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PDF do Livro: Solidão e Liberdade de Jadir Machado Lessa

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1 
 
 
 
Solidão e Liberdade 
Jadir Machado Lessa 
 
 
SAEP Editora 
2ª edição 
2003 
2 
 
Solidão e Liberdade - Jadir Machado Lessa 
"Estou sozinho em meu quarto, não saí nem para jantar, 
ao lado do telefone, 
mas não te posso ligar. 
Sei que estás pensando em mim, querendo me ver, ouvir e falar, sei que 
também estás sofrendo, por não poder me tocar. 
O que parece complicado, 
fácil pode se tornar, 
liberte-se das amarras, 
não há motivo para chorar. Ninguém é de papel, 
ninguém pode se rasgar, 
mas respeito o teu medo 
por isso posso esperar. 
Esperar que a verdade apareça e que possa triunfar, 
levando para muito longe 
o teu medo de arriscar. 
Não há garantia alguma 
que o futuro possa dar, 
mas no presente impera 
uma verdade sem par. 
Minha menina querida, 
eu só quero te abraçar." 
 
 
Dedicatória 
A Bianca Alves, uma mulher solitária em busca da liberdade e da felicidade. 
A Elaine Ferreira das Neves, uma mulher determinada a vencer por sua disciplina, dedicação 
e profissionalismo. 
A Magda Eiras Moraes, uma mulher vitoriosa por haver conquistado a liberdade e a 
autonomia. 
 
3 
 
Prefácio 
Todos sabemos que o homem é um animal gregário (do latim gregariu, que faz parte da grei, 
do rebanho). Para que se torne efetivamente um ser humano, necessita da presença e da orientação de 
outros seres humanos. E para que continue a ser humano, é imperioso que este contato seja mantido 
permanentemente. Então, pode pensar o leitor neófito, que se surpreendeu com o título da obra: 
"Como Jadir Lessa pode enaltecer a solidão e, mais do que isto, considerá-la como condição de 
realização e felicidade?" 
Mas não é desta solidão de que fala o autor. Trata do estar só enquanto ser que só pode "existir" 
no contexto de sua própria vida e enquanto nela se constrói, que não pode viver como se fosse outro, 
amar como se fosse outro, sofrer como se fosse outro, morrer como se fosse outro. Como nos faz 
lembrar Heidegger: a existência é sempre minha e não pode ser compartilhada. Deve ser construída 
e conquistada por mim. 
Jadir mostra também que não podemos viver autenticamente sem o nosso mundo: que o 
mundo está implícito no sujeito e, consequentemente, existir é, em sua definição mais precisa, existir 
com os outros. Defende um relacionamento pleno, do qual não faz parte o medo de expressar 
sentimentos, de dizer "não", de negar ideias. O medo de se relacionar plenamente cria um simulacro 
de nós mesmos e, em última análise, exclui o outro de nossas vidas; esvazia nosso mundo. E como 
não podemos viver fora do nosso mundo, excluímo-nos de nossa própria vida. 
O autor mostra aos insatisfeitos que, antes de tentar modificar o mundo (o que é impossível), 
devem tentar modificar a si mesmos. Se não sabemos onde estamos, dificilmente saberemos para 
onde ir. 
Sobre este tema, parece oportuno lembrar, como contraponto, o diálogo de Alice - do País das 
Maravilhas com o Gato de Cheshire: 
Alice: "Poderia indicar, por favor, para onde tenho que ir?" 
Gato: "Isto depende do lugar para onde você quer ir." 
Alice: "Não me importa muito para onde..." 
Gato: ''Neste caso, não importa para onde vai, sempre chegará a alguma parte. " (Que pode 
não ser o "seu lugar", lembraria Jadir.) 
De um texto antropológico lido nos meus verdes anos, minha memória guardou fragmentos: 
para certo povo "primitivo" de um certo lugar distante, o cerimonial de nascimento se completa 
quando a parteira, ao cortar o cordão umbilical, diz para o recém-nascido: "Agora você é responsável 
por sua própria vida." 
Se fosse possível estabelecer o mote do texto de Jadir, parece que "responsabilidade por sua 
própria vida" é o mais adequado. A partir do sentido de responsabilidade com o próprio viver e da 
medida de suas consequências, é que o homem vai viver sua existência: com liberdade, com sucessos 
- ou não tantos - mas com tudo que nela pode criar. 
Finalmente, não posso deixar de reconhecer que Jadir Lessa consegue em poucas páginas 
apresentar, de forma clara e atraente, alguns dos mais importantes aspectos da análise ontológica da 
existência humana, segundo Martin Heidegger. E Heidegger é um autor que muitos críticos 
consideram criador de pensamentos profundos e complexos, mas que os expressa numa linguagem 
igualmente complexa. 
Luiz Fernando Teixeira Dantas 
4 
 
Índice 
 
Introdução ................................................................................................................. 5 
O QUE É SOLIDÃO? ................................................................................................. 7 
A SOLIDÃO INTERPRETADA COMO ABANDONO E COMO LIBERDADE .............. 8 
COMO LIDAR MELHOR COM A SOLIDÃO, A ANGÚSTIA E O ABANDONO ......... 10 
A LIBERDADE TRAZIDA PELA SOLIDÃO............................................................. 13 
OS RISCOS DE ASSUMIR A PRÓPRIA VIDA .......................................................... 15 
SOLIDÃO CONDIÇÃO DO SER .............................................................................. 17 
AUTENTICIDADE .................................................................................................. 18 
E POSSÍVEL MERGULHAR NA SOLIDÃO DO OUTRO? ......................................... 19 
A ANGÚSTIA COMO MOTIVADORA DA EXISTÊNCIA ......................................... 20 
O RISCO DE SE DESCOBRIR SÓ ............................................................................ 21 
COMO SE TORNAR RESPONSÁVEL PELA PRÓPRIA VIDA .................................. 22 
A PSICOTERAPIA PARA O INDIVÍDUO SOLITÁRIO ............................................. 23 
 
 
5 
 
Introdução 
 
O que é solidão? É estar só, isolado, distante dos outros? É estar individualizado e autônomo? 
Solidão é um problema? A solução seria encontrar alguém para preencher o vazio existencial? 
Numa pesquisa realizada em 1998, no Rio de Janeiro, por alunos do Curso de Formação de 
Psicoterapeutas Existenciais da Sociedade de Análise Existencial e Psicomaiêutica (SAEP), foi 
observado que grande parte das pessoas entrevistadas, independentemente da idade, considera que 
solidão é um sentimento ruim, é estar só, isolado, distante dos outros. Destacamos alguns 
depoimentos: 
- "Solidão é um sentimento de desamparo." (Robson - 40 anos) 
- "Solidão é muito triste." (Regina Coeli - 76 anos) 
- "Solidão é estar perdido na imensidão do universo." (Marilza - 50 anos) 
- "Solidão é uma coisa má que deixa a gente triste e muito abalado. Ficar sem amigos, na 
solidão, é muito triste." (Diego - 8 anos) 
- "Solidão é um vazio." (Bianca - 20 anos) 
- "Solidão é sentir um vazio mesmo estando acompanhado." (Eneida Maria - 59 anos) 
- "Solidão é tristeza e agonia." (Michele - 20 anos) 
- "Solidão é a sensação de que ninguém se importa com você." (Alessandro - 15 anos) 
 
Dando continuidade à pesquisa, observou-se que as pessoas, quando estão sós, geralmente se 
sentem mal, tristes, abandonadas, deprimidas. Veja algumas das respostas à pergunta "Como você se 
sente quando está só?" 
 
