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O MOVIMENTO HIP-HOP: TERRITÓRIO(S) E IDENTIDADE(S) DA POSSE ZUMBI NO BAIRRO NORDESTE DE AMARALINA EM SALVADOR – BA. HIP-HOP MOVEMENT: TERRITORY(IES) AND IDENTITY(IES) OF THE POSSE ZUMBI AT NORDESTE DE AMARALINA NEIGHBOURHOOD IN SALVADOR - BA. Célio José dos Santos1 1 Graduado em Geografia pela Universidade do Estado da Bahia – UNEB, atualmente é aluno da especialização em Educação, Cultura e Contextualidade oferecida pela UNEB. E-mail: celiouneb@hotmail.com. Resumo: O objetivo do presente trabalho é fazer uma discussão sobre a construção da identidade dos jovens do movimento hip-hop, entorno da Posse Zumbi, localizada no bairro do Nordeste de Amaralina em Salvador – BA, Brasil, e a sua respectiva relação com o território. Trata-se de uma pesquisa de cunho qualitativo, os dados foram coletados através de levantamento bibliográfico, da observação participante e de entrevistas não estruturadas, o enfoque epistemológico é pautado no materialismo dialético, sendo utilizado como tipologia de análise espacial o genoespaço, proposto por Gomes (2006), que consiste em um tipo de agregação social, o grupo ou a comunidade que qualifica o território, uma vez que, trata-se de um território qualificado pelos jovens do movimento hip-hop, pois a partir da cultura hip-hop a juventude reinventa seu cotidiano, imprime novas territorialidades e por meio da ação coletiva e da conscientização, se apropriam simbolicamente do espaço urbano e constroem suas identidades de negros, pobres, e periféricos. Assim como a identidade o território dos jovens hip-hoppers são construídos pelo grupo e pertencem ao coletivo e não a um único individuo, pois se trata de um espaço de autonomia e de auto-identificação, uma vez que essa construção se faz pela cooperação entre os agentes envolvidos. Palavras-chave: Território – Identidade – Hip-Hop – Territorialidade. Abstract: The aim of this paper is to discuss the construction of identity of the hip-hop young generation around the Posse Zumbi, located in Nordeste de Amaralina neighbourhood in Salvador - BA, Brazil, as well as its respective relationship with the territory. It is a qualitative research and all data were collected through literature review, participant observation and unstructured interviews. The epistemological approach is grounded on dialectical materialism and, as a typology of spatial analysis, it was applied the notion of genospace purposed by Gomes (2006) which consists in a sort of social aggregation, a group or a community that qualifies the territory, once it is about a territory qualified by the young people involved in the hip-hop movement, because of the hip-hop culture, youth reinvent their day-by-day, they set up new territorialities and through collective action and awareness. They take ownership of urban space and build their identities as black, poor and peripheral people. Like identity, young hip-hoppers territory is built by the group itself and it belongs to the collective instead of a single individual, inasmuch as it is an area of autonomy and self-identification, once this construction is created through the cooperation among those involved in this process. Keywords: Territory, Identity, Hip-Hop, Territoriality. Introdução O presente artigo é fruto de uma pesquisa mais ampla, que teve início em 2005, como bolsista do programa Brasil Afroatitude, resultando também no trabalho de conclusão de curso. O seguinte trabalho traz para o debate geográfico a cultura hip-hop, a formação da identidade e o enraizamento territorial na contemporaneidade, e como se dá a relação entre território e identidade dentro do movimento hip-hop, uma vez que a identidade, assim como o território, é construída por meio de relações de poder, Haesbaert (1999). O artigo é dividido em cinco momentos. No primeiro procuro fazer uma breve discussão teórica sobre os conceitos de identidade e território e a relação entre ambos. Em seguida, faço um breve histórico sobre a cultura hip-hop e sua formação nos Guetos norte americanos. No terceiro momento abordo a (des)territorialização e o (des)enraizamento