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Livro Outeiral

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Jouteiral@hotmail.com
O MAL-ESTAR NA ESCOLA
José Outeiral e Cleon Cerezer
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SUMÁRIO
1. A ADOLESCÊNCIA, A CRIATIVIDADE, OS LIMITES E A ESCOLA
 José Outeiral
2. O TRABALHO COM GRUPOS NA ESCOLA
José Outeiral
3. VIOLÊNCIA NO CORPO E NA MENTE: CONSEQÜÊNCIAS DA REALIDADE BRASILEIRA
José Outeiral
4. TENDÊNCIA ANTI-SOCIAL E PATOLOGIA TRANSICIONAL
José Outeiral
5. AGRESSIVIDADE, TRANSGRESSÃO E LIMITES NO DESENVOLVIMENTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE
José Outeiral
Cleon Cerezer
6. A IMPORTÂNCIA DA FUNÇÃO PATERNA NO DESENVOLVIMENTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE
José Outeiral
Cleon Cerezer
7. A ESCUTA DO MAL-ESTAR NA SALA DE AULA: UM ENSAIO SOBRE PSICANÁLISE E EDUCAÇÃO NA ATUALIDADE
Cleon Cerezer
8. ADOLESCÊNCIA: MODERNIDADE E PÓS-MODERNIDADE
José Outeiral
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CAPÍTULO 1
A ADOLESCÊNCIA, A CRIATIVIDADE, OS LIMITES E A ESCOLA*
José Outeiral
MESFISTÓFELES
Pois acertaste vindo até mim.
ESTUDANTE
Com franqueza, estivesse eu longe já:
Estas paredes, aulas, salas,
Não sei como hei de suportá-las.
É tão restrito e angustiante o espaço,
De verde não se vê pedaço,
E ficam-me, nas aulas, bancos,
Pensar, ouvido e vista estancados.
MEFISTÓFELES 
Antes do mais, dizei-me logo
A faculdade que elegeste.
ESTUDANTE
Quero ficar muito erudito, 
Perceber tudo o que há na terra,
E tudo o que no céu se encerra,
Natura e ciência, ao infinito
Tudo isto deixa-me tão tolo,
Como se um moinho me andasse no miolo.
	Goethe, Fausto (1a Parte) (1808)
Educar, ao lado de Governar e Psicanalisar, é uma profissão impossível. 
							Freud (1937)
	A adolescência é um momento muito criativo em função, entre outras coisas, de ser um período de transformações. Nesta etapa da vida se conquista o chamado pensamento formal, que oportuniza a pessoa raciocinar sobre hipóteses e elaborar conclusões a partir delas.
	Esta nova possibilidade de pensamento, exercitada pelo adolescente em seu dia-a-dia, propicia-lhe um novo tipo de relação com o mundo adulto. Entretanto, nem sempre as premissas de que se utiliza levam em conta a dimensão possível, do real. Para o adolescente é fácil encontrar soluções para os problemas da humanidade, muito embora a maioria delas não seja exeqüível na prática.
	O caráter “mágico” que se estabelece entre o “pensado” e o “exeqüível” cria um espaço importante para desenvolver a criatividade que, de início, mostra-se através de uma atividade impulsiva, difusa e caótica (desde a ótica dos adultos), mas perfeitamente normal. Aos poucos a atividade criativa vai assumindo um perfil mais definido, mais integrado e produtivo. O período de transição, entretanto, necessita de um ambiente propício capaz de suportar as tensões dos momentos iniciais deste processo criativo peculiar, tanto na família como na escola. A criatividade na adolescência articula-se necessariamente com a noção de limites. Limite é uma palavra que tem, muitas vezes, uma conotação negativa, ligada erroneamente à “repressão”, “proibição”, “interdição”, etc.*, inclusive lembrando “repressão política”. No entanto, limite é algo muito além disso: significa a criação de um espaço protegido dentro do qual o adolescente poderá exercer sua espontaneidade e criatividade sem receios e riscos. Precisamos lembrar que não existe conteúdo organizado sem um continente que lhe dê forma.
	Dois exemplos do antes exposto:
	O primeiro deles refere-se a um problema encontrado em uma escola onde os adolescentes apresentavam uma conduta destrutiva com os móveis e demais objetos da classe, e os professores “não sabiam o que fazer”. Questionavam-se muito, faziam reuniões e, enquanto isso os alunos “quebravam a escola”. Isto parecia incompreensível, pois os professores eram experientes, muitos “pós-graduados” em Educação e a escola tinha um regulamento interno que, formalmente, normatizava o que deveria ser feito nesses casos: “colocar limites”. Esta situação “kafkiana” esclareceu-se com a eclosão, de uma greve dos professores em que veio a “tona” a profunda irritação dos adultos com a instituição mantenedora. Este fato tornou clara e evidente que a dificuldade dos professores em colocar “limites” na agressividade dos adolescentes com a escola era, inconscientemente, porque os adolescentes “executavam” o que eles, adultos, gostariam de fazer: esta era a raiz da dificuldade em colocar “limites”.
	Situações idênticas poderão ocorrer nas famílias cujos adolescentes têm problemas de conduta e falta de “limites”. Esta falta de “limites” impede o adolescente de exercitar sua capacidade de pensar, de ser criativo e espontâneo.
	Com este exemplo, quero enfatizar que a falta de “limites” na adolescência é conseqüência, em maior ou menor grau, de dificuldades dos adultos, pois nenhuma criança nasce com a noção de limites. A noção de “limites” se desenvolve num longo processo de identificação da criança e do adolescente com seus pais, inicialmente, e, depois, com os adultos que a sociedade disponibiliza como professores, artistas, desportistas, políticos, etc.
	O segundo exemplo nos reporta a uma situação em que um grupo de crianças, de dez a doze anos, mostrava-se agitado, com agressões e baixo rendimento escolar. A “bagunça” estendia-se a todos os momentos em que estavam na escola. Um professor observou que brincavam aos empurrões e lhe pareceu que, assim, buscavam um contato físico entre si. Esta observação cuidadosa e oportuna fez com que o Serviço de Orientação Educacional (SOE) reunisse o grupo para “conversar” sobre o que estava acontecendo. Os assuntos trazidos evidenciaram que a puberdade estava produzindo toda a “turbulência” e que mais que “agitados” estavam, realmente, “excitados” davam “puxões” e “empurrões”, faziam freqüentes “reuniões dançantes” e chamavam de “galinha” uma menina que, precocemente, apresentava os primeiros sinais da puberdade e que com suas “características sexuais secundárias” provocava ansiedade na turma, que tentava então “queimá-la” numa versão “púbere” da Inquisição. As reuniões do SOE ofereceram um “limite”, um espaço e um tempo protegido, que propiciou substituir a agitação pela verbalização dos conflitos. Certamente puni-los com “suspensões” e medidas disciplinares não seria um “limite” adequado e sim uma “repressão” no mau sentido que, por vezes, tem esta palavra. Um professor sensível e arguto ajudou os púberes em sua difícil “estrada” rumo ao desenvolvimento adolescente. 
É necessário enfatizar que as crianças e os adolescentes “pedem limites” e que o “limite” os ajuda organizar sua mente. Os adultos, às vezes, não colocam “limites” porque assim será mais “cômodo”. Colocar limites significa envolvimento, “conter” o adolescente, suportar suas reclamações e protestos, enfim, enfrentar dificuldades. Os adultos poderão também ter dificuldades em colocar “limites” em função de problemas com seus pais, tendo, talvez, sentido-se “reprimidos” nas suas infâncias e adolescências, têm dificuldades com seus filhos. Buscando evitar que eles passem pelo que não gostariam de ter vivido, acabam contribuindo para o surgimento de “problemas”.
Não devemos esquecer os trabalhos do pedagogo britânico S. Neill, que ao relatar sua experiência em uma escola, escreveu um livro chamado Liberdade sem medo, onde descrevia uma experiência pedagógica extremamente liberal, e alguns anos depois, escreveu um outro que, significativamente, intitulou Liberdade sem excesso. 
A escola tem um significado primordial para o adolescente. Conforme o ambiente que ele vivencia teremos um aprendizado prazeroso e propício ou distúrbios de conduta e/ou de aprendizagem. 
A função da escola é educar, isto é, conforme o significado etimológico da palavra, “colocar para fora” o potencial do indivíduo e oferecer um ambiente propício ao desenvolvimento destaspotencialidades, ao contrário de ensinar, que é in + signo, ou seja, colocar “signos para dentro” do indivíduo. Evidentemente, quando a criança chega na escola, levando consigo aspectos constitucionais e vivências familiares, porém o ambiente escolar será também uma peça fundamental em seu desenvolvimento. Estes três elementos - aspectos constitucionais, vínculos familiares e ambiente escolar - constituirão o tripé do processo educacional. 
Mas qual a escola? Esta é uma pergunta que os pais se fazem com freqüência e que é extremamente necessária, pois uma criança ou um adolescente (e, inclusive seus pais) poderá ou não se adaptar em um determinado ambiente escolar. Cada escola tem uma “ cultura “ própria, a qual determinado aluno poderá ou não se adaptar. A escola, a sala de aula, é um lugar “imaginário”, diferente do espaço real das cadeiras, classes e salas. Ela é o que o aluno percebe a partir de sua história, seus desejos e seus medos. Na escola acontece um interjogo de forças inconscientes que se cruzam, se opõem, se conflitam e se reforçam. Algumas têm seu processo educacional mais dirigido, com limites mais estreitos, ao contrário de outras, mais abertas e mais liberais. Um adolescente, com dificuldade de organização, poderá se beneficiar (ou não) de um ambiente escolar mais estruturado e de limites mais precisos, sendo necessário avaliar, em cada caso, a situação, buscando conhecer como funciona determinada escola e, se necessário, buscando ajuda profissional especializada. As simplificações do tipo: “meu filho é tímido, portanto, precisa de uma escola mais liberal” ou “como ele não tem limites, uma escola mais rígida irá ajudá-lo” não são sempre verdadeiras. O “óbvio ululante” que cada adolescente e cada escola têm peculiaridades próprias é verdadeiro.
