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Apontamentos de Biologia Celular e Molecular I Mestrado Integrado em Medicina Dentária – 1ºano 1ºsemestre 1. Introdução à Biologia Celular 1.1. A descoberta da célula. Evolução do conceito de célula A matéria é constituída por átomos que se associam formando moléculas. Da interacção de moléculas complexas resultam estruturas macromoléculares que, no seu conjunto, constituem a unidade básica de estrutura e função dos seres vivos: a célula! A evolução de técnicas de observação desempenhou um papel essencial na evolução das ideias sobre as células. Até meados do século XVII, a existência das células foi totalmente ignorada. Em 1665, Robert Hooke, físico, astrónomo e naturalista inglês, publicou um conjunto de desenhos relativos a observações realizadas com o auxílio de um microscópio que ele próprio construiu. Hooke observou que a cortiça e outros tecidos vegetais são formados por pequenas cavidades separadas por tabiques e a estas cavidades deu o nome de célula, o que significa “pequenas celas”. Da célula Hooke apenas viu as paredes celulares, sem antever a sua natureza real e a sua individualidade, contudo o seu trabalho encorajou muitos outros cientistas a utilizar o microscópio na observação do material biológico. Mais tarde o botânico inglês Mathias Scheiden propôs que todas as plantas eram constituídas por células, no ano a seguir essa generalização foi estendida aos animais por Theodor Schwann. Desta forma surgiu então as primeiras bases da teoria celular. 1.2. A célula como unidade biológica. Teoria Celular Na sequência das novas observações e generalizações, Shleiden, 1838, lançou a hipótese que cada célula apresenta uma vida dupla, agindo como um pequeno organismo independente e contribuindo, para a vida do organismo de que faz parte. Ao mesmo tempo, Schwann, trabalhando com células animais, concluiu que as suas observações podiam ser interpretadas de acordo com as ideias de Schleidn para a célula vegetal. Dentro dessa linha produziu a seguinte generalização, expressa num dos seus textos: “…as partes elementares de todos os tecidos humanos são formados por células…portanto, pode-se dizer que há um princípio universal de desenvolvimento para as partes elementares dos organismos, embora sejam diferentes entre si, e este princípio é a formação de células”. Apontamentos de Biologia Celular e Molecular I Mestrado Integrado em Medicina Dentária – 1ºano 1ºsemestre Shleiden e Schwann estabeleceram assim claramente a ideia de que as células são as unidades estruturais básicas dos seres vivos, desde os unicelulares até aos pluricelulares mais complexos. Esta Generalização bastante importante passou a constituir uma teoria que é a pedra basilar da Biologia – Teoria Celular. Esta teoria foi adquirindo progressivamente significados mais amplos à medida que os investigadores chegavam a novas conclusões sobre os fenómenos que se processam a nível da célula. Assim em 1958 Rudolf Virchow postulou que a célula não é só a unidade estrutural dos seres vivos como também a unidade fisiológica. Mais tarde este investigador faz outra generalização ao afirmar que as células têm sempre origem noutras pré-existentes. Mais recentemente foi acrescentada à teoria celular outra generalização – as células contêm o material hereditário através do qual as características específicas passam de uma célula mãe para outras – células filhas. Desta forma a Teoria Celular tem três ideias principais: a) Todos seres vivos são formados por células e por seus produtos. Portanto, as células são as unidades morfológicas dos seres vivos; b) As actividades fundamentais que caracterizam a vida ocorrem dentro da célula. Portanto, as células são as unidades funcionais ou fisiológicas dos seres vivos; c) Novas células se formam pela reprodução de outras células preexistentes, por meio da divisão celular. Esta última ideia foi uma conclusão de Rudolph Virchow (patologista alemão) em 1855. Ele resumiu essa ideia em uma frase em latim, que se tornou famosa: "Ommis cellula ex cellula" 1.3. Matéria viva e não viva. Noção de vírus Por mais simples que possa parecer, ainda é muito difícil para os cientistas definirem vida com clareza. Muitos biólogos tentam a definir como um "fenómeno que anima a matéria". São muitas as definições de vida, no entanto actualmente para se considerar um sistema vivo este deve poder: a) Elaborar os seus próprios constituintes a partir dos materiais disponíveis à sua volta; b) Extrair energia do seu meio ambiente e convertê-la em diversas formas de trabalho necessárias para manter a vida; c) Catalisar numerosas reacções químicas necessárias às suas actividades; d) Informar os seus processos biossintéticos e outros de forma que a sua reprodução precisa esteja garantida; e) Isolar-se de maneira a conservar um controlo estrito sobre as trocas com o exterior; f) Exercer sobre as suas actividades uma regulação de modo a que a sua organização dinâmica seja mantida apesar das variações do meio; g) Multiplicar-se; Apontamentos de Biologia Celular e Molecular I Mestrado Integrado em Medicina Dentária – 1ºano 1ºsemestre Deste modo, segundo Daniel Koshland Jr., existe 7 pilares para definir vida: 1) Programa; 2) Improvisação; 3) Compartimentação; 4) Energia; 5) Regeneração 6) Adaptabilidade; 7) Seclusão (privacidade no mundo social do universo). 1.4. Noção de vírus Os vírus são os mais pequenos organismos vivos que se conhecem. O estudo sobre a sua natureza – seres vivos ou não vivos – tem gerado enormes controvérsias. Quando isolados comportam-se como partículas de matéria inerte, não manifestando fenómenos vitais. Não se alimentam, não se multiplicam e cristalizam. Todavia, instalados no interior de um organismo vivo, passam a utilizar o metabolismo deste em proveito próprio, pelo que parasitam e só assim adquirem vida. Dimensões O tamanho dos vírus é de tal forma reduzido que só são observáveis ao microscópio electrónico. A sua pequena dimensão permite-lhes atravessar os filtros que retêm as bactérias. São 10 a 100 vezes menores que as bactérias e têm um comprimento entre 0,2 e 0,02 µm. Metabolismo Os vírus são entidades de constituição tão simples, que nem tão pouco têm enzimas e consequentemente não podem sintetizar as substâncias necessárias à vida. Não conseguem promover a sua própria energia. Por tal motivo, tornam-se obrigatoriamente parasitas das células que invadem e cujo metabolismo desviam em seu próprio benefício. Só assim, entram em actividade biológica e se multiplicam. Quando isolados, portanto no exterior das células, cristalizam, comportando-se como partículas de material mineral. Constituição Os vírus são formados por um invólucro de natureza proteica, chamado cápside, envolvendo uma molécula de material genético – um só ácido nucleíco Apontamentos de Biologia Celular e Molecular I Mestrado Integrado em Medicina Dentária – 1ºano 1ºsemestre (ADN ou ARN). Este material genético tem certa facilidade em sofrer alterações bruscas, chamadas mutações, que transmitem aos seus descendentes. Classificação Quanto à natureza do hospedeiro, podemos classificá-los em parasitas de plantas, parasitas de animais e parasitas de bactérias. São responsáveis por muitas doenças das plantas (por exemplo escamação), doenças humanas como a poliomielite e a vulgar constipação e por doenças de outros organismos. Certos vírus atacam bactérias e os microbiólogos deram o nome de bacteriófagos a esses mesmos vírus. Meios de cultura Uma vez que são parasitas obrigatórios, só podem ser cultivadoslaboratorialmente em tecidos vivos ou ovos embrionários. Acção patogénica A palavra vírus significa “veneno” e foi atribuída a estes seres, atendendo aos malefícios que causam nas células parasitadas. No interior das células invadidas há a fabricação de material vírico, à custa dos materiais celulares até que aparecem nesse dito interior novos vírus, que geralmente por rebentamento da célula são libertados e invadem as células vizinhas. Chama-se ciclo viral ao conjunto de acontecimentos decorridos desde a penetração do vírus na célula até à libertação dos novos vírus formados. A Agressão viral é pois uma invasão directa e local que decorre apenas nas células parasitadas acabando por as destruir. Os antibióticos não conseguem combater a agressividade dos vírus, que lhes são insensíveis. As doenças provocadas por estes agentes patogénicos são conhecidas como viroses. Muito basicamente um vírus é Adn ou Arn mais proteínas e desta forma não se consideram um ser vivo pois não se reproduz, necessitando das enzimas presentes nas células para a replicação. Podem ser lisogénicos se infectam a célula mas não a matam, propagando-se pela multiplicação das células. São parasitas intracelulares absolutos, visíveis apenas ao microscópio electrónico. Apontamentos de Biologia Celular e Molecular I Mestrado Integrado em Medicina Dentária – 1ºano 1ºsemestre Ciclos virais No ciclo lítico, o Adn viral, já no interior da bactéria, interrompe as funções normais da célula hospedeira e passa a comandar o seu metabolismo. Os genes do bacteriófago são transcritos em moléculas de Arn e traduzidos em proteínas virais. Isso ocorre porque as enzimas de transcrição e tradução da bactéria não distinguem os genes do invasor de seus