da cultura hip-hop , posteriormente procuro discutir a dialética do global e local para o enraizamento da cultura hip-hop e como o lugar interfere nesse processo, e por final, trago a Posse Zumbi e a sua participação na construção da identidade e na formação do território dos jovens adeptos a cultura hip-hop. A relação entre território e identidade Território e identidade tratam-se de dois conceitos bastante complexos e polissêmicos dentro das Ciências Sociais. Perante isso, procurarei fazer uma breve definição do conceito de território na ciência geográfica e a sua relação com a identidade. O território, uma das categorias de análise da Geografia é um termo que ultimamente tem sido muito discutido e, segundo Brito (2005), ainda está em construção. O termo território é derivado da palavra em latim territorium, e significa terra pertencente a alguém. Após a sistematização da Geografia no século XIX, o primeiro autor a utilizar o termo foi o geógrafo alemão Friedrich Ratzel, que inseriu o homem na discussão da Geografia, dando início a chamada antropogeografia. Ratzel (1990) entendia o território na perspectiva da Geopolítica, o qual era um trunfo do Estado e caberia ao mesmo a proteção do território através da força coletiva. O autor compreendia o território como o espaço vital ligado ao solo, onde a relação entre Estado e sociedade era pautada pela necessidade de habitação e alimentação. O autor também concebia o território como um instrumento de fortalecimento dos Estados por meio da conquista e da dominação de outros povos, fazendo com que o Estado adquira força produtiva econômica e cultural, no entanto nosso objetivo aqui não é fazer um histórico do conceito de território. Um dos primeiros autores a desvincular a relação direta entre território e Estado como componentes fixos foi Robert Sack. Segundo Brito (2005), os estudos de Sack contribuíram com maiores avanço no conceito de território, uma vez que o mesmo não possui mais uma dimensão fixa, vária de tamanho, podendo ser tanto um Estado, como qualquer agrupamento humano, de caráter móvel, possuindo uma duração temporal variável, sendo uma porção do espaço organizada em torno da liderança de um agente hegemônico, onde vários territórios podem ser estruturados, concomitantemente, pelo mesmo agente por via das redes geográficas, caindo por terra à concepção tradicional de ver o território como um objeto fixo e estável por longos tempos, contribuindo para o início a novas abordagens material e simbólica do território. Entre essas novas abordagens podemos destacar os trabalhos de Souza (1995) e Haesbaert (1999, 2004, 2006, 2007). Souza (1995) entende o território como um espaço definido e delimitado por e a partir das relações de poder, e são construídos e desconstruídos dentro das diversas escalas matérias e temporais (século, década, anos, meses, semanas, dias e horas), podendo ter um caráter periódico ou cíclico, prevalecendo nas relações de poder a autonomia do grupo, ou seja, o território assim como o poder pertence ao grupo e não ao indivíduo. Gomes (2006) define duas matrizes territoriais o nomoespaço e o genoespaço, o primeiro é o espaço do contrato é a condição necessária para que configure a idéia de um pacto social do tipo contratual, no segundo, o qual iremos dar mais ênfase, é o tipo de agregação social que qualifica o território é o grupo ou a comunidade, ou seja, o território é definido e delimitado a partir da identificação do grupo, sendo que o discurso que funda essas identidades é o dadiferença, “A diferenciação se faz exagerando os traços distintivos daquele grupo de pessoas e diminuindo a importância de todas as outras características comuns compartilhadas com o grupo” Gomes (2006 p. 60) Todo e qualquer território possui uma identidade, seja ela positiva ou negativa, seja ela para seu grupo ou para aquele que é considerado o seu outro. “Não há território sem algum tipo de identificação ou valoração simbólica (positiva ou negativa) do espaço pelos seus habitantes” (Haesbaert 1999, p. 172), pois para o mesmo Haesbaert (2004), não existe território sem territorialidade, no