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Fundação Biblioteca Nacional ISBN 978-85-387-6691-9 9 7 8 8 5 3 8 7 6 6 9 1 9 Código Logístico 59604 Vivemos em um país profundamente marcado pelas desigualdades sociais. Essa realidade não é nova, está presente em nosso cotidiano há tempos. Para entendê-la, é preciso compreender a importância das políticas étnicas implementadas em nosso país e a sua relação com o Serviço Social. Nesse sentido, a proposta desta obra é possibilitar ao aluno em formação em Serviço Social compreender, de modo mais aprofundado, as relações da educação étnico-racial com a profissão de assistente social. Ao longo da leitura, o leitor terá a oportunidade, também, de conhecer e indagar sobre os processos políticos e culturais do nosso país e como eles formaram a nossa sociedade. IDENTIDADES CULTURAIS E SERVIÇO SOCIAL NO BRASIL THA LYTA M A BEL N OBRE BA RBOSA Identidades culturais e Serviço Social no Brasil Thalyta Mabel Nobre Barbosa IESDE BRASIL 2020 © 2020 – IESDE BRASIL S/A. É proibida a reprodução, mesmo parcial, por qualquer processo, sem autorização por escrito da autora e do detentor dos direitos autorais Projeto de capa: IESDE BRASIL S/A. Imagem da capa: barsrsind/Elements.envato.com CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ B213i Barbosa, Thalyta Mabel Nobre Identidades culturais e serviço social no Brasil / Thalyta Mabel Nobre Barbosa. - 1. ed. - Curitiba [PR] : IESDE, 2020. 96 p. : il. Inclui bibliografia ISBN 978-85-387-6691-9 1. Serviço social - Brasil. 2. Identidade social - Brasil. 3. Pluralismo cultural - Brasil. 4. Brasil - Relações étnicas. I. Título. 20-66711 CDD: 305.896981 CDU: 316.347(81) Todos os direitos reservados. IESDE BRASIL S/A. Al. Dr. Carlos de Carvalho, 1.482. CEP: 80730-200 Batel – Curitiba – PR 0800 708 88 88 – www.iesde.com.br Thalyta Mabel Nobre Barbosa Vídeo Mestra em Serviço Social pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Graduada em Serviço Social pela mesma instituição. Tem experiência como docente da área de Serviço Social e Metodologia Científica na graduação e na pós-graduação, tanto em instituições públicas quanto privadas. Atua como autora, designer educacional e consultora educacional na elaboração, gestão e implementação de materiais didáticos para a EaD. Agora é possível acessar os vídeos do livro por meio de QR codes (códigos de barras) presentes no início de cada seção de capítulo. Acesse os vídeos automaticamente, direcionando a câmera fotográ�ca de seu smartphone ou tablet para o QR code. Em alguns dispositivos é necessário ter instalado um leitor de QR code, que pode ser adquirido gratuitamente em lojas de aplicativos. Vídeos em QR code! SUMÁRIO 1 A identidade cultural do povo brasileiro 9 1.1 Uma compreensão sociológica da identidade 9 1.2 Identidade e representação social 12 1.3 Identidade e cultura 14 1.4 Identidades culturais e culturas nacionais 19 2 Estrutura social e aspectos étnico-culturais 25 2.1 Cultura 25 2.2 Etnocentrismo 29 2.3 Etnia e raça 32 2.4 Preconceito, racismo e discriminação 34 3 Brasil: cidadania, democracia e direitos sociais 42 3.1 Discutindo cidadania e democracia 42 3.2 O processo político das lutas sociais no Brasil 46 3.3 Os direitos sociais no Brasil contemporâneo 52 3.4 Cidadania e democracia: avanços e retrocessos 54 4 Políticas brasileiras de inclusão e o Serviço Social 59 4.1 As relações étnico-raciais 60 4.2 O Estado e a educação inclusiva 65 4.3 As políticas sociais e o Serviço Social 67 4.4 O profissional do Serviço Social e as diferenças culturais 71 5 A questão étnico-racial e o Serviço Social 76 5.1 O Serviço Social e o debate sobre a questão étnico-racial 77 5.2 A questão étnico-racial na formação em Serviço Social 81 5.3 A percepção dos assistentes sociais acerca do racismo 86 5.4 A materialização do racismo nos espaços sócio-ocupacionais 89 Agora é possível acessar os vídeos do livro por meio de QR codes (códigos de barras) presentes no início de cada seção de capítulo. Acesse os vídeos automaticamente, direcionando a câmera fotográ�ca de seu smartphone ou tablet para o QR code. Em alguns dispositivos é necessário ter instalado um leitor de QR code, que pode ser adquirido gratuitamente em lojas de aplicativos. Vídeos em QR code! Vivemos em um país profundamente marcado pelas desigualdades sociais. Essa realidade não é nova, está presente em nosso cotidiano há tempos. Para entendê-la, estudaremos sobre a importância das políticas étnicas implementadas em nosso país e a sua relação com o Serviço Social. Nesse sentido, a proposta desta obra é permitir que você, aluno em formação em Serviço Social, seja capaz de compreender, de modo mais aprofundado, as relações da educação étnico-racial com a nossa profissão. Para que possamos