próprios genes. As primeiras proteínas virais que se formam são enzimas capazes de multiplicar o Adn viral ou inibir o funcionamento do cromossoma bacteriano. O passo seguinte é a produção das proteínas que constituirão as cabeças e caudas dos novos vírus, para depois se agregarem ao Adn, formando vírus completos. Cerca de 30 minutos após a entrada de um único fago invasor na célula bacteriana, cerca de 200 novos bacteriófagos são produzidos. Nesse momento inicia-se a lise, ou seja, a ruptura da célula bacteriana, e os novos bacteriófagos são libertados, podendo infectar outras bactérias e iniciar outro ciclo. Em vírus humanos e de animais, a produção maciça de vírus provoca um esgotamento da célula, favorecendo a lise celular. A célula produz grande quantidade de vírus e fica sem poder compor suas próprias estruturas. No Ciclo lisogênico, o Adn viral penetra na célula da bactéria e se incorpora ao Adn bacteriano, não interferindo no metabolismo da célula hospedeira. Essas bactérias são denominadas lisogênicas e esses vírus são denominados temperados ou não-virulentos. Nesses casos, a bactéria se reproduz normalmente e, a cada divisão da célula bacteriana, o Adn viral vai sendo transmitido às novas bactérias, sem se manifestar. Apontamentos de Biologia Celular e Molecular I Mestrado Integrado em Medicina Dentária – 1ºano 1ºsemestre De acordo com determinadas condições, naturais ou artificias (como radiações ultravioleta, raios X ou certos agentes químicos), o Adn do fago separa-se do Adn bacteriano e inicia-se o ciclo lítico. Vírus com Arn ou Adn Quando o ácido nucléico é o Adn, ele é transcrito em várias moléculas de Arn (pela bactéria) que servirão de molde para a síntese de proteínas virais. É o caso do vírus da varíola, do herpes, do adenovírus (provoca infecções respiratórias), da hepatite B. Quando o ácido nucléico é o Arn, dois processos podem ocorrer: 1. O Arn viral é transcrito em várias moléculas de Arn mensageiro, que comandarão a síntese proteica. É o que ocorre com a maior parte dos vírus animais, como o vírus da raiva, da gripe; o vírus da poliomielite e de algumas encefalites têm o Arn que já funciona como Arn mensageiro. 2. Nos vírus conhecidos como retro vírus, como é o caso do vírus da SIDA (HIV), o Arn é transcrito em ADN por uma enzima transcriptase reversa. A partir da acção dessa enzima, o ARN serve de molde a uma molécula de ADN, que penetra no núcleo da célula, e integra-se ao cromossoma do hospedeiro. O Adn viral integrado ao cromossoma celular é chamado de provírus. Ele é reconhecido e transcrito pelas enzimas da célula hospedeira, de modo que logo começam a surgir moléculas de Arn com informações para síntese de transcrita reversa e das proteínas do capsídeo. Algumas dessas moléculas de Arn são empacotadas juntamente com moléculas de transcriptase reversa, originando centenas de vírus completos (virions). A infecção por retro vírus geralmente não leva à morte da célula hospedeira, e esta pode se dividir e transmitir o provírus integrado às células-filhas. Apontamentos de Biologia Celular e Molecular I Mestrado Integrado em Medicina Dentária – 1ºano 1ºsemestre 2. Princípios de organização e função celular 2.1. Caracterização de células procariotas e eucariotas. Foi em 1957 que pela primeira vez foram propostos os adjectivos procariótica e eucariótica para distinguir dois tipos de células, termos esses que continuam a ser utilizados. A primeira descrição destes dois tipos de células dizia respeito ao arranjo do material hereditário: a. Células eucarióticas – aquelas em que o material hereditário está separado do resto do material celular, ficando retido no núcleo, envolvido por uma membrana nuclear. b. Células procarióticas – aquelas, geralmente muito mais pequenas, em que o Adn está localizado numa região – o nucleóide – não está separada do resto da célula por qualquer membrana. O cromossoma único tem uma forma contínua, circular. Desta forma as células procarióticas, de que são exemplo as bactérias, são células de estrutura muito simples, com núcleo não individualizado por falta de invólucro nuclear e as células eucarióticas são células estruturalmente mais complexas, de núcleo bem individualizado do citoplasma, delimitado por um invólucro nuclear. Nestas podem distinguir-se as células animais das células vegetais, pois apresentam algumas diferenças a nível estrutural. Contudo, em ambos os tipos observam-se três constituintes fundamentais: membrana celular, citoplasma e núcleo. A membrana celular, membrana citoplasmática ou membrana plasmática delimita exteriormente a célula, servindo de barreira entre o meio intracelular (meio interno) e o meio extra celular (meio externo). Para além destas estruturas básicas, existe na célula eucariótica uma grande variedade de estruturas membranares e não membranares associada a diversas funções, necessárias para a manutenção do equilíbrio do sistema célula. Apontamentos de Biologia Celular e Molecular I Mestrado Integrado em Medicina Dentária – 1ºano 1ºsemestre Para além das diferenças do núcleo, muitas outras foram entretanto detectadas entre as células procarióticas e eucarióticas. Células Procarióticas Células eucarióticas Tamanho: Entre 1 e 10 µm Não têm núcleo individualizado por uma membrana; O material genético não está envolvido por membrana nuclear; O Adn não está associado a histonas; Não tem mitocôndrias nem cloroplastos: os sistemas respiratórios e fotossintéticos estão intimamente associados à membrana; A membrana plasmática é reforçada por uma parede de natureza peptidica. ≠ Tamanho: Entre 10 e 100 µm Núcleo bem individualizado do citoplasma por uma membrana nuclear. Tem organitos também eles delimitados por membranas onde cada um desempenhauma determinada função. O local de respiração é a mitocôndria, organito delimitado por membranas; Nas células autotróficas, o local de fabrico da matéria orgânica é uma estrutura – o cloroplasto – perfeitamente distinta e individualizada. O aparecimento das células eucarióticas foi um passo muito importante na evolução, pois permitiu aumentar muito a relação entre a área e o volume celulares e assim, aumentar a eficácia dos processos celulares. Actualmente os investigadores acham tão profunda a diferença entre os organismos com células eucarióticas e os que têm células procarióticas, que na classificação mais recente consideram dois super-reinos: Eucariota e Procariota. Principais diferenças entre células procarióticas e eucarióticas (animais e vegetais): Apontamentos de Biologia Celular e Molecular I Mestrado Integrado em Medicina Dentária – 1ºano 1ºsemestre Vantagens das células eucarióticas Os principais processos metabólicos realizam-se nas superfícies das membranas pois estas constituem locais óptimos de “fixação” de enzimas. Nos procariontes estas funções são levadas a cabo pela membrana plasmática, única membrana existente na célula. A característica mais evidente das células eucarióticas reside na existência de uma rede de membranas intracelulares a rodear os vários organismos. Qual a vantagem da compartimentação das células pelas membranas? Em primeiro lugar, tal como o espaço de uma casa precisa de estar dividido para se poderem desenrolar diferentes actividades nas várias divisões, também na célula eucariótica o espaço intracelular está dividido por membranas. Se não houvesse divisórias, o interior da célula seria um caos, com diferentes enzimas a actuar ao mesmo tempo no mesmo espaço. Com a compartimentação só é possível a realização de reacções mesmo antagónicas, cada uma no seu respectivo compartimento dentro da célula. Em segundo lugar, e dado que a célula eucariótica é cerca de 10 vezes maior do que a célula procariótica, a área da membrana plasmática seria demasiado pequena para suportar todas as enzimas necessárias às funções vitais de uma grande célula. Sãos as membranas intracelulares que aumentam a área para a “fixação” das inúmeras enzimas que intervêm no complexo metabolismo da célula eucariótica onde se realizam simultaneamente milhares de reacções químicas. 