entanto, existe territorialidade sem território, porém o autor chama atenção para o fato de não reduzir a territorialidade apenas à dimensão simbólica cultural do território no que tange ao processo de identificação territorial, pois a territorialidade vai além da simbiose entre território e identidade. A territorialidade no nosso ponto de vista não é apenas algo abstrato, num sentido que muitas vezes se reduz ao caráter de abstração analítica epistemológica. Ela é também uma imaterialidade, no sentido ontológico de que, enquanto uma “imagem” ou um símbolo de um território, existe e pode inserir-se eficazmente como uma estratégia político-cultural, mesmo que o território ao qual se refira não esteja concretamente manifestado – como no conhecido exemplo da “Terra Prometida” dos judeus, territorialidade que os acompanhou e os impulsionou através dos tempos, ainda que não houvesse, concretamente uma construção territorial correspondente. (HAESBAERT, 2004, p. 7) A identidade, segundo Woodward (2000), é construída sempre em um contexto marcado por relação de poder e indiferença tanto social como simbólica, o que não difere do modo da construção do território. Silva (2000) também segue essa mesma linha de raciocínio, ao compreender a identidade como resultado de um processo de produção simbólica e discursiva. Já sabemos que a identidade e a diferença são o resultado de um processo de produção simbólica e discursiva. O processo de adiamento e diferenciação lingüístico por meio do qual elas são produzidas está longe, entretanto, de ser simétrico. A identidade, tal como a diferença, é uma relação social. Isso significa que sua definição-discursiva e lingüística – está sujeita a vetores de força, a relação de poder. Elas não são simplesmente definidas; elas são impostas. Elas não convivem harmoniosamente, lado a lado, em um campo sem hierarquias; elas são disputadas. (SILVA, 2000 p. 81). Persistindo com Silva (2000), a afirmação da identidade para ele significa demarcar fronteiras, delimitar espaços e fazer distinção de quem está dentro e de quem está fora. Em outras palavras, ao afirmar a identidade, o sujeito diretamente está construindo território, a fim de territorializar sua(s) identidade(s). Toda identidade implica uma territorialização, assim como a territorialização permite a permanência identitária. É o espaço delimitado que proporciona a materialização, ou a objetivação, ou a visibilidade da organização e dos atributos dos diferentes grupos sociais em diferentes escalas. (COSTA, 2005, p. 85) Logo passamos a entender a real importância da relação entre território e identidade que segundo os autores citados anteriormente ambos mantêm uma relação intrínseca, pois os dois são marcados por relações de poder. Entendendo a Cultura Hip Hop O hip-hop, criado no início da década de 1970, pelo grupo americano Afrika Bambata, termo inspirado devido à forma de dançar, hip = a quadril e hop = saltar, saltar o quadril. Além de responsável pelo batismo, o grupo definiu o break, o rap e o grafite como os elementos essenciais para a existência do movimento hip-hop. Historicamente, o movimento surgiu no bairro do Bronx nova-iorquino, onde jovens afro-americanos e caribenhos tiveram participação decisiva na sua construção e afirmação, Rose (1997). A dança break de origem caribenha, Porto Rico para ser mais exato, a arte visual materializada no grafite e o rap iniciais de rythm and poetry como expressão poético musical, oriundo da Jamaica, integraram- se como parte do sistema cultural juvenil. Silva (1999) salienta que desde já é preciso ter claro que o movimento hip-hop, além de ser integrado pelas práticas juvenis supracitadas, ela, aos olhos dos jovens, não se resume apenas a uma proposta exclusivamente estética envolvendo a dança, o grafite e o rap, mas, sobretudo, a fusão desses elementos como arte engajada com finalidade sócio- política em prol da comunidade. Segundo Rose (1997), o hip-hop combina elementos do discurso da música, da dança, da exibição para, por meio das performances, dar vida a novas identidades e posições dos jovens que vão em busca dos papéis de sujeitos