Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
I. Direitos Humanos: conceito, estrutura e sociedade inclusiva 1. Conceito e estrutura dos direitos humanos Os direitos humanos consistem em um conjunto de direitos considerado indispensável para uma vida humana pautada na liberdade, igualdade e dignidade. Os direitos humanos são os direitos essenciais e indispensáveis à vida digna. Por isso, os direitos humanos têm estrutura variada, podendo ser: direito-pretensão, direito-liberdade, direito- poder e, finalmente, direito-imunidade, que acarretam obrigações do Estado ou de particulares revestidas, respectivamente, na forma de: (i) dever, (ii) ausência de direito, (iii) sujeição e (iv) incompetência, como segue. O direito-pretensão consiste na busca de algo, gerando a contrapartida de outrem do dever de prestar. Nesse sentido, determinada pessoa tem direito a algo, se outrem (Estado ou mesmo outro particular) tem o dever de realizar uma conduta que não viole esse direito. Assim, nasce o “direito-pretensão”, como, por exemplo, o direito à educação fundamental, que gera o dever do Estado de prestá-la gratuitamente (art. 208, I, da CF/88). O direito-liberdade consiste na faculdade de agir que gera a ausência de direito de qualquer outro ente ou pessoa. Assim, uma pessoa tem a liberdade de credo (art. 5º, VI, da CF/88), não possuindo o Estado (ou terceiros) nenhum direito (ausência de direito) de exigir que essa pessoa tenha determinada religião. Por sua vez, o direito-poder implica uma relação de poder de uma pessoa de exigir determinada sujeição do Estado ou de outra pessoa. Assim, uma pessoa tem o poder de, ao ser presa, requerer a assistência da família e de advogado, o que sujeita a autoridade pública a providenciar tais contatos (art. 5º, LXIII, da CF/88). Finalmente, o direito-imunidade consiste na autorização dada por uma norma a uma determinada pessoa, impedindo que outra interfira de qualquer modo. Assim, uma pessoa é imune à prisão, a não ser em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar (art. 5º, LVI, da CF/88), o que impede que outros agentes públicos (como, por exemplo, agentes policiais) possam alterar a posição da pessoa em relação à prisão. 2. Conteúdo e cumprimento dos direitos humanos: rumo a uma sociedade inclusiva Apesar das diferenças em relação ao conteúdo, os direitos humanos têm em comum quatro ideias-chaves ou marcas distintivas: universalidade, essencialidade, superioridade normativa (preferenciabilidade) e reciprocidade. A universalidade consiste no reconhecimento de que os direitos humanos são direitos de todos, combatendo a visão estamental de privilégios de uma casta de seres superiores. Por sua vez, a essencialidade implica que os direitos humanos apresentam valores indispensáveis e que todos devem protegê-los. Além disso, os direitos humanos são superiores a demais normas, não se admitindo o sacrifício de um direito essencial para atender as “razões de Estado”; logo, os direitos humanos representam preferências preestabelecidas que, diante de outras normas, devem prevalecer. Finalmente, a reciprocidade é fruto da teia de direitos que une toda a comunidade humana, tanto na titularidade (são direitos de todos) quanto na sujeição passiva: não há só o estabelecimento de deveres de proteção de direitos ao Estado e seus agentes públicos, mas também à coletividade como um todo. Essas quatro ideias tornam os direitos humanos como vetores de uma sociedade humana pautada na igualdade e na ponderação dos interesses de todos (e não somente de alguns). Uma sociedade pautada na defesa de direitos (sociedade inclusiva) tem várias consequências. A primeira é o reconhecimento de que o primeiro direito de todo indivíduo é o direito a ter direitos. Arendt e, no Brasil, Lafer sustentam que o primeiro direito humano, do qual derivam todos os demais, é o direito a ter direitos*.1No Brasil, o STF adotou essa linha ao decidir que “direito a ter direitos: uma prerrogativa básica, que se qualifica como fator de viabilização dos demais direitos e liberdades” (ADI 2.903, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 1º-12-2005, Plenário, DJE de 19-9-2008). II. Direitos humanos na história 1. Direitos humanos: faz sentido o estudo das fases precursoras? A contar dos primeiros escritos das comunidades humanas ainda no século VIII a.C. até o século XX d.C., são mais de vinte e oito séculos rumo à afirmação universal dos direitos humanos, que tem como marco a Declaração Universal de Direitos Humanos de 1948. 