Buscar

Livro Gestão da Sustentabilidade Organizacional 1

Esta é uma pré-visualização de arquivo. Entre para ver o arquivo original

...J w 
� 
z 
w 
ti 
:, 
li) 
o ... 
z w 
:; 
� 
o > z w 
li) 
w o 
w 
"' 
,w 
V) 
, . . 
.E.t,c.\ E k,Elo 
EDITORA 
íntersaberes 
, . � 
, , . -.. , .. . • 
. � ' 
----
t o 
. ' i 
• �-• . 
• s • 
• 
• 
:Ji 
<I ..
. . . .• 
'• 
·.:• .. 
• 
• 
étic a e meio ambiente: c o n str uindo as 
bases para um futur o su stentáv el 
�Vp_ EDITORA 
�Ó� intersaberes 
O selo DIALÓGICA da Editora InterSaberes faz referência às publicações que privilegiam uma linguagem na qual o autor dialoga com o leitor por meio de recursos textuais e visuais, o que torna o conteúdo ntuito mais dinâmico. São livros ,1ue criam u1n ambiente de interação com o leitor -seu universo cultural, social e de elaboração de conhecimentos -, possibilitando urn real processo de interlocução para que a comunicação se efetive. 
étic a e meio ambiente: c o n str uindo as 
bases para um futur o su stentáv el 
Mario Sergio Cunha Alencascro 
C4nu/h() ..-ditori,il Dr. Ivo Jo sé Borh (p, ·csidcmc ) Dr� Elcna Godo)' Dr. Nelson Luís Dias Dr. UlfGrcgot B::ir-:inow 8,-litor-chefe Lindsay Azambuja 
Editor-Msisre.nu Ariadne Nunes \li/cngcr 
Capa Design SíJ,;io Gabriel Spánneuberg Fo,ogl'afii1s Fot◊lia 
Pr->jcto gr,��,o Bruno P:dma e Silv.1 Diagnm111ç,io Luis Henrique Zimmcnnann 
1• edição, 201;. D:1.dos lnrcrnacion;,1i$ de C.:acalogaç:io n2 Publ ic:i�o (CTP) (C.lmara Brasildra do Livro , SP , Brasil) Alcnc.1stro, t,.,brio Scrgio Cunha Êtica e meio ambiente: con.struin.do as bases para um futuro sustemável llivro tletrôrdcoj/t,.fario Sergi<> Cunh3 Alcnc:astro. Cul'inb:1: 1 nccrSab c 1 'e$, ior;. (Sêr ic Dese nv olvimento Suscendvd). ,Mb:PDF Bibl iog ra6:i.. {SBN 978,8,,443-0117,3 
1. DescnvoJvimenco susrentivcl i. E<olog ia. - Aspectos mora.is e éticos 3. Mdo:1mbie1uc 1. Thulo. li. Sfrie. CDD-,79.1 f ndices p::it.:i c:;;:acálogo sjstem:i.rico: 
1. Êric:1 e meio ambi enrc 
�V� 
�ó� EDITORA 
intersaberes 
Av. Vil'cme Ma.:-hado. 317 - L4" andar - C-.:nrro CEP So4-i.0•010 - Cuririba -PR - 8rasH Fone : (.�1} �103•7306 w ww.cd i cor ai n tt' rsa be r e s .co m.br t.ditC>ra.@c(litor.1imersabcr-.:1.c:om.br Informamos qu e é de inteira. rcsponsabilidadt do au tor a t:missáo dc­cooceicos. Nenhum� p:.1rtc desra public;1.ç:fo poderá ser reproduzida por llU•tlquc r me,o ou forma s.em a prêvia a.urorização da Editor a l nterSahcrc:s. . A violação dos direitos áuror ais é crime esrabelccido ,,a Lti n. 9.610/199$ e pu ,,id,J pel o a1•r. 184 do Código Penal. Foi feito o depósi to l egal. 
prefácio, 9 apresentaçáo, 13 c a pít u l o 1 ca pít u l o 2 c a pít u l o 3 ca pít u l o 4 c a pít u lo 5 su1nar10 A crise an1biental e os novos r umos d a étic a, 21 1.1 O itnpério da tecnologia, 21 ~ 1.2. A crise a,nbiental contetnporânea, 2.7 ~ 1.3 A e,nergência de 11,na ética de sobrevivência planetária, 32 Meio ambiente e étic a, 37 2.1 Sobre a ética, 37 ~ 2.2 Ética ambiental, 51 ~ 2.3 Ponto de p,1rtida filosófico: ser ht{nJano versus natureza, 53 Princ ipa i s correntes da ética atnbiental, 63 3.1 Ética da Terra, 65 ~ 3.2 Ecologia Profunda, 67 ~ 3.3 Direito dos animais, 71 ~ 3.4 O contrato natural, 76 ~ 3.5 O Princípio Responsabilidade, 79 ~ 3.6 A ética do cuidado, 82 Temas ac uais, 91 4.1 Sustentabilidade, 91 ~ 4.2 Consu.1no consciente, 97 ~ 4.3 Educação e ética ambiental, 101 Decisões en vol vendo questões a,nbient ais, 111 
5.1 Abordagcn1 tccnicista, 111 ~ 5.2 U,na démarchc de natureza ética, 114 ~ 5.3 Responsabilidade compartilhada, 119 para concluir ... , 125 glossário terrn inológico, 131 glossário biográfico, 143 referências, 153 anexo, 165 sobre o autor, 191 
O poder material da humanidade au1nentou agora en1 tal grau que poderia tornar inabitável a biosfera e, realmente, irá produzir esse resultado suicida num período de tempo previsível, se a população humana do globo não empreender agora ação conjunta e vigorosa para conter a poluição e espoliação que estão sendo infligidas à biosfera pela ganância cega da humanidade. Arnold Toynbee (1987, p. 26) 
7 
prefácio Ol h a r p a r a o s s i l e n c i o s o s e s p a ç o s i nf i n i t o s p o r o n d e vagamos através do universo há tempos indeterminados deveria, por si mesmo, nos fazer refletir sobre o sentido de nossa existência e, consequenten1ente, reorien­tar nossas prioridades, atitudes e comportamentos con10 integrantes da sociedade hun1ana. A in1ensidão do espaço cóstnico traduz a verdade n1ais fundamental sobre nós mesmos: no meio do universo inanimado, no qual a morte é a regra, somos a exceção. Residimos num planeta animado que é um minúsculo cisco, fechado numa cápsula atmosférica submetida às intempéries do desconhecido, viajante em meio às pedras n1ortas que, vez ou outra (o tempo, nessas dimensões, é bastante relativo), abalam as nossas estruturas. Por graça dos deuses ou acaso do destino, ameaçada pelos perigos da atividade cósn1ica ignota, a vida prospera de forn1a inexplicável, etn frágil equilíbrio. Na geografia enigmática do cosmos, habitantes do acaso, somos os únicos seres conscientes de tal situação e, com efeito, aqueles com responsabilidade pela preservação das condições para que a vida continue vigorando com exuberância no futuro. Eis a nossa obrigação ética fundamental. Entretanto, o 111esmo poder que nos dá clareza existencial e fornece as garan­tias de nossa sobrevivência tornou-se, tambén1, um poder de destruição. A f ra­gilidade da vida se contrapõe à magnitude do poder técnico que, a partir da Modernidade, vem se constituindo como força de exploração irresponsável dos recursos naturais, gerando um perigoso desequilíbrio que vem levando à extinção inúmeras formas de vida e colocando em xeque a existência da própria humani­dade. A chan1ada crise ambiental não é outra coisa senão o resultado da expansão desse poder (e, portanto, dos seus cun1ulativos êxitos nos últi1nos séculos) a ser­viço de utn estilo de vida irresponsável de uma única espécie, que destrói as con­dições de vida no planeta como um todo. Antes guardiões, tornamo-nos algozes. Tal diagnóstico tem mobilizado a opinião de estudiosos, especialistas, militan­tes e pessoas comuns da sociedade, todos en1 busca de un1a urgente e necessária atitude ética que nos ajude a fazer, agora, as escolhas n1ais corretas para que a vida no futuro seja possível e feliz. O livro que o leitor tem em mãos enfrenta esse desafio - provavelmente, o de­safio ético mais importante da história humana, um verdadeiro desafio cósmico. Mas não o faz na forma tradicional, compartimentando o saber, pensando por 9 
10 
disciplinas, acon1panhando ideias preconcebidas ou simplesn1ente repetindo os chavões estéreis. Antes, esse livro traduz as intenções e as atitudes de seu autor: vindo da área de engenharia, Mario Alencastro frequenta as rodas da ética e da filosofia (por onde nos encontramos em corno do pensamento de Hans Jonas), da tecnologia e do meio ambiente. Ele entendeu, como ninguém, que uma crise de tal magnitude exige um pensamento sistêmico e articulado, o 1nais amplo possível, destituído de preconceitos, compenetrado no problen1a que é de todos e para o qual todas as ciências e áreas do pensa1nento podem e devetn contribuir. Esta obra, portanto, traduz a visão de n1undo e o estilo de pensamento de seu autor. É uma espécie de testemunho: nele não estão ideias desencarnadas, mas pensamentos encharcados das vivências que dão à palavra o tom da verdadeira sabedoria. Este livro, con10 diria Nietzsche, foi escrito com sangue. Nele Mario Alencastro dá testemunho das urgências de nosso tempo. O autor selecionou o problema central e colocou en1 diálogo pensadores de várias áreas e de diferentes ten1pos históricos. Costurou citações e preocupações dos principais autores que merecem ser ouvidos quando se trata de articular o tema da ética com a questão do meio ambiente em vista de garantir um futuro sustentável, como sugere o título de seu trabalho. Aos poucos, a obra se transforn1a
nun1 grande simpósio. Ao lermos u1na página após a outra, nós 1nes1nos nos fazemos comensais desse banquete. Mario nos faz companheiros - cum panes: aqueles que partilhan1 o mesmo pão - de uma mestna luta: salvar a vida. Uma lura para a qual não de­veria haver nenhum partido, nenhuma religião, nenhuma filosofia capaz de nos colocar em lugares opostos. Mario analisa o problen1a com a n1aestria dos iniciados. Suas incursões nos saberes específicos e sua capacidade de articulá-los não é só un1a gentileza do escritor, mas, sobretudo, um procedin1ento de análise tnuito útil - algo de que um livro sério como este não poderia jamais prescindir. O autor soube conjugar a especificidade com a transdisciplinaridade, o particular com o horizontal, a profundidade da análise com a lucidez da argumentação. O resultado foi uma obra que foge das queixas e lan,entações que marcan, n1ateriais desse tipo. Mario quis 1nais. Apresentou-nos un1 trabalho que está centrado na análise das alter­nativas e na busca por soluções. Essa conduta já seria suficiente para tornar o livro altatnence recomendável. Deve-se, contudo, acrescentar aos vários elementos que dão legitimidade à pre­sente obra o fato de que ela está carregada de uma invejável densidade conceituai e uma adn1irável clareza linguística. Poucos foram tão longe. Mario foi. O que ele escreve soa con10 un1 convite. A obra vai ser útil para quen1 está interessado etn compreender conceitualmente o problen1a, mas, ta1nbém, para quem está empenhado em salvar o n1eio ambiente - aqueles que, como cantou Caetano, 
estão apaixonados "por uma menina terra/Signo de elen1ento terra" (Veloso, 
1978). Vagando ali, aos olhos do mais discante navegante, guiada e ameaçada por cantos astros, ela é a nossa casa comum. E é por ela que, apaixonados, nos cornan1os cada vez mais responsáveis. O Mario, aqui, escreveu a sua carta de an1or. E, con10 roda carta de an1or, espera-se amor em resposta. Boa leitura. Boa ação. Jelson Oliveira Professor do Programa de Pós-Graduação em Filosofia da PUCPR Coordenador do GT Hans Jonas da Anpof 
li 
;( : }· :1 . . ' . . , 
-
_ � . 