- "Muito triste e deprimida, e choro." (Regina Coeli - 76 anos) 
- "Tudo, a maior tristeza de sentir-me abandonada depois de servir tanto." (Maria Thereza - 67 anos) 
- "Abandonada." (Virgínia - 43 anos) 
- "Carência de atenção, de valorização, de proteção." (Junia - 38 anos) 
- "Insatisfeita, triste, angustiada. Procuro sempre ocupar-me para não passar por esses sentimentos." 
(Waldelice - 37 anos) 
- "Muito mal, fico triste, choro e faço tudo para conseguir um amigo." (Diego - 8 anos) 
- "Sem motivação, parece que nada tem sentido. Estou me referindo à verdadeira solidão, à solidão 
da alma." (Lucia - 43 anos)- "Triste, só, parece que me abandonaram... deixaram-me largada, e isto é muito ruim." (Flávia - 8 
anos) 
- "Triste, a pior pessoa do mundo." (Bianca - 20 anos) 
- "Sinto que ninguém gosta de mim e sinto que eu não existo." (Luci - 15 anos) 
- "Num buraco fundo ou no mar me afogando, onde eu grito e ninguém me ajuda." (Natália – 15 anos) 
6 
 
- "Perdida, agoniada, começo a chorar mesmo sem motivo." (Simone - 16 anos) 
Assim como estes entrevistados, as letras das músicas e das poesias geralmente falam de 
solidão e incompletude. Revelam o sofrimento de alguém que foi abandonado, ou que não se sente 
amado, ou então que acredita no outro como solução. 
Este livro pretende levar você a refletir sobre como é a sua solidão, e as possíveis saídas para 
a superação da dor dessa condição humana. 
 
7 
 
O QUE É SOLIDÃO? 
 
"O grão de trigo, ao germinar; sai de seu invólucro e flutua cá fora em um trigal onde jante! A rosa, 
ao florescer; sai da clausura do botão e explode cá fora em pétalas largas e coloridas! O ser - 
humano, para se realizar, abandona a solidão e se lança para o projeto de existência no mundo.” 
(Buzzi, AR. Filosofia para principiantes) 
 
O filósofo alemão Martin Heidegger (1889-1976) afirma, em Ser e Tempo, que estar só é a 
condição original de todo ser humano. Que cada um de nós é só no mundo. É como se o nascimento 
fosse uma espécie de lançamento da pessoa à sua própria sorte. Podemos nos conformar com isso ou 
não. Mas nos distinguimos uns dos outros pela maneira como lidamos com a solidão e com o 
sentimento de liberdade ou de abandono que dela decorre, dependendo do modo como interpretamos 
a origem de nossa existência. A partir daí, podemos construir dois estilos de vida diferentes: o 
autêntico e o inautêntico. 
O homem se torna autêntico quando aceita a solidão como o preço da sua própria liberdade. 
E se torna inautêntico quando interpreta a solidão como abandono, como uma espécie de 
desconsideração de Deus ou da vida em relação a ele. Desse modo não assume a responsabilidade 
sobre as suas escolhas. Não aceita correr riscos para atingir os seus objetivos, nem se sente 
responsável por sua existência, passando a buscar amparo e segurança nos outros. Com isso, abre 
mão da própria existência, tornando-se um estranho para si mesmo, colocando-se a serviço dos outros 
e diluindo-se no impessoal. Permanece na vida sendo um coadjuvante em sua própria história. Você 
já pensou nisso? 
Sendo autêntico você assume a responsabilidade por todas as suas escolhas existenciais, aceita 
correr os riscos que forem necessários para atingir os seus objetivos, e passa a encontrar amparo e 
segurança em si mesmo. Com isso, apropria-se da existência, torna-se indivíduo, torna-se autônomo, 
torna-se dono da sua própria vida, dono da própria existência, torna-se senhor de si mesmo. Você se 
percebe sendo o senhor de si mesmo? 
 
8 
 
 
A SOLIDÃO INTERPRETADA COMO ABANDONO E COMO LIBERDADE 
 
“A angústia banha nosso ser e nos faz sentir no mais íntimo que não somos um dado firme e estável. 
Somos incerteza e risco! Perigo e desamparo.” (Buzzi, AR. Filosofia para principiantes) 
 
A angústia provocada pela solidão é o sentimento que muitas pessoas experimentam quando 
se conscientizam de que estão sós no mundo. É o mal-estar que o ser humano sente quando descobre 
a possibilidade da morte em sua vida, tanto a morte física quanto a morte de cada uma das 
possibilidades da existência, a morte de cada desejo, de cada vontade, de cada projeto. 
Cada vez que você se frustra, que você não se supera que você não consegue realizar os seus 
próprios objetivos, você sente angústia. É como se você estivesse morrendo um pouco. 
Muitas pessoas sentem dificuldade de estarem a sós consigo mesmas. Não conseguem viver 
intensamente a sua própria vida. Muitas vezes elas acreditam que o brilho e o encantamento da vida 
se encontram no outro e não nelas mesmas. A sua vida tem um encantamento, um brilho, algo de 
especial, porque é sua, apenas sua. Independentemente do que você esteja fazendo, sua vida pode ser 
intensa, prazerosa, simplesmente pelo fato de ser sua e por você ser único. Cada um de nós pode ser 
uma pessoa especial para si mesmo. 
Qual é a essência da angústia? 
"Cada angústia humana tem um do quê, do qual ela tem medo, e um pelo que, pelo qual ela 
tem medo. O do quê de cada angústia é sempre um ataque lesivo à possibilidade do estar-aí (dasein). 
No fundo, cada angústia teme a extinção deste, ou seja, a possibilidade de um dia não estar mais 
aqui." (Boss, 1988). É por isso que as pessoas têm medo da morte. 
Você sente ou já sentiu medo da morte? Não no sentido de ter uma doença grave, não no 
sentido de uma morte iminente, mas sentir medo da morte por se lembrar dela, por se dar conta de 
que é finito. Por se lembrar que é mortal. Por ter de repente, num relance, a consciência de que vai 
morrer um dia? Não precisa ser hoje, nem amanhã, não precisa ser daqui a dez anos. Pode ser até 
daqui a quarenta, cinquenta anos, mas apenas saber-se mortal, saber-se finito. Você já experimentou 
isso? Pode ser angustiante. A consciência da morte talvez seja a experiência mais profunda do ser 
humano. O homem é o único animal que tem consciência da morte. 
"O pelo quê da angústia humana é, por isto, o próprio estar-aí, na medida em que ela sempre 
se ocupa e zela somente pela duração deste. Por isso, as pessoas que mais temem a morte são sempre 
as mesmas que mais têm medo da vida, pois é sempre o viver da vida que desgasta e põe em perigo 
o estar aí." (Boss, 1988) Não é interessante? Por medo da morte, muitas pessoas não se expõem, não 
se realizam, não vivem plenamente a sua existência, não se lançam nos seus projetos, porque o próprio 
viver a vida desgasta a existência e assusta. Mas na medida em que se tem medo de se desgastar 
vivendo a vida, não se vive, e existe desgaste maior do que este? 
É como aquele indivíduo que compra um carro novo, mas não tira o plástico que vem forrando 
o banco, para protege-lo. Ora, o banco foi produzido com uma técnica aprimoradíssima para dar 
conforto ao motorista, forrado com um tecido especial, acolchoado especialmente para que o 
indivíduo se sinta o mais confortável possível. E ele se encosta naquele plástico, naquele material 
desconfortável. Com isso ele está querendo preservar o banco, preservar o carro novo, o encantamento 
que o carro novo proporciona. E deixa de se preservar, se descuida de si para cuidar do carro. 
9 
 