2. A fase pré-Estado Constitucional 2.1. A Antiguidade Oriental e o Esboço da Construção de Direitos O primeiro passo rumo à afirmação dos direitos humanos inicia-se já na Antiguidade, no período compreendido entre os séculos VIII e II a.C. Para Comparato, vários filósofos trataram de direitos dos indivíduos, influenciando-nos até os dias de hoje: Zaratustra na Pérsia, Buda na Índia, Confúcio na China e o Dêutero-Isaías em Israel. O ponto em comum entre eles é a adoção de códigos de comportamento baseados no amor e respeito ao outro. Do ponto de vista normativo, há tenuamente o reconhecimento de direitos de indivíduos na codificação de Menes (3100-2850 a.C.), no Antigo Egito. Na Suméria antiga, o Rei Hammurabi da Babilônia editou o Código de Hammurabi, que é considerado o primeiro código de normas de condutas, preceituando esboços de direitos dos indivíduos (1792-1750 a.C.), em especial o direito à vida, propriedade, honra, consolidando os costumes e estendendo a lei a todos os súditos do Império. Chama a atenção nesse Código a Lei do Talião, que impunha a reciprocidade no trato de ofensas (o ofensor deveria receber a mesma ofensa proferida). Ainda na região da Suméria e Pérsia, Ciro II editou, no século VI a.C., uma declaração de boa governança, hoje exibida no Museu Britânico (o “Cilindro de Ciro”), que seguia uma tradição mesopotâmica de autoelogio dos governantes ao seu modo de reger a vida social. Na China, nos séculos VI e V a.C., Confúcio lançou as bases para sua filosofia, com ênfase na defesa do amor aos indivíduos. Já o budismo introduziu um código de conduta pelo qual se prega o bem comum e uma sociedade pacífica, sem prejuízo a qualquer ser humano. 2.2. A Visão Grega e a Democracia Ateniense A herança grega na consolidação dos direitos humanos é expressiva. A começar pelos direitos políticos, a democracia ateniense adotou a participação política dos cidadãos (com diversas exclusões, é claro) que seria, após, aprofundada pela proteção de direitos humanos. O chamado “Século de Péricles” (século V a.C.) testou a democracia direta em Atenas, com a participação dos cidadãos homens da pólis grega nas principais escolhas da comunidade. Platão, em sua obra A República (400 a.C.), defendeu a igualdade e a noção do bem comum. Aristóteles, na Ética a Nicômaco, salientou a importância do agir com justiça, para o bem de todos da pólis, mesmo em face de leis injustas. 2.3. A República Romana Uma contribuição do direito romano à proteção de direitos humanos foi a sedimentação do princípio da legalidade. A Lei das Doze Tábuas, ao estipular a lex scripta como regente das condutas, deu um passo na direção da vedação ao arbítrio. Além disso, o direito romano consagrou vários direitos, como o da propriedade, liberdade, personalidade jurídica, entre outros. Um passo foi dado também na direção do reconhecimento da igualdade pela aceitação do jus gentium, o direitoaplicado a todos, romanos ou não. No plano das ideias, Marco Túlio Cícero retoma a defesa da razão reta (recta ratio), salientando, na República, que a verdadeira lei é a lei da razão, inviolável mesmo em face da vontade do poder. No seu De legibus (Sobre as leis, 52 a.C.), Cícero sustentou que, apesar das diferenças (raças, religiões e opiniões), os homens podem permanecer unidos caso adotem o “viver reto”, que evitaria causar o mal a outros. 