obter êxito nessa caminhada rumo ao conhecimento acadêmico, recomendamos que esteja atento aos conceitos aqui apresentados e que seja capaz de realizar as mediações com o cotidiano profissional do assistente social. Nos Capítulos 1, 2 e 3, aprofundaremos os conceitos de cultura, preconceito, racismo, exclusão, cidadania, democracia, raça e etnia. Já nos Capítulos 4 e 5, refletiremos sobre a temática abordada nos capítulos anteriores, relacionando-a ao Serviço Social. Partindo, então, para a reflexão sobre a importância das políticas sociais e a relação do Serviço Social com elas, estudaremos a importância das políticas de inclusão social e como elas se materializam na sociedade brasileira. Por fim, estudaremos sobre a percepção dos assistentes sociais acerca do racismo e a sua materialização nos espaços socioprofissionais. Ao longo da leitura, você terá a oportunidade de conhecer e indagar sobre os processos políticos e culturais do nosso país e como eles formaram a nossa sociedade. Esperamos que ao final da leitura você seja capaz de identificar e respeitar as pluralidades culturais existentes, bem como reconhecer a importância das políticas de inclusão do nosso país. É com o conhecimento que entenderemos a realidade social. Esse saber é fundamental para que possamos atuar como assistentes sociais. Bons estudos! APRESENTAÇÃO A identidade cultural do povo brasileiro 9 1 A identidade cultural do povo brasileiro Neste capítulo, estudaremos sobre a identidade e a sua com- preensão sociológica, bem como a de representação social e cultu- ral e como ponto definidor das culturas nacionais. A finalidade deste capítulo é nos fazer refletir sobre a iden- tidade do povo brasileiro, uma vez que cada região do país tem culturas diferentes. A reflexão também é válida para pensarmos como formamos e construímos a nossa cultura nacional em meio a essa diversidade. 1.1 Uma compreensão sociológica da identidade Vídeo Você já parou para pensar sobre o que é a identidade e como ela se forma? Quando abordamos o conceito de identidade, trabalhamos com a ideia de senso comum de que ela é formada por características próprias de um determinado sujeito, diferenciando-o de outro. Definir o que é identidade e como ela se forma é muito difícil, pois vivemos num mundo pós-moderno, globalizado, com mudanças cons- tantes e ao mesmo tempo com todos conectados por meio das mídias sociais e da internet. Isso nos leva a uma construção social diária, pois convivemos com as mais diversas culturas dentro do nosso lar, seja no simples café que tomamos, seja nas roupas que usamos. Podemos dizer que isso também se aplica à tecnologia e à informação, que auxi- liam na expansão cultural. Segundo Hall (1997), as conexões feitas levam a mudanças culturais globais, gerando uma rápida mudança social, apagando as particula- ridades e diferenças locais e produzindo, em seu lugar, uma cultura mundial homogeneizada, ocidentalizada. 10 Identidades culturais e Serviço Social no Brasil Para Bauman (2005, p. 33), firmar uma única identidade é qua- se impossível, “umavez que seu Cristo é Judeu. Seu carro é japonês. Sua pizza é italiana. Sua democracia, grega. Seu café, brasileiro. Seu feriado, turco. Seus algarismos, arábicos. Suas letras, latinas. Só seu vizinho é estrangeiro”. No mundo globalizado, nossa identidade não é única, ela é formada com base em nossa concepção de mundo, que, como sugere Bauman (2005), é fruto da mistura de culturas, de preceitos sociais e dos grupos aos quais pertencemos. Temos diversos tipos de identidade, entre as quais podemos iden- tificar a identidade pessoal ou individual, a qual, segundo Nascimento (2001, p. 10), pode ser entendida como um conjunto de valores, representações e conhecimentos particulares de cada ator, não pré-existe aos processos de interação como uma essência primordial e inde- pendente, mas constrói-se em referência a categorizações es- pecíficas de grupos de pertença, definidoras de determinadas identidades sociais, que se jogam dialeticamente em tensão com as autoimagens e os papéis desempenhados pelos atores. Quando abordamos o termo identidade no que concerne ao pen- samento sociológico, podemos dizer que ele é muito complexo, pois nos leva a várias definições, como supracitado, uma vez que não te- mos apenas uma identidade definida, e sim identidades. Segundo Hall (2005, p. 8), o conceito de identidade “é demasiadamente complexo, muito pouco desenvolvido e muito pouco compreendido na ciência so- cial contemporânea para ser definitivamente posto à prova”. Passeando entre os conceitos estabelecidos pelos estudiosos do tema, temos Castells (2008, p. 24), que afirma que existem três formas e origens de identidade: • Identidade legitimadora: introduzida pelas instituições