sociais que lhe foram negados. O cruzamento feliz entre o break, o grafite e a música rap foi alimentado não só pelas experiências locais compartilhadas entre os jovens, como também pela posição social em que se encontravam. As identidades foram forjadas a partir de bens simbólicos, como linguagens, estilo, postura e vestuário, todos procedentes das ruas, guetos e de turmas de bairros. Para Claval (2001), na construção da identidade devem ser considerados três elementos para a sua formação: a origem comum, o desejo de adequar-se às práticas de um grupo e a construção da pessoa que repousa na articulação exercida de todos os aspectos de sua vida centrados na cultura. O hip-hop se apropriou simbolicamente e reinventou o cenário urbano, dando novo sentido ao espaço urbano, imprimindo um novo estilo de vida e projetando suas territorialidades, através do sampleado2 Alguns autores como Canclini (1997, 2006) defendem que o hibridismo cultural está intimamente ligado ao processo de desterritorialização, pois a cultura perde o seu referencial territorial, resultante do enfraquecimento das lealdades locais em prol das comunidades transnacionais, o que impede o reconhecimento de identidades claramente definidas. Herschmann (2000) concorda em parte com Canclini. Para Herschmann (2000), na era da globalização, da comunicação e da velocidade da informação, as expressões culturais, entre elas o hip-hop, não apenas , da postura, da dança e dos grafites nos murais, nos trens e nos parques, reivindicando assim seus territórios e inscrevendo sua identidade no espaço público, Rose (1997). Hibridismo, desterritorialização e reterritorialização da cultura Hip-Hop. A cultura hip-hop é por excelência, desde a sua formação, uma cultura híbrida, formada por jovens negros e latinos que tinham na cultura uma forma de resistência, uma maneira de se afirmarem na sociedade e de construir suas identidades. “O hip-hop emergiu nos anos 70 nos Estados Unidos como fonte de formação de uma identidade alternativa para os jovens das ‘comunidades negras e latinas’. Tais identidades alternativas ‘locais’, elaborada por esses jovens tinha como referencial o cotidiano das ruas” Herschmann (1997, p. 75). As experiências e perspectivas dos jovens hispânicos, afro- caribenhos e afro-americanos, que se mantiveram distante de um ambiente discursivo mais abrangente, redundaram em um espaço social restrito. E, nesse caso, o hip-hop desenvolveu-se como parte de uma rede híbrida de comunicação. (ROSE, 1997, p. 211) A cultura hip-hop se instalou como um meio de comunicação dos jovens, oriundos de diversas localidades, tendo na cultura uma linguagem comum entre eles, privilegiando assim o constante diálogo, produzindo e compartilhando novos símbolos e significados na vida urbana. 2 Batida digital da música rapse dessencializaram ou desnaturalizaram no imaginário social, como também perderam a sua relação de fidelidade com os territórios originários. “As expressões culturais tornaram-se um processo de montagem multinacional, uma articulação flexível de partes uma colagem de traços de qualquer um, qualquer classe, religião, cor, ideologia pode utilizar.”. Hershmann (2000, p. 63) No entanto, ao contrário de Canclini (1997, 20006), Hershmann (2000) acredita no processo de reterritorialização, tendo no localismo o reconhecimento e a reafirmação da cultura globalizada, “muito desses estilos são ao mesmo tempo, periféricos e autônomos, locais mais também globais e, finalmente, híbridos, mas nem por isso necessariamente diluídos” Haershmann, (2000, p. 64) O olhar geográfico multiescalar é imprescindível para entendermos a des-territorialização, pois, como se trata sempre de um processo concomitante de des-territorialização e reterritorialização, é preciso que se interprete em diversas escalas. O que num nível escalar, é percebido como um processo desterritorializador, em outro pode ser visto como reterritorializador. Daí a pertinência do uso do termo sempre hifenizado: des-territorialização demonstrando a indissociabilidade de suas duas faces. (HAESBART, 2001, p. 128) Segundo o próprio Haesbaert, em um trabalho conjunto