As escolas, por seu lado, têm o que chamamos de um “currículo manifesto” e um “currículo oculto”, ou seja, aquilo que manifestamente é dito e/ou escrito, e a verdadeira prática no dia-a-dia da sala de aula. Não são raras as experiências de ouvirmos falar, por exemplo, de uma “educação libertadora”, às vezes isto dito com soberba e empáfia, e constatarmos, depois, uma educação retrógrada e carregada de ambigüidades, que são “denunciadas” pela percepção acurada dos alunos adolescentes. O processo educação/escola é hoje alvo de questionamentos que se situam basicamente em dois pólos: a educação tradicional, na qual nós adultos fomos formados, em contraposição à educação progressista, que propõe uma relação mais prazerosa (satisfatória) com o conhecimento.
A primeira nos oferece algumas garantias, já que nos tornamos adultos pelos menos supostamente aptos. Mas nem todos viveram esta experiência como proporcionando prazer, alegria e satisfação em aprender, como deveria ser o processo educacional.
A segunda, dita progressista, tem favorecido, em alguns casos, a obtenção de uma relação mais tranqüila e flexível com o mundo do conhecimento, desenvolvendo boa capacidade para pensar de forma autônoma. Não pode garantir, no entanto, o montante de conhecimento e cultura geral antes obtido. No capítulo sobre Adolescência: modernidade e pós-modernidade estas questões são abordadas mais detalhadamente.
As dúvidas quanto à adequação de um ou de outro modelo, ou de uma síntese dos dois, não são privilégio dos pais, mas dos educadores também. A Escola, a Educação, vive um momento de perplexidade, sem definição de como conciliar as necessidades de uma sociedade em mudança permanente (com contestação, transformações e mudanças de paradigmas e valores) e uma proposta educacional que prepare o “homem do futuro”. Temos que pensar, então, que nem sempre a escola “tem razão” e que muitas vezes a apreciação do adolescente é correta. A escola é feita por pessoas (professores, supervisores, orientadores e diretores são “pessoas”) que lidam melhor ou pior com determinadas circunstâncias. Os pais têm de estar atentos para situações que se derivam destes fatos. Qualquer “Manual de Educação Moderna” aponta como pressuposto a necessidade de respeitar as características individuais do aluno; entretanto, o que se verifica na prática é a realização de um ensino massificado, em grandes escolas de turmas enormes de alunos, mais ao estilo de uma linha de montagem industrial. Como exemplo, verifica-se, também, não raramente, a dificuldade que os professores e a própria escola têm para “reprovar” (palavra extremamente inadequada) um aluno quando ele não conseguiu dominar o conteúdo X de conhecimento em um tempo Y, e acabam colocando na família e/ou no próprio aluno a resistência em aceitar a reprovação, como desculpa de sua própria insegurança. Os professores, muitas vezes, não toleram as dificuldades de um determinado aluno porque sentem estas dificuldades como “ferida narcísica” em sua capacidade de ensinar.
Os pais e professores deverão saber, por outro lado, que estes serão os “recipientes” de impulsos, fantasias, emoções e pensamentos mais ou menos conscientes que os adolescentes têm em relação aos próprios pais. Amor e agressividade, originalmente dirigidos aos pais, serão “transferidos” para os professores. Poderá acontecer que um adolescente, irritado com seus pais, tenha com estes uma atitude aparentemente “adequada”, extravasando com um professor toda a “bronca” com eles. O professor ficará surpreso com a atitude do aluno, mas sua experiência e intuição lhe farão perceber que “algo está acontecendo”. Os pais, se chamados à escola pelas atitudes do filho, poderão não compreender o que sucede, já que ele está “tão calmo em casa”... . Poderá acontecer, também, tomando o exemplo anterior, que o adolescente não demonstre explicitamente a irritação dirigida aos pais com o professor e que a conduta negativa apareça sob a forma de um baixo rendimento escolar na disciplina. Não serão apenas os sentimentos agressivos que serão “transferidos” desse modo, os amorosos também. Os professores, à vezes, são os primeiros objetos de “amor edípico”, ocorrendo uma “transferência amorosa”. Por exemplo, um menino pode transferir o amor que sente pela mãe para uma determinada professora, por esta lembrar-lhe, consciente ou inconscientemente, a figura materna. Este amor tem um aspecto incestuoso, produzindo ansiedade e culpa, o que poderá se manifestar de uma forma sublimada, através de um grande interesse em aprender, ou, ao contrário, por um desinteresse pela matéria. Algumas dificuldades escolares na adolescência se assemelham a situações desse tipo. É interessante lembrar também, que trabalhar com adolescentes, como já vimos, desperta o adolescente que existe nos adultos, e isto, nos professores, poderá desenvolver distintos sentimentos por um determinado adolescente que lhe evoque as situações de vida de sua própria adolescência. 
O que confere à escola importância vital no processo de desenvolvimento do adolescente é o fato dela ter a características de ser uma simulação da vida, na qual existem regras a serem seguidas, mas que se pode transgredi-las sem sofrer as conseqüências, impostas pela sociedade, e ser esta uma oportunidade de aprender com a transgressão.
Deve-se levar em conta, também, que a relação do aluno com a escola é afetada pela significação que os pais dão a ela, aos estudos de seu filho e às relações dele com os demais alunos. Pais que tenham sido submetidos a uma escolarização muito rígida podem, inconscientemente, buscar uma escola permissiva que “compense” a sua vivência escolar de sofrimento. Podem, por outro lado, fazer com que seus filhos sofram tanto quanto eles e “passem” por tal situação para poderem se tornar “tão educados” quanto eles.
O desejo de saber e obter prazer pelo saber certamente está mediatizado em primeiro lugar pelos pais e, depois, mais tarde, pelos professores e pela escola. Um pode compensar o outro, ou até anular seus efeitos.
A escola não oportuniza somente a relação com o saber e, como uma atividade eminentemente grupal, tem também funções de socialização. Em busca de sua identidade, o adolescente encontrana micro-sociedade da escola um sistema de forças que atuam sobre ele, onde, entre outras coisas, reedita seu ciúme fraterno, compete, divide, rivaliza, oprime e é oprimido, ou seja, reproduz o sistema social. É por esta razão que a escola, muitas vezes, pode detectar dificuldades no processo de desenvolvimento do aluno, que aparece por inteiro na busca de si mesmo, e seu olhar sobre ele é, em geral, menos comprometido emocionalmente do que acontece com os pais.
Podemos dizer, “brincando”, que, se ser adolescente é “difícil”, ser um adulto em contato com ele é duplamente “difícil”: primeiro porque temos de lidar com o adolescente “de fora”, externo, real, e depois com o adolescente “de dentro”. Novamente, enfatizamos a importância de que o adulto que está em contato com o adolescente (pais, professores, etc.) tenha uma “visão binocular”, de dentro e de fora, do adolescente real e das “memórias adolescentes”, carregadas ainda de impulsos, fantasias, desejos, emoções, etc., não como algo indesejável, mas como demonstração de vida.
É muito importante também, que exista (se podemos chamar desta forma...) uma “relação de confiança” entre a família e a escola escolhida, evidentemente, pelos pais para educar seus filhos, isto é, para que os “auxilie” a educar seus filhos. Vemos, com freqüência, os pais criticarem a filosofia pedagógica da escola escolhida na presença dos filhos, de uma forma que predispõe o adolescente contra a escola. Evidentemente, críticas existirão de parte a parte, mas elas deverão ser tratadas nos “canais de comunicação” adequados existentes (ou serem criados) ligando o binômio família-escola.
É extremamente necessário que se evitem dissociações (tão freqüentes...) em que os pais criticam a escola (projetando na instituição todos os aspectos negativos do processo ensino-aprendizagem e, por vezes, da conduta dos filhos) e que a escola, por sua vez, faça o mesmo (projetando na família todas as incompetências, falta de colocação de limites, falta de participação, etc.) . A criação de uma “comunidade realmente operante” poderá tornar a relação família-escola mais integrada e com menos “distorção e ruído” na comunicação. Convenhamos que os adolescentes são, em algumas situações, hábeis em promover dissociações entre, por exemplo, pai e mãe, entre família e escola, etc.
A família e a escola deverão compreender que, eventualmente, é melhor uma “troca” de escola do que submeter o adolescente a um ambiente que não lhe é adequado e, para isto, é necessário, às vezes, experimentar mais de uma instituição. Não basta que a escola tenha sido aquela que o pai e a mãe cursaram, ou que os pais “imaginaram” que tenha “a melhor proposta pedagógica”. É necessário encontrar uma instituição escolar que se aproxime do adolescente (e sua família). Esta escola não precisará, inclusive, reproduzir os “valores familiares”, propiciando, desta forma, outros modelos identificatórios para o adolescente, que assim, terá mais elementos para construir sua “identidade”. É imprescindível, entretanto, que a família e a escola saibam que estão “compartindo” esta experiência.
Para terminar este capítulo, quero fazer alguns comentários sobre a questão da vocação e da escolha profissional.
Vocação diz respeito a características e habilidades inatas que apresentamos desde muito cedo e tem relação com aspectos (impulsos, fantasias, etc.) de nossa personalidade.
A escolha profissional, entretanto, diz respeito a uma situação que envolve, além da própria pessoa, a circunstância social, como, por exemplo, o mercado de trabalho. Assim, poderá ocorrer, muitas vezes, que um adolescente que revelava uma “certa vocação” terá que fazer uma escolha profissional, mais ou menos, distante de sua tendência. Este momento, na verdade um longo e penoso processo, é muito importante na vida dos indivíduos, e se constitui em uma das tarefas principais das etapas finais da adolescência. Em um país como o Brasil, onde o mercado de trabalho é restrito e/ou tem uma remuneração inadequada, mais uma vez, o jovem tem de lidar com uma realidade, com freqüência, adversa.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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FREUD, Anna. Introduccion al psicanalisis para educadores. 4 ed., Buenos Aires:
Paidós. Biblioteca do Educador Contemporâneo. 1961.