dominan- tes da sociedade no intuito de expandir e racionalizar sua domi- nação em relação aos atores sociais; • Identidade de resistência: criada por atores que se encontram em posições/condições desvalorizadas e/ou estigmatizadas pela lógica da dominação; • Identidade de projeto: quando os atores sociais, utilizando-se de qualquer tipo de material cultural ao seu alcance, constroem uma nova identidade capaz de definir sua posição na sociedade e, ao fazê-lo, de buscar a transformação de toda a estrutura social. Para esse autor, a identidade formada no mundo globalizado é a identidade de projeto, pois seja pessoal, seja nacional, ela é formada com base na estrutura social estabelecida pela sociedade que rege cada país, ou por cada grupo que determina a construção dela no seu meio. Outro autor que também aborda essa temática é Stuart Hall (2005), o qual afirma que as identidades foram se formando por meio do su- jeito do iluminismo, o sociológico e o pós-moderno, ou seja, a forma- ção de uma identidade cultural e/ou nacional se dá a partir do século XVIII, em uma busca constante desse homem moderno de se colocar no mundo como alguém que pertence a algum lugar. A busca por uma identidade nos remete também à ideia de pertencimento, de fazer par- te daquele espaço, daquela cidade ou do seu país de origem. É o mo- mento em que o poder absolutista está sendo contestado, em que se pede liberdade política, econômica e social. Os dois autores partilham a ideia de que os processos identitários se dão devido à humanidade estar em mudança constante. Mudan- ças essas que se aceleraram com o processo das grandes navegações, quando os europeus se aventuraram em conquistar novos lugares no mundo e introduzir sua cultura nos povos nativos. Ao longo dos séculos XVIII e XIX, também temos a mudança de pensamento com os ilumi- nistas, os quais começaram a refletir sobre a liberdade política, social, religiosa e econômica. Nesse percurso, avançamos para a Revolução Industrial, que traz uma mudança no meio social, em que o ser humano muda seu modo de vida, ou seja, migra do campo para buscar emprego na cidade, devido ao processo de industrialização, o que faz com que ele busque o seu lugar no mundo, assim como sua identidade. Outro autor que nos traz a abordagem sobre identidade é Zyg- munt Bauman (2005), o qual nos mostra que ela é múltipla, diversa e fluida, pois vai mudando de acordo com o tempo e com a cultura de um povo, uma vez que temos em uma única cultura a inserção de di- versas outras, o que foi propor- cionado pelas migrações e pela globalização, visto que não te- mos mais nações separadas, e sim unificadas por meio do co- mércio, das comunicações e dos meios de transporte. Explique como a sociologia aborda o conceito de identidade. Atividade 1 Figura 1 Globalização Ve ct or M in e/ Sh ut te rs to ck A identidade cultural do povo brasileiro 11 12 Identidades culturais e Serviço Social no Brasil De acordo com Hall (2005, p. 75), quanto mais a vida social se torna mediada pelo mercado global de estilos, lugares e imagens, pelas viagens internacionais, pelas imagens da mídia e pelos sistemas de comunicação globalmente interligados, mais as identidades se tornam desvinculadas – de- salojadas – de tempos, lugares, histórias e tradições específicos e parecem “flutuar livremente”. É com base na identidade que temos o desenvolvimento da cultura de um país ou de uma região, com a ideia de pertencer a um lugar, a um grupo, a uma religião. Isso é o que define alguém em relação ao seu papel social; por exemplo, a pessoa pode ser um professor em seu am- biente de trabalho, mas quando adentramos no âmbito familiar, encon- tramos outras identidades formadas, como a de filho, pai e irmão, o que nos leva a entender que uma pessoa possui múltiplas identidades. En- tender a constituição de uma identidade social é tentar interpretar como essas múltiplas identidades se relacionam em cada indivíduo. 1.2 Identidade e representação social Vídeo A nossa identidade é constituída no cotidiano, por meio da intera- ção social aliada à afinidade de um grupo. Isso nos leva a uma ideia de pertencimento a um lugar, e o sentido de pertencer nos leva à base de integração dos sujeitos no âmbito social e ao desenvolvimento da representação social deste sentido. As representações sociais são formadas por informação, campo cognitivo e atitude. Então, vamos ter na informação a organização do conhecimento e no campo cognitivo, a formação da imagem, e a atitude vem a ser o posicionamento frente ao objeto que está sendo formado. Assim como o conceito de identidade, o conceito que aborda a re- presentação social também é complexo, pois permeia várias áreas, como a psicologia, a antropologia e a sociologia. Ao fazer a