chefes de 87,4% das famílias de pessoas sem cônjuge e com fi- lhos. Diante desse cenário, é muito importante que os contextos educacionais favoreçam a compreensão dos futuros pais em relação à responsabilidade paterna. 32 A concepção errônea de que o “filho é da mãe”, ou seja, de que o cuidado dos filhos (cuidados básicos, levar ao médico, participar de reuniões escolares) é obrigação exclusiva da mulher, apenas as sobrecarregam e exonera os homens de seu devem em relação aos filhos, cuja participação efetiva também é essencial para o desenvolvimento da criança. Assim, “independentemente da sua relação com a realidade, a criança tem que ter a liberdade de escolher como e com o que quer brincar. Punir uma criança por agir de forma diferente do esperado, apenas transforma sua curiosidade em uma experiência monótona de uma realidade que não permite diferenças”. (FERRARI, 2016) SAIBA MAIS... http://brasilescola.uol.com.br/psicologia/diferencas-entre-as-brincadeiras-meninos- meninas.htm Neste módulo discutimos as contribuições dos jogos e brin- cadeiras para o desenvolvimento. No próximo módulo veremos de que forma os jogos e brin- cadeiras podem tornar as situações de aprendizagem mais fa- voráveis e efetivas! Aguardo vocês lá! 33 MATERIAIS COMPLEMENTARES Artigo: Pereira, M.A.C.M.; Amparo, D.M.; Almeida, S.F.C. O brincar e suas relações com o desenvolvimento. Psicol. Argum. Curi- tiba, v.24, n. 45, p.15-24, 2006. Vídeo: A Importância do Brincar - Tisuko Kishimoto (USP) https://www.youtube.com/watch?v=0al1A_UBdWA Projeto Tree Change Dolls https://www.youtube.com/watch?v=lG-7e1vaB18 Cursos presenciais: Instituto Brincante SP: http://www.institutobrincante.org.br/ REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BRASIL. Estatuto da criança e do adolescente: Lei federal nº 8069, de 13 de julho de 1990. Rio de Janeiro: Imprensa Oficial, 2002. COSENZA, R.M.; GUERRA, L.B. Neurociência e Educação: como o Cérebro Aprende. Porto alegre: Artmed, 2011. G1, 2014 in ALVES, C. Mais mulheres são chefes de família e jovens optam por ser mãe mais tarde. Em G1-Economia, 2014. Disponível em: http://g1.globo.com/economia/noticia/2014/10/mais-mulheres-sao-chefes-de-familia-e-jovens-optam-por-ser- mae-mais-tarde.html FERRARI, Juliana Spinelli. "Diferenças Entre as Brincadeiras de Meninos e Meninas"; Brasil Escola. Disponível em <http://brasilescola.uol.com.br/psicologia/diferencas-entre-as-brincadeiras-meninos-meninas.htm>. Acesso em 24 de fevereiro de 2016. HISLAM, Jane. Experiências do brincar diferenciadas pelo sexo e pelas escolhas das crian-ças. In: MOYLES, Jane et. al. A excelên- cia do brincar. Porto Alegre: ARTMED, 2006. p. 50-62. HUIZINGA, J. Homo Ludens: o jogo como elemento da cultura. São Paulo: Editora da USP:1971. KISHIMOTO, T.M. (Org). Jogo, brinquedo, brincadeira e a educação. São Paulo: Cortez, 1999. MACEDO, L.M.; PETTY, A.L.S.; PASSOS, N.C. Os Jogos e o lúdico na aprendizagem escolar. São Paulo: Artmed, 2008. ONU. Declaração Universal dos Direitos Humanos. 1948. Disponível em: <http://www.ohchr.org/EN/UDHR/Documents/UDHR_Translations/por.pdf. Acesso em 24/02/2016> . 34 ONU. Declaração Universal dos Direitos da Criança. 1959. Disponível em: http://www.dhnet.org.br/direitos/sip/onu/c_a/ lex41.htm. Acesso em 24/02/2016. PIAGET, J. Seis Estudos de Psicologia. Rio de Janeiro: Forense, 1967. [Six Études de Psichologie, 1964] PIAGET, J. A formação do símbolo na criança: imitação jogo e sonho, imagem e representação. Rio de Janeiro: Zahar, 1978. PIAGET, J. O Nascimento da Inteligência na Criança. Rio de Janeiro: Guanabara, 1987 SARAIVA, F. R. S. Novíssimo Dicionário Latino-Português. Rio de Janeiro; Garnier, 1993 (10ª edição). SÃO PAULO (Estado). Secretaria Municipal de Educação. Coordenadoria Pedagógica. Currículo da Cidade: Ensino Fundamental: Língua Portuguesa. São Paulo: SME / COPED, 2017. 180p. il. Bibliografia. ISBN 978-85-8379-052-5 (versão impressa). VYGOTSKI, L.S. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes, 2007. WALLON, H. A evolução psicológica da criança. São Paulo: Martins Fontes, 2007. VYGOTSKY, L. Pensamento e linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 1984. VIGOTSKII, L.S.; LURIA, A. R.; LEONTIEV, A. N. Linguagem, desenvolvimento e aprendizagem. 10ª ed. São Paulo: Ícone, 2006. Cap. 6. WAJSKOP, G. Brincar na Pré-escola. 6ª ed. São Paulo: Cortez, 2005. WALLON, H. Psicologia e educação da infância. Lisboa: Estampa, 1975. CRÉDITO DAS IMAGENS Created by Brgfx - Freepik.com Created by Freepik Created by Brgfx - Freepik.com Created by Ddraw - Freepik.com
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