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4WEBER, Max. excerto sobre o Tipo Ideal

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370 E N SA IO S DE SOCIOLOGIA
cm guildas, na forma medieval ocidental, foi, sem dúvida — e 
muito contra a sua intenção —■ não só uma dificuldade, mas 
também uma precondição para a organização capitalista do tra­
balho, que talvez fosse indispensável.38 Mas a guilda, decerto, 
não pode dar origem ao moderno ethos capitalista burguês. Só 
o modo de vida metódico das seitas ascéticas poderia legitim ar e 
colocar um halo em torno dos impulsos econômicos “indivi­
duais” do ethos capitalista moderno.
X m . Rejeições Religiosas do Mundo e Suas Direções
E m f o r t e contraste com o caso da China, a religiosidade in­
diana, que vamos analisar, é o berço das éticas religiosas que 
negam o mundo, teórica e praticamente e com a maior inten­
sidade. É tambem na índ ia que a “técnica” que corresponde a 
essa negação melhor se desenvolveu. O monasticismo, bem como 
as manipulações ascéticas e contemplativas típicas, não só se de­
senvolveram primeiro na Índia como ali se manifestaram de 
forma mais cocrente. E foi talvez da Índia que essa racionali­
zação iniciou seu caminho histórico pelo mundo em geral.
1 . M otivos para a R ejeição do M undo: o S ignificado de sua 
C onstrução R acional
Antes de nos ocuparmos dessa religiosidade, talvez seja con­
veniente esclarecermos rapidamente, de modo esquemático e 
teórico, os motivos dos quais se originou a ética religiosa da 
negação do mundo e as direções que tomou. Dessa forma, tal­
vez possamos esclarecer seu “significado” provável.
O esquema construído serve apenas, é claro, ao objetivo de 
oferecer um meio ideal típico de orientação. Não nos transmite 
uma filosofia própria. Os tipos teoricamente construídos de 
“ordens de vida” conflitantes servem, apenas, para mostrar que 
em certos pontos determinados conflitos internos são possíveis 
e “adequados”. Não pretendem mostrar que não há ponto de 
vista do qual os conflitos não possam ser resolvidos num a sín­
tese mais elevada. Como iremos ver facilmente, as esferas in-
De “Zwischenbetrauchtung”. G esam m elte A u fsaetze zu r Religions- 
soziologie, vol. I, pp. 436-73. Este ensaio íoi publicado em novembro 
de 1915, no A rchiv.
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dividuais de valor estão preparadas com uma coerência racional 
que raramente se encontra na realidade. Mas podem ter essa 
aparência na realidade e sob formas historicamente importantes, 
e realmente a têm. Tais construções possibilitam determinar o 
local tipológico de um fenômeno histórico. Permitem-nos ver 
se, em traços particulares ou em seu caráter total, os fenômenos 
se aproximam de uma de nossas construções: determinar o grau 
de aproximação do fenômeno histórico e o tipo construído teo­
ricamente. Sob êsse aspecto, a construção é simplesmente um 
recurso técnico que facilita uma disposição e terminologia mais 
lúcidas. Não obstante, sob certas condições, uma construção 
pode significar mais, pois a racionalidade, no sentido de uma 
“coerência” lógica ou teleológica, de uma atitude intelectual- 
-teórica ou prático-ética tem, e sempre teve, poder sobre o ho­
mem, por mais lim itado e instável que esse poder seja e tenha 
sido sempre frente a outras forças da vida histórica.
As interpretações religiosas do mundo e a ética das reli­
giões criadas pelos intelectuais e que pretendem ser racionais 
estiveram muito sujeitas ao imperativo da coerencia. O efeito 
da razão, especialmente de uma dedução teleologica de postula­
dos práticos, é perceptível sob certos aspectos, e com freqüencia 
muito claramente, entre todas as eticas religiosas. Isso ocorre 
por menos que as interpretações religiosas do mundo, no ^caso 
individual, tenham concordado com a exigência de coerência, 
e por mais que tsnham integrado pontos de vista em seus pos­
tulados éticos que não podiam ser deduzidos racionalmente. 
Assim, pelas razões substantivas, podemos ter esperança de fa­
cilitar a apresentação de um assunto que, de outro modo, seria 
multifário, através de tipos racionais construídos de forma ade­
quada. Para tanto, devemos preparar e ressaltar as formas in­
teriormente mais “coerentes” de conduta prática, que podem 
ser deduzidas de pressupostos fixos e dados.