3.1. Revisões sobre moléculas e macromoléculas existentes numa célula (Lípidos, Proteínas, Ácidos nucleícos e Açúcares) A célula é uma organização de moléculas, extremamente complexa, e a vida resulta do relacionamento entre elas, segundo um plano harmoniosamente estabelecido. Umas garantem a estrutura da célula; outras, asseguram os diversos mecanismos de captação de energia e de matéria, e a sua transformação; outras ainda, ocupam-se da emissão ou da recepção e descodificação de informação exógena. Finalmente, uma pequena classe de moléculas, assume o papel fulcral de registar e perpetuar a informação subjacente ao referido plano de funcionamento. As moléculas que intervêm na estrutura e no funcionamento da célula viva, designam-se por moléculas biológicas ou biomoléculas ou ainda, por moléculas da vida. Agrupam-se habitualmente em quatro classes: Glúcidos, prótidos, lípidos e nucleótidos. A estas quatro classes, é de toda a justiça acrescentar uma quinta: a água. Glícidos (Açúcares) Os glícidos ou açúcares são compostos orgânicos ternários, isto é, constituídos por carbono, oxigénio e hidrogénio, e estão abundantemente distribuídos nos organismos vegetais e animais. Nos glícidos os átomos de hidrogénio e oxigénio geralmente encontram-se combinados na porção de 2 para 1, como a água. Desta particularidade resulta o Apontamentos de Biologia Celular e Molecular I Mestrado Integrado em Medicina Dentária – 1ºano 1ºsemestre nome de hidratos de carbono por que também são conhecidos. Contudo esta designação é pouco correcta, pois existem outros compostos orgânicos, que não são glícidos, em que as proporções dos referidos átomos são as mesmas, enquanto em certos glícidos essas proporções não se verificam. Os glícidos, também denominados hidratos de carbono, carbo-hidratos ou carboidratos, glúcidos, sacarídeos ou glicídios, são moléculas contendo vários grupos químicos funcionais hidroxilo e um aldeído ou cetona, ou polímeros hidrolisáveis constituídos por tais moléculas. São o grupo de moléculas existentes em sistemas vivos mais abundantes na Terra. Os glícidos têm diversas funções, sendo as mais relevantes as funções estruturais e de armazenamento energético, especialmente na forma de Polissacáridios. São sintetizados através do processo fotossintético, entrando na composição de seres não fotossintéticos pela cadeia alimentar. Constituem a fonte primária de energia dos seres vivos. O glícido mais comum é a glicose, que desempenha um papel fundamental na respiração celular e na fotossíntese. Podemos considerar três grupos principais de glícidos: monossacarideos, oligossacarideos e Polissacáridios. Apontamentos de Biologia Celular e Molecular I Mestrado Integrado em Medicina Dentária – 1ºano 1ºsemestre Relativamente à sua importância biológica, podemos dizer que os glícidos desempenham no organismo duas funções fundamentais: São moléculas ricas em energia utilizadas para a respiração celular. Muitos monossacarideos são utilizados directamente para a produção de energia; alguns oligo e Polissacáridios constituem reserva energética. É o caso da sacarose, amido e glicogénio. Certos glícidos como a celulose, a quitina e outros desempenham funções estruturais. Lípidos Os lípidos constituem um grupo heterogéneo. Caracterizam por possuírem, na sua estrutura molecular, ácidos gordos com, pelo menos, 8 átomos de carbono. Na maioria dos casos, o ácido esterifica um álcool, o qual é, frequentemente, o glicerol. Noutros casos, os ácidos ligam-se a uma amina alcoólica. Todavia, a característica essencial dos lípidos é a sua fraca, ou mesmo muito fraca solubilidade na água e a grande solubilidade nos solventes orgânicos, como o éter, a acetona, o álcool, o sulfureto de carbono, o tetracloreto de carbono. Os lípidos desempenham funções biológicas de extrema importância, quer ao nível das estruturas (membranas celulares), quer como reserva energética, quer ainda, entre outras funções, como mensageiros (hormonas). Classificação dos lípidos A grande heterogeneidade dos lípidos justifica a existência de diversas classificações. Uma delas, por ventura a mais simples, agrupa os lípidos, à partida, em três classes: lípidos simples, lípidos conjugados e lípidos derivados. Lípidos simples Os lípidos simples compreendem os glicéridos e as ceras. Os glícéridos são ésteres do glicerol e de ácidos gordos; são habitualmente designados por óleos ou gorduras, consoante se encontrem em estado líquido ou sólido, à temperatura ambiente. As ceras são igualmente ésteres, mas de mono-álcoois de elevado peso molecular. a) Glicéridos Como foi dito, os glicéridos são ésteres do glicerol de ácidos gordos. Estes, podem ser saturados ou possuírem uma ou mais duplas ligações (insaturados). Os ácidos gordos saturados obedecem à fórmula CH3 – (CH2)n – COOH, e possuem um número par de átomos de carbono. A estrutura mais simples é do tipo Apontamentos de Biologia Celular e Molecular I Mestrado Integrado em Medicina Dentária – 1ºano 1ºsemestre representado na figura seguinte, tendo em conta que os ângulos da valências são de 109º. Estrutura molecular de um ácido gordo Os ácidos gordos são insolúveis na água em razão da maiorparte da molécula, formada por CH2-, ser hidrofóbica, e somente o radical carboxílico ser hidrofílico. O glicerol é um tri-álcool com três carbonos. É solúvel na água e insolúvel ou pouco solúvel nos solventes orgânicos. Glicerol Ao ser esterificado por ácidos gordos, o glicerol dá origem aos glicéridos. Os monoglicéridos podem ser formados a partir de um álcool primário (isómero a) ou de um álcool secundário (isómero ß). Monoglicéridos: isómeros a e ß Quando todos os álcoois estiverem esterificados, obtêm-se um triglicérido. Triglicérido: dipalmitoesterarina (2 ácidos palmíticos e 1 ácido esteárico) Lípidos conjugados Contrariamente aos lípidos simples, os lípidos conjugados contêm na sua molécula, outras substâncias para além do álcool estrutural e dos ácidos gordos, como fosfato, bases azotadas, açúcares, etc. Os mais importantes no contexto da biologia da célula, são os glicerofosfolípidos, os esfingolípidos e os glicolípidos. Apenas focaremos os primeiros. Os glicerofosfolípidos (vulgarmente referidos como fosfolípidos) são igualmente ésteres do glicerol, mas em que apenas dois radicais alcoólicos se encontram esterificados por ácidos gordos; o terceiro (sempre um álcool primário) Apontamentos de Biologia Celular e Molecular I Mestrado Integrado em Medicina Dentária – 1ºano 1ºsemestre está esterificado pelo ácido fosfórico. Além disso, possuem sempre uma base azotada ou um álcool esterificado a um dos oxidrilos do ácido fosfórico. Glicerofosfolípido: a L-a-lecitina. A vermelho, assinala-se o glicerol original, esterificado pos dois ácidos gordos e pelo ácido fosfórico Os fosfolípidos são os elementos constituintes da dupla camada lipídica das membranas celulares. R1 e R2 representam as duas cadeias alifáticas (hidrofóbicas), enquanto que o ácido fosfórico constitui o pólo hidrofílico (ver arquitectura molecular das membranas celulares). Lípidos derivados Nesta classe encontram-se substâncias muito variadas, que possuem características dos lípidos, nomeadamente a insolubilidade na água e a solubilidade nos solventes orgânicos. Englobam-se aqui os ácidos gordos, os álcoois de elevado peso molecular, os hidrocarbonetos, as vitaminas D, E e K, os compostos isoprénicos e as prostaglandinas. Os compostos isoprénicos constituem um importante grupo de compostos orgânicos presentes tanto em animais como nas plantas. Têm em comum o facto de resultarem da condensação de unidades de isopreno, um hidrocarboneto insaturado com 5 átomos de carbono Entre os compostos isoprénicos, merece-nos destaque, no contexto da biologia celular, o grupo dos esteroides, do qual fazem parte diversas hormonas (androgénios, estrogénios, etc) e o colesterol. Colesterol O colesterol é um importante elemento constituinte da membrana celular, ombreando com os fosfolípidos na dupla camada lipídica, dada a sua condição de molécula anfipática. Apontamentos de Biologia Celular e Molecular I Mestrado Integrado em Medicina Dentária – 1ºano 1ºsemestre Importância Biológica dos Lípidos Os lipidos constituem um dos grupos de compostos vitais para o organismo. Destacam-se as seguintes funções: Reserva energética – muitos lípidos constituem uma importante fonte de reserva de energia biológica. Os lipidos têm um poder calorífico superior ao dos glícidos. Para igual massa de glícidos e lípidos estes produzem uma maior quantidade de energia por oxidação. Quando se oxidam as gorduras, produzem entre outras substâncias, água. Esta água metabólica é utilizada por animais do deserto que armazenam grandes quantidades de gordura com esta finalidade, Os animais que hibernam também armazenam grandes quantidades de gordura que lhes serve de boa camada isoladora do frio. As plantas geralmente armazenam os lípidos, sob a forma de óleos, em sementes, frutos e cloroplastos. Função estrutural – Alguns lipidos como os fosfolípidos e o colesterol são importantes constituintes das membranas celulares. Função protectora – há ainda lípidos, como o caso das ceras, que revestem folhas e frutos das plantas, assim como a pele, pêlos e penas de alguns animais, tornando essas superfícies impermeáveis à água. O papel protector das ceras tem sido posto à prova nos últimos anos. Ao produzir-se o derrame de petróleo nos oceanos, juntam-se por vezes detergentes para os solubilizar. Nestas condições as inúmeras mortes de aves marinhas são consequência da solubilização no petróleo e detergente das ceras que protegem as penas não permitindo que as aves flutuem. Função vitamínica e hormonal – há ainda lípidos que tem uma actividade biológica especifica muito importante, entrando na constituição das vitaminas – vitamina E e K – e de algumas hormonas como as hormonas sexuais. Prótidos As proteínas são os constituintes mais essenciais dos organismos, desempenhando funções tão diversas como a de catalizadores das reacções orgânicas (os enzimas), de esqueleto de suporte das células e dos organismos, como a queratina, de reguladores da expressão dos genes ou ainda de transportadores de oxigénio, como a hemoglobina, etc. As proteínas são bio-polímeros formadas essencialmente por aminoácidos ligados entre si, em sequência linear específica, através de ligações peptídicas. As proteínas apresentam estruturas tridimensionais, características. Estas são estabilizadas por ligações e interacções que se estabelecem não só entre