l 
a p r e s e n t a ç ã o A h urn a n i d a d e e s t á n u m a e n c r u zi l h a d a , p o i s l o g o t e r á de decidir entre permanecer atrelada a um modelo de desenvolvimento - que vê o planeta corno uma fonte inesgotável de recursos naturais para alimentar um desenfreado processo de produção e consun10, cujas origens ren1ontan1 às revolu­ções industriais dos séculos XVIII e XIX-, ou buscar u1na nova racionalidade, agora voltada para a construção de um futuro sustentável. A "máquina do crescimento", alimentada por Estados, empresas e até mesmo pelas expectativas dos cidadãos, acena sempre com a possibilidade de novos avanços no catnpo econômico, o que geraria investimentos em indústrias, obras e infraestrutura, cuja consequência seria a geração de n1ais empregos e conse­quente boa qualidade de vida para as pessoas. Sabe-se, porém, que esse n1odelo é ambientaln1ente insustentável, pois os padrões energéticos demandados e o crescimento populacional vão além da capacidade de recuperação dos recursos naturais. Desta feita, a ideologia do crescimento ininterrupto e a consequente exacerbação dos problemas ambientais globais colocan1 as sociedades hodiernas diante de sua própria vulnerabilidade. A eventualidade de uma convulsão global do clin1a, a poluição, o envenena­n1ento por pesticidas, o esgotamento de recursos naturais e as desigualdades sociais crescentes não são problemas que podem ser tratados com displicência. As alterações climáticas e seus efeitos sobre os seres vivos, os oceanos, a atmosfera e os solos não são apenas uma fase ruim que logo será superada pela engenhosi­dade hu1nana para, depois, tudo voltar ao norn1al. Ao contrário: n1udanças cli­n1áticas de tal ditnensão deixan1 em xeque a própria sobrevivência da civilização tal como a conhece1nos até agora. O mais interessante é que há quase uma inércia sobre essas questões, talvez porque o desastre ambiental ainda não é perceptível em toda a sua intensidade. Assemelha-se mais a uma doença de expansão lenta. Sabe-se que está lá e que, se nada for feito, a morte virá, n1as é algo indeterminado no ten1po. É provável que un1a ação definitiva para evitar o colapso só aconteça depois de un1a sucessão de calamidades. E, quando isso acontecer, n1uitas das consequências já serão ir­reversíveis, tais como o derretimento das geleiras, a elevação do nível dos oceanos, a desertificação e a extinção de milhares de espécies. IJ 
14 A crise ambiental, quando vista pelos olhos da ciência, apresenta-se de forn1a ambígua, pois alguns estudiosos apresentam cenários muito próximos da extin­ção, enquanto outros acenam com a possibilidade da bonança infinita. Autores como Martin Rees (2005), Isabelle Stengers (2009),James Lovelock (2006) e John Casei (2013) aponta1n para um cenário nada favorável, un1 colapso, cujas chances de sobrevivência até o fim do século são n1ínimas (50%, de acordo com Rees). Isso segundo uma análise desenvolvida por Casei, por conta do esgotamento do sistema global de alimentos, da escassez de água potável e da crise energética. A crise seria tão grave que Lovelock chegou mesmo a afirmar que o momento é de uma urgente retirada da posição de insustentabilidade provocada pelo atual modelo de produção e consun10. Céticos en1 relação a essas abordagens sombrias estão os arautos da fé no futuro. Peter Diamandis e Steven Kotler (2012), por exemplo, rejeitan1 as pre­visões escatológicas e, com otimismo, enumeram pesquisas científicas que em breve mudarão a face do mundo para melhor. A tecnologia, que cresce de forma exponencial, longe de ser a vilã que trará o apocalipse, será o anjo salvador capaz de fornecer soluções inéditas para a crise do an1biente, pern1itindo acesso à água, à energia e aos alimentos. Parece que o mundo da ciência está dividido no que diz respeito aos cenários para o futuro da humanidade. Talvez a ciência sozinha não tenha as respostas -para os desafios que ora se apresentam. E preciso buscar respostas em outras instâncias que vão além do universo técnico e científico e que superam a racio­nalidade econô1nica até então vigente. Nesse sentido, Cristovan1 Buarque (2012a, p. 111-112), ao discorrer sobre a possibilidade concreta do esgotamento dos recursos naturais - um risco de curto prazo que viria acompanhado pela exacerbação das n1ais diversas formas de poluição e contaminação ambientais -, chama a atenção para o fato de que o atual modelo econômico já esbarra nos lin1ites ecológicos do planeta.Trata-se de un1a crise que desafia a própria ciência econômica, que ainda insiste na premissa do poder da técnica para a mitigação dos impactos an1bientais e na substituição dos recursos naturais cada vez mais escassos. Ao contrário, o problen1a precisa ser avaliado "fora do conheci111ento técnico da economia, no espaço dedicado aos valores éticos e às decisões políticas, definindo limites para a economia" (Buarque, 2012a, p. 117). Há, portanto, a necessidade de uma démarche de natureza ética, pois o que está en1 jogo não é 1nais o "con10 fazer", n1as "o que fazer", o "por que fazer" e 
"quais são as consequências" do fazer. A presente obra trata exatamente desta 
questão, ou seja, da ética na condição de reflexão sobre a conduta humana, agora 
também voltada aos desafios trazidos pela crise ambiental. O desafio é analisar, 
sempre à luz da filosofia moral, a possibilidade de outro destino para a hu,na­nidade, a partir da compreensão de que a vida humana no planeta depende de um delicado ecossistema e que rodos são responsáveis não apenas pelos seus concidadãos, n1as também por todas as gerações presentes e futuras, ben1 como pelo n1eio an1bienre. Esta obra é un1 projeto acalentado há n1uito tempo e que agora se concretiza na forma de uma organização, quase uma coletânea, de vasto material desen­volvido em trabalhos anteriores, ainda não divulgados fora dos tneios acadêmi­cos. Os principais
são as monografias Aspectos do pensa,nento ético face à mo­dernidade tecnológica, dissertação de mestrado em Tecnologia no Progra1na de Pós-Graduação en1 Tecnologia pelo Centro Federal de Educação Tecnológica do Paraná (2003), e A ética de Hans Jonas: alcances e limites sob uma perspectiva plura­lista, tese de doutorado em Meio Ambiente e Desenvolvimento pela Universidade Federal do Paraná (2007). Trechos dessas obras foram adaptados, ampliados e, em alguns casos, reproduzidos integralmente no livro. A obra se destina ao público compron1erido com o debate a1nbiental, mas pouco afeito às questões teóricas que con1porra, especialn1ente no can1po da ética - uma ética ambiental que, para n1uitos, significa u1na profunda reflexão sobre as correlações entre o 111odo de ser hun1ano e o 111eio ambiente circundante. Espera-se que o livro sirva con10 introdução confiável ao tema, uma singela con­tribuição para essa importante área do conhecimento. A ideia é apresentar, a partir de uma abordagem descritiva, as motivações, perspectivas e algun1as das principais correntes da ética do an1biente, be1n como suas respectivas proposições para as necessárias mudanças co,nporcamenrais en1 face da atual crise ecológica. Além de chamar a atenção para a necessidade de novas posturas (pessoais, políticas e empresariais) com relação aos problemas ambientais, pretende-se também resgatar alguns elementos filosóficos necessários para a fundamentação da ética voltada ao ambiente. O fio condutor que deve orientar o leitor é a presente crise ambiental, que está 1notivando um reexan1e dos valores hun1anos acerca de un1a nova respon--sabilidade para con1 o ben1 comun1. E necessário, pois, u1na reinterpretação das relações que se estabelecen1 entre o ser humano, as ciências e a natureza, para que, a partir dela, seja possível a construção tfe uma ética que sirva de reflexão e orientação para a salvaguarda do ambiente e dos recursos naturais e que renha foco na necessidade de se construir un1a base sustentável à vida no planeta. "Con10 deven1os viver nossas vidas?'' Essa pergunta que, para Sócrates (470-399 a.C.), era a principal questão a ser respondida pela filosofia e que ren1ete direta­n1ente ao âmago da reflexão ética, é ainda de uma incrível atualidade, abrindo-se num vasto leque de outros questionamentos, todos ligados ao modus vivendi, IS 
16 num mundo agora atneaçado por uma crise an1biental sem precedentes. Nesse contexto, alguns questionamentos são urgentes e necessários. De que mudança de consciência se está falando:' Quais são os valores para uma vida sustentável:' Quais são as qualidades de vida necessárias e urgentes:' O que é un1a vida boa:' Con10 evitar a rota de colisão con1 a natureza, considerando que o sistema eco­nôn1ico hegemônico está colocando en1 perigo a capacidade de renovação dos recursos planetários:' T rara-se de uma situação emergencial, na qual os poderes da ciência, da técnica e do industrialismo precisam também ser avaliados sob a ótica da ética. Um repo­siciona1nento, tanto de indivíduos quanto dos estados e das organizações, torna-se necessário para que a progressiva deterioração do ambiente planetário seja detida. Sobre a organização desta obra, optou-se por dividi-la em cinco partes. O Capítulo r apresenta un1a análise de como a probletnática ambiental ven1 ins­tigando novas reflexões éticas nesse campo. Na sequência, o Capítulo 2 traz, além de uma introdução geral ao estudo da ética como disciplina filosófica, a contex­tualização e a definição sobre o que seria uma ética ambiental, bem como uma análise das principais linhas de caracterização axiológicas dessa ética en1ergente. Algu1nas das principais correntes da ética an1bienral, selecionadas con1 base na relevância e no impacto que causaran1 na construção do pensamento ambien­talista e de seus desdobramentos nas mais diversas áreas de atuação humana, são descritas no Capítulo 3: a "Érica da Terrá', de Aldo Leopold; a "Ecologia Profunda", desenvolvida por Arne Naess; a questão dos "Direitos dos Animais", apresentada por Peter Singer e Tom Regan; o "Contrato Natural", de Michel Serres; o "Princípio Responsabilidade", de Hans Jonas, e a "Ética do Cuidado", de inspiração heideggeriana e lautamente analisada nos estudos de Leonard Boff, são abordados nesse capítulo - o qual, dada a sua abrangência, pode ser considerado a "espinha dorsal" do livro. Nos dois últimos capítulos, volta-se à discussão para remas emergentes e que tên1 provocado muitas reflexões no ân1bito da ética an1biental. Sustentabilidade, consumo consciente e educação an1biental são alguns dos assuntos exan1inados no Capítulo 4. Por fitn esboça-se no Capítulo 5 um pequeno estudo sobre a to­mada de decisão envolvendo questões atnbientais. A obra também apresenta um glossário terminológico, desenvolvido com a finalidade de esclarecer conceitos utilizados no texto, bem como um glossário biográfico contendo informações sobre alguns dos autores citados. Sugerimos ao leitor que os consulte sempre que julgar oportuno. Nunca é den1ais len1brar que o incentivo e a intervenção de muitos an1i­gos, familiares e alunos foram decisivos para a realização deste trabalho, cttjo teor reflete todo um processo de aprendizagem do autor sobre o tema, sempre 
inspirado por n1entores que, em momentos distintos, foram determinantes para sua trajetória acadêmica. Um especial agradecimento aos doutores Adernar Heemann, Antônio Edmilson Paschoal, Domênico Costella,Jelson Oliveira, Alvino Moser, Onilza Borges Martins e Anor Sganzerla. Muitas das ideias desenvolvidas no texto tên1 por base as aulas, os trabalhos e as orientações desces magníficos (e pacientes!) professores. 