FREUD, A . Introduccion al Psicanalisis para educadores, 5. Ed., Argentina: Editora Paidós, 1966.
KUPFER, M. C. Freud e a educação, o mestre do impossível. São Paulo: Ed. Scipione, 1989
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CAPITULO 2
O TRABALHO COM GRUPOS NA ESCOLA
José Outeiral
“Educar, ao lado de governar e psicanalisar, é uma profissão impossível.” 
Sigmund Freud (1937)
	Acredito que são duas as contribuições principais que o psicanalista e o terapeuta de grupo podem dar à instituição escolar: (1) a primeira é referente ao conhecimento psicanalítico como uma teoria do desenvolvimento e do funcionamento da mente humana, e a (2) segunda está ligada ao conhecimento da dinâmica grupal que se estabelece entre a família, a escola e a sociedade. Na escola, a instrumentação para o trabalho grupal entre as variadas combinações possíveis podem ser tais como: grupos de alunos, de professores, de pais. 
	O relato que passo a apresentar resulta de minha experiência no trabalho com comunidades escolares e como psicanalista e terapeuta de grupo. 
UMA VISÃO GERAL
	A escola tem, como sabemos, ao nível consciente, um papel primordial para a criança e o adolescente. Conforme o ambiente que lhes é oferecido (e suas potencialidades), teremos um aprendizado propício e prazeroso ou, então, distúrbios de conduta e/ou aprendizagem. A função da escola é educar, isto é, conforme o significado etimológico da palavra, “colocar para fora” o potencial do indivíduo, ao contrário de ensinar, que é in+signo, ou seja “colocar signos para dentro” do indivíduo. Como foi exposto no capítulo anterior, quando a criança (ou adolescente) chega na escola, ela traz seus aspectos constitucionais e suas vivências familiares, mas o ambiente escolar será também uma peça fundamental em seu desenvolvimento. Estes três elementos – aspectos constitucionais, vínculos familiares e ambiente escolar – constituirão o tripé do processo educacional.
	Mas qual a escola? Essa é uma pergunta que os pais se fazem com freqüência e que é extremamente necessária, pois uma criança ou um adolescente (e, inclusive seus pais) poderá ou não se adaptar em um determinado ambiente escolar. As escolas são instituições com “culturas” próprias e singulares (Cultura de Grupo; Bion, 1963) e que terão significados diferentes para diferentes alunos. A escola, a sala de aula, é um lugar “imaginário”, “mais além” do espaço real de cadeiras, classes e salas. Ela é o que o aluno percebe a partir de sua história, seus desejos e seus medos. Na escola acontece um interjogo de forças inconscientes que se cruzam, opõem-se, conflitam-se ou se reforçam, através de situações manifestas, claras e evidentes, ou de um sutil operar oculto, latente, e, nem por isso, menos importante. Cria-se, então, na escola, uma dinâmica grupal que precisa ser compreendida, e nesse ambiente, a presença de profissionais com treinamento para o trabalho com grupos é muito importante.
	Algumas escolas têm seu processo educacional mais dirigido, com limites mais estreitos, ao contrário de outras, mais abertas e mais liberais. Um adolescente, por exemplo, com dificuldades de organização poderá se beneficiar (ou não) de um ambiente escolar mais estruturado e de limites mais precisos, sendo necessário avaliar, em cada caso, a situação, buscando conhecer como funciona determinada escola. As simplificações do tipo “meu filho é tímido, portanto, precisa de uma escola mais liberal” ou “como ele não tem limites, uma escola mais rígida irá ajudá-lo” não são sempre verdadeiras. O “óbvio ululante” , no sentido que usa Nelson Rodrigues – nosso cronista do dia-a-dia – de que cada criança e adolescente e cada escola têm peculiaridades próprias é fundamental. As escolas, por seulado, têm o que chamamos de um “currículo manifesto” e um “currículo oculto”, ou seja, aquilo que manifestamente é dito e/ou escrito e a verdadeira prática no cotidiano da sala de aula. 	É importante, também, que pais e professores saibam, dentro de uma visão de dinâmica de grupo, que estes últimos serão os “recipientes” de impulsos, ansiedades, fantasias, emoções, paixões e pensamentos, mais ou menos conscientes, que crianças e adolescentes têm em relação a seus próprios pais. Amor e agressividade originalmente dirigidos aos pais serão “transferidos”, (ou projetados) para os professores. Poderá, por exemplo, acontecer que um adolescente irritado com seus pais tenha com estes uma atitude aparentemente “adequada” extravasando com um professor toda a “ bronca” com pai e a mãe. O professor ficará surpreso com a atitude do aluno, mas sua experiência e intuição lhe farão perceber que “algo se passa...” de diferente. Poderá acontecer também,, tomando o exemplo anterior, que o adolescente não demonstre explicitamente a irritação dirigida aos pais com o professor e que a conduta negativa venha na forma de um baixo rendimento escolar. E não serão apenas os sentimentos agressivos que serão “transferidos desse modo”, os amorosos também. Os professores são muitas vezes os primeiros objetos – após os pais – de “amor edípico”, ocorrendo uma “transferência” amorosa. Por exemplo, um menino pode transferir o amor que sente pela mãe para uma determinada professora, por esta lembrar-lhe, consciente ou inconscientemente a figura materna. Esse amor tem um aspecto incestuoso, produzindo ansiedade e culpa, o que poderá se manifestar de uma forma sublimada, através de um grande interesse em aprender ou, ao contrário, por um desinteresse pela matéria. Algumas dificuldades escolares se organizam em torno de problemas desse tipo. É interessante também lembrar que trabalhar com crianças e adolescentes desperta aspectos infantis e adolescentes nos adultos, e isto, nos professores, poderá desenvolver distintos sentimentos por uma determinada criança ou adolescente que lhe evoque sua próprias situações de vida nestas etapas do desenvolvimento. 
	A escola não oportuniza somente a relação com o saber e, como uma atividade eminentemente grupal, também tem funções de sociabilização. Em busca de sua identidade o jovem encontra na micro-sociedade que é a escola um sistema de forças que atuam sobre ele: entre outras coisas, reedita seu ciúme fraterno, compete, divide, ou seja, exercita o viver em grupo.
	
	
UMA COMPREENSÃO INTERSISTÊMICA
Como compreensão intersistêmica me refiro a um triângulo que tem, como é evidente , uma interação muito dinâmica entre seus vértices: a família, a escola e a sociedade. Uma visão que privilegie este enfoque é essencial para que o trabalho com um sistema educacional seja efetivo. Uma outra visão, digamos espacial, para transmitir a minha idéia, é considerar a escola como no meio do caminho entre a família e a sociedade: quase um “espaço” de transicionalidade ( Winnicott, 1975): não é mais o conhecido e protegido “espaço familiar” e tampouco o tão temido e desejado “mundo adulto”. Assim, a escola é o locus onde a criança e adolescente exercitam seus passos em direção a independência, à individualização e à separação do seu grupo original. Pensando dessa forma, é necessário considerar que a escola sofre importantes pressões, mais ou menos manifestas, às vezes diretamente e outras vezes de forma indireta, em algumas situações em nível consciente e em muitas outras inconscientemente, tanto por parte da família como pelo lado da sociedade. Defrontamo-nos, então, com uma tarefa – a educação - complexa e difícil, e ao mesmo tempo sedutora e gratificante, o que levou S. Freud, a considerá-la como “impossível”.
Parodiando S. Freud, quando ele se referiu à mulher, quero formular duas perguntas – “O que quer a família?” e “O que quer a sociedade?”- para que possamos compreender o que a família e a sociedade esperam da escola.
O que quer a família? 
Inicialmente, é necessário dizer que não existe um “modelo” de família, mas sim uma diversidade de modelos familiares, com muitos traços em comum entre si, mas com uma infinidade de singularidades. É possível se pensar que cada família tem uma identidade própria e, como tal, fantasias, situações traumáticas, perdas, mitos familiares, segredos e uma historia. Trata-se, na verdade, de um agrupamento humano em constante evolução, constituído com um intuito básico de prover a subsistência de seus integrantes e protegê-los. É dessa maneira palco dos “dramas” de nossa espécie: amor, ódio, ciúme e inveja, entre outros sentimentos mais ou menos confessáveis, que estão presentes no quotidiano deste agrupamento especial. O que S. Freud descreve em Totem e tabu, ao falar da horda primitiva, pode ser observado, tal como eu penso, com facilidade nas famílias; quero frisar, entretanto, que escrevo sobre as “famílias comuns”. Os mecanismos que operam nos grupos são, evidentemente, observados na dinâmica grupal da família, com o fato de que ali os laços de dependência são fundamentais, e o convívio de seus integrantes é constante e permanente, o que propicia que se revelem estados mentais primitivos (como testemunho disso, podemos observar como as violências físicas e psíquicas contra crianças ocorrem, com freqüência, dentro da própria família). Em relação aos filhos e às expectativas quanto à escola, encontramos várias fantasias familiares, das quais enumerarei apenas duas delas: (a) o desejo de que a instituição escolar “eduque” o filho naquilo que a família não se julga capaz, como, por exemplo, em relação a limites e sexualidade, e (b) que ele seja preparado para o ingresso na universidade e para obter um êxito profissional e financeiro. A escolha da escola pela família, assim, é um ponto que requer avaliação para que se possa entender o que levou a tal decisão, quais as fantasias e expectativas, se considerarmos que cada instituição, bem como as famílias, têm também suas características e peculiaridades, algumas têm um sistema mais “rígido” e outras são mais “flexíveis”, determinadas escolas são ligadas a grupos étnicos ou religiosos e isso determina uma história, uma maneira de “ser”, enfim, uma identidade. Algumas terão uma perspectiva mais “humanista” e outras serão mais “técnicas” e há as que ainda estão passando por transformações, pois – assim como todas as instituições – elas têm um “ciclo vital”. A família precisa saber por que optou por esta ou aquela escola, o que torna necessário conhecer a instituição tanto quanto possível. As escolas não são organizadas para receber “qualquer criança”, assim como as crianças não necessitam se adaptar a “qualquer escola”. 