2.4. O Antigo e o Novo Testamento e as Influências do Cristianismo e da Idade Média Os filósofos católicos também merecem ser citados, em especial São Tomás de Aquino, que, no seu capítulo sobre o Direito na sua obra Suma Teológica (1273), defendeu a igualdade dos seres humanos e aplicação justa da lei. Para a escolástica aquiniana, aquilo que é justo (id quod justum est) é aquilo que corresponde a cada ser humano na ordem social, o que reverberará no futuro, em especial na busca da justiça social constante dos diplomas de direitos humanos. 2.5. Liberdade dos Antigos e a Liberdade dos Modernos A síntese mais conhecida da concepção da Antiguidade sobre o indivíduo foi feita por Benjamin Constant, no seu clássico artigo sobre a “liberdade dos antigos” e a “liberdade dos modernos”. Para Constant, os antigos viam a liberdade composta pela possibilidade de participar da vida social na cidade; já os modernos (ele se referia aos iluministas do século XVIII e pensadores posteriores do século XIX) entendiam a liberdade como sendo a possibilidade de atuar sem amarras na vida privada. Essa visão de liberdade na Antiguidade resultou na ausência de discussão sobre a limitação do poder do Estado, um dos papéis tradicionais do regime jurídico dos direitos humanos. 3. A Crise da Idade Média, início da Idade Moderna e os primeiros diplomas de direitos humanos Na Idade Média europeia, o poder dos governantes era ilimitado, pois era fundado na vontade divina. Contudo, mesmo nessa época de autocracia, surgem os primeiros movimentos de reivindicação de liberdades a determinados estamentos, como a Declaração das Cortes de Leão adotada na Península Ibérica em 1188 e ainda a Magna Carta inglesa de 1215. A Declaração de Leão consistiu em manifestação que consagrou a luta dos senhores feudais contra a centralização e o nascimento futuro do Estado Nacional. Por sua vez, a Magna Carta consistiu em um diploma que continha um ingrediente – ainda faltante – essencial ao futuro regime jurídico dos direitos humanos: o catálogo de direitos dos indivíduos contra o Estado. Redigida em latim, em 1215 – o que explicita o seu caráter elitista –, a Magna Charta Libertatum consistia em disposições de proteção ao Baronato inglês, contra os abusos do monarca João Sem Terra (João da Inglaterra). Depois do reinado de João Sem Terra, a Carta Magna foi confirmada várias vezes pelos monarcas posteriores. Apesar de seu foco direitos da elite fundiária da Inglaterra, a Magna Carta traz em seu bojo a ideia de governo representativo e ainda direitos que, séculos depois, seriam universalizados, atingindo todos os indivíduos, entre eles o direito de ir e vir em situação de paz, direito de ser julgado pelos seus pares (vide Parte IV, item 23.4 sobre o Tribunal do Júri), acesso à justiça e proporcionalidade entre o crime e a pena. 4. O debate das ideias: Hobbes, Grócio, Locke, Rousseau e os iluministas No campo das ideias políticas, Thomas Hobbes defendeu, em sua obra Leviatã (1651), em especial no Capítulo XIV, que o primeiro direito do ser humano consistia no direito de usar seu próprio poder livremente, para a preservação de sua própria natureza, ou seja, de sua vida. No mesmo século XVII, outros autores defenderam a existência de direitos para além do estado da natureza de Hobbes. Em primeiro lugar, Hugo Grócio, considerado um dos pais fundadores do Direito Internacional, fez interessante debate sobre o direito natural e os direitos de todos os seres humanos. No seu livro O direito da guerra e da paz (1625), Grócio defendeu a existência do direito natural, de cunho racionalista – mesmo sem Deus, ousou dizer em pleno século XVII –, reconhecendo, assim, que suas normas decorrem de princípios inerentes ao ser humano. Assim, é dada mais uma contribuição – de marca jusnaturalista – ao arcabouço dos direitos humanos, em especial no que tange ao reconhecimento de normas inerentes à condição humana. Por sua vez, a contribuição de John Locke é essencial, pois defendeu o direito dos indivíduos