17 
.. <-... �. "' :\· 1.: ,.
-· -
.
t 
::•
·.
'-//. ·
.. 
',' ' 
·�· -,· . - , -.. , t,: ' . ' •.; ':'. 
,.'. ·
•., . .-.... � ., 
(..<.�. 
,.."'. \ . · ... . 
�:·.·-·. . \-:
.
::: '. . •' . ;:\' ' .. _-:::;, . . 
' ' : .. . _.: . � ., c a p í t u l o 1 A crise ambiental e os novos rumos da ética Os a n o s q u e s e s e g u i r a m à p r i m e i r a C o n f e r ê n c i a Mundial sobre o Meio Ambiente - realizada em Estocolmo, em 1972 - e, prin­cipalmente, após a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio An1biente e o Desenvolvin1enco (Eco-92, ou Rio-92), vira111 um grande aquecitnento no debate sobre as questões concernentes ao n1eio ambiente. Trata-se de un1a temática que, diante do recrudescimento da crise an1biental, assume, a cada dia, um caráter de urgência. Desde então, os estudos ambientais tiveram grande avanço e temas como "sustentabilidade", " desenvolvimento ambiental", "precaução", "gestão ambiental'' e "governançá', entre outros, estão na ordem do dia. A ética assume aqui um papel preponderante, não apenas como reflexão analítica e crítica sobre os valores que permeiam as discussões sobre a situação planetária, n1as também como orienta­ção para as diversas ações, práticas e políticas que se desenvolven1 nesse campo. Propõe-se, neste primeiro capítulo, analisar os principais problemas que motivaram a introdução das questões ecológicas e ambientais no âmbito da filosofia n1oral. 
1 . 1 O i mp é r i o d a t e c n o l og i a A c i ê n c i a a n t e r i o r a o m o v i m e n t o c o n h e c i d o c o m o 
Revolução Científica - que teve início no século XVI e prolongou-se até o século X V III - estava atrelada à filosofia e, etn muitos casos, submissa à religião. A par­tir de Galileu (1564-1642), passou a ser uma ciência experin1ental, adquirindo paulatinan1ente autonon1ia em relação às proposições da fé e às concepções filosóficas, elevando-se assitn ao status daquilo que veio a ser conhecido co1no 
ciência moderna, que vê no experimento a fonte de proposições verdadeiras sobre o mundo. A ciência passa a ser composta por teorias sistematicamente contro­ladas por meio de experimentos. A ideia de don1ínio do n1undo pela ciência foi an1plan1ente defendida por Francis Bacon (1561-1626). Atribui-se a ele a criação do len1a "saber é poder", que
revela sua firn1e disposição de ânin10 de fazer dos conhecitnentos científicos um 21 
22 
instrumento prático de controle da realidade, ou seja, ressalta-se o poder humano 
de controlar o mundo natural. Para esse autor, a natureza deveria ser subn1etida 
aos "assaltos" das artes para revelar seus segredos e, assim, permitir a expansão 
do império do hon1em (Bacon, 2000, p. 78). 
De acordo con1 Bacon, a ciência deveria valorizar a pesquisa experin1ental 
com vistas a proporcionar resultados objetivos para a humanidade. Ele tan1bém 
Isaac Newton, ao combinar 
os procedin1entos metodoló­
gicos de Bacon e Descartes, 
unificou a busca da evidência 
experimental, construída a 
partir da experimentação 
sisten1ática, con1 a dedução 
baseada em análises matemá-
ticas. Ao fazer isso, Newton 
desenvolveu a metodologia 
que passou a servir de Nor te 
\ . ... . . 
as c1enc1as naturais. 
apresentou o conhecimento científico con10 resul­
tado de um método de investigação empírico-in­
dutivo capaz de conciliar a observação dos fenô­
menos, a elaboração racional de hipóteses e a 
experin1entação controlada para comprovar as 
conclusões obtidas. 
Afim com essa ideologia, René Descartes (1596-
1650), na sexta meditação do Discurso do método 
(1637), afirmou que era possível ao ser humano 
chegar a conhecitnentos que fossen1 úteis à vida, 
e que a aplicação desses conhecimentos transfor­
maria os hun1anos en1 "senhores e possuidores da 
natureza" (Descartes, 2000, p. 87). Ele ta1nbém 
estabeleceu as condições gerais e as bases matemáticas a que se deve subordinar 
roda e qualquer investigação científica. Ao contrário de Bacon, que enfatizava a 
experiência, o filósofo francês valia-se do método dedutivo e defendia a autoridade 
soberana da razão - racionalisn10 - na condução das investigações científicas. 
Ao defender, na segunda parte do Discurso do método, que tudo pode ser di­
vidido em partes cada vez n1enores, as quais poden1 ser analisadas e estudadas 
separadamente, ou seja, que a compreensão das partes permite compreender o 
todo - literalmente, "repartir cada uma das dificuldades que eu analisasse em tan­
tas parcelas quantas fossem possíveis e necessárias a fim de n1elhor solucioná-las" 
(2000, p. 49) -, Descartes deu forma a un1a abordagem reducionista para a 
investigação científica, que teria fortes reflexos no desenvolvin1ento da ciência. 
Fritjof Capra (2012, p. 61) atenta para o fato de que coube a Isaac Newton 
(1642-1727), na sua obra Princípios matemáticos de filosofia natural*, propor a com­
binação dos procedimentos metodológicos de Bacon e Descartes, unificando a 
busca da evidência experimental, construída a partir da experimentação siste­
n1ática, com a dedução baseada en1 análises matemáticas. Ao unificar as duas 
abordagens n1etodológicas, Newton teria desenvolvido a n1etodologia que as 
ciências naturais passaram a seguir desde então. 
* Título original: Philosophiae naturalis principia n1athen1atica, també1n referido co1no 
Principia 1nathen1atica ou, simplesrncnte, Principia. 