com Porto-Gonçalves (2006, p. 90), defende que, “na América Latina, podemos dizer, o hibridismo cultural não é simplesmente sinônimo de “desterritorialização” de desenraizamento, mas a forma encontrada, principalmente dos povos subjugados, de se “reterritorializar”, reconstruir de algum modo seus territórios”. Exatamente o que ocorreu com a cultura hip-hop nos guetos nova iorquinos, onde jovens afro-americanos e caribenhos “desterritorializados” se apropriaram dos elementos da cultura negra e latina, formando assim o hip-hop, com o intuito de criarem novos territórios e reafirmarem suas identidades, projetando suas territorialidades no espaço-urbano da cidade de Nova York. No entanto, ao contrário do que se imaginam, essas trocas culturais não foram feitas de maneira arbitrária, uma vez que, a partir do momento que concebemos a territorialidade como uma forma estratégica de influenciar e controlar os recursos, os fenômenos e as relações de pessoas, pois o cuidado de preservar a identidade não impede que os grupos sociais e culturais mantenham relações com aqueles que são diferentes, adotando limites protetores que os impeçam de aceitar o que ameaçam seus valores essenciais, Claval (2006). Haesbaert (2007) associa hibridismo cultural a multiterritorialidades, provocada graças ao fenômeno da globalização que intensificou a hibridez e a mobilidade da cultura e da sociedade via redes geográficas, “associamos hibridismo cultural não com desterritorialização, como fazem muitos autores, mas com multiterritorialidades” Haesbaert (2007, p. 46). Na verdade, cultural e geograficamente falando, o que temos é o convívio entre múltiplos tipos de território, desde os territórios mais fechados em termos de identidade cultural (“territorialismo”), até aqueles mais abertos e “híbridos”, onde convivem lado a lado os mais diversos grupos socioculturais. (HAESBAERT; PORTO- GONÇALVES, 2006, p. 91) De fato, o processo de des-territorialização não existe em si como alguns autores chegaram a declarar no final do século XX, mas sim um processo concomitante entre a desterritorialização e a reterritorialização, ou seja, toda a desterritorialização deve ser acompanhada por uma reterritorialização. Na análise de Haesbaert (2001), o território não chegou ao seu fim, na verdade o que devemos ter é uma sensibilidade maior para analisar a escala das relações de poder. A recontextualização local de um fenômeno global: o caso de Salvador – Ba. O processo de globalização produz diferentes resultados em termos de identidade sendo algumas vezes contraditório. Para Woodward (2007), a homogeneidade cultural promovida pelo mercado global pode levar ao distanciamento da identidade à comunidade e à cultura local. No entanto, de forma alternativa e contrária, pode levar a uma resistência, que fortalece e reafirma algumas identidades locais, ou leva ao surgimento de novas posições de identidade entre os grupos. As práticas dos jovens hip-hoppers falam por si mesmas e, por meio delas, expressam a realidade concreta do local em que vivem numa forma de denúncia da realidade local, com qual se defrontam no seu dia-a-dia. As práticas dessa juventude são inspiradas num contexto internacionalizado, porém, são elaboradas na concretude da sua existência, Dayrell (2005), ganhando contornos singulares que emergem do lugar por meio da fusão das práticas culturais do hip-hop com a cultura local. [...] os jovens constroem uma forma própria de vivenciar o estilo rap em Belo Horizonte, o que dá ao estilo uma feição local, mesmo com as influencias de Rio de Janeiro, São Paulo e EUA. Esta constatação diz sobre os processos de difusão cultural no contexto de uma sociedade cada vez mais globalizada. Como expressão de uma cultura juvenil, o estilo rap não é o resultado de uma progressiva homogeneização e massificação cultural que homologaria a um único registro uma produção cultural juvenil, independente das condições estruturais concretas nas quais esses jovens estariam inseridos. (DAYRELL, 2005, p. 94) É no âmbito do lugar que vai ocorrer a reterritorialização e o enraizamento da cultura, pois enquanto a ordem da