Você já pensou nisso? Você já fez alguma coisa parecida? A serviço de quem está a sua vida? 
O que você está fazendo neste mundo? Qual é o seu propósito? Você está aqui para proteger o seu 
carro? Para que o seu banco não fique sujo? Você é um guardador de carros? Certamente que não. 
Certamente não é isso o que você quer. Se você for solicitado a escolher, com certeza vai dizer que 
não. Mas muitas vezes nós fazemos coisa parecida na vida por não temos consciência disso. Ou pelo 
menos por não estamos tão claramente atentos a essa questão. 
Você se dá conta do sentimento de angústia em outras situações? 
Experimentando a angústia, o ser humano pode derrotar se e deprimir-se ou vencer e alegrar-
se. Como? Como num automóvel. O automóvel tem combustível, que pode ser bem ou mal utilizado. 
Se utilizo bem o combustível do meu carro, posso ir com a minha família de uma cidade para outra. 
Mas esse mesmo combustível pode ser mal utilizado, servindo para queimar o meu carro. O problema 
é o combustível? Não. Se ele for mal utilizado, pode queimar o carro. Então vamos deixar de usar o 
carro por causa disso? Porque gasolina pega fogo, porque gasolina pode queimar o carro, inclusive o 
plástico do meu banco? 
A angústia é a mesmacoisa. Não querer sentir angústia é como querer ter carro novo, mas não 
usá-lo por medo do combustível. O homem autêntico usa a angústia como combustível para lutar e 
vencer. O inautêntico utiliza o mesmo combustível para dar explicações de suas derrotas e para se 
deprimir. Muitas vezes, para desesperar-se também. 
Muitas pessoas falam mal do sentimento de angústia; do sentimento de ansiedade. Só nos 
sentimos mal com a angústia e com a ansiedade quando não sabemos lidar com ela. Aí ela se toma 
um veneno, porque é como se eu estivesse acumulando combustível no meu carro, sem usá-la, e o 
tanque fosse ficando mais cheio, até transbordar. Não dá. É preciso usá-lo. É preciso viver. O 
indivíduo que não vive sofre com a angústia. O indivíduo que não arrisca, que não se entrega aos seus 
objetivos, aos seus propósitos, sofre. 
Muitas pessoas tomam tranquilizantes para amenizar a ansiedade e a angústia. É como achar 
muito perigoso um carro que está com o tanque cheio, e, por isso, o esvazia. Ele pensa que resolveu 
o problema, mas na realidade não pode mais ir a lugar algum. Ora, se eu preciso ficar vazio para me 
sentir bem, o que é a vida para mim? Você precisa se sentir vazio para se sentir bem? O que é a vida 
para você? Ou, o que será a vida para as pessoas que sentem assim? 
Em que sua angústia é igual à dos outros? Como é que você lida com a sua angústia? Você se 
sente deprimido ou vitorioso? Você quer aprender a lidar melhor com a angústia, a solidão e o 
abandono? 
 
10 
 
COMO LIDAR MELHOR COM A SOLIDÃO, A ANGÚSTIA E O ABANDONO 
 
“Só atinge o longe quem volta a si e se recolhe sobre suas próprias forças. É do fundo da alma 
solitária que caem as energias e as esperanças para o empreendimento da existência-humana-no-
mundo.” (Buzzi, A.R. Filosofia para principiantes) 
 
Para que você aprenda a lidar melhor com a solidão, com a angústia e com o abandono é 
preciso que você decida tornar-se autêntico. Comece melhorando o seu relacionamento pessoal e 
social, o contato que você tem consigo mesmo, procurando conhecer melhor seus sentimentos, 
aprendendo a dar nomes aos seus sentimentos e a expressá-los de uma forma mais firme e mais clara. 
Não diga que você tem medo de expressar seus sentimentos porque tem medo do que os outros 
vão pensar. Ora, só nos vinculamos ao outro através dos sentimentos; quando uma pessoa não 
expressa seus sentimentos, por medo do que o outro vai pensar, essa pessoa está excluindo o outro da 
sua existência. Se você age deste modo com muitas pessoas ou com todas, na realidade você não 
excluiu ninguém, você excluiu a si mesmo. Você se excluiu, porque deixou de se relacionar com as 
pessoas. Quando você expressa seu sentimento para o outro, ele pode gostar ou não, pode se sentir 
atraído por você ou pode sentir vontade de se afastar de você, são duas possibilidades. Você tem, 
matematicamente, 50%. 
Você não precisa atrair todo mundo, você nem daria conta de se relacionar com todo mundo. 
Basta que você se expresse para que tenha a possibilidade de saber quem está com você, quem quer 
estar com você e quem se sente identificado com você. Algumas pessoas vão querer se aproximar, 
vão se sentir bem quando você expressar seus sentimentos, vão sentir que há uma sintonia, uma 
integração, uma identificação. Outras pessoas vão preferir se afastar, e isso é excelente, porque é um 
critério de seleção das suas amizades. Você vai poder saber quem está perto de você, com quem você 
pode contar, trocar mais, e, ao mesmo tempo, vai saber com quem você não pode contar, quem não 
está perto. 
Então, o medo de expressar os sentimentos é uma forma de medo de viver? Lógico! É 
necessário que você descubra que precisa se modificar, para que aprenda a lidar melhor com a 
angústia, a solidão e o abandono. Você precisa se modificar, porque, se continuar fazendo as mesmas 
coisas como sempre fez, você vai ter na vida os mesmos resultados que sempre teve. E se você não 
está satisfeito com esses resultados é preciso que você se modifique, porque os outros não vão se 
modificar. 
Você tem uma atitude diante da vida que, de certa forma, determina a atitude dos outros para 
com você. Se você não está satisfeito com a atitude dos outros em relação a você, você tem que 
modificar-se, em vez de esperar ou de cobrar que o outro modifique a atitude dele. A atitude dele é 
proporcional à sua. Se você sorrir para alguém é muito provável que você receba um sorriso de volta. 
Se você faz uma cara feia para alguém ou faz uma careta é muito provável que o outro não sorria, ele 
pode nem fazer uma careta de volta, ele pode até nem fazer uma cara feia, mas é pouco provável que 
ele sorria em retribuição a uma careta ou cara feia, a menos que você tenha feito isso brincando. 
Então, quanto mais você se modifica internamente, mais intensamente você vai modificar o 
resultado que obtém da vida, você vai modificar as relações que você tem com as outras pessoas. 
É preciso, antes de mais nada, abrir mão da obstinação em modificar o outro. Muitas pessoas 
se sentem verdadeiramente obstinadas na tentativa de convencer o outro a ser diferente, diferente de 
um modo que a favoreça. E o outro não muda, porque ele tem os interesses dele, tem os propósitos 
dele. Não posso ficar esperando ou cobrando que o outro se modifique para atender ao meu interesse. 
É preciso que eu me modifique para conseguir os objetivos que eu quero na relação com os outros. 
11 
 