mesmo contra o Estado, um dos pilares do contemporâneo regime dos direitos humanos. Para Locke, em sua obra Segundo tratado sobre o governo civil (168910), o objetivo do governo em uma sociedade humana é salvaguardar os direitos naturais do homem, existentes desde o estado da natureza. Surgiu, então, o Do contrato social (1762) de Jean-Jacques Rousseau, que defendeu uma vida em sociedade baseada em um contrato (o pacto social) entre homens livres e iguais, que estruturam o Estado para zelar pelo bem-estar da maioria. A igualdade e a liberdade são inerentes aos seres humanos, que, com isso, são aptos a expressar sua vontade e exercer o poder. A pretensa renúncia à liberdade e igualdade pelos homens nos Estados autocráticos (base do pensamento de Hobbes) é inadmissível para Rousseau, uma vez que tal renúncia seria incompatível com a natureza humana. Kant, no final do século XVIII (178513), defendeu a existência da dignidade intrínseca a todo ser racional, que não tem preço ou equivalente. Justamente em virtude dessa dignidade, não se pode tratar o ser humano como um meio, mas sim como um fim em si mesmo. Esse conceito kantiano do valor superior e sem equivalente da dignidade humana será, depois, retomado no regime jurídico dos direitos humanos contemporâneos, em especial no que tange à indisponibilidade e à proibição de tratamento do homem como objeto. 5. A fase do constitucionalismo liberal e das declarações de direitos As revoluções liberais, inglesa, americana e francesa, e suas respectivas Declarações de Direitos marcaram a primeira clara afirmação histórica dos direitos humanos. A chamada “Revolução Inglesa” foi a mais precoce (ver acima), pois tem como marcos a Petition of Right, de 1628 e o Bill of Rights, de 1689, que consagraram a supremacia do Parlamento e o império da lei. Por sua vez, a “Revolução Americana” retrata o processo de independência das colônias britânicas na América do Norte, culminado em 1776, e a criação da primeira Constituição do mundo, a Constituição norte-americana de 1787. Várias causas concorreram para a independência norte-americana, sendo a defesa das liberdades públicas contra o absolutismo do rei uma das mais importantes, o que legitimou a emancipação. Já a “Revolução Francesa” gerou um marco para a proteção de direitos humanos no plano nacional: a Declaração Francesa dos Direitos do Homem e do Cidadão, adotada pela Assembleia Nacional Constituinte francesa em 27 de agosto de 1789. A Declaração Francesa é fruto de um giro copernicano nas relações sociais na França e, logo depois, em vários países. 6. A fase do socialismo e do constitucionalismo social No plano do constitucionalismo, houve a introdução dos chamados direitos sociais – que pretendiam assegurar condições materiais mínimas de existência – em diversas Constituições, tendo sido pioneiras a Constituição do México (1917), da República da Alemanha (também chamada de República de Weimar, 1919) e, no Brasil, a Constituição de 1934. No plano do Direito Internacional, consagrou-se, pela primeira vez, uma organização internacional voltada à melhoria das condições dos trabalhadores, quefoi a Organização Internacional do Trabalho, criada em 1919 pelo próprio Tratado de Versailles que pôs fim à Primeira Guerra Mundial. 7. A internacionalização dos direitos humanos Contudo, a criação do Direito Internacional dos Direitos Humanos está relacionada à nova organização da sociedade internacional no pós-Segunda Guerra Mundial15. Como marco dessa nova etapa do Direito Internacional, foi criada, na Conferência de São Francisco em 1945, a Organização das Nações Unidas (ONU). O tratado institutivo da ONU foi denominado “Carta de São Francisco”. Porém, a Carta da ONU não listou o rol dos direitos que seriam considerados essenciais. Por isso, foi aprovada, sob a forma de Resolução da Assembleia Geral da ONU, em 10 de dezembro de 1948, em Paris, a Declaração Universal de Direitos Humanos (também chamada de “Declaração de Paris”), que contém 30 artigos e explicita o rol de direitos humanos aceitos internacionalmente. Embora a Declaração Universal dos Direitos Humanos tenha sido aprovada por 48 votos a favor e sem voto em sentido contrário, houve oito abstenções (Bielorússia, Checoslováquia, Polônia, União Soviética, Ucrânia, Iugoslávia, Arábia Saudita e África do Sul). Honduras e Iêmen não participaram da votação. III. Terminologia, Fundamento e Classificação 1. Terminologia: os direitos humanos e os direitos fundamentais Os direitos essenciais do indivíduo contam com ampla diversidade de termos e designações: direitos humanos, direitos fundamentais, direitos naturais, liberdades públicas, direitos do homem, direitos individuais, direitos públicos subjetivos, liberdades fundamentais. A terminologia varia tanto na doutrina quanto nos diplomas nacionais e internacionais. Nesse sentido, o uso da expressão “direito natural” revela a opção pelo reconhecimento de que esses direitos são inerentes à natureza do homem. Esse conceito e terminologia foram ultrapassados ao se constatar a historicidade de cada um destes direitos, sendo os direitos humanos verdadeiros direitos “conquistados”. Por sua vez, a locução “direitos do homem” retrata a mesma origem jusnaturalista da proteção de determinados direitos do indivíduo, no momento histórico de sua afirmação em face do Estado autocrático europeu no seio das chamadas revoluções liberais, o que imprimiu um certo caráter sexista da expressão, que pode sugerir preterição aos direitos da mulher. No Canadá, há o uso corrente da expressão “direitos da pessoa”, apta a superar o sexismo da dicção “direitos do homem”. Já a expressão “direitos individuais” é tida como excludente, pois só abarcaria o grupo de direitos denominados de primeira geração ou dimensão (direito à vida, à igualdade, à liberdade e à propriedade – ver abaixo capítulo sobre a teoria das gerações de direitos). Contudo, há vários outros direitos, tais como os direitos a um ambiente ecologicamente equilibrado e outros, que não se amoldam nessa expressão “direitos individuais”. Finalmente, chegamos a duas expressões de uso corrente no século XXI: direitos humanos e direitos fundamentais. Inicialmente, a doutrina tende a reconhecer que os “direitos humanos” servem para definir os direitos estabelecidos pelo Direito Internacional em tratados e demais normas internacionais sobre a matéria, enquanto a expressão “direitos fundamentais” delimitaria aqueles direitos reconhecidos e positivados pelo Direito Constitucional de um Estado específico. Uma segunda diferença entre “direitos humanos” e “direitos fundamentais” também é comumente assinalada: os direitos humanos não seriam sempre exigíveis internamente, justamente pela sua matriz internacional, tendo então uma inspiração jusnaturalista sem maiores consequências; já os direitos fundamentais seriam aqueles positivados internamente e por isso passíveis de cobrança judicial, pois teriam matriz constitucional. Ora, a evolução do Direito Internacional dos Direitos Humanos não se coaduna com essa diferenciação. No sistema interamericano e europeu de direitos humanos, os direitos previstos em tratados podem também ser exigidos e os Estados podem ser cobrados pelo descumprimento de tais normas (como veremos). 2. Classificação dos direitos humanos 2.1. A Teoria do Status e suas Repercussões 2.2. A Teoria das Gerações ou Dimensões A primeira geração engloba os chamados direitos de liberdade, que são direitos às prestações negativas, nas quais o Estado deve proteger a esfera de autonomia do indivíduo. São denominados também “direitos de defesa”, pois protegem o indivíduo contra intervenções indevidas do Estado, possuindo caráter de distribuição de competências (limitação) entre o Estado e o ser humano. A segunda geração de direitos humanos representa a modificação do papel do Estado, exigindo-lhe um vigoroso papel ativo, além do mero fiscal das regras jurídicas. Esse