elementos da Apontamentos de Biologia Celular e Molecular I Mestrado Integrado em Medicina Dentária – 1ºano 1ºsemestre própria cadeia como ainda com o meio circundante, de onde dependem as propriedades físico-químicas e a actividade biológica. As proteínas são moléculas lábeis porque as suas estruturas podem, quer apresentar diferentes conformações alternativas, em função das interacções que estabelecem com o meio, quer sofrer alterações irreversíveis que as desnaturam. Paralelamente ao estudo do genoma, cuja informação se expressa sob a forma de proteínas, tem prosseguido o esforço dos cientístas para identificar a estrutura das proteínas. Em 2002, 0 Prémio Nobel da Medicina recompensou o trabalho de três investigadores que consagraram uma parte da sua vida ao estudo das proteínas: o americano John Fenn, o japonês Hoichi Tanaka e o suiço Kurt Wüthrich. Composição As proteínas são constituídas por aminoácidos encadeados linearmente através de ligações peptídicas, segundo sequências absolutamente específicas. Estrutura proteica Aminoácidos Estrutura e isometria Os aminoácidos que intervêm na composição das proteínas (existem outros) são número de 20 e obedecem à estrutura geral representada na figura seguinte. Estrutura geral de um aminoácido O mais simples de todos os aminoácidos, é a glicina (R=H) Apontamentos de Biologia Celular e Molecular I Mestrado Integrado em Medicina Dentária – 1ºano 1ºsemestre Modelo molecular da glicina O átomo de carbono alfa (Ca) encontra-se ligado por ligação covalente ao grupo amina (-NH2), ao grupo carboxilo (-COOH) e a um átomo de H. Esta sequência é comum a todos os aminoácidos proteicos. Diferem entre si pela composição da cadeia lateral (R), (Quadro) A assimetria (quirilidade) do carbono Ca confere aos aminoácidos actividade óptica (só na glicina, que apresenta dois H ligados ao Ca, não existe carbono assimétrico), reconhecendo-se assim, para cada aminoácido, dois isómeros, D (dextro- rotatório) e L.(levo-rotatório). Por convenção, a configuração é definida pela posição do grupo -NH2 relativamente ao Ca. Os aminoácidosque intervêm na composição das proteínas têm todos configuração L. Conhecem-se todavia, alguns D-aminoácidos com actividade biológica. Isómeros ópticos de aminoácidos Os aminoácidos são designados pelas primeiras três letras do seu nome em inglês, com excepção de quatro deles, a Glutamina (Gln), a Asparagina (Asn), a Isoleucina (Ile) e o Triptofano (Trp), conforme se representa no Quadro seguinte. Apontamentos de Biologia Celular e Molecular I Mestrado Integrado em Medicina Dentária – 1ºano 1ºsemestre Aminoácidos proteicos Ligação peptídica A ligação entre aminoácidos consecutivos – ligação peptídica – é formada por eliminação de uma molécula de água entre o grupo –OH do carboxilo de um aminoácido e um H do grupo amina do aminoácido seguinte: . Ligação peptídica Apontamentos de Biologia Celular e Molecular I Mestrado Integrado em Medicina Dentária – 1ºano 1ºsemestre Uma cadeia de dois ou mais aminoácidos unidos por ligações peptídicas é designada por cadeia peptídica ou polipeptídica. Nestas, com excepção dos aminoácidos extremos, todos os outros perderam um -OH e um H, pelo que, o que deles resta é designado por resíduo. Classificação das proteínas As proteínas agrupam-se em duas categorias principais: as proteínas fibrosas e as proteínas globulares. As proteínas globulares são mais ou menos esféricas. São geralmente solúveis nos solventes aquosos e os seus pesos moleculares situam-se entre 10.000 e vários milhões. Nesta categoria situam-se as proteínas activas como as enzimas, transportadores como a hemoglobina, etc. Na sua maioria, as proteínas fibrosas são insolúveis nos solventes aquosos e possuem pesos moleculares muito elevados. São formadas geralmente por longas moléculas mais ou menos rectilíneas e paralelas ao eixo da fibra. A esta categoria pertencem as proteínas de estrutura, como colagénio do tecido conjuntivo, as queratinas dos cabelos, as esclerotinas do tegumento dos artrópodes, a conchiolina das conchas dos moluscos, ou ainda a fribrina do soro sanguíneo ou a miosina dos músculos. Algumas proteínas fibrosas, porém, possuem uma estrutura diferente, como as tubulinas, que são formadas por múltiplas subunidades globulares dispostas helicoidalmente. Esquemas de proteínas globulares e fibrosas Noutra perspectiva, as proteínas podem ser classificadas em simples e conjugadas. As proteínas simples, quando hidrolisadas, só libertam aminoácidos. Pelo contrário, as proteínas conjugadas são formadas por uma parte polipeptídica (apoproteína) e por outra de natureza não proteica (grupo prostético) . Apontamentos de Biologia Celular e Molecular I Mestrado Integrado em Medicina Dentária – 1ºano 1ºsemestre Proteína Grupo prostético Glicoproteínas Glúcidos Lipoproteínas Lípidos: Ácidos gordos Colesterol Triglicéridos Fosfolípidos Nucleoproteínas Ácidos nucleicos Hemeproteínas Heme Metaloproteínas Fe, Cu, Mn, Mo, Zn Estrutura das proteínas a) Estrutura Primária Designa-se por estrutura primária, a sequência dos aminoácidos constituintes da cadeia ou das cadeias polipeptídicas de uma proteína. Essa sequência, como se sabe, é determinada geneticamente, por ser a expressão da informação consubstanciada pela sequência de nucleótidos de um gene do Adn. A partir de que dimensão, uma cadeia polipeptídica poderá ser considerada como uma proteína? O limite é puramente convencional. Habitualmente considera-se que a partir de 80 a 100 resíduos, se trata de uma proteína. Contudo, a verdadeira diferença reside na função biológica. b) Estrutura Secundária As ligações covalentes do Ca, quer com o grupo amina, quer com o grupo carboxilo, são susceptíveis de sofrer rotações, conferindo deste modo às cadeias polipeptídicas grande “liberdade” para adquirirem conformações tridimensionais variadas. Contudo, dada a espontaneidade com que se estabelecem pontes de hidrogénio entre o oxigénio do carboxilo de algumas ligações peptídicas e o hidrogénio do grupo amina de outras ligações, a referida variedade tende a estabilizar-se nos dois modelos de estrutura tridimensional, mais frequentes: a hélice e a folha pregueada . A hélice a forma-se quando as rotações se operam no mesmo sentido; a folha pregueada b, quando as rotações têm, alternadamente, sinal contrário. Apontamentos de Biologia Celular e Molecular I Mestrado Integrado em Medicina Dentária – 1ºano 1ºsemestre Hélice ou Hélice de Pauling: este modelo de estrutura secundária, identificado por Pauling e Corey em 1951, apresenta um passo de 5,4Å, possui 3,6 resíduos de aminoácidos por espira. As cadeias laterais (R) dos resíduos projectam-se para fora da hélice e não interferem na sua formação. Das duas versões possíveis, esquerda e direita, a mais estável é a segunda (enrolamento no sentido dos ponteiros do relógio). Folhas pregueadas (propostas igualmente por Pauling): consoante as cadeias se disponham no mesmo sentido (A) ou em sentidos opostos (B), assim se designam por paralelas ou antiparalelas. As hélices a de comprimento inferior a 40Å predominam nas proteínas globulares (mioblobina, hemoglobina, calmodulina), enquanto as de comprimento igual ou superior a 1000 Å, é comum em proteínas fibrosas com propriedades elásticas, como o colagénio ou a a-queratina. A folha pregueada é a estrutura secundária típica de proteínas fibrosas, flexíveis mas pouco elásticas, como as fibras de seda ou a b-queratina do cabelo e da lã. Finalmente importa referir que certas proteínas apresentam estruturas secundárias mistas, nas quais alguns segmentos em hélice alternam com outros em folha pregueada. C) Estrutura Terciária A estrutura terciária é uma conformação tridimensional, que resulta, por um lado, de ligações que se estabelecem entre as cadeias laterais dos resíduos, e, por outro, da interacção dessas cadeias com o meio aquoso. Dessas interacções resulta uma estrutura termodinamicamente estável e que é responsável pela actividade biológica das proteínas. As ligações entre cadeias laterais dos resíduos são, com excepção das pontes bissulfureto, de natureza não covalente; por conseguinte, energeticamente fracas. A interacção com o meio envolvente, naturalmente aquoso, condiciona, por sua vez, a disposição das cadeias laterais dos resíduos, pois as hidrofóbicas tenderão a recolher- se no interior da estrutura e as hemofílicas a exporem-se à sua superfície. Apontamentos de Biologia Celular e Molecular I Mestrado Integrado em Medicina Dentária – 1ºano 1ºsemestre Alguns tipos de ligações não covalentes e covalentes que determinam a estrutura terciária de uma proteína: a) interacções iónicas; b) ponte de hidrogénio; c) forças de Van der Waals; d) ponte de bissulfureto; e) interacções de grupos polares com a água. D) Estrutura Quaternária A estrutura quaternária decorre da associação de várias subunidades, iguais ou diferentes, através de ligações não covalentes. Trata-se do nível superior de complexidade que se pode encontrar na estrutura proteica, realizável tanto em proteínas globulares (hemoglobina) como em proteínas fibrosas (colagénio). As proteínas com estrutura quaternária e formadas por um pequeno número de subunidades, denominam-se oligoméricas e as subunidades polipeptídicas, designam-se por protómeros. Algumas porém, são formadas