Afinado com o reducionisn10 cartesiano, o modelo mecanicista newtoniano engendra a concepção do rnundo como uma má­quina (relógio) cttjas partes podem ser conhecidas pela observação e pela experimentação. Con1 Newton, consagrou-se no pensan1ento científico a concepção de que as relações con1 o an1biente natural são determinadas pelas necessidades ou interesses humanos, ou seja, a natureza existe para servir ao homem, o que sela definitivamente o rompimento entre hu1nanidade e natureza. A consolidação do capitalisn10, aco1npanhada O don1ínio da natureza pelas ciências e pelas técnicas viria a se transformar no projeto central das sociedades modernas. A técnica, antes um simples 1neio, passou a ser, na condição de moderna tecnologia, a própria finalidade. pela eclosão da Revolução I ndustrial, fortaleceu ainda mais as ligações entre as ciências e a necessidade da resolução de problemas técnicos. Se antes da Revolução Industrial a técnica era um tributo prestado à necessidade, com ela passa a ser a mais significativa tarefa humana. O domínio da natureza pelas ciências e pelas técnicas transformou-se no projeto central das sociedades mo­dernas. A técnica, antes un1 simples meio, passou a ser, na condição de 1noderna tecnologia, a própria finalidade. Sobre a consolidação do capitalisn10, é interessante o papel desen1penhado por Adam Smith (1723-1790). Em sua obra A riqueza das nações, o pensador escocês procurou demonstrar que a riqueza era produto da atuação de indivíduos que, movidos pelo seu próprio interesse (autointeresse), seriam capazes de promover o crescimento econômico e as inovações tecnológicas. É célebre a sua frase: "Não é da benevolência do açougueiro, do cervejeiro ou do padeiro que esperan1os nosso jantar, mas da consideração que eles tên1 pelo seu próprio interesse" (Sn1ith, 1996, p. 74). Dessa forma, a iniciativa privada deveria ter liberdade para agir, com pouca ou nenhuma intervenção por parte do governo. A livre concorrência levaria não só à queda do preço das mercadorias, mas também a constantes inovações tecno­lógicas, na busca da redução dos custos de produção com o objetivo de vencer os con1petidores. Con10 resultado de todo esse esforço, ter-se-ia a queda no preço das mercadorias e aumentos de salários. Un1a "mão invisível" levaria o 1nercado a promover algo que nunca fez parte de seu interesse: o ben1-estar da sociedade. Cristovam Buarque (2012a, p. 55) vê em Adam Smith, ao romper com as explicações divinas, metafísicas ou transcendentes para a atividade econômica, un1a espécie de humanisn10 radical, fazendo para o processo econômico o que Newton fez con1 a esfera celestial, outrora sobrenatural, agora explicada pela física: "materializou o funcionan1ento da econon1ia e deu ao homem o poder de explicá-la". Além disso, ao atrelar a lógica do funcionamento da atividade econô­mica aos desejos individuais, ao egoísmo e ao hedonismo humano, possibilitou que os propósitos culturais e espu·ituais fossem esquecidos. O homem econômico 2J 
24 
passou a ser uma espécie de homen1-deus, senhor de todo o processo, mas que perdeu a si mesmo, pois, ao abdicar de uma razão superior, ficou à mercê da ativi­dade econômica. "O ser humano que, com suas mãos dava valor às coisas, passou a ver valor somente nas coisas que suas n1ãos faziam" (Buarque, 2012a, p. 56). Descarte, estaria surgindo un1a nova etapa de desenvolvin1ento técnico, isto é, a tecnologia. Sugere-se, assin1 , que a tecnologia começa no ponto em que ciência e técnica se confundem. Dessa forma, o conceito de tecnologia tem um alcance maior que o de técnica, pois envolve o conhecimento científico das operações 
, . tecn1cas. Para Habermas (1993, p. 72), "no capitalismo, a pressão institucional para au1nentar a produtividade do trabalho pela introdução de novas técnicas sen1pre existiu, no encanto, essas inovações dependian1 de invenções esporádicas e acon­teciam a partir de um crescimento natural". Uma mudança aconteceu a partir do século XIX, no momento em que "o progresso técnico entrou em circuito retroativo com o progresso da ciência moderna"; com o advento da pesquisa industrial e1n grande escala, a ciência e a técnica passaram a fazer parte de un1 mesn10 siste1na. Haber1nas utilizou a expressão cientificação da técnica para essa tendência de desenvolvin1ento que caracterizaria o capitalisn10 na sua fase tardia e que se tornaria hegemônica. Hannah Arendt (1906-1975) também chamou a atenção para o fato de que o mundo tecnológico no qual a humanidade passou a viver difere muito do mundo mecanizado dos primórdios da era industrial, pois, naquela época, a atitude do ser humano ante a natureza correspondia mais à do Homo jaber, para que1n a natureza fornecia o material con1 que era construída a vida hu­n1ana. O n1undo tecnológico atual é tnuito mais detern1inado pela ação hu­mana
sobre a natureza , no qual os processos naturais são criados e dirigidos para as obras e para os negócios humanos. Os processos naturais são inicia­dos pela ação hu1nana - o melhor exemplo é a fissão do átomo -, fenômeno que, pela primeira vez na história, introduz a natureza no inundo humano de forn1a a romper com as fronteiras defensivas entre os elementos naturais e os artefatos humanos, limite respeitado por todas as civilizações anteriores (Arendt, 2001, p. 90-92). Nesse sentido, Hans Jonas (2013, p. 37-38) assinala que, desde o século XIX, a noção de uma natureza acabada, organizada a partir de poucas leis universais, ral como afirmado pela física newtoniana, modificou-se com asson1brosa acelera­ção. Atualn1ente1 o progresso científico se desenvolve numa espécie de sin1biose com o tecnológico, ou seja, para alcançar seus objetivos teóricos, a ciência neces­sita de urna tecnologia cada vez mais refinada. Ao mesmo tempo, a tecnologia atuando no mundo proporciona à ciência um laboratório em grande escala, uma 
incubadora para novas perguntas, e assim sucessivan1ente, nutn imenso circuito 
de retroalimentação. 
Da mesma forma, o antropólogo Lévi-Strauss (1908-2009), ao discorrer so­
bre o lugar que a civilização ocidental tecnológica ocupa no mundo moderno, 
ressaltou que, desde o século XIX, ela se tornaria hegen1ônica, e que o mundo 
inteiro extrairia dela suas técnicas, seus modos de vida, suas distrações e até seu 
vestuário. Para o estudioso francês, a universalização da civilização tecnológica 
ocidental seria um fato único na história. Nesse sentido, haveria uma tendência 
de seus elementos-chave, tais como a industrialização, se expandirem por todo o 
orbe terrestre. As outras culturas até preservam algo de suas heranças tradicio­
nais, n1as é utna tentativa que se restringe geralinente às superestruturas. Cabe 
lembrar, tal como assinalado por Lévi-Strauss, que a adesão ao gênero de vida 
ocidental, ou a alguns de seus aspectos, estaria longe de ser espontânea, resul­
tando menos de uma decisão livre do que de uma ausência de escolha. É sabido 
que a civilização ocidental estabeleceu os seus soldados, as suas feitorias, suas 
plantações e seus n1issionários pelo inundo afora, intervindo direta ou indireta­
mente na vida das outras culturas e in1pondo seu padrão de vida. O fato é que, 
de un1a forn1a ou de outra, o modo de vida da moderna civilização tecnológica 
se encontra etn franco processo de universalização (Lévi-Strauss, 1975, p. 57-60). 
Jonas (2013, p. 25-26) usou a expressão conteúdo substancial da tecnologia 
quando fez menção ao patrimônio e aos poderes que ela confere às pessoas, aos 
novos objetivos que cria e impõe e até mesmo às novas formas de atuação e con­
duta humanas. Para o filósofo alen1ão, a expressão de Napoleão Bonaparte, "a 
política é o destino", poderia n1uito ben1 ser substituída por "a técnica é o destino", 
visto que este passou a ser o modus vivendi da hun1anidade a partir do momento 
em que os produtos das invenções tecnológicas, objetos de desejo e necessidade 
sempre novos e insólitos, convertem-se em necessidades vitais que são assimila­
das na "dieta socioeconômica". 
Talvez Jonas tenha se aproximado de seu mestre Heidegger, que ensinava 
que o n1undo hun1ano havia se transforn1ado en1 un1 universo tecnológico, no 
qual todos estão presos. Ao abordar a questão da técnica, Heidegger cha1nou 
a atenção para o fato de que "este homem ameaçado [pela técnica] se arroga 
como figura do dominador da terra", mas que, no entanto, "o homem de hoje, 
na verdade, justamente não encontra mais a si mesmo, isto é, não encontra mais 
sua essência" (Heidegger, 1997, p. 79). Trata-se, assin1, de un1a civilização que 
se consuma e se conson1e ao nível exclusivo do fazer, na qual o con1preender se 
torna obsoleto e sem sentido. 
Hoje é quase impossível agir independentemente da tecnologia - o que im­
plicaria a ideia de uma prioridade das intenções (fins à procura de meios ade­
quados); o que acontece é que a escolha dos fins é grandemente dete rminada 
26 
pelas tecnologias disponíveis, ou seja, em muitas situações, a técnica 1noderna impõe à ação finalidades inéditas, o que não seria possível imaginar antes do seu aparecimento (Ladriere, 2000, p. 12). O desenvolvin1ento acelerado da técnica e da ciência, nos dois últimos séculos, O grande problema é que, para cada função manifesta, há sempre o risco de uma função latente, não percebida e, portanto, não planejada anteriormente. São os subprodutos surpreendentes e inesperados que podem . . ' trazer consequencras 1mpre-visíveis e até incontroláveis. Sabe-se que a tecnologia moderna tem gerado un1 número muito grande de resultados inesperados, que definitivamente não escavam previstos em sua função n1anifesta. São os riscos inerentes à sua utilização. criou o 1nito do progresso. Conforn1e essa crença, tudo tende para o aperfeiçoa1nento, 111ediante a atualização de potencialidades que se encontram em estado latente, embrionário, bastando serem desencadeadas pela tecnologia decorrente do sa­ber científico. Erich Fromm (1900-1980) busca aí o fundamento para a primeira das três regras que, segundo ele, norteian1 as atuais sociedades tecno­lógicas: "tudo o que é tecnicamente possível deve ser feito" (Fromm, citado por Morais, 1997, p. 115). Além disso, as formas de pensamento desen­volvidas pela tecnologia se propagaram pelos do­mínios não tecnológicos, exercendo sua influência inclusive nos n1odos de concepção da realidade. -E muito fácil descortinar atualn1ente un1a série de princípios técnicos que se implantaram completa­n1ente nas relações sociais de convívio, elevando em muito seu status face às outras formas de co­nhecin1ento, incorporando inclusive un1a espécie de caráter ideológico "que assun1e en1 si todas as esferas da cultura" (Marcuse, citado por Habertnas, 1993, p. 49). Os princípios do aproveitamento integral, da utilidade, da eliminação dos pesos mortos e das energias desaproveitadas - todos partícipes do mundo tecno­lógico -passaram a fazer parte das relações sociais, inclusive dirigindo a distri­buição das forças de trabalho nas 1nais diversas organizações humanas. Sabe-se que a função manifesta da técnica sempre foi tornar ruais an1ena a vida das pessoas. Dessa forma, notorian1ente, os técnicos buscararn - e ainda bus­cam - a hun1anização da natureza. O grande problema é que, para cada função manifesta, há sempre o risco de uma função latente, não percebida e, portanto, não planejada anteriormente. São os subprodutos surpreendentes e inesperados que podem trazer consequências imprevisíveis e até 1nesn10 incontroláveis. É fato conhecido que a tecnologia moderna ten1 gerado un1 nú,nero n1uito grande de resultados inesperados, que definitivamente não estavam previstos em sua função manifesta. São os riscos inerentes à sua utilização. Desconfia-se, portanto, do "sucesso" anunciado da tecnologia. Schwartz (1975, p. 73-75) questiona a crença de que os "avanços" tecnológicos representariam 
o equilíbrio entre problemas e soluções, pois os rápidos progressos de deter­minada área geralmente provocam a proliferação de problernas em outras, e cada "avanço" tecnológico frequentemente vem acompanhado de uma série de problemas residuais. Esse desequilíbrio entre os avanços tecnológicos e suas externalidades de­correntes é apresentado por Schwartz (1975, p. 17) con10 un1 imenso paradoxo. Alguma coisa parece não ter dado certo, pois, ao lado do avanço tecnológico, recrudescem os problemas sociais e crescem as externalidades, quando florestas são derrubadas, lagos e rios são envenenados e a face da Terra paulatinamente vem sendo transformada num "labirinto de faixas de concreto, montanhas de­predadas e monstruosos montões de escória". 1 . 2 A c r i s e a m b i e n t a l c o n t e mp o r â n e a U m a d a s p r i m e i r a s v o z e s a s e l e v a n t a r c o n t r a a c o