Mas será que você tem uma vontade sincera de se modificar? Não basta ter uma estratégia: 
ah! descobri que se eu me modificar eu vou modificar o outro, e aí você modifica a aparência, 
modifica uma atitude, mas não se modifica intimamente, não modifica a energia que você passa com 
essa atitude. Não vai adiantar nada. É preciso que haja um desejo sincero de se modificar. Você 
precisa de auto aceitação, um pouco mais. Você se aceita como você é? Será que você pode se aceitar 
um pouco mais? Quanto mais você se aceita, mais você evolui. Aceitar-se não quer dizer valorizar os 
próprios defeitos, não quer dizer conformar-se ou acomodar-se. Você se aceita como é. E parte desse 
ponto como um ponto inicial, um ponto de partida para se tornar quem você quer ser. 
É importante que você aceite onde você está, como você é, e a partir desse ponto comece a se 
aperfeiçoar, mas partindo de como você é. Não adianta inventar uma fantasia, não adianta criar um 
personagem, não adianta fingir que você é outra coisa ou outra pessoa, porque você pode até ter êxito 
nisso, mas esse êxito pode acarretar o seu maior fracasso. Porque se você consegue produzir um 
personagem idealizado, que agrada o outro, que desperta o amor do outro, o carinho do outro, a 
admiração do outro, a simpatia do outro, o máximo que você vai conseguir é a ilusão de que o outro 
está bem impressionado com você. É a ilusão de que o outro gosta de você, lhe admira, porque na 
realidade o outro não está admirando a sua personalidade, não está gostando da sua pessoa, ele está 
simplesmente gostando do personagem que você está representando, e ninguém se vincula' a um 
personagem, porque se o outro estabelece com você um vínculo com base no personagem que você 
representa, ele vai estar interessado no personagem. Na convivência o outro vai descobrir em pouco 
tempo que você não é aquele personagem e vai se desencantar, se decepcionar. O outro vai embora e 
você continuará só. 
Então, não adianta querer pegar o atalho de representar, de construir um personagem, é preciso 
que você se construa. Se você só tem o 1° grau, por exemplo, e quer fazer universidade e consegue 
um diploma falso do 2° grau, você pode até se matricular no vestibular. Mas será que você vai passar? 
O fato de ter o diploma é falso, você não tem o conhecimento queas pessoas adquirem quando fazem 
o 2° grau. Você dizer que tem o 2° grau não faz diferença alguma. 
Você faz algo assim na sua vida? Você representa algum personagem? Preste bem atenção, 
veja se vale a pena, veja o que você ganhou com isso. 
Auto aceitação é um pré-requisito de qualquer mudança, para aprender a aceitar o outro, para 
aprender a tolerar a si mesmo e a tolerar o outro, para aprender a gostar mais de si mesmo, e a gostar 
mais do outro. Não se preocupe com as suas limitações, não se preocupe com a sua incompletude. 
Sabe por quê? Porque todo mundo é incompleto, todo mundo é limitado. Não existe no mundo uma 
pessoa completa, não existe no mundo uma pessoa ilimitada. 
Se o indivíduo sabe muito um assunto, ele sabe pouco sobre outro; se ele tem uma habilidade 
muito grande para fazer determinadas coisas, ele não tem habilidade para fazer outras que talvez você 
tenha. Na realidade, cada um de nós é incompleto e é justamente essa incompletude que permite, 
facilita e favorece o relacionamento humano, porque na medida em que eu sou incompleto, eu não 
tenho coisas que você tem, eu não faço bem coisas que você faz e você não tem coisas que eu tenho 
e você não faz bem coisas que eu faço. E com isso nós podemos trocar, com isso eu posso dar a você 
o que eu tenho em troca daquilo que você tem e que eu não tenho. Eu posso fazer para você as coisas 
que você não sabe fazer ou não tem habilidade para fazer e você faz para mim as coisas que eu não 
sei fazer ou não tenho habilidade para fazer. 
Com isso, estabelecemos uma relação de interdependência com todas as pessoas. Se você se 
conhecer bem e conhecer bem cada pessoa, vai descobrir que pode ter uma relação de troca com 
qualquer um. Você sempre pode trocar alguma coisa com alguém, há sempre alguma coisa que você 
tem que o outro não tem e há sempre alguma coisa que o outro tem e você não tem. Você sempre 
pode aprender com qualquer pessoa, sempre pode ensinar alguma coisa para qualquer pessoa. 
12 
 
Não se preocupe de ter limites, não se preocupe de ser incompleto, isso não afasta o outro, 
pelo contrário, isso aproxima. Quando você revela uma limitação sua, o outro se alegra porque 
certamente ele terá alguma coisa para complementar. E quando você revela alguma qualidade sua, 
certamente o outro poderá usufruir dela. Existe a possibilidade da troca. Não há nenhuma vantagem 
numa relação em que um só dá e o outro só recebe. É muito importante que cada um aprenda a trocar. 
Então, a incompletude pode ser um motivo para você se lamentar, um pretexto para você se 
envergonhar, se culpar, se sentir inferiorizado, mas também pode ser um instrumento que favorece a 
troca. Uma grande vantagem que cada ser humano tem e que pode explorar no sentido de estar com 
os outros. Pense nisso! Veja de que maneira você pode aproveitar a incompletude. De que maneira 
você pode trocar com o outro, de que maneira você pode enriquecer a sua vida e enriquecer a vida do 
outro. 
 
13 
 
A LIBERDADE TRAZIDA PELA SOLIDÃO 
 
"Podemos sempre escolher a possibilidade, o modo ou a maneira de viver a existência-humana-no-
mundo... Ninguém pode tirar de nós a liberdade da cruz, da saúde, da doença, do sofrimento, da 
esperança, do desespero, da ciência, da técnica, da morte.” (Buzzi, A.R. Filosofia para 
principiantes) 
 
A liberdade ao mesmo tempo assusta e seduz. Cada um de nós quer ser livre, mas muitas vezes 
sentimos medo da liberdade. 
Ser livre para quê? Para realizar os próprios desejos e as próprias vontades. 
Você realiza seus próprios desejos e suas próprias vontades? Você aprendeu a fazer isso? Está 
acostumado a realizar seus desejos e suas vontades? Sente orgulho de realizar seus desejos e suas 
vontades? Sente-se merecedor de realizar seus desejos e suas vontades? Ou lhe disseram que isso é 
feio, que isso é errado? Ou lhe disseram que você tem que realizar a vontade dos outros, que tem que 
atender aos desejos dos outros? 
Você foi educado para se beneficiar e se servir da vida ou foi educado para servir aos outros 
e beneficiar os outros? É muito importante que você descubra isso. Porque essa é a raiz da liberdade. 
Se você de alguma maneira se convenceu, ou foi convencido, de que deve favorecer o outro, que deve 
servir ao outro, que deve agradar o outro e que viver a vida é dar prazer ao outro à custa de seu próprio 
sofrimento, que viver a vida é fazer a vontade dos outros à custa de não fazer a sua vontade, há alguma 
coisa muito errada com você. É muito importante que você perceba isso, para que possa compreender 
melhor a origem do seu sofrimento. 
Você é livre! É importante que você descubra que você é livre. Livre para quê? Livre para ser 
você mesmo. Livre para ser quem você quiser ser. Cada ser humano é livre, mas a liberdade não é 
uma coisa natural, a liberdade não é uma coisa que acontece simplesmente. A liberdade não é um 
presente que alguém pode lhe dar. A liberdade é o resultado de um esforço, de uma conquista. É 
importante que você aprenda a lutar no sentido de conquistar a sua liberdade. 
Você sabe fazer isso? Você aprendeu isso? Você aprendeu a lutar no sentido de conquistar a 
sua liberdade? Ensinaram isso a você? Não é comum as pessoas aprenderem isso, nem na família, 
nem na escola, nem em outros lugares onde se aprende alguma coisa. Essa é a diferença entre uma 
pessoa bem-sucedida e uma pessoa malsucedida na vida. É o quanto ela se apropria da liberdade, o 
quanto ela se apropria do direito de ser livre e do direito de ser ela mesma. Ser livre, como eu disse, 
para realizar os desejos e as vontades, ser livre para realizar os projetos de vida, para realizar aquilo 
que se quer realizar e aquilo que se quis realizar e não conseguiu, mas ainda há tempo. 
Quantas coisas você quer realizar e acredita que não pode? Ou que vai ser difícil, que não vai 
conseguir? Quantas vezes no passado você quis realizar alguma coisa, não conseguiu e passou a 
acreditar que não conseguiria nunca? 
Pense bem! Lembre-se de cada situação na vida em que você desistiu, em que você abriu mão. 
É tempo! Se ainda for importante para você, ainda há tempo. Você pode conseguir tudo aquilo em 
que se empenhar verdadeiramente, mas é preciso que você acredite que tem o direito de conseguir, 
porque se você acredita que não tem direito, você é o seu pior adversário, você é o primeiro a dificultar 
as suas conquistas, você é o primeiro a se impedir de chegar lá. 
Como você pode se apropriar da liberdade? Assumindo a responsabilidade por sua própria 
existência, decidindo fazer as suas próprias escolhas, ao invés de perguntar para o outro o que ele 
quer que você faça. Acreditando e apostando no seu sentimento, correndo os seus próprios riscos, 
14 
 