por um grande número de subunidades (tubulina, por ex.) e designam-se então por poliméricas.A hemoglobina tem a função específica de transporte de oxigénio molecular. É constituída por quatro cadeias polipeptídicas, duas a (com 141 resíduos, cada) e duas b (com 146 resíduos, cada). O colagénio desempenha uma função esquelética nos vertebrados, intervindo essencialmente na constituição dos ossos e cartilagens. A sua molécula é constituída por três hélices a imbricadas como uma trança. Enzimas Função catalítica Para que uma reacção ocorra espontaneamente, é condição necessária, mas não suficiente, que a variação de energia livre seja negativa (DG <0). Por exemplo, a gasolina possui um DG de oxidação muito negativo; todavia mantém-se estável em presença do ar. Para reagirem, a maior parte das moléculas precisam de ser activadas. No caso da gasolina, a chama de um simples fósforo fornece a energia de activação necessária. De um modo geral, a energia térmica acelera as reacções, aumentando a agitação molecular e, consequentemente, a frequência de colisões entre as moléculas reagentes. Uma via alternativa para acelerar uma reacção, consiste em fazer baixar a energia de activação necessária. Essa é, genericamente, a função dos catalisadores. Apontamentos de Biologia Celular e Molecular I Mestrado Integrado em Medicina Dentária – 1ºano 1ºsemestre Na biosfera, porém, as reacções não podem efectuar-se a temperaturas elevadas e a maior parte delas exige a intervenção de catalisadores orgânicos, designados por enzimas. Contrariamente aos outros catalisadores, as enzimas são altamente específicos dos substratos e das reacções em que estes intervêm. Energia de activação de algumas reacções catalisadas Reacção Catalisador Energia de activação (Kcal M-1) Decomposição de H2O2 Nenhum 18,0 Platina coloidal 11,7 Catalase <2 Hidrólise da caseína H+ 20,6 Tripsina 12,0 Hidrólise da sacarose H+ 25,7 Invertase de levedura 11,0 Características moleculares das enzimas As enzimas são proteínas globulares, geralmente conjugadas. Nestes casos, as substâncias associadas às enzimas recebem designações diferentes, consoante as funções que desempenham no processo catalítico: coenzima, cofactor ou grupo prostético. As coenzimas são substratos particulares que, como tal, se transformam no decurso da reacção. Geralmente são transportadores de radicais. Por exemplo, o NAD+ é uma coenzima associado a muitas desidrogenasses, transformando-se em NADH durante o processo catalítico, por captação de dois electrões e de um protão (ver glicólise, por exemplo). Grupos prostéticos e cofactores são termos empregues para designar substâncias não proteicas que se ligam à componente proteica (apoenzima), de forma mais ou menos firme, e participam activamente ao nível dos centros activos das enzimas, quer na formação do complexo ES, quer na catálise propriamente dita. Como exemplos, podem referir-se diversos iões metálicos. As enzimas que contêm iões metálicos como grupos prostéticos, designam-se por metalo-enzimas. Características da catálise enzimática A acção enzimática é altamente específica do substrato e da reacção em que este intervém, isto é, a uma determinada reacção em que intervém um substrato, corresponde uma enzima particular. Tal significa que as enzimas actuam: a) sem se encontrarem alteradas no final da reacção; Apontamentos de Biologia Celular e Molecular I Mestrado Integrado em Medicina Dentária – 1ºano 1ºsemestre b) sem modificarem as condições termodinâmicas de uma determinada reacção (uma reacção que seria termodinamicamente inviável, não passará a poder realizar-se por acção de enzimas); c) sobre a cinética das reacções, incrementando enormemente a velocidade, o que poderá tornar possíveis, reacções que, de outro modo e à temperatura dos seres vivos, seriam tão lentas que, para efeitos práticos, não chegariam a ter lugar; d) especificamente sobre o binómio substrato/reacção: o mesmo substrato, podendo ser objecto de várias reacções, cada uma será catalisada pela sua própria enzima. Mecanismo da catálise enzimática O mecanismo da catálise enzimática, na sua expressão mais simples, compreende a formação de um complexo enzima-substrato, ES, altamente específico. A especificidade enzimática levou Fisher (em 1894) a enunciar o princípio segundo o qual a enzima está para o substrato, como a chave está para a fechadura. S + E --> ES --> E + P Em que E representa a enzima, S, o substrato e P o produto da reacção Para que tal suceda, as moléculas de substrato fixam-se em locais específicos da componente proteica da enzima, os centros activos, por intermédio de ligações lábeis. Os centros activos compreendem regiões responsáveis pela ligação ao substrato, sítio de fixação, e regiões que catalisam a reacção. Só um pequeno número de aminoácidos constitui o centro activo. Uns serão responsáveis pela fixação do substrato (aminoácidos de ligação); outros, pela transformação do substrato (aminoácidos catalíticos). A especificidade da enzima resulta assim, em definitivo, da conjugação de diversos factores, designadamente da complementaridade da configuração do centro activo relativamente à molécula do substrato, mas também do lote dos aminoácidos que compõem o centro activo, e da sua disposição relativa. Portanto, as características dos centros activos conferem-lhes a capacidade de descriminar entre compostos com configurações moleculares semelhantes. As enzimas podem possuir um ou mais centros activos em cada molécula. No modelo “chave e fechadura” de Fisher, a molécula enzimática seria estática. Sabe-se contudo hoje que assim não é e que a função enzimática tira proveito, na maioria dos casos, das propriedades de flexibilidade da estrutura proteica. Koshland é um dos responsáveis pelo modelo “encaixe induzido”, o qual pressupõe que: a) Importantes alterações na estrutura das moléculas de enzimas podem ser induzidas por ligação a pequenas moléculas; b) A função catalítica está dependente de uma exacta orientação dos grupos catalíticos do centro activo; c) Os substratos são capazes de induzir essa orientação, enquanto os não-substratos são incapazes. Apontamentos de Biologia Celular e Molecular I Mestrado Integrado em Medicina Dentária – 1ºano 1ºsemestre Duas situações diferentes, que se verificam em enzimas poliméricos (com estrutura quaternária) ilustram o modelo de Koshland: os efeitos cooperativos e alostérico. Para simplificar, tomemos como exemplo, uma enzima dimérico: constituído por dois monómeros idênticos, cada um detentor de um centro activo. Pode acontecer que os monómeros se comportem independentemente um do outro, não se influenciando mutuamente. Sucede, todavia, com frequência, que a ligação de uma molécula de substrato a um dos centros activos, induz uma alteração estrutural não apenas local, mas que se transmite também ao outro monómero, nele produzindo uma alteração da configuração do centro activo que o torna mais favorável à fixação do substrato. Deste modo a fixação de uma primeira molécula de substrato facilita a fixação da segunda. Este fenómeno designa-se por efeito cooperativo. Efeito cooperativo Em diversos outros casos, as enzimas são susceptíveis de assumir configurações alternativas, activas e inactivas, consoante se encontrem ligados, ou não, a uma pequena molécula. Este fenómeno, que se designa por efeito alostérico, desempenha um papel fundamental na regulação da actividade enzimática. As pequenas moléculas referidas funcionam como inibidores (I) ou como activadores (A) alostéricos, e os seus centros de fixação encontram-selocalizados em regiões distintas da molécula proteica. Efeito alostérico Importância Biológica das Proteínas As proteínas desempenham funções cruciais em todos os processos biológicos. Citemos alguns exemplos: Função estrutural – As proteínas fazem parte da estrutura de todos os constituintes celulares (membranas, mitocôndrias, ribossomas, cromossomas, etc.); Apontamentos de Biologia Celular e Molecular I Mestrado Integrado em Medicina Dentária – 1ºano 1ºsemestre Função enzimática – todas as enzimas conhecidas são proteínas que actuam como bio-catalizadores de quase todas as reacções químicas que ocorrem nos seres vivos. Função de transporte – muitos iões e moléculas pequenas são transportados por proteínas. Por exemplo, a hemoglobina transporta o oxigénio até aos tecidos. Função hormonal – muitas das hormonas como a insulina, a adrenalina, hormonas hipofisárias, etc. Tem constituição proteica. Função imunológica (defesa) – certas proteínas altamente específicas, reconhecem e combinam-se com substâncias estranhas ao organismo, destruindo-as. Funções de movimento coordenado – as proteínas são os componentes maioritários dos músculos. A contracção muscular é feita devido ao deslizamento de filamentos proteicos que existem nas células musculares. Função de reserva alimentar – a albumina do ovo e proteínas armazenadas em certas sementes funcionam como reserva, fornecendo aminoácidos ao organismo durante o seu desenvolvimento. Ácidos nucleícos (DNA e RNA) Os ácidos nucleícos são as substâncias responsáveis pela transmissão da herança biológica: as moléculas que regem a actividade da matéria viva, tanto no espaço (coordenando e dirigindo a química celular por meio da síntese de proteínas) como no