Acim a de tudo, um ensaio assim sobre a sociologia da re li­
gião visa, necessariamente, a contribuir para a tipologia e so­
ciologia do racionalismo. Este ensaio, portanto, parte das for­
mas mais racionais que a realidade pode assumir; procura ele 
descobrir até que ponto certas conclusões racionais, que podem 
ser estabelecidas teoricamente, foram realmente formuladas. E 
talvez descubramos por que não.
R E JE IÇ Õ E S RELIG IO SAS DO M U N D O E SU A S DIREÇÕES 373
2 . T ipologia do A scetismo e do M isticismo
A grande importância da concepção do Deus e Criador 
supramundano para a etica religiosa já foi comentada. * T al 
concepção foi especialmente importante para a direção ativa e 
ascética da busca de salvação. Não teve a mesma importância 
para a busca contemplativa e mística, que tem afinidade interna 
com a despersonalização e imanência do poder divino. Essa lig a­
ção íntima, que E. Troeltsch repetidamente acentuou, com ra­
zão, entre a concepção de um Deus supramundano e o asce­
tismo ativo, não é absoluta. O Deus supramundano não de­
terminou, como Deus, a direção do ascetismo ocidental, como 
iremos ver pelas observações que se seguem. A Trindade cristã, 
com seu Salvador encarnado e os santos, representava uma con­
cepção de Deus que era fundamentalmente menos supramun­
dano do que o Deus dos judeus, especialmente do judaísmo 
recente, ou o A lá do islamismo.
Os judeus desenvolveram o misticismo, mas quase nenhum 
ascetismo do tipo ocidental. E o islamismo antigo repudiava 
diretamente o ascetismo. A peculiaridade da religiosidade do 
dervixe vinha de fontes bem diferentes que a relação com um 
Deus e Criador supramundano. Nascia das fontes místicas, ex­
táticas, e em sua essência íntima estava distante do ascetismo 
ocidental. Embora importante, a concepção de um Deus su­
pramundano, apesar de sua afinidade com a profecia emissária 
e o ascetismo ativo, evidentemente não agia sozinha, mas sem­
pre em conjunto com outras circunstâncias. A natureza das 
promessas religiosas e os caminhos da salvação que determina­
ram destacam-se entre essas circunstâncias. A questão terá d* 
ser analisada nos casos particulares.
Tivemos de usar repetidamente as palavras “ascetismo” e 
“misticismo” como conceitos polares. Para elucidar a termino­
logia vamos distinguir melhor entre essas expressões.
Em nossos comentários introdutórios * contrastamos, como 
renuncias do mundo, o ascetismo ativo que é uma ação, dese­
jada por Deus, do devoto que é instrumento de Deus e, por 
outro lado, a possessão contemplativa do sagrado, como existe
* Cf. Capitulo XI.
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dividuais de valor estão preparadas com uma coerência racional 
que raramente se encontra na realidade. Mas podem ter essa 
aparência na realidade e sob formas historicamente importantes, 
e realmente a têm. Tais construções possibilitam determinar o 
local tipológico de um fenômeno histórico. Permitem-nos ver 
se, em traços particulares ou em seu caráter total, os fenômenos 
se aproximam de uma de nossas construções: determinar o grau 
de aproximação do fenômeno histórico e o tipo construído teo­
ricamente. Sob êsse aspecto, a construção é simplesmente um 
recurso técnico que facilita uma disposição e terminologia mais 
lúcidas. Não obstante, sob certas condições, uma construção 
pode significar mais, pois a racionalidade, no sentido de uma 
“coerência” lógica ou teleológica, de uma atitude intelectual- 
-teórica ou prático-ética tem, e sempre teve, poder sobre o ho­
mem, por mais lim itado e instável que esse poder seja e tenha 
sido sempre frente a outras forças da vida histórica.
As interpretações religiosas do mundo e a ética das reli­
giões criadaspelos intelectuais e que pretendem ser racionais 
estiveram muito sujeitas ao imperativo da coerencia. O efeito 
da razão, especialmente de uma dedução teleologica de postula­
dos práticos, é perceptível sob certos aspectos, e com freqüencia 
muito claramente, entre todas as eticas religiosas. Isso ocorre 
por menos que as interpretações religiosas do mundo, no ^caso 
individual, tenham concordado com a exigência de coerência, 
e por mais que tsnham integrado pontos de vista em seus pos­
tulados éticos que não podiam ser deduzidos racionalmente. 