n ­fiança cega da humanidade no progresso tecnológico foi a da zoóloga, bióloga e escritora an1ericana Rachel Carson (1907-1964). Em seu famoso livro Silent Spring (em português, Primavera silenciosa), publicado em 1962, ela denunciou os efeitos desastrosos do uso do DDT, u1n poderoso pesticida intensamente utilizado após a Segunda Guerra Mundial para combater, entre outros, os mosquitos vetores da rnalária, mas que era potencialmente causador de vários danos, visto que pe­netrava na cadeia alimentar e se acumulava nos tecidos gordurosos de animais e seres hun1anos, contribuindo assin, para o risco de câncer e danos genéticos (Carson, 2010). A obra, por questionar o modelo de desenvolvin1ento até então vigente, é considerada um rnarco importantíssimo na trajetória do pensamento ambientalista. Nesse contexto, destaca-se também o estudo do Clube de Roma, apresentado ao mundo em 1972 na forma de um relatório intitulado The Limits to Growtl, -Os limites do crescimento em português - (Meadows et ai., 1972), na verdade um alerta para o fato de que o crescimento exponencial da econon1ia, tal como vi­nha acontecendo, acarretaria, en1 curto espaço de tempo, un1a catástrofe capaz de abalar os fundan1entos naturais da vida. Em síntese, o estudo, que fez uso de sofisticados modelos matemáticos desenvolvidos por uma equipe do MIT (Massachusetts Institute ofTechnology), apresentou o sombrio prognóstico de que o planeta Terra teria sua capacidade de uso ultrapassada em 100 anos, tendo e1n vista a enorn1e pressão provocada pelo constante cresciinento da produção industrial sobre os recursos naturais e energéticos, o crescimento populacional e o aumento das diversas formas de poluição. Um cenário perfeito para uma ca­tástrofe ecológica de larga escala, seguida de fome e guerra (Pepper, 2000, p. 92). 27 
28 
Quando lançado, o relatório Os limites do crescimento foi muito atacado por A Primavera silenciosa e Os li,nites do crescimento, inspi-radores de uma emergente consciência ecológica, serviram também como sinal de alerta para o con1prometi­n1ento dos lin1ites ecológicos do planeta e para a possibi­lidade de uma crise global nunca antes experimentada pela humanidade. A partir daí, a temática an1biental veio a se consolidar nas décadas seguintes. profetizar a catástrofe, ignorar os custos envolvi­dos e negar as possibilidades de adaptação à crise. Entretanto, a nova versão da obra, publicada en, 2007 e intitulada Lirnítes do crescimento: uma atua­lização de 30 anos (Meado,vs; Meadows; Randers, 2007), apresenta dados atualizados e reforça o alerta anunciado em 1972, pois os prejuízos eco­nômicos, sociais e ambientais se agravaram, e seus efeitos danosos se fazem presentes com maior in­tensidade nas áreas n1ais en1pobrecidas e vulne­ráveis do planeta. A Primavera silenciosa e Os limites do cresci-mento, inspiradores de uma e1nergente consciência ecológica, serviram também como sinal de alerta para o comprometimento dos limites ecológicos do planeta e para a possibilidade de un1a crise global nunca antes experin1entada pela humanidade. A partir daí, a te1nática ambiental veio a se consolidar nas décadas seguintes - as discussões concernentes aos efeitos nocivos das ações humanas sobre o ambiente finalmente alcançaram o â1nbito da Organização das Nações Unidas (ONU). A Primeira Conferência Mundial sobre o Homem e o Meio Ambiente, realizada em Estocolmo, em 1972, e a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento (Cnu1nad), tan1bém conhe­cida con10 Eco-92 (ou Rio-92), que aconteceu na cidade do Rio de Janeiro, foran1 bastante significativas nesse processo*. O principal documento produzido na Cnumad foi a Agenda 21. Trata-se de um abrangente plano de ação para ser adorado global, nacional e localmente por organizações do sisten1a das Nações Unidas, governos e pela sociedade civil, e1n todas as áreas em que a ação hun1ana interage com o n1eio ambiente. Dez anos n1ais tarde aconteceu, en,Johannesburgo (África do Sul), a Cúpula Mundial sobre Desenvolvin,ento Sustentável, n,ais conhecida como Conferência de Johanesburgo, ou Rio+10. Foi um encontro no qual foram avaliados os avanços e as dificuldades de operacionalização da Agenda 21; no evento, se afirmou a de­claração política intitulada O compromisso de]ohannesburgo sobre desenvolvimento sustentável, documento que estabelece posições políticas a partir da ratificação dos princípios e acordos adotados na Estocolmo-1972 e na Rio-92. 
* Sobre a evolução da questão ambiental no âmbito das relações internacionais, ver o tra­balho A1nbientalisrno e relações políticas internacionais (Alencastro, 2009, p. 145-162), do qual alguns trechos fora1n reproduzidos e/ou adaptados para uso no presente capítulo. 
Tema recorrente, a sustentabilidade ainda seria discutida novatnente na Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, em 2012, no Rio de Janeiro. O encontro denominado de Rio+20 teve por objetivo, 20 anos após a Rio-92, renovar o engajan1ento dos líderes mundiais con1 o desenvolvi­n1ento sustentável do planeta. O foco das discussões foi o debate acerca da con­tribuição da "econotnia verde" para o desenvolvin1ento sustentável e a eliminação da pobreza, com ênfase na questão da estrutura de governança internacional na área do desenvolvimento sustentável. Os resultados de conferências como a Rio+20, sincerizados no documento O futuro que queremos, nem sempre representam avanços significativos. De acordo com con1entadores independentes, dentre eles a Agência Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa de São Paulo), a conferência, a despeito de ter n1obilizado a comunidade científica e de ter sido palco de discussões que revelaram avanços sem precedentes no conhecimento sobre os limites do planeta - conceito indis­pensável para determinar uma agenda dedicada à sustentabilidade global - , não reria produzido os resultados esperados. A realidade é que o avanço acelerado da sociedade urbana e industrial, ape­sar dos inúmeros progressos alcançados, está, de forn1a crescente e acun1ulativa, provocando graves in1pactos no 111eio ambiente. Os n1aiores desafios estão re­lacionados principalmente aos desmatan1entos, às diversas formas de poluição, à extinção de espécies e à perda de biodiversidade, à escassez de recursos naturais (inclusive alimentos), à pobreza e à exclusão social, a alterações climáticas e à diminuição dos recursos hídricos disponíveis. Alén1 desses proble,nas, cuja causa está nos atuais n1odelos de produção indus­trial, ainda existe a ameaça dos riscos tecnológicos. A situação é tão grave que Fritjof Capra (2012, p. 21), no seu magistral livro O ponto de mutação, chega mesmo a cogitar que, pela primeira vez na história, a humanidade estaria sendo obrigada a se de­frontar com a real ameaça de sua extinção - e, quem sabe, de roda a vida no planeta. Tudo indica que a sin1biose do modelo de produção industrial capitalista com o intenso desenvolvin1ento tecnológico estaria proporcionando as condições para essa situação. A devastação provocada pelo lançamento das bombas atôn1icas em Hiroshima e Nagasaki (Japão, 1945), a contan1inação da Baía de Minamata e Niigata (Japão, década de 1950), o vazamento de gases tóxicos (Seveso - Itália, 1976; Bhopal - Índia, 1984), os acidentes de usinas nucleares (Turee Miles Island -EUA, 1978; Chernobyl - URSS/Ucrânia, 1986; Fukushin1a -Japão, 2011) e os derraman1encos de óleo (Alaska, 1989; Golfo do México, 2010) são alguns exemplos alarmantes de utn novo "perfil de risco" (Giddens, 1991, p. 19, 126-132). Isabelle Stengers (2009) alerta para um terrível cenário, "tempos de riscos e catástrofes", uma situação que os governantes mundiais se mostram incapazes de solucionar, visco que são prisioneiros do atual modelo de desenvolvimento, 29 
30 
utna "guerra econôn1ica" que obriga a utn crescimento irresponsável, até n1es1no criminoso, pois que, se não for contido, prenuncia uma barbárie vindoura, uma "Nova Orleans em escala planetária" - lembrando que a passagem do furacão Katrina
por Nova Orleans en1 agosto de 2005 calvez renha sido a pior catástrofe natural dos Estados Unidos da América, quando aproxin1ada1nente 1 n1ilhão de pessoas foram deslocadas e milhares ficaram desan1parados sen1 energia, sen1 co­n1ida, sem água canalizada, sem saneamento, sem serviços de saúde e sem polícia. Uma das principais consequências do avanço tecnológico impulsionado pelo processo de industrialização capitalista é a exposição da humanidade a inúme­ros riscos (ambientais, químicos, biológicos, econômicos) nunca observados anteriormente, e de tal orden1 de grandeza que se constituen1 nun1a inédita e significativa an1eaça para a vida planetária. Ulrich Beck (2011) defende a tese de que o processo de industrialização é indissociável do processo de produção de riscos - da instabilidade dos mercados às catástrofes ambientais e ao terrorismo -, o que garante à presente sociedade a alcunha de "sociedade (industrial) de risco". São os riscos "pro(.luzidos industrialmente, externalizados econon1icamente, individualizados juridican1ente, legitimados cientifican1ente e n1inimizados politican1ente" (Guivant, 2001, p. 95). Os riscos que an1eaçam a humanidade e a qualidade de vida no planeta são praticamente onipresentes, pois, como bem alertou Karl-Otto Apel (1994, p. 161), as consequências da tecnologia e da ciência - numa sociedade globalizada - te­riam alcance universal, pois praticamente todo o planeta já estaria sujeito às intervenções tecnológicas. É uma situação assustadora, principal1nente pelo fato de que as soluções reducionistas, geraln1ente amparadas em justificativas tecnicistas, não estão sendo suficientes para fazer frente à crise ambiental, a qual, ao que tudo indica, abarca questões de natureza ética e política. Outro agravante é a constatação de que a economia moderna não priorizou a questão ambiental e, como afirmou Amartya Sen (1999, p. 23), empobreceu-se pelo seu distanciamento da ética. Sempre predo1ninou, na visão econôn1ica clás­sica, a crença de que os recursos naturais estavan1 disponíveis, sendo faciln1ente substituíveis. A natureza era vista con10 un1a fonte inesgotável de riquezas, um bem gratuito. Sob esse ponto de vista, os problen1as ambientais e econômicos permaneceram dissociados. No entanto, como alertou o economista Jean-Paul Maréchal (1993, p. 11), "a economia, ao desprezar os recursos vivos para só se interessar pelo capital, condena-se a não passar de uma ciência das coisas 1nortas". Como consequência, 
a economia está sendo desafiada a buscar uma perspectiva n1ais harn1oniosa e ética, de modo a combinar obtenção de lucro com preservação dos recursos naturais. Da mesn1a forma, Cristovan1 Buarque (20126, p. 11) alerta para o fato de que "o casa1nento ilun1inista entre o progresso, a den1ocracia e a justiça está amea­çado", pois, "identificado como crescin1ento econômico, o progresso apresenta limites ecológicos". Isso acontece porque os recursos naturais existentes não são mais suficientes para atender a todos os habitantes da Terra considerando os padrões de consumo dos ricos. Cria-se, então, um dilema; ou seja, já que nem todos podem ser incluídos no universo do consumo, a saída seria manter o pro­gresso-crescin1ento apenas para poucos, excluindo, assin1, uma parte substancial dos habitantes da Terra, o que seria etican1ente injustificável. Buarque vale-se da imagem da "Cortina de Ouro", que atualmente substitui a "Cortina de Ferro", antigo divisor dos países em função de seu regime político e social. A "Cortina de Ouro" separara os pobres dos ricos, serpenteando o planeta, cortando países e separando populações. I nternamente, as populações de cada país se integram en1 um mes1no modelo global de consun10 e cultura, forn1ando u1n Prin1eiro Mundo Internacional dos Ricos; externan1ente, as populações se diferenciam en1 modelos de consun10 e estilo de vida, formando un1 arquipélago de comunidades pobres, o Gulag Social Liberal (Buarque, 20126, p. 11). Cada país reproduz internamente a realidade mundial, pois fica dividido em duas populações: as que estão dentro dos limites da "Cortina de Ouro", os ricos, e os de fora, o in1enso contingente dos pobres excluídos. Un1a discussão sobre padrões de produção e consun10 será conduzida no Capítulo 4 desta obra. A crise ambiental aponta para os limites físicos e sociais do n1odelo de produ­ção industrial capitalista, constituindo-se num dos mais graves e urgentes pro­blemas globais da atualidade. Há - e esta é a proposta do filósofo Peter Singer 
(20046, p. 9-15) - a necessidade tle uma aproxin1ação multilateral entre os países para a superação da crise; as nações devem, nun1a perspectiva mais an1pla, superar seus interesses particulares e cooperare1n u111as con1 as outras. As externalidades que ora se apresentan1, da pobreza à poluição an1biental, podem rapidan1ente se alastrar e atingir o mundo co1no um todo. Por esse motivo, devem ser encaradas como problemas globais e de responsabilidade compartilhada. 