O que quer a sociedade?
A sociedade procura ter na escola uma instituição normativa que trate de transmitir a cultura, incluindo aí, não apenas conteúdos acadêmicos, mas, e principalmente, seus elementos éticos e estruturais. O currículo é construído em função desses fatores, de uma forma manifesta (ou explicita, escrita em seus estatutos) ou latente (no dia-a-dia). Se, de alguma maneira, a escola “colide” com as pretensões da sociedade, esta trata de submetê-la a seus objetivos, das mais diversas maneiras. Podemos pensar, por exemplo, sobre a situação do ensino público e refletir sobre este tema.
 A DINÂMICA DE GRUPO NA ESCOLA
Podemos pensar, de uma maneira metodológica, que existirão três maneiras de operar com grupos na escola: grupos de alunos, grupos de professores e grupos com pais. É certamente possível fazermos diversas outras combinações, mas é sobre as referidas que vou comentar, por serem as mais freqüentes. As ansiedades, as fantasias e as defesas serão as que encontramos na dinâmica dos grupos em geral e que, em minha maneira de pensar, são melhor trabalhadas dentro dos conceitos de grupo desenvolvido por W. Bion (1970). É fundamental que conheçamos os mecanismos dos grupos de trabalho, grupos de dependência, grupos de luta-e-fuga e grupos deacasalamento, tais como nos aporta este autor.
GRUPOS COM ALUNOS
Atividades de grupo com alunos são fundamentais para uma “vida escolar” eficiente. Esses grupos, tais como eu tenho acompanhado, são realizados semanal ou quinzenalmente (com um total ótimo de não mais de 15 alunos), com as turmas divididas em dois grupos, por um ou dois períodos escolares, coordenados – em geral – por um orientador escolar, seguindo a idéia geral de grupos operativos (Zimmermann, 1969). Estes grupos são centrados essencialmente em uma ou mais tarefas, tais como, por exemplo, os relacionamentos dentro de uma sala de aula ou no manejo de situações ligadas a limites ou sexualidade, que em minha maneira de ver são as “demandas” mais freqüentes. Passarei a relatar alguns exemplos clínicos de situações.
O final do curso
Em uma escola (como acontece em quase todas) as turmas do terceiro ano do Ensino Médio apresentavam uma conduta agressiva entre os próprios alunos e com os professores e no “último dia de aula” (como já vinha acontecendo nos últimos meses...) criavam situações difíceis, depredando a escola e causando tumultos na rua, o que tornava necessário chamar não só os pais, mas inclusive a policia e “punir” exemplarmente alguns alunos. Foram então realizadas reuniões com professores, ficando evidentes os seguintes aspectos: (a) que essas “atuações” diziam respeito à dificuldade dos alunos de se separarem da escola ao final do curso, refletindo assim uma dificuldade também com o processo de separação-individuação em relação a seus próprios grupos familiares, uma das tarefas centrais da adolescência (Outeiral, 1994), e (b) que os professores também tinham dificuldades em se separar dos seus alunos, com os quais estavam em contato, muitas vezes desde a infância e que, de forma inconsciente, também “atuavam” não conversando (não preparando) com os alunos sobre isso, mas apresentando uma descrição “trágica” do mundo fora da escola ( “vestibular muito difícil”, “perspectivas profissionais péssimas”, etc. ...só para citar algumas). Não surpreendia assim que os alunos expressassem suas ansiedades e fantasias de uma maneira manifesta com agressividade, bem como as de seus professores, que de uma maneira inconsciente as projetavam neles e os faziam “atuar”, atacando a instituição e assim negando a dor psíquica e a depressão de ter de se afastar de um local onde tinham tantas ligações. Trabalhou-se, então, com alunos e professores em torno deste tema: (a) da ansiedade de separação como fenômeno presente e fundamental de experiência humana; (b) da “atuação agressiva” como negação dos sentimentos relacionados com a ansiedade de separação (se denegrimos o objeto ao qual estamos ligados, sofremos menos com a separação); e (c) como os fenômenos mentais observados eram comuns a alunos e professores. A estratégia utilizada foi trabalhar em grupos com alunos, professores e pais. Com os alunos, a partir do segundo semestre do último ano (nas reuniões, o tema “separação” era trazido e discutido tanto no que dizia respeito à escola como à família), com os professores (examinado como sentiam a saída dos alunos e como os “assuntavam”, bem como fantasias e realidades deles próprios – em suas adolescências inclusive – relacionadas a essa questão) e com os pais (sobre como enfrentaram os processos de separação) em reuniões mais espaçadas. O discutir e compreender os fatos, nos diferentes níveis (ansiedades, mecanismos de defesa, momentos evolutivos, funcionamento consciente e inconsciente, dinâmica de grupo, etc.), auxiliou todos – alunos, professores e famílias – e diminuiu em muito “o terror dos últimos dias de aula”, que foi substituído por excursões, torneiros esportivos, apresentações teatrais sobre o tema, convite a profissionais para falarem sobre sua profissões e o mercado de trabalho, etc.
Uma vinheta de um grupo operativo com adolescentes
Estão reunidos cerca de 15 adolescentes, rapazes e moças, de uma mesma série com idades entre 15 e 16 anos. O grupo é realizado por uma orientadora educacional a cada 15 dias e tem a duração de 50 minutos, tempo que representa a duração de uma aula.
	O clima é de risos, alguma coisa escondida é passada de mão em mão. A orientadora intervém, perguntando o que se passa. Os adolescentes seguem rindo, como se compartissem um segredo entre eles, com a orientadora “ficando de fora”.
Orientadora: “penso que vocês querem me manter de fora... Talvez esteja ocorrendo algo como em casa, ou seja, vocês necessitam manter algo ‘escondido’ dos pais...”
Aluno: “Não é nada... é só uma brincadeira... quem sabe a professora tenta adivinhar o que é?”
Os alunos começam novamente a rir. Dois ou três deles pedem silencio e tentam “cessar a bagunça”. A orientadora percebe que uma parte do grupo começa a se ocupar com a realização da “tarefa”.
Orientadora: “Parece que começa a haver, por parte da turma, um interesse pelo que nos reúne aqui...”
Ela não faz sua intervenção se referindo a “alguns” alunos, mas trata de estendê-la a todo o grupo, tomando a manifestação de alguns alunos como uma expressão de toda a turma. Os alunos diminuem a “bagunça” e se mostram mais atentos: começa a se estabelecer um nível mais integrado de funcionamento.
Um dos alunos: “Ei! Vamos calar a boca! Vamos terminar com essa esculhambação!”
A orientadora pensa que começa a surgir um movimento em torno de um líder autocrático (“superegóico”, associa...), mas é rapidamente interrompida em seus pensamentos.
O mesmo aluno de antes: “Vamos organizar as coisas! O assunto é se podemos ou não fazer provas com consulta... porque algumas disciplinas permitem e outras não...”
Os alunos agora estão (relativamente...) quietos e pararam de passar entre si uma camisinha (preservativo), que havia sido distribuída a um deles como divulgação de uma campanha contra a AIDS. A orientadora percebe que o tema da sexualidade, que causava a “bagunça anterior”, ficou deixado de lado, embora seja o verdadeiro “emergente grupal”. Ela associa que “deixar ou não deixar”, proibir ou não proibir, tem mais a ver com o tema da camisinha/sexualidade do que o de poder-fazer-prova-com-consulta-ou-não. Evita interpretar neste momento, resolvendo aguardar a evolução do grupo.
Vários alunos falando ao mesmo tempo: “É absurdo, ou deixam ou não deixam ! Uau, vamos resolver isto agora! Ë impossível fazer provas sem consulta! Esta é uma escola moderna ou não!”
O “líder autocrático” (agora com mais seguidores): “Vamos ficar quietos! Em ordem!”. 
A orientadora até este momento havia “deixado” seguir o grupo, intervindo pouco. Percebe que é necessário, agora, contribuir para a “organização”.
Orientadora: “Vamos objetivar! Ficamos hoje de conversar sobre haver ou não consulta na prova, este é o nosso tema! Vamos fazer uma agenda e anotar os nomes de quem quiser falar! Por ordem! Quem quer anotar os nomes?”
O “líder autocrático”: “Eu inscrevo quem quiser falar!”
Vários alunos levantam o dedo e são agendados. A orientadora percebe que o grupo estava mais integrado. O “líder autocrático”, percebido também como um emergente grupal, estava agora “mais democrático”. A dinâmica do grupo se encaminhava para a de “um grupo de trabalho” (Work Group; Bion, 1961). Ocorre à orientadora que, em sua experiência, os grupos de adolescentes, em todas as reuniões, passavam por um período inicial de desorganização, que ela associou de várias maneiras: buscam investigar os “limites” do grupo; precisam de um período de hesitação inicial (period of hesitation; Winnicott, 1975), como descreve Donald Winnicott no Jogo da Espátula; que no inicio predomina sempre um grupo de luta-e-fuga (Basic Assumption: Fight-flight; Bion, 1961). A orientadora começa a “compreender teoricamente” o funcionamento grupal e a pensar na organização deste material para levar para supervisão. Percebe, entretanto, que agora é ela, em seu “devaneio teórico” que “ataca a tarefa” e volta para agenda... 