sem precisar consultar o outro e perguntar a ele: será que vale a pena fazer isso? Será que vai dar 
certo? 
O outro tem a experiência dele, o outro tem os limites dele, o outro tem a descrença nele 
mesmo e em você. Se você dá ouvidos ao outro, ele pode lhe influenciar a não arriscar, pode lhe 
convencer de que não arriscar é muito bom. Só que quando você não arrisca, você não perde, mas 
também não ganha. E se você se habitua a não arriscar, você não vai perder nunca, mas também não 
vai ganhar nada. E uma pessoa que não ganha nada, tem apenas a ilusão de que não perdeu nunca, 
porque na realidade ela perdeu a vida inteira. 
 
15 
 
OS RISCOS DE ASSUMIR A PRÓPRIA VIDA 
 
Por falar nisso, como é que está o balanço da sua existência? Você ganhou a vida inteira? 
Você perdeu a vida inteira? Ou você está no meio, entre uma coisa e outra? Pense bem! Pegue um 
pedaço de papel e uma caneta agora. Faça um balanço: o que você ganhou e o que você perdeu na 
vida? Você desperdiçou ou aproveitou a sua vida? 
Pensenisso! Porque quanto mais você pensar, mais preparado você vai estar para tomar a 
próxima decisão, para correr o próximo risco. Você estará em condições de apostar mais em si 
mesmo, porque tudo na vida é uma aposta, não há garantia de nada. Correndo os seus próprios riscos 
você realiza a sua vida, e neste processo ora você vai perder, ora vai ganhar. Não espere ganhar 
sempre, mas aceite tanto as vitórias quanto as derrotas. 
É diferente, por exemplo, de uma partida de futebol. Se você está no Maracanã assistindo a 
um jogo e seu time perde, você fica triste, deprimido e irritado; mas se ele ganha, você fica feliz, 
comemora. Na realidade, você está triste com a derrota de quem jogou ou está feliz com a vitória de 
quem jogou. Mas você estava apenas assistindo, a vitória ou a derrota não são suas, são de quem 
jogou. Mas você está tão acostumado a comemorar a vitória do outro como se fosse sua, que quando 
o seu time ganha, você diz "ganhei", ou às vezes faz uma concessão e diz "ganhamos". Mas será que 
ganhou mesmo? Ou você só foi lá assistir à vida dos outros? 
Quando você se senta no sofá diante da televisão e assiste à novela também é uma outra 
situação interessante. Coisas boas e ruins acontecem aos personagens da novela, mas você as vivencia 
como sendo suas? Você fica emocionado quando assiste à novela? É como se, de certa forma, você 
estivesse vivendo a vida daquele personagem? Tudo bem, mas você tem a sua vida também. Ou você 
deixa de viver a sua vida para ficar vivendo através dos personagens da novela? Se você assiste à 
novela de vez em quando, mas vive a sua vida intensamente, tudo bem! Mas se você deixa de sair 
para ficar em casa assistindo à novela, será que você não está fazendo uma troca? Será que é uma boa 
troca? Na novela as coisas acontecem de uma forma muito arrumada, porque tudo na novela é editado. 
Mas na vida as coisas não acontecem da mesma maneira. Na novela as pessoas são mais bonitas, mais 
elegantes, a casa é mais arrumada que a sua, mas ali tudo é editado. Eles não mostram as pessoas se 
maquiando, eles não mostram as pessoas arrumando o estúdio, eles não mostram quando as coisas 
estão desarrumadas. Temos a ilusão de que a vida na novela é bem melhor. E se você acredita que o 
galã da novela é mais bonito do que o seu marido ou que o seu namorado ou se você acredita que 
aquela menina que aparece na novela é mais bonita que a sua mulher ou que a sua namorada, a coisa 
se complica. Porque tudo aquilo é editado, mas sua vida não. Será que vale a pena trocar a concretude 
da sua existência pelas coisas editadas que aparecem na televisão? 
A escolha é sua! Quando você vive a sua vida, quando aceita a sua existência, você chora e 
lamenta as suas próprias perdas e comemora as suas próprias vitórias. Não importa se você perdeu ou 
se você ganhou nessa ou naquela situação. O que importa é que são os seus fracassos e as suas vitórias, 
porque é a sua vida. 
E então? O que é que você está esperando? Na vida não há garantia de nada. O medo sempre 
vai existir, porque tudo pode ser maravilhoso, mas também tudo pode ser horrível. Tudo apenas pode 
ser, nada é. 
Nossa felicidade tem que ser construída. Deixe o amor fluir, deixe todos os seus sentimentos 
fluírem. Faça a sua parte do melhor modo possível, seja a melhor pessoa que você puder ser, mas não 
espere garantias de ninguém. A vida é um risco. A vida só é pobre para quem não arrisca. O amor só 
é pobre para quem não o expressa. Somente podemos ganhar quando estamos dispostos a perder. 
Tudo na vida tem um preço. Sabe qual é o preço do nosso amor? A liberdade e o risco de se poder 
vivê-lo, dê no que der. Podemos perder tudo, mas não perdemos a liberdade de ser, nem o direito de 
arriscar, nem a possibilidade de amar. 
16 
 
Meu querido amigo! Minha querida amiga! Não deixe que a incompletude e a solidão 
atrapalhem a sua vida. Assuma sua verdadeira condição nesse mundo, para se fortalecer e poder 
compartilhar com os outros todas as coisas boas que a vida pode oferecer. Torne-se autêntico. 
 