31 
1 . 3 A e m e rg ê n c i a d e u m a é t i c a d e s o b r e v i v ê n c i a p l a n e t á r i a D e a c o r d o c o n1 o f i l ó s o f o A u g u s t o A n g e l M a y a ( 2 0 0 2 , p. 23), a presente crise ambient al é um a crise c i viliz atóri a, f ato que ab al a profun­d amente a crenç a gener aliz ad a de que tudo se resolve com ino v ações tecnológi­c as ou reform as econômic as. Alé1n disso, são urgentes e necessári as leg i sl ações m ais r adic ais p ar a control ar a deterior ação do n1eio atnbiente, as qu ais de ven1 ser justific ad as por profund as reflexões no c an1po axiológico. Os a v anços tecnológ i cos e seus desdobr an1entos, pelo f ato de en vol veren1 un1 a série de riscos e i ncertez as, ampl i am o leque de preocup ações étic as p ar a além d as fronteir as d as discussões tr ad icion ais. O col apso do ambiente pl anetár i o se projet a em direção ao futuro comprometendo a qu alid ade de v id a d as ger ações atu ais - m as t ambém d as vindour as - ; tr az t ambém à b ail a a necessid ade de um a n o v a e r adic al respons abilid ade, "un1 a étic a de respons abilid ade sol i dári a en1 f ace d a crise ecológ i ca d a c i v il iz ação técnico-científic a" (Apel, 1994, p. 161), que, um a vez assimil ad a , engendr ari a um a orient ação étic a e polít i ca c ap az de produzir con1port amentos e direcion amentos que prioriz assem a sustent abili­d ade pl anetári a e a respons abilid ade p ar a com as ger ações futur as. Sigmund Freud (1996, p. 147), ao se referir ao "m al-est ar n a ci viliz ação", ress al­tou o f ato de que "os hon1ens adqu i rir am sobre as forç as d a n aturez a t al controle que, com su a ajud a, não teri an1 dificuld ades en1 se extermin aren1 uns aos outros, -até o último hon1em''. E interess ante que muitos têm consciênc i a dess a situ ação e que d aí "pro vém gr ande p arte de su a atu al inqu i et ação, de su a infelicid ade e de su a ansied ade". Embor a o médico austrí aco não tenh a feito referênci as à atu al crise amb i ent al, su as p al a vr as antecip am o sentimento de impotênci a em control ar os result ados m aléficos produzidos pelos desen volvin1entos d a ciênci a e d a tecnologi a. O controle sobre as forç as d a n aturez a apresent a à hun1 an i dade um problem a cuj a solução ultr ap ass a o escopo d a ciênc i a ou d a tecnologi a. A questão envolve um a reflexão m ais acur ad a sobre as c aus as de tão inquiet ante s itu ação e envolve un1 a apur ad a análise etn torno d a construção de princípios e atitudes que pos­s ain medi ai· os atos hum anos em rel ação ao meio circund ante, o que retnete necess ar i an1ente à problemátic a rel ati v a ao rel acion an1ento do ser hun1 ano com a n aturez a, temát i c a centr al de um a emergente étic a an1bient al. O filósofo e escritor Jostein G a arder (2005), num texto dedic ado à Conferênc i a 
32 Mundi al p ar a a P az, re aliz ad a no ano de 2004, etn H ai a (Hol and a), cttjo título é Uma ética ambiental para o futiiro, discorre com muit a propried
ade sobre a ur­gênci a dess a étic a. P ar a o intelectu al norueguês, a questão já não envolve 1n ais o reconhecin1ento de que é necessário constru i r um a no v a étic a glob al, 1n as sin1 
de como fazê-lo. Em outras palavras, como se construir uma " ética para o futuro" 
e, e m termos práticos, corno assimilá-la na forma de novos direcionamentos 
políticos. Sabe-se que muitas pessoas, inclusive políticos, já têm desenvolvida 
a sensibilidade para os problemas an1bientais, a chan1ada consciência ecológica. 
Não obstante, estão n1uito distantes de transforn1ar a conscientização en1 prá­
tica efetiva. Este é o paradoxo: sabemos que o tempo está se esgotando para nós, mas não agimos para mudar completamente as coisas antes que seja demasiado tarde. Estamos enfrentando o colapso do ambiente planetário. Mas onde está a vontade política? Que políticos se atreveriam a pedir urn pequeno sacr(fício a fim de adotar um novo e necessário curso para salvar o fut�1ro de nossas crianças, da civilização e da dignidade humana? (Gaarder, 2005, p. 2) 
Gaarder vale-se de uma metáfora para se referir ao posicionamento que vem 
sendo adotado com relação à problemática ambiental. O exemplo é o de uma rã 
que, quando lançada na água fervente, saltará rapidamente para fora; mas, se a 
água for aquecida gradualmente, ela não perceberá o aun1ento da ten1peratura e, 
placidan1ente, será cozida até n1orrer. É o que ocorre con1 a atual geração no que 
diz respeito à gradual destruição do an1biente planetário, pois, mesmo diante da 
crise, não são tomadas as necessárias medidas para contê-la. Urge reconhecer que 
novos posicionamentos são necessários, e essa iniciativa se dá pela constatação 
de que cabe às gerações atuais a responsabilidade pela modelagem do futuro, 
axioma que sustenta todos os debates etn torno da ética ambiental. 
Nunca é demais salientar que a crise ambiental é un1a crise civilizatória, uma 
crise de valores, o que abre novos horizontes para a reflexão ética. A inclusão 
do meio ambiente nas decisões de cunho moral implica desdobramentos nas 
áreas jurídica, filosófica, econômica e até mesmo teológica - o que será dis­
cutido a seguir. 
• 
..... �.�- : .··,L.•,_:··_ /
•
. - ' . . •. .. ., ... . . . •' . ;. . •,: 
..
.. .. . 
·• •• -
'.o!'• 
• , ' .' 
.---...... � .. 
33 
c a p í t u l o 2 Meio ambiente e ética 
E n r i q u e L e f f ( 2 0 0 1 ) , e m s e u S a b e r a 1n b í e n t a l , r e t o m a 
o conceito de ética como un1 sistema de valores que deve orientar a vida humana. 
Dessa forma, un1a ética an1biental deve se n1anifestar en1 con1portan1entos hu-
111anos em harmonia con1 a natureza. Ela - a ética - deve ser capaz de propor 
um sistema de valores associados a uma "racionalidade produtiva alternativa, a 
novos potenciais de desenvolvimento e a uma diversidade de estilos culturais de 
vida" (Leff, 2001, p. 86-87). O economista n1exicano propõe que os princípios de 
un1a ética an1biental se desdobren1 en1 sistemas para reger a n1oral individual e 
os direitos coletivos. 
Trata-se, então, de un1a questão que cotnporta aspectos constitutivos e nor­
mativos no âmbito da filosofia moral. Sendo assim, 
e visando embasar os tópicos que serão discutidos 
no decorrer desta obra, cabe primeiramente neste 
capítulo un1a ligeira incursão no campo da ética 
geral. Na sequência, tratar-se-á da ética an1biental 
Uma ética ambiental deve 
se 1nanifestar e1n con1por-
tamentos humanos em 
harmonia com a natureza. 
propriamente dita; para finalizar, há um pequeno estudo sobre as perspectivas 
filosóficas que fundamentam as principais correntes do pensamento ético quando 
voltado para as questões ambientais. 