papel ativo, embora indispensável para proteger os direitos de primeira geração, era visto anteriormente com desconfiança, por ser considerado uma ameaça aos direitos do indivíduo. Contudo, sob a influência das doutrinas socialistas, constatou-se que a inserção formal de liberdade e igualdade em declarações de direitos não garantiam a sua efetiva concretização, o que gerou movimentos sociais de reivindicação de um papel ativo do Estado para assegurar uma condição material mínima de sobrevivência. Os direitos sociais são também titularizados pelo indivíduo e oponíveis ao Estado. São reconhecidos o direito à saúde, educação, previdência social, habitação, entre outros, que demandam prestações positivas do Estado para seu atendimento e são denominados direitos de igualdade por garantirem, justamente às camadas mais miseráveis da sociedade, a concretização das liberdades abstratas reconhecidas nas primeiras declarações de direitos. Os direitos humanos de segunda geração são frutos das chamadas lutas sociais na Europa e Américas, sendo seus marcos a Constituição mexicana de 1917 (que regulou o direito ao trabalho e à previdência social), a Constituição alemã de Weimar de 1919 (que, em sua Parte II, estabeleceu os deveres do Estado na proteção dos direitos sociais) e, no Direito Internacional, o Tratado de Versailles, que criou a Organização Internacional do Trabalho, reconhecendo direitos dos trabalhadores (ver a evolução histórica dos direitos humanos). Já os direitos de terceira geração são aqueles de titularidade da comunidade, como o direito ao desenvolvimento, direito à paz, direito à autodeterminação e, em especial, o direito ao meio ambiente equilibrado. São chamados de direitos de solidariedade. São oriundos da constatação da vinculação do homem ao planeta Terra, com recursos finitos, divisão absolutamente desigual de riquezas em verdadeiros círculos viciosos de miséria e ameaças cada vez mais concretas à sobrevivência da espécie humana. Posteriormente, no final do século XX, há aqueles, como Paulo Bonavides, que defendem o nascimento da quarta geração de direitos humanos, resultante da globalização dos direitos humanos, correspondendo aos direitos de participação democrática (democracia direta), direito ao pluralismo, bioética e limites à manipulação genética, fundados na defesa da dignidade da pessoa humana contra intervenções abusivas de particulares ou do Estado. Bonavides agrega ainda uma quinta geração, que seria composta pelo direito à paz em toda a humanidade (anteriormente classificado por Vasak como sendo de terceira geração). Parte da doutrina critica a criação de novas gerações (qual seria o limite?), apontando falhas na diferenciação entre as novas gerações e as anteriores da dificuldade em se precisar o conteúdo e efetividade dos “novos” direitos.2.3. A Classificação Adotada na Constituição de 1988 A Constituição de 1988 dividiu os direitos humanos, com base no seu Título II (denominado, sugestivamente, “Dos Direitos e Garantias Fundamentais”), em cinco categorias, a saber: a) direitos e deveres individuais e coletivos; b) direitos sociais; c) direitos de nacionalidade; d) direitos políticos; e e) partidos políticos. 2.3.1. Direitos Individuais Os “direitos individuais” consistem no conjunto de direitos cujo conteúdo impacta a esfera de interesse protegido de um indivíduo. Por isso, são também considerados como sinônimos de “direitos de primeira geração”, pois representam os direitos clássicos de liberdade de agir do indivíduo em face do Estado e dos demais membros da coletividade. Representam direitos tanto a ações negativas do Estado (abstenção de agir do Estado) quanto a ações positivas (prestações). Na Constituição brasileira, são conhecidos também como sendo os direitos do “rol do art. 5º”, no qual constam os direitos à vida, liberdade, segurança individual, integridade física, igualdade perante a lei, intimidade, entre outros. 