17 
 
SOLIDÃO CONDIÇÃO DO SER 
 
"Falando em solidão. torna-se claro que ela não é lima coisa que nos seja possível tornar ou deixar. 
Somos nós. Podemos enganar-nos a este respeito e agir como se não fosse assim; nada mais. Mas 
melhor é admitir que se é só. e mesmo partir daí." (Rilke, R.M. Cartas a um jovem poeta) 
 
A solidão é a condição do ser humano no mundo. Todo ser humano está só. Esta é a grande 
questão da existência, mas não significa uma coisa negativa, nem que precise de uma solução 
definitiva. Ou seja, a solução não é acabar com a solidão. A solução não é deixar de sentir angústia, 
suprimindo este sentimento. A solução não é encontrar uma pessoa para preencher o vazio existencial. 
A solução não é encontrar um hobby ou uma atividade. A solução não é se matar de trabalhar e se 
concentrar nisso para não se sentir sozinho. Também não é encontrar uma estratégia para driblar a 
solidão. A solução é aceitar que se está só no mundo. Simplesmente isso. E sabendo-se só no mundo, 
viver a própria vida, respeitar a própria vontade, expressar os próprios sentimentos, buscar a 
realização dos próprios desejos. Quando se faz isso, a vida se enche de significado, de um brilho 
especial. 
O objetivo não é fingir que a solidão não existe, não é buscar a companhia dos outros, porque 
mesmo junto com os outros você está e sempre estará solitário. O outro é muito importante para 
compartilhar, trocar. O outro é muito importante para a convivência, mas não para preencher a vida, 
não para dar sentido e significado a uma outra existência. A presença do outro ajuda, compartilhando, 
mostrando a parte dele, dando aquilo que não temos e recebendo aquilo que temos para dar, efetivando 
a troca. Mas o outro não é o elemento fundamental para saciar a angústia ou para minimizar a 
condição de solidão. 
Cada um de nós nasceu só, vive só e vai morrer só. 
A experiência de cada um de nós é única. O nascimento é uma experiência única, pois 
ninguém nasce pelo outro. Da mesma forma, a morte é uma experiência única, pois ninguém morre 
pelo outro. E a vida inteira, cada momento, cada segundo da existência, é uma experiência única. 
Ninguém vive pelo outro. 
 
18 
 
AUTENTICIDADE 
 
"É na angustia que a liberdade de ser para o poder-ser mais próprio e, com isso, para a possibilidade 
de propriedade e impropriedade, se mostra numa concreção originária e elementar.” (Heidegger, M 
Ser e Tempo) 
 
A solução para a questão da solidão é a autenticidade. E assumir que se é só e que sempre se 
será só, e não ter a ilusão de que um dia virá alguém para preencher o sentimento de incompletude, 
nem que um dia virá alguém para amenizar a sua dor. Para que você se realize é preciso que faça as 
suas coisas, realize seus propósitos, seus objetivos, expresse seus sentimentos, concretize suas 
vontades. Cada vez que você faz isso sua vida se ilumina e fica repleta de significado. Mas nós temos 
a ilusão de que o grande significado da vida é dado pelo outro. 
Quando nos apaixonamos, o outro passa a ter uma importância extraordinária, um significado 
único, uma importância vital, como se a presença dele, ou o fato de ele nos querer, fosse o motivo da 
nossa felicidade. Não é verdade. Se cada um não buscar a própria realização sozinho, não há quem 
possa fazê-lo. Nenhuma mulher pode realizar um homem, e nenhum homem pode realizar uma 
mulher. A presença do outro pode trazer uma alegria maior, mas não traz a vida. A vida é 
exclusivamente nossa. A vida e o significado da vida são exclusivamente nossos. A presença do outro 
muitas vezes faz com que a vida fique melhor, mas não é tudo. A presença do outro pode 
complementar a nossa vida, mas não é a parte principal.Então, quando criamos a expectativa - que eu chamo de ilusão - de que o outro é que vai dar 
o principal significado à nossa existência, neste momento estamos sendo inautênticos. Nesse 
momento, estamos virando as costas para nós mesmos, estamos deixando de nos escolher, e 
escolhendo o outro. Nesse momento, como numa paixão avassaladora, nos tornamos um vassalo da 
pessoa amada, e os desejos e a vontade da pessoa amada são mais importantes que meus próprios 
desejos e minha própria vontade. Nesse momento nos perdemos de nós mesmos e nos entregamos ao 
outro, nos colocamos nas mãos do outro como se nossa vida dependesse dele. E quando vivemos 
assim, os momentos de separação são terríveis. As maiores crises existenciais acontecem nestes 
momentos, porque enquanto está tudo bem, ótimo, mas se a outra pessoa diz que não nos ama, que 
não nos quer mais, a vida se torna uma tragédia. É como se a separação fosse uma separação do nosso 
próprio corpo, é como se o outro fosse o nosso coração, ou nosso cérebro ou nosso pulmão, e o 
afastamento do outro é como se fosse a nossa própria morte, porque é como se tivéssemos perdido 
um órgão vital. 
É muito comum nas poesias, nas músicas e nas declarações de amor se dizer: "eu não vivo 
sem você, você é a minha vida." Isso não é verdade, é uma ilusão, mas uma ilusão muito bonita. Não 
se deve abrir mão desta ilusão, mas é preciso ter consciência de que mesmo quando acreditamos que 
nossa vida é o outro, isso é apenas uma ilusão. É como nos ensinou Vinícius de Moraes: "que seja 
infinito enquanto dure", apenas enquanto dure. É importante que acreditemos no amor como a coisa 
mais importante do mundo, vivê-lo intensamente, mas sabendo que existem outras coisas importantes 
e que o amor não é eterno. Pode ser a coisa mais importante do mundo naquele momento, pode ser 
eterno em nossa crença, em nossa convicção momentânea, mas no fundo sabemos que a coisa mais 
importante do mundo é a nossa existência, nossa própria vida, e que nada é definitivo, tudo é 
transitório. 
 
19 
 
E POSSÍVEL MERGULHAR NA SOLIDÃO DO OUTRO? 
 
Quando mergulhamos profundamente na solidão do outro, na dor do outro, estamos sentindo 
compaixão pelo outro. Compaixão é sentir com. E nesses momentos podemos nos perder no outro, 
podemos nos diluir no outro. Isso acontece quando não estamos firmes, quando não estamos centrados 
em nós mesmos. 
Na nossa cultura somos educados e incentivados a sentir compaixão. Nietzsche faz uma crítica 
muito intensa e detalhada a isso, no seu livro O Anticristo. O cristianismo, que é o fundamento da 
cultura ocidental, estimula a compaixão, mas não a compaixão de um modo genérico, não a 
compaixão por todas as pessoas e por todos os sentimentos - ele estimula a compaixão pelo pobre, 
pelo miserável, pelo doente, pelo que está sofrendo, estimula a compaixão por todo tipo de situação 
em que o ser humano está inferiorizado, miserável, enfraquecido ou enfermo. Quando sentimos 
compaixão nessas situações, podemos nos enfraquecer, podemos até adoecer e nos deprimir. É como 
se, de certa forma, esse sentimento fosse contagioso, e passássemos a sentir a mesma miséria, a 
mesma dor, a mesma fraqueza, o mesmo empobrecimento do outro. Quando fazemos isso 
frequentemente, nos exercitamos a nos enfraquecer, fazemos um exercício constante para nos 
tornarmos pessoas fracas e nos colocarmos à mercê do outro. 
Para o outro pode parecer bom, mas para nós é muito ruim. É importante trabalharmos no 
sentido de descobrirmos por que sentimos compaixão pelas pessoas derrotadas, pelas pessoas 
infelizes, pelas pessoas que estão sofrendo com a solidão. Por que não sentimos compaixão pelos 
vitoriosos? Por que não sentimos compaixão por quem está bem? Pelo rico em lugar do pobre? Pelo 
sadio em lugar do doente? Se nos observarmos profundamente, veremos que existe um padrão que se 
repete. Poderemos descobrir que talvez façamos uma escolha preferencial para nos identificarmos 
com o pior do outro. Se fizermos uma psicoterapia, teremos grandes chances de descobrir o que há 
em nós que faz com que nos identifiquemos com as coisas piores que o outro pode oferecer ou sentir. 
O psicólogo pode nos ajudar muito nesse sentido. Descobrindo isso, nós nos fortalecemos, passamos 
a reformular nossos valores, nossa autoimagem, nossos propósitos e objetivos, passamos a nos 
identificar com aquilo que de fato queremos. E se queremos crescer, se queremos vencer, nos 
aprimorar, passaremos a sentir compaixão e a nos identificar com quem vence, com quem se 
aprimora, com quem cresce. 
 