tempo (transmitindo os caracteres biológicos de uma geração a outra, nos processos reprodutivos). Composição e natureza química. Já no segundo quartel do século XIX o cientista suíço Friedrich Miescher isolou uma substância procedente dos núcleos celulares, à qual chamou nucleína, que passou a ser chamada mais tarde de ácido nucléico, por seu forte grau de acidez. Mas só quando já ia avançado o século XX demonstrou-se que essa substância era na realidade o suporte da herança dos caracteres nos seres vivos. Em 1944, as experiências de Oswald Theodore Avery, Colin M. MacLeod e Maclyn McCarty determinaram que um dos ácidos nucleícos, o ADN ou ácido desoxirribonucleico podia transferir uma característica biológica de uma bactéria (no caso, um pneumococo) para outra, característica ausente antes da transmissão. Os ácidos nucleícos são moléculas longas e complexas, de elevados pesos moleculares, constituídos por cadeias de unidades denominadas mononucleotídeos. Estes se compõem de um carboidrato ou açúcar de cinco átomos de carbono (uma pintos), de estrutura cíclica pentagonal, ao qual se une por um de seus extremos uma molécula de ácido fosfórico e, por outro, uma base nitrogenada também de estrutura fechada, seja úrica (que tem dois anéis com vários átomos de nitrogénio unidos ao esqueleto carbonado), seja pirimidínica (que consta de um só anel hexagonal no qual Apontamentos de Biologia Celular e Molecular I Mestrado Integrado em Medicina Dentária – 1ºano 1ºsemestre se inserem átomos de nitrogénio, oxigénio e, em alguns casos, um radical metila, - CH3). Os componentes variáveis nos mononucleotídeos são as bases, das quais há cinco tipos possíveis -- duas púricas, a adenina e a guanina, e três pirimidínicas, a citosina, a uracila e a timina --, e nessa variabilidade reside o carácter "informativo" dos ácidos nucleícos e sua funcionalidade como moléculas codificadoras de informação biológica. O açúcar ou pentose pode ser de duas classes: em forma de ribose desoxigenada ou desoxirribose, que é a que constitui o esqueleto do ADN, ou, em sua variedade normal, conhecida simplesmente como ribose, própria do ARN. No primeiro caso, originam-se desoxirribonucleotídeos; no segundo, ribonucleotídeos. Os mononucleotídeos se unem entre si para compor, como já foi dito, longas cadeias de centenas ou milhares de unidades que se dispõem em forma de estruturas filamentosas helicoidais, de dupla hélice no caso de ADN e de hélice simples no ARN. A borda de cada hélice é integrada pelas pentoses, que se engancham umas nas outras através dos restos de ácido fosfórico, enquanto o contacto entre uma hélice e outra se efectua pelo estabelecimento de enlaces por parte das bases nitrogenadas, obedecendo a determinadas leis bioquímicas. Cada enlace é, pois, o resultado da interacção de um par de bases, cada uma das quais correspondente a uma das hélices. O acoplamento das bases não é arbitrário e atende a exigências espaciais, químicas e estruturais muito precisas. Sempre se emparelham uma base púrica e uma pirimidínica: a adenina sempre com a timina ou uracila, e a guanina com a citosina. Ácido desoxirribonucleico. O ADN, ácido desoxirribonucleico, é formado pela pentose desoxirribose, o ácido fosfórico e as bases citosina, timina, adenina e guanina. É a substância responsável pela herança biológica de todos os seres vivos, à excepção de muitos vírus, nos quais esse papel é representado pelo ARN. No período denominado interfase, imediatamente anterior à divisão celular, o ADN experimenta o processo de auto duplicação, ou seja: suas moléculas duplicam-se, de modo que mais tarde, ao formarem-se as duas hélices-filhas a partir de uma única célula-mãe, cada uma delas possa receber a totalidade do material genético. No auto duplicação, a dupla hélice se abre e cada um dos dois filamentos que a compõem se separa e se sintetiza, graças à intervenção de diferentes enzimas, o filamento complementar. Ácido ribonucleico. O ARN é o ácido ribonucleico, constituído pela pentose ribose, o ácido fosfórico e as bases citosina, uracila (esta ausente do ADN), adenina e guanina. Compõe-se de uma só cadeia helicoidal e apresenta três classes, cada uma das quais cumpre uma função específica na célula: o chamado ARN mensageiro (ARNm), sintetizado pela acção de diversas enzimas a partir de um filamento de ADN que lhe serve de guia, no processo conhecido como transcrição; o ARN ribossomas, componente essencial, junto com as proteínas, dos organitos celulares chamados ribossomas; e o ARN de transferência, que translada os diversos aminoácidos (unidades estruturais das proteínas) até onde se está sintetizando uma molécula Apontamentos de Biologia Celular e Molecular I Mestrado Integrado em Medicina Dentária – 1ºano 1ºsemestre proteica, sob a direcção de um ARNm, e os insere no ponto exacto para obter a sequência exacta, no processo denominada tradução. Síntese de proteínas. A síntese de proteínas ou tradução é o processo em função do qual se formam as sequências de aminoácidos que constituem as proteínas, a partir de uma sequência correlativa expressa pelo ARN mensageiro, numa linguagem de bases nitrogenadas. Assim, de um fragmento de ADN dado, que contém a informação precisa para que se forme uma proteína concreta, obtém-se uma cópia, a qual é o ARNm que guiará directamente o processo de tradução. Ao ARNm unem-se vários ribossomas que, ao se deslocarem, efectuarão um autêntico processo de "leitura química". Cada grupo de três bases do ARNm -- por exemplo GCC -- corresponde na linguagem nucleotídica a um aminoácido dado, neste caso a alanina. O ribossoma reconhece por meios químicos o carácter desse trio (designado em genética como códon) e um ARN de transferência leva até ele o aminoácido alanina. Vai-se formando assim, pouco a pouco, a sequênciaque dará lugar à proteína. Cada aminoácido tem sua codificação correspondente, em geral de vários códones, também há trios que indicam o sinal de terminação. O código genético representa, pois, na escala molecular, uma autêntica linguagem, da qual a célula se serve para crescer e reproduzir-se, o que é possível graças aos ácidos nucléicos. 3.2. Estrutura das membranas biológicas. A célula eucariótica constitui um espaço fortemente compartimentado. Desta compartimentação decorre implicitamente a especialização de certas regiões ou estruturas para o desempenho de funções determinadas. Com efeito, as numerosas reacções bioquímicas que ocorrem simultaneamente no espaço celular encontram-se fisicamente confinadas em compartimentos delimitados por estruturas membranares. São deste modo, por um lado, evitadas interferências espontâneas entre reacções antagónicas, as quais seriam indutoras de desordem. Por outro, a existência de proteínas, com funções enzimáticas, inseridas na membrana, permite que certas reacções possam ocorrer junto da superfície destas, de forma ordenada, sequencial. De acordo com o conceito trifásico, todo o funcionamento da célula assenta no intercâmbio entre as duas fases e, destas, com o exterior. O conhecimento da composição química, da arquitectura molecular, das propriedades e das funções das membranas celulares é por conseguinte, essencial à compreensão dos fenómenos subjacentes à vida da célula. A sua arquitectura molecular sendo universal, não exclui contudo diferenças sectoriais ao nível da composição química e da própria espessura, relacionadas com as funções que exercem. Apontamentos de Biologia Celular e Molecular I Mestrado Integrado em Medicina Dentária – 1ºano 1ºsemestre Composição química da membrana As membranas constituintes das células procarióticas como eucarióticas, são lâminas finas e deformáveis, mas mecanicamente resistentes; são todas estruturadas de acordo com o mesmo modelo de arquitectura molecular, ainda que possam apresentar diferentes espessuras (6 –10 nm), razão pela qual J. David Robertson as designou por membrana unitária. A composição química das membranas oscila em torno dos valores médios de 60% de proteínas globulares e 40% de lípidos. Associados a estes componentes maioritários, identificam-se ainda glúcidos, quase sempre em quantidades muito menores e associados às proteínas e aos lípidos, constituindo glicoproteínas e glicolípidos. Entre as proteínas constituintes da membrana, cerca de 80% são enzimas. Os lípidos das membranas são moléculas longas e anfipáticas: possuem duas extremidades com propriedades de solubilidade, diferentes. Enquanto uma das extremidades é hidrofílica (polar) e portanto solúvel em meio aquoso, a outra é hidrófoba (apolar), consequentemente insolúvel em meio aquoso mas com afinidade para outros lípidos. Entre os lípidos mais frequentes nas membranas celulares, distinguem-se os fosfolípidos, com uma representação de 70 a 90%. As membranas das células animais contêm colesterol, o que não acontece nas células vegetais, que possuem outros esteróis. Como se verá adiante, quanto maior for a concentração de esteróis, menos fluida será a membrana. As membranas das células procarióticas não contêm esteróis, salvo raras excepções. Arquitectura molecular À medida que avança o conhecimento sobre a composição, a estrutura e as funções da membrana unitária, formulam-se modelos interpretativos dos dados conhecidos. O primeiro modelo concebido, inicialmente