associação de identidade e representação social, pode- mos observar que trabalham com a ideia de pertencimento, de alteri- dade e da visão do outro; assim, buscam a valorização do sentimento de pertencimento desenvolvido com base em diferentes condições so- ciais, culturais, emocionais, físicas e étnicas desses sujeitos, formando a identidade social. A globalização tem grande impacto na formação das identidades culturais. No entando, muitas vezes não percebemos o tamanho ou a proximidade que esle está de nós. Você já parou para pensar o quanto esse fenômeno impacta em você, na sua comunidade e no seu país? Busque identificar nesse âmbitos influências diretas da globalização na formação da identidade. Desafio A identidade cultural do povo brasileiro 13 Para saber mais sobre representação social e identidade, recomendamos a leitura do artigo Diálogo entre representação social e identidade: considerações iniciais, de Lícia Maria Vieira Vasconcellos e Vitor Nunes Caetano. Acesso em: 23 set. 2020. http://www.cap.uerj.br/site/images/trabalhos_espacos_de_dialogos/13-Vasconcellos_e_Caetano.pdf Artigo Quando abordamos a psicologia para explicar a representação so- cial, Moscovici (1981, p. 181, apud VASCONCELLOS; CAETANO, 2014, p. 6) afirma que a representação social é “um conjunto de conceitos, afir- mações e explicações originárias da vida cotidiana no curso de comu- nicação intergrupal”. Para Vasconcellos e Caetano (2014, p. 6), parafraseando Jodelet (1989)e Vala (1993), quando a abordagem é em relação aos conceitos sociológico ou antropológico tão ou mais vastos do que o próprio conceito de representação, e ainda segundo Jodelet (1989, p. 36) “uma forma de conhecimento, socialmente mais desenvolvido e compartilha- do com projetos práticos e contribuindo para a construção de uma realidade comum ao grupo social”, relativamente aos quais o conceito de representação social “confere novas acuidades e suscita a procura de novas pontes articuladoras do velho binô- mio indivíduo-sociedade” (VALA, 1993, p. 360). A representação social é formada nas famílias e nas escolas por meio da publicidade veiculada cotidianamente nos jornais, no rádio e nas mídias sociais. Diariamente, somos bombardeados por inúmeras propagandas dos mais diversos tipos de produtos, informando-nos como eles devem fazer o “bem” e representar a estrutura social. A tele- visão, o rádio, os jornais e as propagandas de inúmeros produtos ten- tam passar a ideia de uma identidade, de uma unidade, na qual todos estão unidos e utilizam esses produtos para ficarmos belos. Há uma tentativa de uniformização da mídia ao longo dos séculos por parte dos costumes, da sociedade e da ditadura da moda para es- tabelecer um processo civilizador, como explica Norbert Elias (1994) quando nos traz a abordagem da história dos costumes, os quais elen- camos como algo natural, que representa a identidade de um país ou somente a identidade local. Como podemos definir o concei- to de representação social? Atividade 2 http://www.cap.uerj.br/site/images/trabalhos_espacos_de_dialogos/13-Vasconcellos_e_Caetano.pdf 14 Identidades culturais e Serviço Social no Brasil Elias (1994, p. 15) nos diz que “mesmo na sociedade civilizada, ne- nhum ser humano chega civilizado ao mundo e que o processo civi- lizador individual que ele obrigatoriamente sofre é uma função do processo civilizador social”. Assim, vão se formando a sociedade e, com ela, a representação social de cada indivíduo, que passa pelo processo civilizador social e tem ali a sua identidade sendo moldada dentro dos parâmetros sociais em que vive. O indivíduo que busca a sua representação social, procura ela por meio dos discursos declamados pela sociedade, seja no seio familiar, na escola ou onde ele vive e convive. De acordo com Vasconcellos e Caetano (2014, p. 11), as representações intervêm ainda em processos tão variados como a difusão e a assimilação de conhecimento, a constru- ção de identidades pessoais e sociais, o comportamento intra e intergrupal, as ações de resistência e de mudança social. Nesse sentido, conforme Hall (2005), as identidades são forma- das dentro, e não fora, do discurso, sendo necessário compreendê- -las como produzidas em locais históricos e institucionais específicos, em formações e práticas discursivas específicas e, ainda, com estra- tégias e iniciativas específicas. Para o mesmo autor, dentro dessas questões, a identidade precisa ser analisada no interior do jogo de mo- dalidades específicas de poder, demonstrando-se, assim, um produto de marcação da diferença e da exclusão. 