globalização é a des-territorialização, a ordem do lugar é o inverso a reterritorialização, Santos (2008). Através dos hibridismos e dos laços de solidariedades, os jovens das favelas e periferias dão um novo sentido à cultura, uma nova roupagem diferenciando-a das demais partes do globo, “ao lado de uma inquestionável globalização do universo da cultura juvenil, mantém-se uma série de aspectos locais, determinados por uma história local e contextos específicos” Sansone (1997, p. 171). Justamente o caso da cultura hip-hop que é absorvida antropofagicamente pelos jovens que pegam, misturam e devolvem a cultura da sua forma, de acordo com suas necessidades e as especificidades do lugar. A identidade Hip Hop está profundamente arraigada à experiência local e específica, e ao apego a um status em um grupo local ou família alternativa. Esses grupos formam um novo tipo de família, forjada a partir de um vinculo intercultural que, a exemplo das formações das gangues, promovem isolamento e segurança em um ambiente complexo e inflexível. E, de fato, contribuem para as construções das redes da comunidade que servem como base para os novos movimentos sociais. (ROSE, 1997, p. 202) O sociólogo Gey Espinheira, em um documentário intitulado Hip-Hop com Dendê, faz uma abordagem sobre a cultura hip-hop, enfatizando os processos de des-territorialização e territorialização da cultura, destacando a força do lugar perante esse contexto. O hip-hop é um movimento de juventude, é um movimento de rua, nós temos rua e temos juventude, juventude e rua são universais. O movimento nasceu realmente no EUA, mas quando chega aqui ele se torna baianissimo e a maneira de como é feita é como ele tivesse sido temperado com dendê. (informação verbal3 3 Trecho da fala de Gey Espinheira no documentário Hip-Hop com Dendê , grifo nosso) No Nordeste de Amaralina bairro popular da capital baiana, a cultura hip-hop ganha contornos locais. O tradicional, a música dos blocos afro, se mistura ao moderno, ao rap, o grupo Quilombo Vivo, oriundo do bairro Nordeste de Amaralina, têm um estilo próprio, na voz do grupo o portuguêsé combinado com algumas palavras em Iorubá (a língua dos orixás) no som percebe-se a influência de blocos afros e a interferência de instrumentos percussivo de origem africana, retraçam as fronteiras entre cultura tradicional e moderna, local e estrangeira, estabelecem um novo contato incessante dos sistemas simbólicos tradicionais com as redes internacionais de informação, Hershmann (2000). O objetivo dessa mistura que agente faz com a música contemporânea, que é o rap, o discurso falado, o discurso engajado, com os referenciais dos blocos afros, que foi a principal influência na formação da minha identidade, da nossa identidade nos anos 80, no final dos anos 80, durante os anos 80, até inicio dos anos 1990 e a, o discurso dos blocos afro era voltado para o resgate da auto-estima, para o fortalecimento da negritude, isso influenciou á formação da minha identidade (Informação Verbal4 4 Trecho da entrevista de Nego Juno, integrante do grupo Quilombo Vivo e da Posse Zumbi, gravado em 12/02/2008 ). A partir da fala de Nego Juno nota-se a presença do hibridismo na cultura hip- hop, porém vale salientar que a miscelânea feita pelo grupo obedece a uma ordem identitária e estratégica, uma forma de identificação ao qual está atrelada a sua territorialidade, impondo limites a algo que possa prejudicar a sua identidade. A negociação entre as diversas culturas no hip-hop é constante, a todo o momento os jovens estão negociando fronteiras, e impondo limites para que isso não implique riscos à sua identidade e a sua territorialidade, e não retire a verdadeira essência do movimento. A Posse Zumbi e a contrução da(s) identidade(s) A Posse Zumbi foi criada em 1998 cujo primeiro nome era Posse Orí, foi a segunda associação de hip-hop a ser fundada na cidade, abrangia não só os bairros da região do Nordeste de Amaralina como também outras bairros periféricos de Salvador, o intuito era de aproximar o lazer proporcionado pela cultura, á uma atividade vinculada à militância política e social através de um