Assim, pelas razões substantivas, podemos ter esperança de fa­
cilitar a apresentação de um assunto que, de outro modo, seria 
multifário, através de tipos racionais construídos de forma ade­
quada. Para tanto, devemos preparar e ressaltar as formas in­
teriormente mais “coerentes” de conduta prática, que podem 
ser deduzidas de pressupostos fixos e dados.
Acim a de tudo, um ensaio assim sobre a sociologia da re li­
gião visa, necessariamente, a contribuir para a tipologia e so­
ciologia do racionalismo. Este ensaio, portanto, parte das for­
mas mais racionais que a realidade pode assumir; procura ele 
descobrir até que ponto certas conclusões racionais, que podem 
ser estabelecidas teoricamente, foram realmente formuladas. E 
talvez descubramos por que não.
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2 . T ipologia do A scetismo e do M isticismo
A grande importância da concepção do Deus e Criador 
supramundano para a etica religiosa já foi comentada. * T al 
concepção foi especialmente importante para a direção ativa e 
ascética da busca de salvação. Não teve a mesma importância 
para a busca contemplativa e mística, que tem afinidade interna 
com a despersonalização e imanência do poder divino. Essa lig a­
ção íntima, que E. Troeltsch repetidamente acentuou, com ra­
zão, entre a concepção de um Deus supramundano e o asce­
tismo ativo, não é absoluta. O Deus supramundano não de­
terminou, como Deus, a direção do ascetismo ocidental, como 
iremos ver pelas observações que se seguem. A Trindade cristã, 
com seu Salvador encarnado e os santos, representava uma con­
cepção de Deus que era fundamentalmente menos supramun­
dano do que o Deus dos judeus, especialmente do judaísmo 
recente, ou o A lá do islamismo.
Os judeus desenvolveram o misticismo, mas quase nenhum 
ascetismo do tipo ocidental. E o islamismo antigo repudiava 
diretamente o ascetismo. A peculiaridade da religiosidade do 
dervixe vinha de fontes bem diferentes que a relação com um 
Deus e Criador supramundano. Nascia das fontes místicas, ex­
táticas, e em sua essência íntima estava distante do ascetismo 
ocidental. Embora importante, a concepção de um Deus su­
pramundano, apesar de sua afinidade com a profecia emissária 
e o ascetismo ativo, evidentemente não agia sozinha, mas sem­
pre em conjunto com outras circunstâncias. A natureza das 
promessas religiosas e os caminhos da salvação que determina­
ram destacam-se entre essas circunstâncias. A questão terá d* 
ser analisada nos casos particulares.
Tivemos de usar repetidamente as palavras “ascetismo” e 
“misticismo” como conceitos polares. Para elucidar a termino­
logia vamos distinguir melhor entre essas expressões.
Em nossos comentários introdutórios * contrastamos, como 
renuncias do mundo, o ascetismo ativo que é uma ação, dese­
jada por Deus, do devoto que é instrumento de Deus e, por 
outro lado, a possessão contemplativa do sagrado, como existe
* Cf. Capitulo XI.
374 EN SAIO S DE SOCIOLOGIA
no misticismo, que visa a um estado de “possessão”, não ação, 
no qual o indivíduo não é um instrumento, mas um “recipien­
te” do divino. A ação no mundo é vista, assim, como um 
perigo para o estado irracional e outros estados religiosos vol­
tados para o outro mundo. O ascetismo ativo opera dentre 
do mundo; o ascetismo racionalmente ativo, ao dominar o m un­
do, busca domesticar o que é da criatura e maligno através do 
trabalho numa vocação “mundana” (ascetismo do mundo). T al 
ascetismo contrasta radicalmente com o misticismo, se este se 
inclina para a fuga do mundo (fuga contemplativa do m undo).
O contraste diminui, porém, se o ascetismo ativo lim itar-se 
a controlar e superar a malignidade da criatura na própria na­
tureza do agente. Nesse caso, ele fortalecera a concentração 
sobre as realizações ativas e redentoras, firmemente estabelecidas 
e desejadas por Deus, a ponto de evitar qualquer ação nas 
ordens do mundo (fuga ascética do m undo). Com isso, o 
ascetismo ativo, em sua aparência externa, se aproxima da fuga 
contemplativa do mundo.