1.3 Identidade e cultura Vídeo Identidade e cultura são dois conceitos que podem ser trabalhados separadamente, mas também nos levam a pensar sobre a identidade cultural de um povo. Vimos que o conceito de identidade foi bastante abordado em estudos ao longo das décadas. Já o estudo da cultura vem sendo desenvolvido desde a década de 1960, quando diferen- tes culturas passaram a ser obeservadas e foram iniciados estudos sociológicos e antropológicos, assim como históricos, sobre os mais diversos povos e seus modos de vida. De acordo com Freitas Junior e Perucelli (2019, p. 112), uma vez que a identidade proporciona a compreensão das predileções do indivíduo, e seu pertencimento a determinado espaço ou local, no qual a cultura faz-se presente, englobando A identidade cultural do povo brasileiro 15 várias simbologias, crenças e valores que trazem história. Sendo assim, a cultura em suas diversas abordagens corrobo- ra para a definição dessa identidade, pois de alguma forma os indivíduos, em sua gênese, possuem contato com algum modo de cultura, acreditando-se que esse elo inicial seja transmitido e influenciado em seu marco inicial pela família, e depois por outros meios de sociabilização. Do mesmo modo, temos também a junção desses dois conceitos com a identidade cultural, a qual tem como princípio estudar o homem em seu meio natural ou a sua capacidade de adaptação aos grandes centros e às mudanças espaciais e sociais que eles promoveram e que levaram ao desenvolvimento de diversas culturas. A nossa cultura na atualidade é fruto, como já mencionado, das rela- ções interculturais disseminadas principalmente pela mídia. De acordo com Hall (1997, p. 22), isso ocorre com o bombardeio dos aspectos mais rotineiros de nosso cotidia- no por meio de mensagens, ordens, convites e seduções; a extensão das capacidades humanas, especialmente nas re- giões desenvolvidas ou mais “ricas” do mundo, e as coisas práticas – comprar, olhar, gastar, poupar, escolher, sociali- zar – realizadas à distância, “virtualmente”, através das novas tecnologias culturais do estilo de vida soft. A expressão “centralidade da cultura” indica aqui a forma como a cultu- ra penetra em cada recanto da vida social contemporânea, fazendo proliferar ambientes secundários, mediando tudo. A ideia de cultura também nos remete à formação de povo, de se estabelecer o que seria “civilizado” e “bárbaro”. A cultura do que seria civilizado era aquela para as camadas consideradas superiores, como era vista a cultura francesa, pois o simples ato de falar francês já conferia status. O que seria considerado bárbaro era a cultura ale- mã, assim como sua língua e sua escrita, as quais faziam menção a classes mais baixas. Elias (1994) nos mostra que as culturas buscavam uma sincronia, pois quem fazia parte da classe mais favorecida alemã sempre incluía palavras em francês, algo que as regras e a cultura, ao longo dos séculos XVIII e XIX, exigiam. Mas como poderíamos conceituar cultura? Em nossa sociedade, costumamos afirmar que uma pessoa que demonstra muito conhe- cimento é uma pessoa culta, ou seja, uma pessoa com grandes co- nhecimentos nos passa uma ideia de que ela tem cultura ou é muito 16 Identidades culturais e Serviço Social no Brasil inteligente. Porém, essa é uma situação muito simplória para definir- mos o termo cultura por meio dela. É importante que você saiba que o termo cultura não possui um único significado. Isso pode ser obser- vado nas várias definições que há sobre ele. Por exemplo, para Laraia (2001, p. 67) “a cultura é como uma lente através da qual o homem vê o mundo. Homens de culturas diferentes usam lentes diversas e, por- tanto, tem visões desencontradas das coisas”. Podemos explicar isso sob a perspectiva de que a cultura corresponde à ideia de diversidade, de observar a realidade e até mesmo um objeto. Essa percepção é importante, pois com base nessa ideia de cultura começamos a entender os motivos pelos quais divergimos dos nossos amigos no que se refere a algum tema, por exemplo, posicionamento religioso ou político. Perceba que a herança cultural nos auxilia a inter- pretar o nosso cotidiano. Então, veja que ao nosso redor existem dife- renças culturais e uma pluralidade cultural que deve ser vista por todos nós como algo positivo, e não com descriminação. Observe que as culturas são as mais diversas, apesar do sincretismo cultural que ocorre desde os tem- pos mais remotos. Mas você sabe o que significa sincretismo cultural? Já ouviu essa expressão na televisão ou nas redes sociais? O sincretis- mo é a fusão de diversas doutrinas para a formação de uma nova, sejam doutrinas religiosas, culturais ou filosóficas. Pode- mos observar a questão do sincretismo na formação da sociedade brasileira, pois ele também é importante na cons- trução da identidade cultural de um povo. JáBauman (2005) faz a abordagem da cultura voltada para o con- sumo. Essa cultura remete ao período da Idade Moderna