discurso engajado na luta contra o racismo, a exclusão e uma moradia digna, A Posse Zumbi não possui um espaço físico, ela é itinerante entre os bairros que compõe a região do Nordeste de Amaralina- RNA, que conta com o próprio Nordeste, a Chapada do Rio Vermelho, Vale das Pedrinhas e Santa Cruz, o intuito é se apropriar simbolicamente dos espaços, construindo territórios com caráter flexível, flutuante e itinerante. É nas reuniões da posse que ocorre a comunicação entre os jovens, lá eles debatem sobre os problemas do bairro, sobre política e outros assuntos voltados à juventude. É daí que os jovens se percebem protagonista de sua história emergindo um sentimento de pertença e elevando sua auto-estima, por está junto a seus iguais. Vale salientar que a Região do Nordeste de Amaralina – RNA é composta pelos quatro bairros supracitados, bairros estes de grande vulnerabilidade social, de origem comum e de forma de ocupação semelhantes, porém fragmentadas pelas fronteiras simbólicas instituída pelo tráfico de drogas e rixas das diversas facções. A Posse Zumbi buscou derrubar tais limites propondo ações de integração geográfica e cultural entre os bairros, onde os moradores para participar das atividades itinerantes tinham inevitavelmente que cruzar tais fronteiras, num esforço de sedução para a participação, de satisfação da necessidade e da criação do sentimento por fazer parte de um grupo. A ocupação da rua, dos espaços, dos lugares é vivenciado como um desafio lúdico capaz de trazer prazer e esperança. Em outras palavras, esses grupos sociais, apesar de sofrerem forte estigmatização e de serem temidos dentro do seu “habitat natural”, não elaboram territórios marginais fechados, definidos. Na realidade, produzem territorialidade que são permanentemente “conquistadas” ou apropriadas por eles em articulação ou tensão com diversas esferas da vida social. (HERSCHMANN, 2000, p. 230) Para castells (2006) os movimentos urbanos, processos de mobilização social com finalidade preestabelecida, organizados em um determinado território e visando objetivos urbanos, estariam voltados a três conjuntos de metas principais, necessidades urbanas de condições de vida e consumo coletivo; afirmação da identidade cultural local; e a conquista da autonomia política local junto a participação na qualidade de cidadãos. As Posses são unidades de organização autônoma dos adeptos do hip-hop que se reúnem para estudar a cultura afro brasileira e intervir nos problemas sociais que afligem o bairro, como drogas, gravidez na adolescência, desemprego, problemas habitacionais, os diversos tipos de violência, entre outros temas. As Posses se configuram como um dos importantes instrumentos de conscientização e organização do movimento hip-hop, construindo identidades que ganhou forma e corpo na postura, nas letras de rap, nos desenhos de grafites e nos movimentos da dança. A nossa primeira organização de hip-hop foi também baseada nas formas de organização, nas formas que a comunidade sempre se organizou, através de associação, através de encontros semanais de debates e nós decidimos nos organizar enquanto hip-hoppers, enquanto jovens negros responsáveis pela luta do movimento negro, agente se organizou como as associações se organizam, com reuniões semanais para discutir os problemas da comunidade, para discutir soluções para esses problemas da comunidade, intervenções, de que forma nos poderíamos intervir para identificar os problemas e solucioná-los alguns problemas, e para levar na pauta da sociedade esses problemas da comunidade e colocar na pauta do Estado para ser debatido os problemas da comunidade, agente se decidiu a se organizar através de uma posse como agente denomina as organizações do movimento hip-hop (Informação Verbal)5 5 Trecho da entrevista de Nego Juno, integrante do grupo Quilombo Vivo e da Posse Zumbi, gravado em 12/02/2008 . Para esses jovens que se organizam por meio das Posses, a transformação pretendida se dá a partir do momento em que eles, como parte da periferia onde vivem, buscam ser um exemplo para a comunidade, no propósito de romper com as barreiras impostas