por Gorder e Grendel, e depois desenvolvido por Danielli, Davson e outros, ficou conhecido por modelo em sandwich. Admitia que a membrana era formada por uma bicamada contínua de moléculas lipídicas, à qual se associavam proteínas, numa e noutra face. Este modelo de organização estrutural membranar deduzia-se a partir de dados físicos e químicos indirectos, nomeadamente na composição química da membrana e nas propriedades anfipáticas dos fosfolípidos. Com o desenvolvimento do microscópio electrónico de transmissão tornou-se possível visualizar directamente a estrutura da membrana, permitindo dar um importante passo em frente. A microscopia electrónica revelou uma estrutura tri-lamelar, consistindo em duas camadas electronodensas separadas por uma electronotranslúcida. Apontamentos de Biologia Celular e Molecular I Mestrado Integrado em Medicina Dentária – 1ºano 1ºsemestre O arranjo dos lípidos em bicamada resulta directamente da sua natureza anfipática, acima definida. Como consequência disso, nas bicamadas lipídicas, as “cabeças” hidrofílicas das moléculas de lípidos ficam voltadas para fora, interactuando com os meios aquosos, enquanto as “caudas” hidrófobas se dirigem umas para as outras, no interior da bicamada. A dificuldade de coadunar o modelo com as propriedades de permeabilidade conhecidas, levou Danielli a admitir a existência de poros. Modelo em sandwich (Davson e Danielli). A: corte transversal da membrana observado em microscopia electrónica. B: esquema Se a observação de cortes ultrafinos, em microscopia electrónica, permitiu formar um conceito geral da estrutura da membrana, a autêntica revolução da nossa compreensão da arquitectura membranar não surgiu senão com o advento de outra técnica de microscopia electrónica, a criofractura. Esta técnica permite observar, não o perfil, mas a superfície e, nomeadamente, a superfície interna, uma vez separados os dois folhetos lipídicos da membrana. Modelo em “mosaico fluido” (Singer e Nicholson). A: imagem da superfície interna da membrana, obtida por criofractura e observada em microscopia electrónica, mostrando as proteínas (P) . B: esquema. Apontamentos de Biologia Celular e Molecular I Mestrado Integrado em Medicina Dentária – 1ºano 1ºsemestre De posse dos resultados disponibilizados pela nova técnica de microscopia electrónica, Singer, Nicholson e outros conceberam um novo modelo de arquitectura molecular, que ficou conhecido por modelo em mosaico fluido. Este recupera do anterior, a disposição dos fosfolípidos em dupla camada. Contudo, as proteínas, não só se dispõem de um e de outro lado, como também penetram na camada lipídica, podendo ocupar toda a espessura da membrana. As proteínas, por seu turno, podem encontrar-se associadas à membrana essencialmente de duas formas distintas: ou se encontram “mergulhadas” na bicamada lipídica e designam-se por proteínas intrínsecas, ou encontram-se aderentes a uma das faces da membrana, designam-se então por proteínas extrínsecas. Em certos casos, as arborescências glucídicas dos glicolípidos e das glicoproteínas, em superfície da membrana plasmática, são muito abundantes e constituem um revestimento externo da célula, designado por glicocálice ou cell. Propriedades da membrana As membranas gozam de um conjunto de propriedades físicas que determinam a sua participação não só na estruturação física da célula, como no próprio funcionamento. Destacam-se as seguintes propriedades: a) Assimetria - As duas faces da membrana não possuem a mesma composição lipídica, glucídica e proteica. Em geral, os glúcidos encontram-se presentes na face externa. Também as cargas eléctricas se distribuem diferentemente, sendo a face citoplasmática, a que tem maior carga negativa, em geral. Apontamentos de Biologia Celular e Molecular I Mestrado Integrado em Medicina Dentária – 1ºano 1ºsemestre b) Fluidez - A membrana é uma estrutura fluida, o que significa que os seus componentes não ocupam posições definidas e são susceptíveis de deslocaçõesbidimensionais, de rotação ou de translação. Esta propriedade deve-se ao facto de, em geral, não se estabelecerem ligações fortes (covalentes) entre as diversas moléculas, mas, predominantemente, ligações lábeis (ligações de Van der Walls e pontes de hidrogénio). Para além dos movimentos referidos, também os fosfolípidos podem trocar de camada (flip-flop). c) Permeabilidade diferenciada - A bicamada lipídica da membrana é impermeável aos iões, diferentemente permeável às moléculas consoante o respectivo peso molecular e lipossolubilidade, e francamente permeável à água e aos gases (azoto, oxigénio, dióxido de carbono). Aplica-se-lhe, ainda que de forma pouco rigorosa, o conceito de membrana semi-permeável. d) Continuidade - Uma característica das membranas celulares reside no facto de elas nunca apresentarem bordos livres ou descontinuidades; em todas as formações, desde a membrana plasmática, que limita a célula, à mais pequena vesícula, não existem descontinuidades, e os espaços por ela delimitados, são sempre fechados. A existência de poros nucleares explica-se pelo facto de o núcleo não ser delimitado por uma só membrana, mas por um invólucro duplo, constituído por duas membranas paralelas. Estas estão aliás em perfeita continuidade com as membranas do retículo endoplasmático, de tal forma que é lícito encarar o invólucro nuclear como uma parte especializada do próprio retículo endoplasmático. e) Resistência à tracção - Apesar de os diversos componentes, nomeadamente os fosfolípidos constituintes da bicamada, estarem unidos por ligações fracas, o certo é que a integração dessas forças, em número extremamente elevado, confere à membrana uma determinada resistência à tracção, responsável pela manutenção da individualidade da célula. A indução da hemólise dos glóbulos vermelhos, através da sujeição destes a um meio hipotónico, põe em destaque o limiar da resistência da membrana. Funções da membrana À luz do conceito trifásico da célula eucariótica, cabe às membranas não só assegurar os contactos com o meio exterior, como desempenhar o papel de medianeiro (fase intermédia) entre as outras duas fases, a interna e a externa. Daí decorrem as principais funções da membrana: a) Individualização da célula - O somatório das forças de Van der Walls que unem os fosfolípidos lado a lado, nas duas camadas, confere à membrana uma determinada resistência à tracção (ver propriedades da membrana), suficiente para assegurar a integridade física da célula, em condições normais e, consequentemente, a sua individualidade. Sabe-se contudo, que a membrana plasmática é complementada, nesta função, internamente, pelo citosqueleto, e externamente, por matrizes Apontamentos de Biologia Celular e Molecular I Mestrado Integrado em Medicina Dentária – 1ºano 1ºsemestre extracelulares (caso de algumas células animais) e pela parede celular (caso das células vegetais). b) Transportes moleculares e iónicos - O relacionamento da célula com o meio exterior, bem como das duas fases, interna e externa, entre si, implicam a permuta de substâncias: iões, moléculas pequenas, macromoléculas e mesmo partículas. Todas essas permutas se realizam através da membrana, com recurso a diversos mecanismos de transporte membranar, que garantem a selectividade do processo e o fluxo consentâneo com as necessidades da célula. c) Recepção de informação - A adequação do funcionamento da célula às condições envolventes, sejam elas o meio exterior, sejam as que resultam de um contexto de organização pluricelular, implica a capacidade de recepção e de processamento de informação. Mais uma vez, compete à membrana, e em particular à membrana plasmática, assegurar a recepção da informação pertinente. Esta função é exercida, nomeadamente, em relação a informação consubstanciada em hormonas e feromonas, através de receptores proteicos incorporados na membrana. d) Transmissão de informação - Algumas células, animais e vegetais, estabelecem, entre si, mecanismos de transmissão de informação, instalados ao nível da membrana. No caso concreto das células nervosas, a transmissão de informação constitui a função primordial para a qual se orienta todo o processo de especialização. A membrana assume, neste processo, funções determinantes, quer constituindo estruturas isoladoras (mielina), quer assegurando a propagação de um sinal eléctrico (potencial de acção). e) Reconhecimento celular - Esta função é particularmente importante no caso das células que se organizam em sociedades pluricelulares (organismos), nas quais se estabelece, com base num património genético comum, uma diferenciação de funções. A garantia de que as células constituintes do organismo pertencem à mesma “família” implica, não só a existência de sinais exteriores identitários, como a capacidade de os reconhecer. Correlativamente, implica que certas células, dentro do quadro de partilha de funções, disponham de mecanismos específicos de eliminação os eventuais “intrusos”. O reconhecimento celular é pois uma função multifacetada, na qual a membrana intervém a diversos títulos. f) Orientação vectorial de reacções - Muitos dos processos químicos dos sistemas biológicos implica longas sequências de reacções coordenadas. Por exemplo, a substância A é convertida em B, a B é convertida