Uma menina que era chamada de “galinha” pelos colegas...Um grupo de adolescentes de 10 a 12 anos, mostrava-se agitado, com agressões e baixo rendimento escolar. A “bagunça” estendia-se a todos os momentos em que estavam na escola. Um professor observou que brincavam aos empurrões e lhe pareceu que, assim, buscavam um contato físico entre si. Essa observação cuidadosa e oportuna fez com que o Serviço de Orientação Educacional reunisse o grupo para “conversar” sobre o que estava acontecendo. Os assuntos trazidos evidenciaram que a puberdade e a adolescência inicial estavam produzindo toda a “turbulência” e que os mais “agitados” estavam, realmente, mais “excitados”: davam “puxões” e “empurrões”, faziam freqüentes reuniões dançantes e chamavam de “galinha” uma menina que, precocemente, apresentava os primeiros sinais de puberdade e que, com suas características sexuais secundárias, provocava ansiedade na turma, que tentava, então, “queimá-la” numa “versão púbere” da Inquisição. As reuniões com o Serviço de Orientação Educacional ofereceram um “limite”, um espaço e um tempo “protegido”, que propiciou substituir a “agitação” pela verbalização dos conflitos.
GRUPOS COM PROFESSORES
As atividades de grupo com professores poderão se desenvolver de várias maneiras: com professores de uma mesma disciplina, de uma série, com professores de sala de aula e com os que estão em atividades de apoio didático e/ou administrativo – são, enfim, variadas as possibilidades. O trabalho de consultoria psiquiátrica (Silva, 1980) se constitui também em um importante modelo de dinâmica de grupo que pode ser aplicado em uma escola. As atividades grupais poderão ser organizadas de uma maneira sistemática (um semestre ou um ano letivo) ou em torno de uma tarefa específica (com um número definido de reuniões). O ideal é que sejam coordenadas por uma pessoa não diretamente envolvida nas situações que serão examinadas e que por este motivo poderá manter uma visão mais “neutra”. As resistências do trabalho grupal deverão ser compreendidas, aceitas e, se necessário, assinaladas. Essa ressalva é importante porque, muitas vezes, existe uma fantasia entre os professores de que são os “mestres” e que “não vão à escola para aprender”, “representam o mundo adulto e, por isso, mais maduro, com razão, etc...”, sendo difícil aceitar que também eles poderão aprender muito com a escola e, certamente, com os adolescentes. O paradoxo da escola é de que lá, onde alguns ensinam a muitos, todos aprendem! Para ilustrar, alguns exemplos:
A colocação de limites
	Certa ocasião, comecei a trabalhar com um grupo de professores, a pedido deles, porque estavam com “dificuldades em colocar limites em um grupo de alunos”; estes quebravam objetos escolares, jogavam cadeiras pelas janelas e desafiavam os professores. Os professores estavam, como diziam, “imobilizados”, sem saber se deveriam tomar atitudes “mais firmes e até mais drásticas” ou “ir relevando e tentando conversar” com os alunos. Temiam ser tanto “permissivos” como “castradores”, e a situação ia “se arrastando...” Iniciamos a trabalhar com essas questões e eu me surpreendia com a dificuldade que tinham de colocar limites “na prática” porque “na teoria” sabiam como deveriam fazer frente às situações que estavam acontecendo. Era evidente que algo que escapava à compreensão do conteúdo manifesto estava ocorrendo, isto é, havia certamente elementos inconscientes impedindo uma visualização e uma tomada de posição. Enquanto discutíamos e eu não compreendia o que se passava, os professores e funcionários desta instituição entravam em greve, protestando “pela má situação salarial”. Ficou evidente, então uma irritação importante dos “adultos” com a instituição, irritação essa que ainda não havia surgido nas reuniões. Seguimos trabalhando, mesmo no período de greve, por insistência dos professores, que queriam saber o que fazer com os alunos quando retornassem. O trabalho em grupo possibilitou, entretanto, compreender o que acontecia. Ficou evidente para os professores que suas dificuldades em pôr limites deviam-se ao fato de que os alunos tinham atitudes que eles, de maneira inconsciente, estimulavam, aprovavam e – de certa maneira – com sua passividade estimulavam; eles, “os adultos”, não podiam “atacar” diretamente a instituição, coisa que os alunos faziam por eles... A compreensão desses mecanismos permitiu “recuperarem” seu conhecimento pedagógico e agir de forma madura e eficaz.
Os “bons” e os “maus” professores
A direção de uma escola havia decidido tomar um atitude com determinados professores que estavam tendo “dificuldades” com os alunos, ou seja, não conseguiam colocar limites ou, quando o faziam, era de forma “ríspida” e da qual os alunos muito reclamavam. Eram tidos pela comunidade escolar como “professores mal-preparados”, na verdade, como “maus professores”. Foram realizadas, então, inicialmente, atividades grupais com a direção e com os orientadores educacionais. No trabalho, foi possível constatar que havia uma grande dissociação, onde os alunos e parte dos professores (“os bons professores”) depositavam em um pequeno grupo (“os maus professores”) todos os aspectos indesejáveis e regressivos da comunidade escolar e, assim, estes tornavam-se os “bodes expiatórios”, que, como no exemplo bíblico, necessitavam ser “sacrificados” para manter a homeostase do grupo. Em um segundo momento trabalhamos com o grupo de professores e o grupo de alunos. À medida que a dissociação foi sendo elaborada e a questão dos “bodes expiatórios” melhor compreendida, estes últimos começaram a se recusar a assumir o papel que lhes estava sendo designado, e os aspectos que eram projetados (e assumidos) neles começou a ser melhor distribuído entre o grupo; todos tinham problemas em pôr limites. Os “bons professores”, na verdade, tratavam de “seduzir” os alunos e assim melhor controlá-los, ocultando suas dificuldades. A comunidade escolar funciona também como um sistema de vasos comunicantes; a pressão dos alunos, isto é, a necessidade que tinham de serem “contidos”, como é natural na adolescência, deslocava-se toda para um grupo de professores que tinha, então, de lidar com uma “carga excessiva”. No trabalho com o grupo de alunos, estes aspectos também foram examinados e foi interessante observar como eles começaram a identificar os elementos “bodes expiatórios”, entre eles. O que inicialmente parecia dirigir-se para um ritual de “sacrifício” pôde ser compreendido e possibilitou aos diversos grupos uma atitude mais madura e compreensiva.
Alunos desinteressados
	As professoras queixavam-se de que os alunos do turno da noite que trabalhavam durante o dia recusavam-se a entrar n sala de aula, e a maioria permanecia nas imediações da escola namorando, conversando ou fumando. Na atividade de grupo com os professores conversamos sobre o tipo de aluno que freqüentava o turno noturno. Quase todos trabalhavam e no serviço eram responsáveis. O que se passava, então, quando estavam na escola? Não demorou muito para que se tornasse evidente que o currículo oferecido não respondia às necessidades imediatas desses alunos, era pouco motivador e distanciado de suas vivências. Mais interessante ainda foi perceber, progressivamente, num trabalho de elaboração grupal, que também os professores estavam identificados “desinteresse” dos alunos: sentiam-se desmotivados, pouco valorizados e não remunerados de uma forma digna. Ficou claro que se sentiam como adolescentes e, assim, também não procuravam respostas mais criativas e currículos mais atualizados. 
Os níveis de competência
Em uma determinada situação os professores após conversarem com os pais e instados por eles - que reclamavam da “pouca atenção” da escola pela “educação sexual” – começaram a se mobilizar, organizar seminários, preparar currículos, convidar profissionais, etc., de uma forma, digamos, “excessivamente preocupada e apurada”. Depois de algum tempo, começaram a se sentir desestimulados e sem saber como encaminhar, na prática, as questões “exigidas” pelos pais. Trabalhandoem grupo, fomos percebendo como os pais haviam acionado os professores, fazendo-os sentirem-se responsáveis por uma “educação” que era, principalmente, encargo da família; os pais evitavam falar com os filhos sobre um tema que lhes era difícil e o “passaram” para os professores; estes por sua vez sentiram-se, inicialmente, “orgulhosos” da tarefa, mais valorizados como se “soubéssemos mais do que os pais”, e excederam a sua competência. A reflexão permitiu compreender que seria mais adequado chamar, antes dos adolescentes, os pais, para juntos definirem melhor a tarefa, as competências e as formas de encaminhar o trabalho não só da escola , mas também – e principalmente – nas casas, entre pais e adolescentes.
Consultoria psiquiátrica
Várias são as possibilidades de trabalho grupal dentro da perspectiva da consultoria psiquiátrica (Silva, 1980). Minha experiência com essa atividade compreende um trabalho semanal, programado para dois semestres letivos, com grupos de orientadores, em torno de 7 ou 8 profissionais. Com uma hora de duração em cada encontro. É necessário que seja um projeto que tenha uma duração razoável, pois ele tem um objetivo informativo e, em certa medida, também formativo, se considerarmos que as próprias vivências do grupo serão trabalhadas para desenvolver habilidades nos participantes. A consigna básica é a discussão de situações vividas em sala de aula, trazidas a critério dos orientadores. As principais questões diziam respeito às dificuldades de um determinado aluno e de manejo de situações de grupo em sala de aula. Quando, por exemplo, era trazido “um aluno” para discussão, buscava-se ter uma visão global da dificuldade, momento evolutivo, situação familiar, atitude dos colegas e professores, etc., estabelecendo-se uma reflexão entre todo o grupo; algumas vezes se compreendia a “sintomatologia” como uma expressão do momento evolutivo da criança; em outras ocasiões, como um “emergente grupal” (como um “bode expiatório”) ou, ainda, como alguém que necessitava de ajuda especializada, discutindo-se, então, o encaminhamento, entre muitas outras experiências. O grupo de orientadores desenvolveu uma habilidade crescente em relação a estes elementos e ao seu próprio funcionamento como grupo e, a partir disso, a aplicação deste conhecimento na dinâmica grupal da sala de aula. Nas discussões, para exemplificar, alguns se mostravam mais rígidos e “punitivos”; outros, condescendentes e “maleáveis”, o que oportunizava discutir os mecanismos de cisão, identificação projetiva e introjetiva, etc. Considero este tipo de atividade uma das mais importantes no trabalho com grupos de professores.