20 
 
A ANGÚSTIA COMO MOTIVADORA DA EXISTÊNCIA 
 
A angústia é um combustível, da mesma forma que a fome. Sentir fome é bom ou ruim? Sentir 
fome é algo muito importante para a sobrevivência do ser humano, porque se não sentimos fome, não 
nos alimentamos e se não nos alimentamos morremos em alguns dias. É fundamental sentir fome. 
Mas a fome em si só não é boa nem ruim; é boa no sentido de avisar que nosso organismo está 
precisando de alimento, só. Mas se não temos como nos alimentar, se não temos recursos para 
comprar alimento ou se estamos perdidos em um lugar deserto, numa floresta ou numa ilha, onde não 
exista alimento, essa fome vai se tornar um tormento. Vamos nos sentir famintos, e isso vai ser uma 
situação desesperadora. A fome, nesse caso, passa a ser uma coisa muito ruim. 
A angústia é como a fome: é um indicativo de que estamos vivos. Então, nesse sentido, a 
angústia é um sentimento muito bom, porque avisa: "olha, você está vivo!" Sente angústia? Ótimo, 
você está vivo o que você pretende fazer com a sua vida? É isso que a angústia diz: "você está vivo! 
e agora?" Se não fazemos nada, essa angústia vai se agravando, se intensificando, da mesma forma 
que a fome. E vamos sofrendo, sofrendo e sofrendo e talvez adoeçamos. Qual é a solução? Tomar um 
remédio para não sentir angústia, por exemplo? Dopar-se, anestesiar-se, neutralizar a angústia? Isso 
seria eficiente? Claro que não! Isso seria tão ineficiente quanto tomar um remédio para neutralizar a 
fome. 
Se resolvemos o problema da fome tomando remédio para não senti-Ia, vamos morrer sem 
sermos avisados. Vamos morrer sem saber que estamos precisando tomar uma providência para 
continuarmos vivos. A angústia é a mesma coisa. Se tomamos um remédio para não sentir angústia é 
como se estivéssemos dizendo: "olha, eu não estou mais vivo", e aquele aviso que diz: "você está 
vivo" para de existir. 
A angústia se torna inconveniente, se torna desagradável, quando não expressamos nossos 
sentimentos durante um período prolongado, quando não expressamos nossa vontade, quando não 
nos realizamos enquanto pessoa, quando não nos escolhemos e, portanto, não nos tornamos 
autênticos. Então, nesse sentido, a angústia nos incomoda, nos dá mal-estar, mas é indispensável que 
dê, porque é como se nosso ser estivesse avisando: "olha, você não está vivendo, o que está havendo 
com você? A vida está aí, viva!" Mas não, não estamos querendo correr riscos, temos medo de perder, 
não estamos querendo viver a vida, paramos de viver. A angústia até nos deixa viver, mas incomoda 
muito. O sofrimento da angústia é como a fome, é um aviso de que precisamos tomar uma 
providência, precisamos tomar uma atitude, precisamos fazer alguma coisa. É um aviso de que 
precisamos viver. Aproveite este aviso e sempre que sentir angústia tenha consciência de que você 
não está vivendo e viva. Viva no sentido de seguir o seu movimento, de expressar o seu sentimento, 
de realizar os seus desejos, seus propósitos e sua vontade. E sua vida vai se preencher de significado. 
Quando escolhemos e fazemos alguma coisa, deixamos de sentir angústia, passamos a sentir 
alegria, frustração, tristeza, qualquer outro sentimento,menos angústia, porque se escolhemos e 
fazemos alguma coisa, se o resultado for positivo sentimos alegria, nos sentimos realizados; se for 
negativo sentimos frustração, tristeza, mas sentimos alguma coisa. Enquanto estivermos sentindo essa 
coisa, não sentiremos angústia. Sentimos angústia quando nossos sentimentos estão paralisados, 
congelados ou não estão funcionando. 
Viva! E você não vai saber o que é angústia. 
 
21 
 
O RISCO DE SE DESCOBRIR SÓ 
 
Qual é o risco e a vantagem de o indivíduo se dar conta de que é só no mundo? Quando nos 
damos conta de que estamos sós no mundo, temos uma grande vantagem, que é passar a ter uma 
existência autêntica, a expressar nossos sentimentos, a acreditar neles, a nos aceitar, a investir em 
nós. Passamos a nos sentir livres para expressar o que sentimos, a fim de realizar nossa vontade. Nos 
sentimos livres para ser quem somos e lutarmos para ser uma pessoa realizada. Esta é a grande 
vantagem de descobrir que se está só no mundo. 
A desvantagem de descobrir que se está só no mundo é descobrir também que nossa vida é 
uma ilusão, que os referenciais que temos são fracos e não nos sustentam, embora pareçam sustentar, 
e ainda, que as garantias dadas pelo outro são garantias fracas. Costumamos acreditar que podemos 
contar com o outro, o que de fato não podemos, ou, pelo menos, não o tempo todo ou para tudo. 
Mesmo que o outro afirme: "estou contigo e não abro", isso não é verdade. Em alguns momentos o 
outro não vai estar presente e vamos perceber que estamos sozinhos. A desvantagem é descobrir que 
nossa vida não está bem formulada, não está bem estruturada, descobrir que temos sido um 
personagem na vida e não uma pessoa. 
Muitas pessoas, depois de viverem um certo tempo, preferem continuar na ilusão, sem querer 
perceber que estão sós no mundo, acreditando que estão acompanhadas e que é muito bom estar 
acompanhada, no sentido de se poder contar com o outro para realizar-se e para se sentir feliz. Não é 
verdade. Temos que contar conosco para nos sentirmos felizes, não podemos esperar que a felicidade 
e a realização venham do outro, que a segurança venha do outro, que as coisas boas que almejamos 
para nós venham do outro. Temos que conquista-las todas. Ou pelo menos tentar. 
 