em C, e assim sucessivamente até ao produto final, sendo que cada uma das reacções é catalisada por uma enzima (E1, E2, E3, etc.). A eficiência do processo depende da disponibilidade dos reagentes para intervirem no momento certo, o que poderá não acontecer se se encontrarem dispersos no citoplasma. Pelo contrário, se as diversas enzimas envolvidas no processo se dispuserem sequencialmente à superfície da membrana, o produto de uma reacção Apontamentos de Biologia Celular e Molecular I Mestrado Integrado em Medicina Dentária – 1ºano 1ºsemestre passa a estar fisicamente disponível para intervir na reacção seguinte. A sequência de reacções processar-se-á com maior eficiência. Diversos são os exemplos de reacções vectoriais orientadas pela disposição das enzimas à superfície da membrana. (a) Enzimas, reagentes e produtos dispersos no citoplasma (b) Reacções orientadas pela disposição das enzimas à superfície da membrana Especializações da membrana Em regra, as células, quer se constituam como organismos unicelulares, quer se encontrem associadas formando organismos pluricelulares, apresentam especializações diversas, direccionadas a determinadas funções. Algumas dessas funções são estreitamente dependentes da membrana plasmática, como sejam a absorção de nutrientes ou a coesão intercelular quando se trata de formação de tecidos de revestimento (Epitélios). a) Aumento da superfície de trânsito molecular A especialização na função de absorção de nutrientes ou, de uma forma geral, de transferência molecular, traduz-se, em geral, numa hipertrofia da membrana, que pode concretizar-se pela diferenciação de estruturas digitiformes, denominadas microvilosidades. a) Pregas membranares (P.M) recobertas por membrana basal (glicocálice) (LB); b) Microvilosidades (MV) Apontamentos de Biologia Celular e Molecular I Mestrado Integrado em Medicina Dentária – 1ºano 1ºsemestre As células epiteliais do intestino humano, por exemplo, possuem, na superfície apical, milhares de microvilosidades, que aumentam a área de absorção em cerca de 20 vezes. Noutros casos, o aumento da superfície de trânsito molecular resulta da formação de pregas membranares. b) Coesão intercelularEntre células adjacentes, constituintes de um tecido, subsiste um espaço intercelular de 10-15 nm. Contudo, em certos locais, formam-se zonas de aderência acrescida, designadas por junções. Distinguem-se, grosso modo, três classes de junções, consoante a função prioritária que exercem: impermeabilização, aderência, e comunicação. C) Impermeabilização Esta função é executada por junções apertadas ou zonulae ocludens. Destinam- se a tornar um tecido epitelial totalmente estanque. Consistem em bandas que rodeiam completamente as células e contactam com estruturas idênticas das células adjacentes. Ao seu nível, as membranas encostam-se, eliminando o espaço intermembranar. D) Aderência O reforço da aderência entre células adjacentes é realizado através das junções designadas por ou zonulae adherens (quando constituem bandas circundantes das células) ou fascia adherens, quando se limitam a pequenas zonas circulares. A este nível, o espaço intermembranar aumenta (15-20 nm) e é preenchido por um cimento glicoproteico. A membrana plasmática é mais espessa e dela partem tonofilamentos que penetram no citoplasma, oferecendo uma perspectiva de enraizamento. Incluem- se, nesta categoria, os desmossomas. Nestes últimos, o espaço intermembranar ainda é mais amplo, atingindo 30 nm, e as membranas das células vizinhas são acompanhadas, na face interna, por uma placa densa onde se prendem numerosos filamentos citoplasmáticos. Apontamentos de Biologia Celular e Molecular I Mestrado Integrado em Medicina Dentária – 1ºano 1ºsemestre E) Comunicação Nas células animais encontram-se junções em que o espaço intercelular se reduz a cerca de 3 nm e é, aparentemente, atravessado por septos. Estas junções são designadas por junções hiato ou gap junctions. O estudo ultra-estrutural destas junções revelou que os referidos septos são, na realidade, estruturas proteicas intrínsecas, formadas por seis proteínas idênticas, e designadas por conexões. As conexões de duas células adjacentes formam um canal contínuo que permite o trânsito de pequenas moléculas e de iões. Modificações estruturais das proteínas constituintes das conexões, induzidas por alterações dos ambientes citoplasmáticos, como por exemplo o teor de Ca++, determinam que os canais estejam abertos ou fechados. As junções hiato são, pois, estruturas dinâmicas, e a sua participação em processos que implicam coordenação intercelular, como o peristaltismo intestinal, a contracção cardíaca, a embriogénese e a inibição de proliferação celular, por contacto entre as células, é conhecida. Nos tecidos vegetais, a comunicação entre células adjacentes efectua-se através de plasmodesmos. Consistem em interrupções da parede celular preenchidas pelo citossol e atravessadas por um canal, o desmotúbulo, que garante a comunicação entre os retículos das duas células. Plasmodesmos Geralmente, os plasmodesmos formam-se durante a divisão celular. Apesar das suas dimensões relativamente grandes (20-40 nm), os plasmodesmos apresentam uma certa selectividade. Contudo, é através deles que certos vírus se propagam e infectam novas células. Apontamentos de Biologia Celular e Molecular I Mestrado Integrado em Medicina Dentária – 1ºano 1ºsemestre 4. Descrição morfológica e funcional dos vários organitos de uma célula eucariótica: núcleo, mitocôndria, cloroplastos, retículo endoplasmático liso e rugoso, aparelho de Golgi, lisossomas, peroxissomas e vacúolos. Núcleo O núcleo da célula foi descoberto em 1831 por Robert Brown em células de Orquídeas. A generalidade das células possui um único núcleo tipicamente de forma esférica ou ovóide e com posição central, contudo existe inúmeras excepções a esta descrição, pois em certos ciliados, por exemplo, a célula é binucleada, e as fibras musculares são multinucleadas. Embora a forma mais frequente do núcleo seja esférica há células que possuem núcleos com formas diversas. Certos leucócitos por exemplo, tem um núcleo polilobado. Constituição do Núcleo Sob o ponto de vista estrutural o núcleo é delimitado exteriormente por um invólucro nuclear. Contém o suco nuclear, massas de cromatina e um ou mais núcleolos. O microscópio electrónico revelou que o núcleo é delimitado por uma dupla membrana embrionária, o invólucro nuclear, que o separa do citoplasma. O invólucro nuclear não é mais que uma diferenciação local do reticulo endoplasmático. A membrana nuclear externa possui na face citoplasmática ribossomas e está separada da membrana nuclear interna por um espaço peri-nuclear. O invólucro nuclear apresenta inúmeros poros circulares, uniformemente espaçados pela superfície nuclear que permitem a comunicação entre o interior do núcleo e o citoplasma. Supõem-se que as trocas entre o núcleo e o citoplasma ocorram sendo mediadas e controladas ao nível destes poros. No interior do núcleo existe uma substância constituída por uma solução aquosa de proteínas e outras biomoleculas denominada nucleoplasma ou suco nuclear, que banha todos os outros constituintes nucleares. Depois existe ainda relacionada com o núcleo a cromatina. Esta designação é aplicada a massas de aspecto reticulado mais ou menos densas, banhadas pelo nucleoplasma e com afinidade para certos corantes. As massas de cromatina estão dispersas no nucleoplasma, havendo também algumas próximo da membrana nuclear e outras juntas dos nucléolos. Com grandes ampliações verificou-se, a microscópio electrónico que a cromatina tem uma estrutura fibrilar. A unidade fibrilar de cromatina, denominada nucleofilamento, é constituída por ADN associado a proteínas denominadas histonas. As histonas associam-se em pares ao redor dos quais o ADN dá duas voltas, repetindo-se esta estrutura ao longo do nucleofilamento. Apontamentos de Biologia Celular e Molecular I Mestrado Integrado em Medicina Dentária – 1ºano 1ºsemestre As proteínas ligam-se ao ADN devido à interacção entre os radicais amina da proteína e os radicais fosfato do ADN. De acordo com a actividade celular a cromatina pode apresentar diferentes graus de condensação, determinada pela maior ou menor espiralização das fibrilas que a constituem. As zonas mais condensadas da cromatina são designadas por heterocromatina, enquanto às regiões que se apresentam mais difusas, não espiralizadas, se dá o nome de cromatina. Apontamentos de Biologia Celular e Molecular I Mestrado Integrado em Medicina Dentária – 1ºano 1ºsemestre Apontamentos de Biologia Celular e Molecular I Mestrado Integrado em Medicina Dentária – 1ºano 1ºsemestre Apontamentos de Biologia Celular e Molecular I Mestrado Integrado em Medicina Dentária – 1ºano 1ºsemestre Apontamentos de Biologia Celular e Molecular I Mestrado Integrado em Medicina Dentária – 1ºano 1ºsemestre Apontamentos de Biologia Celular e Molecular I Mestrado Integrado em Medicina Dentária – 1ºano 1ºsemestre Apontamentos de Biologia Celular e Molecular I Mestrado Integrado em Medicina Dentária – 1ºano 1ºsemestre Apontamentos de Biologia Celular e Molecular I Mestrado Integrado em Medicina Dentária – 1ºano 1ºsemestre Apontamentos de Biologia Celular e Molecular I Mestrado Integrado em Medicina