2 . 1 S o b r e a é t i c a 
A é t i c a e n g l o b a a e s fe r a d a s r e l a ç õ e s h u m a n a s , 
ocupando-se em fundamentar a natureza da vida correta no seio de determinada 
comunidade. Sobre sua etimologia, trata-se de utn termo polissêmico, comu­
mente traduzido como "ciência da condurá' (Abbagnano, 1998, p. 380). Suas 
raízes etimológicas' remontan1 à palavra grega ethike (ri011<�), de ethikos (ri011<oç), 
o "que diz respeito aos costun1es" LJapiassú; Marcondes, 1991, p. 90), 
* Sobre a etirnologia da palavra ética, tomou-se por base os autores Vaz (1988, p. 14-15), Boff (2003b, p. 28-29) e Pereira (1951, p. 148, 161, 248, para grego-português, e p. 60, para português-grego). 37 
38 
derivando-se tanto de éthos (e0oç) - grafado con1 a vogal breve épsilon (e) e de 
pronúncia mais aberta-, cujo significado é costurne (uso, hábito), quanto de êtl,os 
(�0oç) - de pronúncia mais fechada e grafada com a vogal longa eta (�) - no 
sentido de morada (abrigo, residência), mas também caráter (maneira de ser, 
tempera1nento), referindo-se às características individuais de cada pessoa, no que diz respeito às suas virtudes e a seus vícios. 
Se o espaço humano é 
construído a partir das ações 
hun1anas, permeadas de 
valores, hábitos e costun1es, 
significa que a ética é u1n 
elemento fundamental na 
construção desse espaço. 
Para Leonardo Boff (20036, p. 28-30), éthos 
(e0oç - costumes) e êthos (�0oç - morada) articu­
lavam-se intrinsecamente, pois o "bem viver" se 
relaciona com certos valores itnprescindíveis para 
fundan1entar as ações hun1anas. Dessa forn1a, 
os hábitos e costu1nes (éthos) visan1 tornar a 1110-
radia (êthos) um local habitável, bom e produtor de 
felicidade. Visto dessa forma, a moradia seria uma 
espécie de "domicílio existencial" para o ser humano, o que abarcaria não apenas 
seu habitat físico, mas també1n existencial. Em Aristóteles (384-322 a.C), essa co­
nexão está perfeita1nente evidenciada. Para o filósofo grego, o centro da ética era a 
felicidade (eudaimonia - eú8atµovía) - u1n estado de autonon1ia vivido en1 tern1os 
pessoal e social (polis) -, uma espécie de autorrealização do cidadão em sua din1en­
são pessoal e social (Aristóteles, 1992, p. 19-20). 
A metáfora da ética como morada do homem sugere precisamente que, com 
base no êthos, o mundo se torna habitável. Essa morada se constrói a partir dos 
costun1es, das normas, dos valores e das ações hutnanas. Vale a pena len1brar que, 
nesse sentido, o espaço do êthos con10 espaço humano não é dado ao hon1em, mas 
construído por ele. O êthos significaria a invenção das con1unidades históricas, 
de um espaço de fixação e de controle do mundo físico. 
Se o espaço humano é construído exatamente a partir das ações humanas, 
ações que são permeadas de valores, hábitos e costumes, isso significa que a ética 
é um eleniento fundamental na construção desse espaço, o que, logica1nente, 
remete à problen1ática relativa ao relacionan1ento do hon1en1 con1 a natureza e 
con1 o ambiente. A interpretação da ética sob esse viés será reton1ada posterior-
1nente no decorrer da obra. 
Para fins de conceituação, a ética pode ser entendida então como a "ciência 
do ethos" (Vaz, 2002, p. 267), ct9a carefà é elucidar a inteligibilidade das práticas 
humanas, quando orientadas por valores, e1n suas diversas dimensões e estados. 
Esse ethos, segundo Bourdieu (1998, p. 41-42), traduz-se numa rede de significa­
dos e práticas profundamente conectados ao fazer - ao corno fazer - as coisas 
do mundo. Trata-se de um sistema de valores implícitos e interiorizados, que 
definem as atitudes em relação à cultura. 
Os valores concernentes ao bem e ao mal, ao permitido e ao proibido e à 
conduta correta são adquiridos na forma de herança cultural e preservados pela 
comunidade, fornecendo os conteúdos que disciplinarão o comporta1nento das 
pessoas, não se caracterizando con10 u1na ciência, como muitos autores afirmam, 
mas sin1 co1no "ideologia, construída com base em hábitos, crenças e juízos de 
valor" (Hee1nann, 2001, p. 10). Esses conjuntos
de valores, que se n1aterializam 
nos costumes e hábitos de detertninada sociedade, geralmente se constituem en1 
normas e prescrições de conduta, válidas e aplicáveis a todos os seus membros. 
É importante ressaltar que a palavra moral vem do latim mores, que também 
significa "costume". Pode ser entendida como sinônimo de éthos (E0oç). Os latinos 
optaran1 pelo tertno mores (costumes) para traduzir os cern1os gregos relativos à 
ética, tendo, assim, surgido o termo moral. Quanto à ética, Cícero a teria traduzido, 
de acordo com Tugendhat (1996, p. 33), como ''rnoralis scientia" (ciência da moral). 
Luc Ferry (2007, p. 31), a respeito das terminologias moral e ética, afirma 
que os dois termos podem ser utilizados indiferentemente, pois são sinônimos 
perfeitos, ambos derivados de costumes diferenciando-se apenas pela língua de 
origem (grego ou latin1). 
Sobre o n1esn10 assunto, Leonardo Boff (2003c, p. 40-41) assinala que os 
pensadores medievais usavam a palavra rrioral tanto para os "costumes" quanto 
para o "caráter" e para os princípios/valores que o moldavan1. Tudo vinha sob a 
alcunha de moral. Mesmo assim, dentro da moral, eles estabeleciam uma distin­
ção entre moral teórica (filosofia moral), que estudava os princípios e as atitudes 
que deveriam orientar a prática, e a moral prática, que analisava os fatos à luz das 
atitudes e estudava a aplicação dos princípios à vida cotidiana. 
A ética seria, portanto, un1a "metafísica da 1noral", uma "anatomia da 1noral", 
como quis David Hume (1978, p. 600-601), que se autoprocla1nava utn anatomista 
da moral. Numa analogia com a pintura, o filósofo escocês dizia que o anatomista, 
em assuntos morais, é aquele que investiga abstratamente os fundamentos da 
moral, enquanto o pintor é aquele que se propõe a enunciar os deveres ou reque­
rin1entos n1orais e a convencer sua audiência da validade de tais condutas n1orais. Grosso modo, é possível identificar três grandes áreas sobre as quais a filosofia 
1noral se detén1. Para Willian1 Frankena (1969, p. 16-31), a ética pode ser classi­
ficada em descritiva, normativa e metaética. Pela sua simplicidade e caráter 
didático, uma síntese dessa classificação é apresentada a seguir. 
• Ética descritiva não é uma atividade filosófica per se. É um tipo de in­
vestigação empírica e descritiva, cal como levada a cabo por antropólogos, 39 
historiadores, psicólogos e sociólogos. Nesse caso, o objetivo é descrever 
ou explicar os fenôn1enos 111orais ou elaborar uma teoria da natureza 
hun1ana pertinente a questões éticas. 
• Ética normativa é aquela que indaga o que é certo, bom e obrigatório. 
Preocupa-se em desenvolver e fundamentar, como princípio geral, os con­
ceitos de certo e errado - o que é bom ou correto -, daí recirando juízos 
normativos. Divide-se en, dois subgrupos: a n1oral propriamente dita, 
que é o conjunto de crenças, valores e regras adotados e aceitos pelo senso 
con1un1, e o pensamento crítico, que é a busca dos critérios que justificam 
a inclusão ou exclusão de normas morais, a clarificação da aplicabilidade 
dessas normas em determinadas circunstâncias e a resolução dos confli­
tos entre elas. As teorias normativas surgem para responder à seguinte 
questão: co1no agir moralmente diante de certa decisão? Trata-se, pois, 
de orientar as decisões e os juízos sobre detern1inadas ações. Nesse caso, 
o particular já está preso à busca por generalização, objetividade e uni­
versalização das normas n1orais. 
• Metaética é um tipo de pensamento analítico, crítico ou metaético, que 
não se confunde com investigações e teorias empíricas ou históricas nem 
envolve a elaboração ou defesa de quaisquer juízos normativos ou de valor. 
Consiste, sin1, em propor e buscar responder questões lógicas, epistemoló­
gicas ou sen1ânticas, tais con10: qual é o significado dos tern1os (moralmente) certo ou bom? Como se pode formular ou justificar juízos morais? Qual 
é a natureza da moralidade? Qual é o significado de livre, de responsável? 
Desde a Grécia Antiga, diversas teorias éticas foram concebidas. Para fins do 
presente trabalho, são significativas as seguintes concepções a respeito da forma­
ção dos conceitos éticos: teoria do fundamentalismo, ética do dever, utilitarismo, 
concracualismo, en1otivismo, ética das virtudes e ética discursiva. A seguir, são 
apresentadas as principais características de cada uma delas. 2 . 1 . 1 Teoria d o jºundamental ismo O t e r m o f u n d a m e n t o , d o l a t i m f u n d a m e n t u m , d e f u n -dare (fundar), designa a base sobre a qual se constrói alguma coisa - "os fun­
damentos de uma casa", por exemplo. Em termos filosóficos, representa "aquilo 
sobre o qual repousa, de direito, certo conhecin1ento", ou "princípio explicativo 
que denota a existência de un1a ordem de fenômenos ou de uma base do pensa­
mento" (Japiassú; Marcondes, 1991, p. 107). 
Considerando que o fundamento é um princípio explicativo que confere a va-40 lidade para alguma coisa, aquilo que garante seu valor, uma ética fundamentalista 
seria aquela que se sustenta na concepção de que os valores morais são provenientes 
de u1na fonte externa ao ser humano. As éticas religiosas são essencialn1ente fun­
da1nentalistas, visto que são deliinitadas por parân1etros (princípios, regras) - os 
cânones da religião - que, provenientes de uma fonte transcendental, têm o caráter de imperativos supremos. Os dez mandamentos bíblicos, por exemplo, são princí­pios religiosos universais a priori que devem ser obedecidos por rodos. Na concepção religiosa de n1undo (reocêntrica), os valores da religião derer­minan1 as concepções éticas e os critérios de ben1 e mal fican1 subordinados à fé. O indivíduo moral é aquele ten1ente a Deus. Roubar, por exen1plo, seria algo errado, pois contraria o sétimo mandamento bíblico. 