22 
 
COMO SE TORNAR RESPONSÁVEL PELA PRÓPRIA VIDA 
 
É mais fácil realizar coisas que dependerem exclusivamente de nós, não há dúvida, mas 
quando queremos mesmo, podemos influenciar até o do queremos mesmo podemos influenciar até o 
resultado das coisas que dependem de outras pessoas. Você pode me dizer, por exemplo, que eu não 
que eu não posso fazer com que alguém se apaixone por mim. verdade. Mas eu posso com minhas 
atitudes. É verdade. Mas eu posso com minhas atitudes favorecer ou dificultar que isso aconteça com 
o outro. 
Eu também posso analisar isso de duas maneiras. A primeira é a seguinte: não penso que o 
amor seja unilateral, acredito que os sentimentos são seja unilateral, acredito que os sentimentos são 
dinâmicos e interativos. Considero muito pouco provável eu amar uma mulher que não esteja me 
amando, ou eu amar uma mulher que não esteja me amando, ou seja, quando me dou conta de que 
estou amando uma mulher, entendo que estou me dando conta de que está acontecendo amor entre 
nós e certamente alguma coisa está acontecendo com ela também. 
Normalmente as pessoas não são autênticas, não expressam seu sentimento com facilidade; o 
sentimento das pessoas não flui assim como o ar, que entra e sai dos nossos pulmões. 
É possível que eu, como psicólogo, por ser mais treinado e ter meus sentimentos mais 
trabalhados, possa me dar conta primeiro desse amor. É possível que eu me declare a ela e ela diga: 
"ah, não! isso é coisa sua, são fantasias suas, eu não estou apaixonada por você, eu não te amo, não 
quero nada contigo", é possível que ela diga isso, o que não quer dizer necessariamente que o amor 
não exista. Ela pode estar bloqueada, pode estar negando, pode estar lutando contra o próprio 
sentimento para não mudar a rotina de vida, para não mudar a forma como a vida dela está organizada, 
pode também não estar querendo correr riscos, pode achar que se envolver comigo pode ser uma 
experiência arriscada para ela, pode tecer uma série de considerações e impedir o sentimento de fluir. 
Pode até dizer que não me ama, mas isso não quer dizer necessariamente que não ame. Pode até nem 
ter consciência disso, mas não significa que isso não esteja acontecendo. 
E a segunda maneira pode ser exemplificada assim: se neste momento você fechar os olhos e 
imaginar um animal feroz na sua sala, perto de você e pronto para atacar, provavelmente você irá 
sentir medo. Se eu pedir a você para imaginar que está cortando um limão e espremendo esse limão 
em cada um de seus olhos, provavelmente você terá uma sensação desagradável, você poderá salivar, 
ou até lacrimejar. Esse sentimento real de medo que você teve diante do animal selvagem, ou essa 
reação fisiológica real de lacrimejar ou de produzir saliva diante da imagem que você fez do limão 
são situações reais, mas não autênticas, porque o limão não é real, e o animal selvagem não é real. 
Então, nós podemos despertar o nosso sentimento pela imaginação. Ora, quando despertamos o 
sentimento pela imaginação, estamos racionalizando nosso sentimento. Quando sentimos a partir do 
contato com o animal selvagem, com o contato do limão, estamos tendo uma experiência concreta, 
uma experiência autêntica. 
Então, se nos apaixonamos por alguém porque ficamos imaginando esse alguém, isso não é 
paixão, é como sentir medo do animal selvagem, como salivar e lacrimejar quando imaginamos o 
contato com o limão, mas na realidade não estamos tendo uma relação com ninguém. Se estamos em 
contato com nosso sentimento, se estamos presentes na relação e na troca que temos com as pessoas, 
temos maior possibilidade, maior probabilidade, de ter sentimentos mais autênticos e mais profundos, 
e esses sentimentos são dinâmicos, interativos, estão presentes em nós e na outra pessoa. Por outro 
lado, os sentimentos produzidos pela nossa imaginação são unilaterais, do nosso mundo de fantasia, 
são coisas nossas, não são do outro, não são da relação. 
 
23 
 
A PSICOTERAPIA PARA O INDIVÍDUO SOLITÁRIO 
 
Na psicoterapia não se fala dessa forma objetiva para o cliente. Ele não está preparado para 
receber tais informações nessa intensidade. Isso causaria um impacto muito grande. Na psicoterapia, 
nós trabalhamos aos poucos, dentro do limite do cliente. Não dizemos: "ah! se vira, você vai ficar 
sozinho, sempre foi só e sempre vai ser só e é assim mesmo, a vida é assim, pronto". Nós fazemos a 
maiêutica com ele: procuramos saber como é a solidão dele, como é a dor dele, como ele a 
experimenta. E à medida que ele vai falando da sua dor e da sua solidão, fazemos algumas perguntas 
que vão ajudá-lo a se compreender e a se centrar, que vão ajudá-lo a fazer a diferença entre ele e o 
outro, para que ele vá se construindo enquanto indivíduo, enquanto pessoa, para que ele vá se 
descobrindo, se revelando e se construindo. Não no sentido de ele se tornar uma pessoa individualista, 
voltada para si mesmo, como uma ilha, sem contato com ninguém. Não é isso, é no sentido de ele se 
tornar um indivíduo, porque somente quando se tem consciência de que se é um indivíduo, somente 
quando se apropria da individualidade, é que o indivíduo pode estar com o outro de uma forma 
autêntica. 
Então, quando ele, na sua individualidade, se encontra com o outro, na individualidade do 
outro, é que os dois podem pensar no nós. O nós é a interação da individualidade de um com a 
individualidade do outro. Nesse sentido podemos concluir que é impossível duas pessoas estarem 
juntaso tempo todo. Por exemplo, quando duas pessoas apaixonadas dizem: "eu e você somos um, 
somos um casal e um casal é como se fosse uma pessoa composta de duas metades", isso não é 
verdade, porque nós somos dois, juntos formamos um casal. Mas o casal não tem vida própria, o casal 
não tem uma individualização única de pessoa; ele é o resultado da interseção de duas pessoas que se 
gostam e não o resultado da superposição ou da fusão de duas pessoas. Um casal tem uma interseção 
de aspectos comuns, aspectos em que ambos se identificam, mas não tem uma superposição, ou seja, 
os dois não deixam de ser quem são para se tornar o casal. Um continua sendo quem é e o outro 
também e, apesar disso, e por causa disso, estão juntos formando um casal. O casal não exige que 
uma pessoa deixe de ser ela mesma. 
Você pode abrir mão de certas coisas, você pode ser levado a escolher abrir mão de certas 
coisas para favorecer o encontro, mas isso não quer dizer que você abriu mão da sua individualidade, 
que você abriu mão da sua condição de pessoa. Também não quer dizer que o casal tem que estar 
junto o tempo todo e fazer sempre as mesmas coisas, como se fosse uma pessoa. Para que duas pessoas 
formem um casal é preciso que cada um tenha vida própria, é preciso que tenham autonomia, caso 
contrário, não vai existir um casal, mas apenas uma pessoa que coisifica a outra, ou então duas pessoas 
que ora são pessoa e coisa, ora são coisa e pessoa, quer dizer, se eu e você temos que ficar juntos o 
tempo todo, na verdade nós estamos fazendo a vontade de quem? A minha ou a sua? Se estamos 
juntos agora, seria porque a minha vontade é estar aqui escrevendo para você e a sua vontade é estar 
aí lendo o que escrevo. Agora, se eu e você ficamos juntos o tempo todo, vai haver um momento em 
que um de nós não estará com vontade de fazer a mesma coisa que o outro, um momento em que um 
de nós não vai ter vontade de ficar no mesmo lugar que o outro. E se, apesar disso, nós ainda 
continuamos juntos é porque um está deixando de fazer a sua própria vontade, de realizar seus 
próprios desejos, para realizar assim os desejos e as vontades do outro, o que significa que um está 
se tornando coisa e deixando de ser pessoa. 
E para finalizar quero apenas lhe fazer uma pergunta: 
Durante todo esse tempo você vem se trabalhando para se construir enquanto pessoa livre e 
autônoma ou vem sendo trabalhado pelo outro para se tornar uma coisa ou um objeto? 
A escolha é sua. É você quem paga o preço e é você quem colhe os resultados. 
Boa sorte.

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