O contraste entre o ascetismo e o misticismo também é re­
duzido se o místico contemplativo não chega à conclusão de 
que deve fugir ao mundo, mas, como o ascético voltado para 
o mundo, permanece nas ordens do mundo (misticismo voltado 
para o mundo).
Em ambos os casos, o contraste pode desaparecer realmente 
na prática, e pode ocorrer uma certa combinação de ambas as 
formas de busca de salvação. O contraste pode, porém, con­
tinuar até sob o disfarce de uma aparente semelhança externa. 
Para o verdadeiro místico, continua sendo válido o princípio: 
a criatura deve estar calada, de modo que Deus possa falar. 
Ela “está” no mundo e se “acomoda” externamente às suas 
ordens, mas apenas para adquirir a certeza do seu estado de 
graça em oposição ao mundo, resistindo a tentação de levar a 
sério os seus processos. Como podemos ver com Lao-tse, a 
atitude típica do místico é de humildade especifica, uma m ini- 
mização da ação, uma espécie de existência religiosa incógnita 
no mundo. Ele se coloca à prova contra o mundo, contra sua 
ação no mundo. O ascetismo deste mundo, pelo contrario, pro­
va-se através da ação. Para o asceta deste mundo, a conduta 
do místico é um gozo indolente do eu; para o místico, a con­
duta do asceta (voltado para o mundo) é uma participação nos 
processos do mundo, combinada com uma hipocrisia compla­
cente. Com esse fanatismo abençoado”, habitualmente atribuí­
do ao puritano típico, o ascetismo deste mundo executa as 
resoluções positivas e divinas cujo sentido final continua oculto. 
O ascetismo executa tais resoluções como dadas nas ordens ra­
cionais da criatura, ordenadas por Deus. Para o místico, pelo 
contrario, o que importa para a sua salvação é apenas a com­
preensão do significado ultimo e completamente irracional, atra­
vés da experiencia mística. As formas pelas quais ambos os 
modos de conduta fogem do mundo podem ser distinguidas 
através de confrontos semelhantes. Mas reservamos a sua dis­
cussão para uma apresentação monográfica.
3. D ireções da R enúncia ao M undo
Vamos, agora, exam inar em detalhe as tensões existentes 
entre a religião e o mundo. Partiremos das reflexões da intro­
dução, * dando-lhe, porém, um enfoque um pouco diferente.
Dissemos que esses modos de comportamento, uma vez evo­
luídos para um modo de vida metódico, formavam o núcleo 
do ascetismo, bem como do misticismo, e que surgiram origi­
nalmente de pressupostos mágicos. As práticas mágicas foram 
feitas^ para despertar qualidades carismáticas ou para impedir 
sortilégios malignos. O primeiro caso foi, é claro, mais impor­
tante para os fatos historicos. Mesmo no umbral de seu apa­
recimento, o ascetismo já revelava a sua face de Jano: de um 
lado, a renuncia ao mundo, e, do outro, o domínio do mundo 
em virtude de poderes mágicos obtidos pela renúncia.
O mágico foi o precursor histórico do profeta, do profeta e 
salvador tanto exemplares como emissários. Em geral, o pro­
feta e salvador legitimaram-se através da posse de um carisma 
magico. Para eles, porém, isto foi apenas um meio de garan­
tir o reconhecimento e conseguir adeptos para a significação 
exemplar, a missão, da qualidade de salvador de suas persona­
lidades. A substância da profecia do mandamento do salvador 
e d irig ir o modode vida para a busca de um valor sagrado. 
Assim compreendida, a profecia ou mandamento significa, pelo 
menos relativamente, a sistematização e racionalização do modo 
de vida, seja em pontos particulares ou no todo. Esta últim a
R E JE IÇ Õ E S RELIG IO SAS DO M U N D O E SU A S DIREÇÕES 375
• Cf. Capítulo XI.
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no misticismo, que visa a um estado de “possessão”, não ação, 
no qual o indivíduo não é um instrumento, mas um “recipien­
te” do divino. A ação no mundo é vista, assim, como um 
perigo para o estado irracional e outros estados religiosos vol­
tados para o outro mundo. O ascetismo ativo opera dentre 
do mundo; o ascetismo racionalmente ativo, ao dominar o m un­
do, busca domesticar o que é da criatura e maligno através do 
trabalho numa vocação “mundana” (ascetismo do mundo). T al 
ascetismo contrasta radicalmente com o misticismo, se este se 
inclina para a fuga do mundo (fuga contemplativa do m undo).