e tinha como principal função definir que o que era bom e belo para uma classe so- cial não servia para as classes menos favorecidas. Esse tipo de cultura entra em declínio quando adentramos no sécu- lo XXI, na sociedade pós-moderna, a qual buscava uma interação entre os espaços que foram sendo ocupados; com isso, a cultura passa a ser mesclada, mixada com outras. De acordo com Castells (2008, p. 79), com a inserção de diversas culturas, “a identidade local, na maioria das Figura 2 Grupo multiétnico RiRo/Shutterstock A identidade cultural do povo brasileiro 17 vezes, entra em intersecção com outras fontes de significado e reco- nhecimento altamente diversificado que dá margem a interpretações alternativas”. O que se vê é que uma cultura, mesmo com a inserção de culturas adjacentes, faz a sua própria identidade e, assim, busca alter- nativas, muitas vezes para que haja a sua preservação. Um exemplo que podemos utilizar é a diversidade cultural exis- tente em todo o território brasileiro. Temos a cultura nordestina, a cultura sulista, a paulistana, a carioca. Assim, com essas distinções culturais, formamos um país com cores, sabores e um povo comple- tamente distinto. A distinção vem dos tempos de colonização, quando a nossa cultura foi sendo formada a partir da mistura do homem branco, do indíge- na e do negro. Esse sincretismo cultural nos levou a ter o povo mais miscigenado do mundo, com uma cultura múltipla, assim como uma identidade complexa e misturada. A formação do povo brasileiro e a construção da sua cultura vem sendo estudada desde o século XIX. Naquele período, pensava-se que na formação do nosso povo havia uma maior participação dos homens brancos e negros, ou seja, imaginava-se que tínhamos como soberanas as culturas branca e negra. Quando adentramos nos úl- timos anos desse século, passa a ser estudada a formação do povo brasileiro com a mistura das três raças, ou seja, com a interseção das culturas negra, indígena e branca moldando a construção da identidade do brasileiro. Alguns autores também abordaram a formação do povo brasileiro e da sua identidade, como Freyre (2004), que nos mostra que o povo brasileiro é composto pelo sincretismo cultural e social do negro com o branco, cada qual com a sua carga identitária. Para esse autor, o negro foi peça fundamental para a construção do Brasil com a sua cultura africana, havendo a inserção dela no cotidiano dos homens brancos, assim como a absorção da cultura branca por eles, fosse no modo de falar, de se vestir e de comer ou na religião, que foi a parte mais im- pactada, pois os negros tiveram que deixar suas crenças de lado e abra- çar (não totalmente) o cristianismo. Quando abordamos Holanda (1995), o pensamento em relação à formação do povo brasileiro tem suas raízes no povo indígena da re- Quer conhecer um pouco mais sobre a cultura baia- na? Sugerimos a leitura da obra Gabriela, Cravo e Canela, de Jorge Amado, pois retrata a sociedade, a cultura e os costumes baianos. AMADO, J. São Paulo: Companhia das Letras, 2012. Livro 18 Identidades culturais e Serviço Social no Brasil gião de São Paulo e nos bandeirantes que adentraram e conquistaram o interior do nosso território na época colonial. Vários outros autores nos trazem a abordagem da formação iden- titária e cultural brasileira, como Florestan Fernandes, citado por Fer- nando Henrique Cardoso (2013), que fala das relações entre brancos e negros, do racismo, das relações econômicas e, consequentemente, da identidade racial, o que nos leva a uma segregação cultural e ao reflexo cultural e identitário na sociedade atual. A cultura híbrida do nosso povo foi colocada como algo atrasado, subjugado, dando a sensação de inferioridade para aqueles que não fossem brancos. Fomos formados, como retrata DaMatta (1997), com base em uma hierarquização cultural, o que gerou inúmeras críticas, pois um povo híbrido, fruto de três raças, não tinha como formar uma identidade forte, muito menos promover uma identidade cultural per- meada pelo contexto europeu como se era esperado. Um fato interessante sobre a identidade e a cultura do povo bra- sileiro é que se percebe que até hoje não nos acostumamos com o sincretismo cultural, mesmo tendo no nosso cotidiano palavras, comidas e costumes que herdamos dos três grupos formadores da cultura brasileira. Embora estejamos no século XXI, ainda perdura entre os brasilei- ros a busca pela cultura europeia, dita como avançada ou evoluída, em detrimento da nossa, apesar de ela ser uma cultura rica, diversifica- da, com especificidades em cada lugar do país. Surge então uma pergunta: qual a identidade cultural brasileira? É uma pergunta inquietante devido à extensão territorial brasileira, que compreende diferentes costumes, palavras