2 . 1 . 2 Ética do dever In1 m a n u e l K a n t ( 1 7 2 4 - 1 8 0 4 ) c o n c e b e u u 1n s i s t e n1 a é t i c o que valoriza a intenção da ação de acordo co1n o dever, independentemente das 
• • consequenc1as. A preocupação maior da ética de Kant era estabelecer uma regra da conduta na substância racional do homem. O filósofo prussiano fez do conceito de dever o ponto central da n1oralidade, e o conhecin1ento do dever seria consequência da percepção do hon1en1 de que ele é un1 ser racional e, con10 tal, está obrigado a obedecer àquilo que Kant chamava de "i111perativo categórico", que é a neces­sidade de respeitar todos os seres racionais na qualidade de "fins en1 si rnesmo". É o reconhecimento da existência de outros homens (seres racionais) e a exigên­cia de se comportar diante deles a partir desse reconhecimento. Deve-se, então, tratar a humanidade, na própria pessoa e na do próximo, sempre como un1 fim 
. e nunca con10 u1n meio. A ética kantiana busca, sempre na razão, procedi111entos práticos que pos­sam ser universalizáveis, isto é, un1 ato moralmente bom é aquele que pode ser universalizável de tal modo que os princípios estabelecidos possarn valer para todos. Esse dever nasce do reconhecimento por parte do ser humano, pelo uso da sua razão, da necessidade obrigatória de obedecer a cerras regras (os impera­tivos categóricos), as quais fundamentam procedimentos que possam ser válidos universal111ente, ou seja, un1 ato 111orahnente 60111 é aquele praticado por todos, indistintamente. Os preceitos mais conhecidos sáo "age apenas segundo urna máxima tal que possas ao 111esmo tempo querer que ela se torne lei universal" (Kant, 1984, p. 129) e "age de tal maneira que uses a humanidade, tanto na tua pessoa como na pessoa de qualquer outro, sempre e sÍlnultaneamenre, como um fim e nunca simplesmente como u1n n1eio" (Kant, 1984, p. 135). Na ética kantiana, a autonon1ia da razão para legislar assume un1 papel pre­ponderante, visto que supõe a liberdade e o dever. Todo imperativo se in1põe como um dever - entretanto, trata-se de
uma obrigação que não deve ser seguida cegamente, a partir de uma imposição externa, mas sim livremente assumida pelo indivíduo que se auroderermina. 
42 , E uma ética formal, pois não especifica normas concretas de conduta, n1as postula deveres válidos para todos os humanos, independentemente de sua situação social, indicando de forma geral (e universal) como devem agir com os outros. Em Kant, a norma se estabelece na própria natureza da razão. O aro de roubar é condenável porque, ao se aceitar o enriquecin1ento ilícito, segundo o qual a n1áxin1a pessoal se sobrepõe ao nível universal, incorre-se numa contradição, pois, se todos poden1 rou­bar, não há como garantir a posse de qualquer bem, inclusive daquilo que foi furtado. 2 . 1 . 3 Ut i l i tar i smo O u r i l i t a r i s 1n o , n a s u a v e r s ã o c l á s s i c a , r e v e c o n10 p r i n ­cipais n1entores Jeren1y Bentham (1748-1832) e John Stuart Mil! (1806-1873), au­tores que relacionaram o útil ao bom. Tem como base o interesse, tese empirista que procura explicar as ações humanas por meio da busca pelo prazer e, conse­quentemente, por evitar a dor. O objetivo da ética é proporcionar o máximo de felicidade ao maior número de pessoas. Esse seria o princípio da "1naior felicidade", ou "maior utilidade". Portanto, a felicidade residiria na busca do n1áxin10 prazer e do 1nínin10 de dor. O bem consiste na maior felicidade e as ações positivas são aquelas que a pro­duzem. De acordo com John Stuart Mill (1960, p. 29-30): O credo que aceita a Utilidade ou Princípio da Maior Felicidade, como fundamento da moral, sustenta que as ações são boas na proporção com que tendem a produzir a felicidade; e más, na rnedida em que tendem a produzir o contrário da felicidade. Entende-se por felicidade o prazer e a ausência de dor; por infelicidade, a dor e a ausência de prazer. [tradução nossa] O utilitarismo vê o bom como aquilo que é útil para a maioria, o que é uma espécie de altruísmo ético, sempre admitindo a possibilidade do sacrifício indi­vidual a favor da coletividade. Deve-se ter e1n conta que, se as consequências de um ato poden1 ser tanto positivas con10 negativas, a escolha moral será sen1pre por aquela opção que cause maior ben1 e prejudique n1enos os envolvidos, nutna espécie de "matemática" ou "cálculo moral". Para Peter Singer (1998, p. n), o utilitarismo clássico considera uma ação como um bem quando produz um incremento igual ou maior da felicidade de todos os envolvidos, quando comparada con, un,a ação alternativa; se assim não acontecer, diz-se que ela produz un1 n1al. As consequências de un1a ação varian1 de acordo 
com as circunstâncias em que é praticada - daí que um utilitarista nunca possa 
ser acusado de falta de realismo nem de uma adoção rígida de ideais que desa­
fiam a experiência prática. Para o utilitarista, mentir será um mal em algumas 
circunstâncias e um bem noutras, dependendo das consequências. 
- - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - -
Sitnplificadamente, as principais características do utilitaris1110 clássico são 
as seguintes, de acordo com Tim Mulgan (2012, p. 64). 
jEREMY BENTHAM: 
• O princípio de utilidade diz aos legisladores para produzirem leis que 
maximizem a felicidade. 
• O princípio da utilidade é a única base possível para a 1noralidade, e qual­
quer outra coisa é "capricho". 
• O princípio da utilidade deve definir todos os direitos legais. A ideia de 
direitos naturais, pot· exemplo, seria absurda. 
JOHN STUART MILL: 
• As ações são corretas na proporção em que tenden1 a pro1nover a felicidade, 
e erradas quando tendem a produzir seu reverso. 
• Todo conhecin1ento (inclusive a moralidade) é baseado na experiência -
emp1r1smo. 
• O princípio da felicidade é derivado da expet·iência, pois é fato que todos 
almejam à felicidade. 
• A sociedade só pode interferir na liberdade de um indivíduo se as suas 
ações causaretn um dano para a coletividade. O utilitarismo é uma teoria naturalista, visto que defende o prazer ou a fe­licidade con10 fins últi1nos da ação 1noral humana. Embora renha se tornado a mais ü11portante corrente n1oral e política do século XIX, o utilitarisn10 não foi a única teoria ética que serviu de base para a estruturação das sociedades democrá­ticas que surgiriam no século XX. Há de se destacar também o contratualismo. 
2 . 1 . 4 Contratualismo T e n d o c o n10 b a s e a s i d e i a s d e T h o n1 a s H o b b e s ( 1 5 8 8 -1679), John Locke (1632-1704) e Jean-Jaques Rousseau (1712-1778), o contratualistno parte do pressuposto de que para conviver em sociedade, o ser humano deve assumir para com seus semelhantes a obrigação de se comportar de acordo com cerras regras n1orais, estabelecidas de forn1a consensual e capazes de garantir harn1onia ao grupo social. Na sua obra Leviatã, Hobbes (1997) argun1enta que a vida do hon1en1 no estado de natureza - setn leis nem governo - era "solitária, pobre, sórdida, embrutecida e curtá', uma vez que os homens são, por índole, agressivos, autocencrados, inso­ciáveis e obcecados por um" desejo de ganho imediato". Entretanto, ao decidirem 43 
44 
viver em sociedade, os indivíduos perceberam que, se cooperassem, poderiam ser mais ricos e n1ais felizes. Seu bom comportamento deriva do seu egoísmo, pois o principal dos bens é a conservação de si mesmo. Dessa forma, é de seu interesse próprio acabar com o estado de guerra de rodos contra todos para, assim, forn,ar sociedades sustentadas por un1 contrato social. Tal sociedade necessitaria de uma autoridade à qual todos os men1bros devessen1 empenhar o suficiente da sua liberdade natural, de maneira que um poder absoluto e centralizado possa assegurar a paz interna e a defesa comum. Essa figura deveria ser o "soberano", autoridade inquestionável, representado pela figura do Leviatã. O contrato social, para Locke (1978), surge de duas características fundamen­tais: a confiança e o consenrin1ento. Para o filósofo inglês, os indivíduos de uma comunidade consenten1 a uma adn,inistração a função de centralizar o poder público. Uma vez que esse consentimento é dado, cabe ao governante retribuir essa delegação de poderes agindo de forma a garantir os direitos individuais e preservar a segurança jurídica e o direito à propriedade privada. Em outras palavras, garantir os direitos naturais, dados por Deus, os quais o indivíduo já possuía en1 estado natural. Para Jean-Jaques Rousseau (1981), o hon1en1 é 60111 por natureza e seu espírito O contrato social, para Locke, surge de duas características funda111entais: a confiança e o consentin1ento. Para o filósofo inglês, os indivíduos de uma comunidade consentem a uma adminis­tração a função de centralizar o poder público. pode sofrer un1 aprimoran1ento quase ilimitado. No contrato social, os bens são protegidos, e a pessoa, unindo- s e às outras, obedece a si mesma, conservando a liberdade. O pacto social pode ser definido quando "cada un1 de nós coloca sua pes­soa e sua potência sob a direção supre1na da von­tade geral" (Rousseau, 1981, p. 28). O contrato social, ao considerar que todos os homens nascem livres e iguais, encara o Estado como objeto de um contrato no qual os indivíduos não renunciam a seus direitos naturais, mas o contrário: entran1 em acordo para a proteção desses direitos, e o Estado é criado para preservá-los. O Estado é a unidade e, con10 cal, representa a vontade geral, que não é o n1esn10 que a vontade de todos. A vontade de todos é um mero agregado de vontades, o desejo mútuo da 
. . ma1or1a. 
2 . 1 . s Emotivismo D a v i d H u m e (1 7 1 1 - 1 7 7 6 ) s u s t e n t o u a c o n c e p ç ã o d e q u e o fundamento da moral é a utilidade, ou seja, é boa a ação que proporciona "fe­licidade e satisfação" à sociedade. A utilidade agrada porque responde a uma 
necessidade ou à tendência natural que inclina o hometn a promover a felicidade 
dos seus semelhantes. 
Entretanto, ao invés de limitar

Teste o Premium para desbloquear

Aproveite todos os benefícios por 3 dias sem pagar! 😉
Já tem cadastro?

Continue navegando