pela segregação social o qual todos são vitimados, entretanto, para atingir essa finalidade é preciso que se compreenda qual é o real sentido almejado pelo movimento e, nesse intuito, perceber com maior profundidade a situação social vivida pela comunidade, é um passo importante. Essa compreensão exige estudos da realidade local e global, e articulação do produto destes nas letras de rap para que esta transformação de fato ocorra. O sentimento de identidade e pertencimento por exemplo, embora subjetivo, tem sempre um sentido. Como tentamos demonstrar. esta identidade é simultaneamente uma forma de relação social e uma forma de representação espacial que resulta num certo tipo de territorialidade. Em outros termos, essa identidade não é um dado irredutível da realidade, mas sim uma construção, que associa de maneira vital e orgânica os vínculos entre o grupo e seu território. (GOMES, 2006, p.118 e 119) As atividades da Posse têm um cunho político, na maioria das vezes são vinculados a outros movimentos sociais como associação de moradores e movimento negro, o que contribui para a construção da identidade de negros e pobres, não exaltando a pobreza, e sim reivindicando, como pobres sua condição de humanos, com valores e visão de mundo própria, demonstrando que as identidades não são arbitrárias nem aleatórias, ancoram-se em referentes materiais, tendosempre um referencial sócio-político concreto, Haesbaert (1999). Alguns autores como Andrade (1999), consideram o movimento hip-hop como uma vertente do movimento negro, o movimento negro-juvenil, já que falam a linguagem dos jovens, entendem e vivem os problemas vivenciados pelos mesmos. A Posse assume seu ideário de grupo negro juvenil no movimento hip-hop, e com essa prática os jovens alcançam um duplo objetivo: primeiro, se fortalecem na vida grupal como jovens; e, segundo desenvolvem o cultivo da auto-estima como negros: aliada a essa duplicidade está a sua consciência política de classe pobre e oprimida. (ANDRADE, 1999, p. 90) Os membros da Posse almejam visibilidade e poder de voz, um protagonismo negado em todo história da juventude negra a esses atores sociais, que se reafirmam como jovens demonstrando sua capacidade de apresentar idéias, compartilhar opiniões e sugerir mudanças sociais. Segundo Andrade (1999) as Posses promovem aos jovens, negros e pobres o cultivo à auto-estima e a luta pelo direito a cidadania. Nesse ínterim observa-se que a educação alternativa, desenvolvida no interior do grupo, é a responsável pela articulação desses jovens. Considerações finais O Hip Hop se encontra hoje como um dos mais importantes movimentos de construção e auto-afirmação da identidade dos jovens negros na sociedade contemporânea em busca da alteridade e do respeito negados ao longo da maior parte da sua história. Sua atuação no contexto social atual surge como fruto da tomada de consciência das inúmeras faltas cometidas contra a população negra, pautando-se pela busca de caminhos que conduzam ao reconhecimento e ao respeito às diferenças da comunidade por meio da arte e da cultura. A construção da identidade dos Jovens hip-hop na Posse Zumbi, ocorre dentro de um processo, onde estão incluso a diferença a partir do outro, abordada durante todo o trabalho de acordo com os escritos de Woodward (2007) e Silva (2007), o sentimento de pertença, e a conscientização do grupo por meio do coletivo, uma vez que é a partir da solidariedade e da organização entre os jovens que emerge um sentimento de pertença, por fazer parte de um grupo ou de uma posse onde os jovens são sujeitos de sua própria história, como afirmar Castells (2006), que para que as identidades sejam construídas, faz-se necessário um processo de mobilização social, isto é, as pessoas precisam participar de algum tipo de movimento seja ele urbano ou rural não necessariamente revolucionário, pelos quais são revelados e definidos interesses em comum, e a vida é de algum modo, compartilhada, e um novo significado pode ser produzido. REFERÊNCIAS: BRITO, C. Algumas observações sobre o conceito de território. 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