e culturas. Assim, quando trabalhamos com identidade e cultura, observamos que esses dois conceitos se unem, dando um sentido de pertenci- mento, de ser brasileiro. Com isso, podemos observar no mundo que as culturas estão se misturando, como abordamos anteriormente. O homem do século XXI é um homem plural, múltiplo, que tem no seu cotidiano a sua identidade sendo construída, uma vez que ela não é inflexível, rígida. Assim ocorre também com o Brasil, pois está inserido nesse mundo globalizado. Outro autor que merece ser cita- do é o antropólogo potiguar Luís da Câmara Cascudo, que, mesmo fora do eixo Rio-São Paulo, produziu grandes obras sobre a cultura popular do nosso país ouvindo pessoas e caminhando pelo sertão nordestino. Curiosidade Ao estudar sobre a cultura nacional, vimos que ela se rela- ciona diretamente à formação da identidade cultural de um povo. No que concerne ao Brasil, como ocorreu a evolução do processo de construção de sua identidade? Atividade 3 A identidade cultural do povo brasileiro 19 1.4 Identidades culturais e culturas nacionais Vídeo Quando trazemos a abordagem sobre identidade cultural e cultura nacional, algumas perguntas surgem, entre as quais podemos desta- car: qual é a identidade do povo brasileiro? Temos uma identidade for- mada? Ou temos a formação de várias identidades nos mais variados lugares e culturas diferentes que formam a nação brasileira? Como es- sas identidades se formaram? O que contribui para um forte sentido de identidade? Algumas dessas perguntas são respondidas ao longo do texto, outras são um tanto difíceis de responder, uma vez que trabalhar com a identidade de um país de tamanho continental e que apresenta as mais variadas culturas, como o Brasil, torna-se um grande desafio. Esses questionamentos também foram feitos em vários momentos na história brasileira. Tornamo-nos uma nação no ano de 1822, com um povo mestiço, em sua maioria analfabeto, e ainda com a utilização da mão de obra escrava, mas com uma cultura riquíssima e com uma identidade ainda para ser definida. Qual identidade abraçaríamos, a da cultura branca, negra ou indígena? Esse questionamento foi abordado por vários intelectuais daquela época, porém observamos que a cultu- ra que defendiam era a cultura branca, mais precisamente a europeia. No decorrer da história do Brasil, a elite intelectual buscou, durante os séculos XIX e XX, estabelecer e elencar a cultura e a identidade brasi- leira, para assim chegar à formação da cultura nacional. A busca pela construção histórica do Brasil começou com o governo de D. Pedro II e a abertura do Instituto Histórico e Geográfico do Brasil (IHGB), em 1838, que tinha como princípio construir a história do povo e da nação brasileira. Vários autores e pesquisadores foram contrata- dos pelo império para que essa missão fosse cumprida. Entre esses autores, temos Francisco Vanhagen, o qual foi contratado por D. Pedro II para escrever sobre a história e a formação do povo brasileiro. Devido ao processo de conexão entre as sociedades, um dos fatores quefazem com que os habitantes de uma região se identifiquem é a língua; o entendimento e a compreensão dela auxiliam no desenvolvi- mento da identidade cultural de um país. 20 Identidades culturais e Serviço Social no Brasil Sobre a criação do IHGB e a construção da história brasileira, Guimarães (1988, p. 2) afirma que é no bojo do processo de consolidação do Estado Nacional que se viabiliza um projeto de pensar a história brasileira de forma sis- tematizada. A criação, em 1838, do Instituto Histórico e Geográ- fico Brasileiro (IHGB) vem apontar em direção à materialização deste empreendimento, que mantém profundas relações com a proposta ideológica em curso. Uma vez implantado o Estado Nacional, impunha-se como tarefa o delineamento de um perfil para a “Nação brasileira”, capaz de lhe garantir uma identidade própria no conjunto mais amplo das “Nações”, de acordo com os novos princípios organizadores da vida social do século XIX. Ainda sobre essa formação da identidade nacional, para Guimarães (1988, p. 3), ao definir a Nação brasileira enquanto representante da ideia de civilização no Novo Mundo, esta mesma historiografia esta- rá definindo aqueles que internamente ficarão excluídos deste projeto por não serem portadores da noção de civilização: índios e negros. O conceito de Nação operado é eminentemente restri- to aos brancos, sem ter, portanto, aquela abrangência a que o conceito se propunha no espaço europeu. Construída no campo limitado da academia de letrados, a Nação brasileira traz consigo forte marca excludente, carregada de imagens depreciativas do “outro”, cujo poder de reprodução e ação extrapola o momento histórico preciso de sua construção. Dessa forma, falar de