O contraste diminui, porém, se o ascetismo ativo lim itar-se 
a controlar e superar a malignidade da criatura na própria na­
tureza do agente. Nesse caso, ele fortalecera a concentração 
sobre as realizações ativas e redentoras, firmemente estabelecidas 
e desejadas por Deus, a ponto de evitar qualquer ação nas 
ordens do mundo (fuga ascética do m undo). Com isso, o 
ascetismo ativo, em sua aparência externa, se aproxima da fuga 
contemplativa do mundo.
O contraste entre o ascetismo e o misticismo também é re­
duzido se o místico contemplativo não chega à conclusão de 
que deve fugir ao mundo, mas, como o ascético voltado para 
o mundo, permanece nas ordens do mundo (misticismo voltado 
para o mundo).
Em ambos os casos, o contraste pode desaparecer realmente 
na prática, e pode ocorrer uma certa combinação de ambas as 
formas de busca de salvação. O contraste pode, porém, con­
tinuar até sob o disfarce de uma aparente semelhança externa. 
Para o verdadeiro místico, continua sendo válido o princípio: 
a criatura deve estar calada, de modo que Deus possa falar. 
Ela “está” no mundo e se “acomoda” externamente às suas 
ordens, mas apenas para adquirir a certeza do seu estado de 
graça em oposição ao mundo, resistindo a tentação de levar a 
sério os seus processos. Como podemos ver com Lao-tse, a 
atitude típica do místico é de humildade especifica, uma m ini- 
mização da ação, uma espécie de existência religiosa incógnita 
no mundo. Ele se coloca à prova contra o mundo, contra sua 
ação no mundo. O ascetismo deste mundo, pelo contrario, pro­
va-se através da ação. Para o asceta deste mundo, a conduta 
do místico é um gozo indolente do eu; para o místico, a con­
duta do asceta (voltado para o mundo) é uma participação nos 
processos do mundo, combinada com uma hipocrisia compla­
cente. Com esse fanatismo abençoado”, habitualmente atribuí­
do ao puritano típico, o ascetismo deste mundo executa as 
resoluções positivas e divinas cujo sentido final continua oculto. 
O ascetismo executa tais resoluções como dadas nas ordens ra­
cionais da criatura, ordenadas por Deus. Para o místico, pelo 
contrario, o que importa para a sua salvação é apenas a com­
preensão do significado ultimo e completamente irracional, atra­
vés da experiencia mística. As formas pelas quais ambos os 
modos de conduta fogem do mundo podem ser distinguidas 
através de confrontos semelhantes. Mas reservamos a sua dis­
cussão para uma apresentação monográfica.
3. D ireções da R enúncia ao M undo
Vamos, agora, exam inar em detalhe as tensões existentes 
entre a religião e o mundo. Partiremos das reflexões da intro­
dução, * dando-lhe, porém, um enfoque um pouco diferente.
Dissemos que esses modos de comportamento, uma vez evo­
luídos para um modo de vida metódico, formavam o núcleo 
do ascetismo, bem como do misticismo, e que surgiram origi­
nalmente de pressupostos mágicos. As práticas mágicas foram 
feitas^ para despertar qualidades carismáticas ou para impedir 
sortilégios malignos. O primeiro caso foi, é claro, mais impor­
tante para os fatos historicos. Mesmo no umbral de seu apa­
recimento, o ascetismo já revelava a sua face de Jano: de um 
lado, a renuncia ao mundo, e, do outro, o domínio do mundo 
em virtude de poderes mágicos obtidos pela renúncia.
O mágico foi o precursor histórico do profeta, do profeta e 
salvador tanto exemplares como emissários. Em geral, o pro­
feta e salvador legitimaram-se através da posse de um carisma 
magico. Para eles, porém, isto foi apenas um meio de garan­
tir o reconhecimento e conseguir adeptos para a significação 
exemplar, a missão, da qualidade de salvador de suas persona­
lidades. A substância da profecia do mandamento do salvador 
e d irig ir o modo de vida para a busca de um valor sagrado. 
Assim compreendida, a profecia ou mandamento significa, pelo 
menos relativamente, a sistematização e racionalização do modo 
de vida, seja em pontos particulares ou no todo. Esta últim a
R E JE IÇ Õ E S RELIG IO SAS DO M U N D O E SU A S DIREÇÕES 375
• Cf. Capítulo XI.

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