2.3.2. Direitos Sociais Os direitos sociais consistem em um conjunto de faculdades e posições jurídicas pelas quais um indivíduo pode exigir prestações do Estado ou da sociedade ou até mesmo a abstenção de agir, tudo para assegurar condições materiais e socioculturais mínimas de sobrevivência. Historicamente, os direitos sociais são frutos das revoluções socialistas em diversos países, tendo sido inseridos, no campo constitucional, de modo pioneiro na Constituição do México de 1917 e na Constituição de Weimar (Alemanha) de 1919. No Direito Internacional, o Tratado de Versailles (1919) é inovador ao constituir a Organização Internacional do Trabalho, existente até hoje e que tem como missão precípua a defesa dos direitos dos trabalhadores. No Brasil, a Constituição de 1934 é o marco inicial da introdução dos direitos sociais, porém estes foram incluídos no capítulo da “ordem econômica e social”. Já a Constituição de 1988 tem um capítulo específico (“Direitos Sociais”, arts. 6º ao 11) no Título II (“Direitos e Garantias Fundamentais”) e ainda consagrou o princípio da não exaustividade dos direitos sociais, o que permite extrair novos direitos sociais decorrentes do regime e princípios, bem como dos tratados celebrados pelo Brasil (art. 5º, § 2º). 2.3.3. Direito à nacionalidade Tradicionalmente, a nacionalidade é definida como sendo o vínculo jurídico entre determinada pessoa, denominada nacional, e um Estado, pelo qual são estabelecidos direitos e deveres recíprocos. No século XX, com a consolidação do Direito Internacional dos Direitos Humanos, a nacionalidade passa também a ser considerada direito essencial, previsto no artigo XV da Declaração Universal de Direitos Humanos e em diplomas normativos internacionais posteriores. O povo é formado pelo conjunto de nacionais, sendo elemento subjetivo do Estado. A fixação de regras para a determinação da nacionalidade foi lenta e somente se desenvolveu a partir das revoluções liberais, que geraram a consequente afirmação da participação popular no poder. Assim, era necessário determinar quem era nacional, ou seja, quem era membro do povo e, por consequência, deveria participar, direta ou indiretamente, da condução dos destinos do Estado. A França foi o primeiro Estado, no pós-Revolução de 1789, a estabelecer regras constitucionais referentes à nacionalidade (Constituição de 1791, arts. 2º a 6º). O modelo francês de instituir as regras sobre nacionalidade no texto constitucional foi seguido pelo Brasil e a Constituição de 1988 estabelece as regras básicas sobre a nacionalidade em seu art. 12. Há ainda normas internacionais de direitos humanos dispondo sobre a nacionalidade, como a Declaração Universal de Direitos Humanos (1948), que prevê que todos têm direito a uma nacionalidade e ninguém será arbitrariamente privado de sua nacionalidade, nem do direito de mudar de nacionalidade (artigo XV). 2.3.4. Direitos Políticos e os partidos Os direitos políticos constituem em um conjunto de direitos de participação na formação da vontade do poder e sua gestão. Expressam a soberania popular, representada na máxima “todo poder emana do povo” prevista no art. 1º da Constituição de 1988. Os direitos políticos são compostos por direitos de participação, permitindo o exercício do poder pelo povo de modo direto (a chamada democracia direta ou participativa) ou indireto (a chamada democracia indireta ou representativa). Essa participação não se dá tão somente no exercício do direito de votar e ser votado, mas também na propositura de projetos de lei (iniciativa popular) e na ação fiscalizatória sobre os governantes (a ação popular). No Brasil, os direitos políticos são exercidos não somente pelo direito de votar e ser votado em eleições, mas também por instrumentos de democracia direta, tais como o plebiscito, o referendo, a iniciativa popular (CF/88, art. 14, I a III), regidos pela Lei n. 9.709/98, e, no que tange à fiscalização do Poder, pela ação popular (art. 5º, LXXIII).
Compartilhar