GRUPOS COM PAIS
Os grupos com pais poderão, também, ser de diversos tipos:
Grandes grupos, com um tema geral para ser discutido, escolhido pelos pais e com a ajuda de profissionais. Inicialmente, todos assistirão a uma exposição, depois serão feitos pequenos grupos para reflexão e discussão sobre o tema (com um secretário anotando as principais questões) e, ao final, haverá um retorno ao trabalho em grande grupo, com uma breve exposição do secretário de cada pequeno grupo e o coordenador fazendo uma síntese.
Pequenos grupos para discussão de determinados temas ou situações específicas sugeridos pelos próprios pais e/ou pela escola, com uma freqüência combinada, como, por exemplo, uma reunião semanal ou quinzenal, de uma ou uma hora e meia de duração, por período de alguns meses.
Grupos de pais e professores (e, eventualmente, alunos) reunidos em conjunto, para discutir questões comuns na comunidade escolar.
Exemplos
Drogas e sexualidade
	Um assunto que surge, amiúde, como demanda de informação por parte dos pais é “drogas”. Evidentemente, esse é um assunto muito importante, porém é significativa a freqüência com que surge como tentativa de encobrir outras questões mais comuns, como a “sexualidade”, pelas quais todos passam, o que não acontece com drogas, e sobre a qual é muito mais difícil falar. Ter um “posicionamento” sobre “drogas” é fácil, mas sobre “sexualidade” é bem mais difícil. Certa ocasião, uma escola religiosa, que até há poucos anos havia sido exclusivamente feminina, organizou um programa chamado de “Adolescência hoje”, incluindo toda a comunidade escolar. Ocorreram situações grupais muito interessantes, algumas até mesmo cômicas. Em uma reunião de pais, com o auditório lotado, antes de iniciar uma conferência sobre o tema “sexualidade na adolescência”, o expositor foi até o banheiro. Inadvertidamente, uma religiosa da escola o fechou a chave no banheiro, atrasando a reunião por mais de meia hora, com todos procurando o expositor... Nesta mesma ocasião, após uma “conferência” com os alunos, alunas em sua maioria, o expositor começou a receber perguntas escritas, e a primeira, significativamente, dizia “O problema desta escola não é drogas é sexo...”, que ao ser lida causou muito riso em todos. Estes episódios, de conteúdo maníaco pelas reações que produziram, permitiram trabalhar e entender que a demanda verdadeiramente necessária da escola era o tema da sexualidade, tanto por parte dos adultos como de adolescentes. O programa que havia sido planejado passou a incluir então este tema tão emergente e difícil de ser abordado. O episódio do banheiro foi tomado não como uma simples anedótica casualidade, mas como uma expressão de emergente grupal, assim como a pergunta-afirmação de uma aluna também foi compreendida desta forma. Tais fatos foram percebidos como “comunicações” de toda a comunidade e utilizados para o entendimento da situação. 
Trabalhando com o tema da identidade em uma “escola de comunidade”
Em uma “escola de comunidade”, isto é, ligada a uma comunidade religiosa e cultural foi feito um trabalho, com pais e professores cujo tema era “Identidade e Juventude”. Inicialmente, foi feito com um grupo de representantes dos pais, professores e um líder religioso um levantamento de temas que lhes pareciam importantes para essa questão: o ritual de iniciação dos jovens e um tema religioso sobre a morte. Surgiram, em torno desses dois temas, variados elementos, como peças de teatro, filmes, poesias, contos, desenhos e pinturas, etc. Os adultos mostraram-se muito interessados e estimulados na busca desses elementos culturais e religiosos, como se a proposta, inicialmente, tendo os jovens como pretexto, fosse uma demanda, um desejo deles próprios. Assim, em um primeiro momento, trabalhou-se este tema com os adultos da comunidade, pais e professores. A dinâmica de grupo utilizada transcorreu da seguinte forma: inicialmente se assistia (ou eram feitas leitura coletivas) de contos, poesias, teatro ou cinema sobre os temas; posteriormente, organizava-se uma mesa com profissionais de diversas áreas (literatura, psicanálise, religião, etc.) para apresentação dos temas conforme a “ótica” de cada um e, após, o “grande grupo” era dividido, as apresentações comentadas e finalmente o “grande grupo” se reunia novamente para discussão. O importante, nesse trabalho, além da dinâmica utilizada, foi compreender que a sugestão feita pelos alunos era importante para eles, desejosos de trabalharem “suas raízes” e sua identidade religiosa e cultural. Tal experiência produziu alguns textos que, desdobrados, hoje servem aos mesmos objetivos em outras localidades e novos elementos culturais foram incorporados e, mesmo encontrados após pesquisas. 
A utilização do teatro como “mote” para o trabalho grupal com pais
	Uma experiência interessante é a utilização de pequenos “esquetes”, escritos pelos próprios alunos e/ou professores (Berlim, 1996), sobre temas de interesse levantados pelos pais. Esses esquetes são apresentados pelos alunos e, depois, são discutidos entre os pais com a coordenação de um orientador (ou profissional da área convidado). O teatro produz um “impacto mobilizador” entre os participantes que é muito produtivo.
ELEMENTOS BÁSICOS DA DINÂMICA DE GRUPO NA ESCOLA
	Esclarecendo meus marcos referenciais teóricos e clínicosbásicos, quero fazer referência a alguns textos que considero fundamentais: inicialmente a dois livros de Sigmund Freud, Totem e tabu (1913) e Psicologia de grupo e análise do ego (1921); ao clássico texto de Bion, Experiências com grupos; ao livro de David Zimerman, Estudo sobre psicoterapia analítica de grupo (1969) ; ao livro de Luiz Carlos Osório e colaboradores, Grupoterapia hoje (1986); ao de David Zimerman, Fundamentos básicos das grupoterapias ( Zimerman, 1993) e, last but not least, os trabalhos Os sistemas sociais como defesa contra as ansiedades persecutória e depressiva, de Elliott Jaques, e O funcionamento dos sistemas sociais como defesa contra ansiedade, de Isabel Menzies (1969). Acredito que esses livros e trabalhos serão de ajuda aos profissionais que desenvolverem sua prática clínica nas escolas, e como eles quero compartir essas referências que me foram úteis. Caso seja possível fazer uma síntese sobre a dinâmica de grupo na escola (ou qualquer outra estrutura social), sugiro que imaginemos o seguinte “esboço”:
O grupo, evidentemente composto por indivíduos, funciona como se fosse uma unidade, e seus componentes representam aspectos desta “unidade-formada-por-partes”; a manifestação de um dos membros é tomada (embora nem sempre) como um emergente de todo o grupo;
A integração grupal permite aflorar (e, inclusive, produz) diversas ansiedades e fantasias que determinam mecanismos de defesa do grupo e, por fim, a forma de funcionamento mais ou menos integrada deste grupo;
As necessidades predominantes serão do tipo confusional, paranóica e depressiva, e os mecanismos de defesa mais observáveis (relacionados às fantasias e ansiedades anteriormente descritas) são, principalmente, a cisão, a identificação, a identificação projetiva e introjetiva e os mecanismos maníacos e de reparação (Segal, 1964; Winnicott, 1935);
Estes processos de funcionamento grupal determinam o surgimento de papéis no grupo (“bode expiatório”, “bom aluno” ou “bom professor”, “mau aluno” ou “mau professor”, “profeta”, etc.) que, quanto mais “fixos”, mais representam uma atitude regressiva do grupo comum como um “todo” (e, consequentemente, quanto mais “saudável” o grupo, mais estes papéis “circulam” entre seus membros);
 O grupo tenderá a funcionar de uma maneira alternada entre o grupo de trabalho e os supostos básicos de funcionamento grupal, tal como descritos por Bion (1961), como “grupo de dependência”, “grupo de acasalamento” e “grupo de luta-e-fuga”. 
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BERLIM, C. Esquetes. Comunicação pessoal, 1996.
BION, W. Experiências com grupos: os fundamentos da psicoterapia de grupo. Rio de 
Janeiro: Imago, 1970.
FREUD, S. Totem e tabu, E.S., vol. XII, 1913.
FREUD, S. Psicologia de grupo e análise do ego E.S., vol. XVII, 1921
MENZIES, I.; JAQUES, E. Los sistemas sociales como defensa contra la ansiedad. Buenos 
Aires: Horme, 1969.
OSORIO, L.C. Grupoterapia hoje. Porto Alegre: Artes Médicas,1986
OUTEIRAL, J. Bion e os grupos. Trabalho apresentado em reunião clínica, na Sociedade
Psicanalítica de Pelotas, dez. 1990 12 pp. 
OUTEIRAL, J. Adolescer: Estudos sobre adolescência. Porto Alegre: Artes Médicas, 1986.
SEGAL, H. Introduction to the Work of Melanie Klein. William Heinemann-Medical Books ltd., 1964.
SILVA, A .C. 	 Uma experiência de consultoria psiquiátrica em escola com população de
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WINNICOTT, D. The maniac defense. In: WINNICOTT, D. Through paeditrics to Psychoanalysis. London: The Hogarth Press and the Institute of Psycho-Analysis, 1975
WINNICOTT, D. The observation of instants in a set situation. In: WINNICOTT, D. Through paediatrics to psyco-analysis. London: The Hogarth Press and The Institute of Psyco-Analysis, 1975.
WINNICOTT, D. Transitional objets and transitional phenomena. In: WINNICOTT, D. 
Through paediatrics to psyco-analisys. London: The Hogart Press and The Institute of 
Psyco-Analysis, 1975.
ZIMERMAN, D. E. Fundamentos básicos das grupoterapias. Porto Alegre: Artes Médicas, 
1993
ZIMMERMANN, D. Estudos sobre psicoterapia analítica de grupo. São Paulo: Mestre Jou, 1971.
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 CAPITULO 3
VIOLÊNCIA NO CORPO E NA MENTE: CONSEQÜÊNCIAS DA REALIDADE BRASILEIRA
José Outeiral
							“O que viola o outro o corrompe”
							(Maomé, citado por Masud Khan)
	Como médico, psiquiatra de crianças e adolescentes e psicanalista, meu vértice de observação é dado pela teoria e pela clinica psicanalítica. Minha prática é determinada, entretanto, pelo trabalho clínico com uma fatia da população adolescente: aqueles que possuem um suporte familiar “suficientemente bom”, têm acesso à escola, aos bens e valores da sociedade de consumo; enfim adolescentes de nosso estrato social, nossos adolescentes – filhos, alunos, pacientes, vizinhos, etc. - os adolescentes que fomos, há não muitos anos, e os adolescentes com os quais convivemos hoje.
	Sobre esses adolescentes – de nossa categoria social, econômica e cultural – muito se tem escrito. Tenho, inclusive, alguns textos publicados sobre este tema. Quero avisar ao leitor, entretanto, que neste capítulo estou escrevendo sobre adolescentes em relação aos quais conheço pouco (e certamente incorrendo nos erros de falar sobre o que não sabemos – ou sabemos?), os adolescentes “excluídos” .
	Na verdade, trabalhei durante algum tempo num programa de Psiquiatria Comunitária em uma vila periférica e, depois, com menores no Juizado da Infância e da Juventude. Em diferentes ocasiões prestei assessoria à FEBEM e ao município de Porto Alegre, no manejo com menores infratores e com crianças e adolescentes em situação de rua ou albergados.
	Na vila pude observar, por exemplo, que as adolescentes iniciavam sua vida genital aos 14, 15 anos, com um número significativo delas engravidando e levando a termo ou não a gestação, e praticamente todos os adolescentes, rapazes e moças, eram capazes de prover parte ou a totalidade do seu sustento. Em uma escola de classe média que estudamos na ocasião, a poucos quilômetros da vila, a situação era totalmente diferente: as moças iniciavam sua vida genital aos 16, 17 anos, poucas engravidavam e nenhum dos adolescentes trabalhava.
	Não sei se esta denominação “adolescentes excluídos” é a mais correta ou oportuna, mas é certo que ao menos eles são excluídos de nossas discussões e escritos. Quando concordamos que adolescência é um fenômeno psicossocial (Outeiral, 1994), reconhecemos que existirão aspectos comuns e também específicos, que caracterizarão o processo adolescente nos diferentes estratos socioeconômicos e culturais de nossa sociedade.
	Quem são eles – os adolescentes excluídos – e quantos são? As estatísticas são muito variáveis: alguns dizem que são cerca de vinte milhões de menores desfavorecidos, sete vezes toda a população do Uruguai ou metade de toda a população da Argentina. Outros contestarão estas cifras. Mas aí estarão eles: nas ruas, nas estradas, nos campos, nas cidades e – de novo – nas ruas, entre os carros, provocando em nós os mais variados sentimentos, confessáveis ou não: vergonha, repulsa, culpa, irritação, medo, etc... Melhor seria não vê-los, não escutá-los, não senti-los: negá-los, denegá-los ou ainda (de maneira pedante) podemos dizer Verneinung.
Laplanche e Pontalis, em seu Dicionário de Psicanálise , definem assim este termo:
Processo pelo qual o sujeito, embora formulando um dos seus desejos, pensamentos ou sentimentos até então recalcados, continua a defender-se deles negando que lhes pertençam.
Muitos poderão ser os aspectos sobre os quais poderemos nos inclinar para observá-los: vou comentar apenas alguns deles, convidando o leitor a trazer outros. Vou me restringir ao tema: a violência no corpo e na mente do adolescente – conseqüências da realidade brasileira. 
A DURAÇÃO E AS ETAPASDA ADOLESCÊNCIA 
Um dos primeiros elementos a serem considerados envolve o fato de que, empiricamente, considero que nos estratos menos favorecidos de nossa sociedade o processo adolescente, como tal, é desencadeado mais cedo e é em muitos sentidos, abreviado, sendo a passagem da infância ao mundo adulto bastante rápida. Talvez esteja dizendo algo que pareça óbvio e nada original, mas julgo necessário fazer este registro.
	Podemos observar, com alguma facilidade, uma pseudo-maturidade que se estabelece, incluindo neste aspecto padrões verbais aparentemente mais desenvolvidos e uma conduta também em aparência mais adulta. Na verdade nos encontramos diante de mecanismos defensivos, muitas vezes de sobrevivência do corpo e da mente, em que estruturas clínicas como as compreendidas no amplo espectro da Tendência Anti-Social ou do tipo Falso Self representam os níveis mais integrados. O conceito de trauma acumulativo de Masud Khan também é de utilizade para a compreensão destas situações.
ESTADOS DA MENTE NA ADOLESCÊNCIA
OS EFEITOS TRAUMÁTICOS DA VIOLÊNCIA DA SOCIEDADE
Donald Winnicott nos auxilia neste campo ao descrever sua experiência clínica, particularmente com crianças separadas das mães durante a evacuação de Londres, na Segunda Guerra Mundial, com o conceito de Tendência Anti-Social, particularmente ao referir-se à importância “dos efeitos da separação e da perda, da destruição e da morte”.
TENDÊNCIA ANTI-SOCIAL
Em um Simpósio, realizado em 1994, pude comentar aspectos da Tendência Anti-Social, tal como a concebeu Donald Winnicott. As apresentações deste encontro estão publicadas em um livro editado por David Levisky (Levisky, 1997). O capítulo seguinte deste livro abordará esta questão com maior profundidade.
Donald Winnicott distingue dois aspectos da privação: (1) deprivation a perda do bom objeto e a perda do marco confiável dentro do qual a vida instintiva e espontânea da criança se sente segura (estado no qual se teve algo bom que foi perdido) e (2) privation um estado no qual jamais se teve algo e que resulta em doença mental ou no domínio de uma psicose. Assim ele mostrou que a tendência anti-social se articula em um ponto com as psicoses e em outro com as neuroses. Estabeleceu, desta maneira, que a experiência de privação dificulta à criança alcançar o estágio de reconhecimento e preocupação com o outro e um sentido de responsabilidade social dentro do indivíduo.
Para este autor, pediatra e psicanalista, os atos anti-sociais dos delinqüentes e dos psicopatas mostram sinais de esperança. “A esperança orienta-se a recuperar o que se perdeu, ou que isto seja devolvido e que os processos de maturação, que ficaram congelados quando da perda, sejam liberados novamente”. Desta forma, Winnicott, escreve Clare Winnicott (1989), “explicou ao menos parte da vida afetiva do homem sem ter que recorrer a um instinto de morte herdado”. Para ele, o furto, por exemplo, está no centro da tendência anti-social, associado à mentira. Na verdade, a criança que furta um objeto não está desejando o objeto roubado, mas a mãe, sobre quem ela se julga “com direitos”.
Três são, então, os aspectos básicos da “tendência anti-social” para Donald Winnicott:
ele relaciona a tendência anti-social “a uma falha ambiental precoce, principalmente a uma falha na função materna”;
Distingue dois tipos de reação da criança a estas falhas: (a) quando a privação ocorre depois de ter havido uma função materna “suficientemente boa” e por um período de tempo suportável, a criança poderá desenvolver a tendência anti-social” - deprivation; (b) se a privação (privation), ou a falha na função materna, ocorrer desde o inicio da vida, poderá se desenvolver uma doença mental grave ou uma psicose;
Donald Winnicott considera que a “tendência anti-social” comporta um sentimento de esperança, o que dá uma configuração clínica muito especial ao problema.
FALSO-SELF
A outra questão diz respeito às organizações defensivas do tipo “falso-self”. Esta situação resulta de cisões muito primitivas ocorridas no ego, com o intuito de proteger o “verdadeiro self” das falhas e/ou intrusões ambientais, principalmente na relação com a mãe. Este será um tipo de organização que conduzirá, eventualmente, o adolescente a um grau razoável de “adaptação social”, embora saibamos que com o tributo da perda da espontaneidade e da criatividade. Poderá ocorrer também o desenvolvimento de um “falso self” em que o elemento adaptativo se relacionará a estruturas ligadas à transgressão e a espaços sociais marginais: o adolescente se adaptará, dessa maneira, a uma “gangue” ou a uma “turma” na qual buscará ser aceito e tratará de se moldar aos padrões éticos vigentes nestes grupos.
PATOLOGIA DA TRANSICIONALIDADE
No simpósio referido antes, estabeleci, seguindo Donald Winnicott e outros autores, a relação entre a tendência anti-social e a patologia da transicionalidade. Evidentemente as patologias vinculadas a um inexistente (ou insuficientemente desenvolvido) ou com um desenvolvimento atípico (“estruturas lacunares” de K. Friedlander) do superego, fracasso de uma elaboração edípica e regressão e/ou fixação a elementos pré-gentais estarão presentes nestes adolescentes. Esta patologia estrutural, reconhecível em termos metapsicológicos, tem também sua representação psíquica nas alterações do self decorrentes de falhas nas transicionalidade. Vários autores discorrem sobre estes aspectos, bastante conhecidos na bibliografia especializada (Outeiral, 1995).
TRAUMA ACUMULATIVO
Masud Khan utiliza o conceito de “trauma acumulativo” para descrever situações que, penso, se aplicam a esses adolescentes com freqüência. Ele parte da concepção de Freud sobre a função da mãe como escudo protetor, desenvolvida em “Além do principio do prazer” (1920). Masud Khan escreve ( Khan, 1963):
Meu argumento é que o trauma acumulativo resulta de fendas observadas no papel da mãe como escudo protetor durante todo o curso de desenvolvimento, desde a infância até a adolescência – isto é, em todas as áreas da experiência onde a criança precisa da mãe como um ego auxiliar para sustentar suas funções do ego, ainda imaturas e instáveis... O trauma acumulativo procede, portanto, das tensões que uma criança experimenta no contexto da sua dependência de ego em relação à mãe como seu escudo protetor e ego auxiliar... Nesse contexto, seria mais exato dizer que estas fendas, repetidas no correr do tempo e entremeadas no processo de desenvolvimento se acumulam de forma silenciosa s invisível. Daí a dificuldade e identificá-los clinicamente na infância. Pouco a pouco vão se fixando até formarem os traços específicos de determinadas estruturas de caráter (Greenacre, 1958). Gostaria de limitar-me apenas a declarar que o emprego da palavra trauma no conceito de trauma acumulativo não nos deve levar erroneamente a considerar tais fendas observadas na papel da mãe com escudo protetor como traumáticas na época ou no período em que ocorreram. Só adquirem valor acumulativamente e retrospectivamente... Deve ajudar a substituir reconstruções incriminadoras, como mães más, rejeitadoras ou sedutoras, bem como construções antropomórficas - os objetos parciais – tais como seio “bom” ou “mau”. Em segundo lugar, poderia ser feito um exame mais convincente do interjogo patogênico de variáveis específicas inerentes ao relacionamento total do equipamento físico e psíquico da criança e de como o ambiente enfrenta este interjogo...” 
Masud Khan utiliza também alguns dos conceitos básicos de Donald Winnicott para desenvolver suas idéias. Para ele o que leva a mãe a desenvolver o papel de escudo protetor é o que Winnicott chama de preocupação materna primária, em que a mãe suficientemente boa, através de suas funções de holding, handling e apresentação de objeto interagem com seu bebê. O conceito de intrusão (impingment) também é fundamental, Masud Khan comenta ( Khan, 1963):
E a intromissão das necessidades e conflitos pessoais da mãe que caracterizocomo fracasso no papel que desempenha como escudo protetor: O papel da mãe como escudo protetor não é passivo; é uma atitude alerte, de adaptação e organização. O papel de escudo protetor é resultado das funções de ego maternas autônomas e isentas de conflito. Se os conflitos pessoais interferirem aqui, o resultado será um desvio do papel de escudo protetor para a simbiose ou fuga para uma rejeição. Como a criança reagirá a esses fracassos da natureza, intensidade, duração e freqüência do trauma.
A ATUAÇÃO
A atuação, ou o agir, constitui um meio comum de comunicação e de tentativa de evitação – como defesa maníaca – das ansiedades confusionais, paranóides e depressivas na adolescência. Nos adolescentes a que estou me referindo, pelos seus precários meios de estruturação psíquica, este modelo de funcionamento mental – o atuar como comunicação e como defesa maníaca – será mais intenso.
OS MODELOS OPERACIONAIS DE PENSAMENTO
A adolescência se constitui de movimentos (flutuações) progressivos e regressivos. Nas flutuações progressivas predomina o processo secundário, o pensamento abstrato e os modelos verbais de comunicação. Nas flutuações regressivas, tão comuns nos adolescentes a que estou me referindo, predomina o processo primário, o pensamento concreto e o “agir” como modelo comunicacional operante.
O PROCESSO DE SEPARAÇÃO – INDIVIDUAÇÃO
A adolescência é um processo em que se reatualiza o processo de separação-individuação, tal como descrito por Margareth Mahler e outros autores. Os adolescentes sem uma estrutura familiar adequada e com uma relação materna falha nas primeiras etapas do desenvolvimento experimentarão dificuldades nesta tarefa. A Sindrome Bordeline (difusão de identidade, utilização de mecanismos primitivos de defesa - particularmente a cisão - e precário juízo de realidade), relacionada aos processos referidos antes, poderá estar presente como uma expressão patológica (Outeiral, 1995).
OS PROCESSOS IDENTIFICATÓRIOS, A PERSONALIDADE E A FORMAÇÃO DA IDENTIDADE
Os processos de identificação são fundamentais na adolescência, particularmente na constituição da identidade. Os padrões de identificação destes adolescentes serão basicamente aqueles encontrados, em especial, nos indivíduos que representam a possibilidade de sobrevivência. Evidentemente serão modelos e padrões de identificação bastante distintos dos modelos das classes sociais mais favorecidas. A ética (ou as estruturas superegóicas) que se constituirá a partir de então será peculiar. A falta de um continente familiar adequado, de um espaço e de um limite, que criem as condições propícias para o desenvolvimento e para a estruturação da personalidade, poderá determinar uma atividade impulsiva, pouca tolerância à frustração e uma tendência ao acting-out. Além das dificuldades na estrutura egóica, o ideal de ego e o superego tenderão a apresentar deficiências com identificações patológicas. 
A RELAÇÃO COM O CORPO
Em um trabalho anterior, publicado com Luiz Carlos Osório, tive a oportunidade de escrever sobre ao corpo na adolescência, descrevendo os diversos aspectos desta “personalização” ou, como diz Donald Winnicott, da integração da psique-soma.
É importante que o grau de normalidade de um adolescente pode ser detectado através de sua atitude em relação ao corpo. Pode senti-lo como totalmente próprio ou, em casos de má elaboração da “personalização”, como pertencente a outro, especialmente à mãe, como figura materna presente ou ausente. Como resultado, todas as mudanças corporais são vividas como persecutórias (com o corpo e/ou seus órgãos, transformando-se em um depositário de intensas ansiedades confusionais e paranóides), maníacas (com a negação onipotente de toda dor psíquica que individualmente acompanha o processo) ou fóbicas (com uma evitação em que todas as transformações corporais não são referidas). Em situações-limite as transformações corporais levam a graves transtornos na relação do adolescente com o próprio corpo, que é sentido como alvo invasivo, estranho e persecutório e podem chegar a um ataque ao próprio corpo ou a expo-lo a perigos, sem senti-lo como próprio. O montante de culpa inerente a este processo autodestrutivo pode explicar alguns casos de adolescentes suicidas ou que realizaram tentativas inconscientes de suicídio através de acidentes. O ataque ao corpo é vivido como um ataque de algo externo, não necessariamente a morte da mente. Uma outra forma importante de suicídio pode ser dada, como nos revela Masud Khan, encontrando alguém que nos destrua ou mate: talvez muitos adolescentes excluídos busquem este caminho, criando ou buscando situações que os livre de seguir vivendo de modo tão adverso. 
Concluindo, podemos dizer que a relação do adolescente com o seu corpo é um dos indícios da integridade de seu ego. 
 A FAMÍLIA
As estruturas familiares desses adolescentes serão as mais diversas. Muitos terão grupos familiares com peculiaridades: com muita freqüência, acredito, esta será caracterizada pelo abandono parental – principalmente o pai – e um número significativo será constituídos por filhos “naturais”. Júlio Aray, analista venezuelano, realizou em seu país um importante estudo sobre o abandono parental e a situação do filho “natural”, na Venezuela, que correspondia a 20% de todos os nascimentos, chegando a observações aproximadas às que estou considerando. A migração do campo para a cidade, com todos os resultados desta mudança familiar: de espaço, cultura, efeitos econômicos, de afastamento do grupo familiar de origem, etc., são elementos desagregadores.
Nos adolescentes para os quais não existe nenhuma estrutura familiar, os grupos de adolescentes, como as gangues ou as turmas, buscarão prover esta falta. O filme Pixote, de H. Babenco, nos dá uma idéia desse aspecto.
A ausência da figura paterna é muito freqüente e está associada a falta de limites e ao desenvolvimento de padrões alterados de conduta. A função paterna será associada, muitas vezes, com uma figura de um delinqüente “poderoso”.
... E, POR ÚLTIMO, MAS LAST BUT NOT LEAST...A SEXUALIDADE 
Pouco sabemos da sexualidade destes adolescentes, mas podemos inferir que as experiências, assim como a própria adolescência, acontecerão mais cedo.
Pela sua (des)estruturação familiar estarão mais expostos a situações traumáticas nestas etapas. A negligência e o abuso (no âmbito familiar, inclusive), embora evidentemente não específicas dessas categorias sociais, estarão mais presentes por vários motivos: a relação da transmissão transgeracional da negligência e do abuso (em que uma mãe – ou o pai - que foi negligenciada ou abusada em sua infância ou adolescência tem um risco maior de repetir isso com seus filhos); as situações materiais expondo-os a presenciar a intimidade de outros; a busca de conquistar afeto através da relação genital (em que um pênis terá mais a representação de um seio que o genital masculino); a utilização da promiscuidade sexual para criar um sentido de pertencer a um grupo; a utilização do sexo para sobrevivência; a promiscuidade sexual como um ataque ao corpo e uma situação homicida, etc. E inúmeros outros aspectos. O jornalista Gilberto Dimenstein tem escrito sobre isso ao pesquisar sobre a prostituição na infância e na adolescência.
Para finalizar, quero dizer que, motivado por um parecer dado no Supremo Tribunal Federal – de que não existem meninas de 12 anos, e sim mulheres de 12 anos, a partir de um estupro sofrido por uma menina de 12 anos - , que existem, sim, meninas de 12 anos, independente de classe social, e também meninos, expostos às mais violentas formas de exclusão social, de abuso, de negligência e mesmo de extermínio. 
 
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
JUNQUEIRA FILHO, L. et alii ( 1995) . Corpo Mente. Uma fronteira móvel. São Paulo, Casa do Psicólogo, 1995.
LEVISKY, D. ( 1997) Adolescência e Violência. Conseqüências da Realidade Brasileira. Porto Alegre, Editora Artes Médicas, 1991.
OUTEIRAL J. & GRANA, R.

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