nação e da sua formação significa adentrar nas camadas mais profundas do pensamento de um povo, o que nos leva ao desenvolvimento de uma identificação coletiva. Uma nação nasce a partir da unificação do seu território, quando em toda a sua ex- tensão se tem um mesmo governante, uma mesma moeda, uma mes- ma língua, os mesmos impostos, assim como suas fronteiras definidas. Vale salientar que a criação da nação é algo moderno, inventado em meio a símbolos, práticas e comportamentos, isso tudo nos levando ao desenvolvimento de uma identidade nacional. Com isso, o processo de construção da identidade surge da narrativização do eu, mas a natureza necessariamente ficcio- nal desse processo não diminui, de forma alguma, sua eficácia discursiva, material ou política, mesmo que a sensação de per- tencimento, ou seja, a “suturação à história”, por meio da qual A identidade cultural do povo brasileiro 21 as identidades surgem, esteja, em parte, no imaginário (assim como no simbólico) e, portanto, sempre, em parte, construída na fantasia ou, ao menos, no interior de um campo fantasmático. (HALL, 2005, p. 109) Assim, podemos também observar que Bauman (2005, p. 26, grifos do original) nos remete a como se forma uma identidade nacional: a ideia de “identidade”, e particularmente de “identidade na- cional”, não foi naturalmente gestada e incubada na experiên- cia humana, não emergiu dessa experiência como um “fato da vida” auto-evidente. Essa ideia foi forçada a entrar na Lebenswelt de homens e mulheres modernos – e chegou como uma ficção. Ela se solidificou num “fato”, num “dado”, precisamente porque tinha sido uma ficção, e graças à brecha dolorosamente sentida entre aquilo que essa ideia sugeriria, insinuava ou impelia, e ao status quo ante (o estado de coisas que precede a intervenção humana, portanto inocente em relação a esta). A ideia de “iden- tidade” nasceu da crise do pertencimento e do esforço que esta desencadeou no sentido de transpor a brecha entre o “deve” e o “é” e erguer a realidade ao nível dos padrões estabelecidos pela ideia – recriar a realidade à semelhança da ideia. Com a construção da história do Brasil, os nossos intelectuais ques- tionavam, no momento em que fazíamos cem anos de independência, qual a identidade do brasileiro. A crise identitária apareceu no decorrer dos anos 1910 e cresceu nos anos 1920. Aliada a essa crise tínhamos a busca pelo moderno. Segundo Lahuerta (1997, p. 96), “as atividades preparatórias para a comemoração dos cem anos de independência, ao medir o metro hegemônico nossa situação ante a Europa, o ‘atraso’ tornava-se cada vez mais flagrante”. A ideia de um país moderno nos dava a sensação de progresso, de prosperidade, e deixava de lado toda identidade escravocrata que firmamos ao longo da nossa trajetória como colônia e depois como uma nação. Qual a relação entre a identidade cultural e a cultura nacional? Observamos que a principal fonte de identidade cultural tem sido a cultura nacional, a qual foi organizada com base na formação das nações. Assim sendo, de acordo com Hall (2005), a maioria das na- ções é resultante de diferentes classes sociais e diferentes grupos étnicos e de gênero. As culturas nacionais dominaram a modernida- de, sobrepondo as identidades nacionais a outras fontes, mais parti- cularistas, de identificação cultural. 22 Identidades culturais e Serviço Social no Brasil Dessa forma, temos a formação da identidade nacional com base na comunidade imaginada, a qual é concebida de acordo com o pen- samento de quem está no comando daquela nação. Assim, temos a construção da identidade nacional baseada em rituais, os quais o povo deve seguir, como as festas cívicas. Connerton (1999) nos mostra que os ritos, as comemorações, as práticas corporais das sociedades e as cerimônias comemorativas “tratam-se de reencenações do passado, do seu regresso sob uma for- ma representacional que inclui normalmente um simulacro da cena ou da situação recapturada”. Esse retorno ao passado busca firmar a iden- tidade no presente, a ideia de pertencimento a um lugar, a uma nação. As festas cívicas buscam levar para o povo a ideia de pertencimento, de uma identidade nacional. Para Hall (2005, p. 38), a identidade é realmente algo formado, ao longo do tempo, através de processos inconscientes, e não algo inato, existen- te na consciência no momento do nascimento. Existe sempre algo “imaginário” ou fantasiado sobre sua unidade. Ela perma- nece sempre incompleta, está sempre “em processo”, sempre “sendo formada”. Para o autor, a crise da identidade teve seu início na perda de âncoras sociais que faziam da identidade algo natural, predetermi- nado e inegociável. Dessa forma, diante das incertezas do pertenci- mento, o sujeito moderno busca por uma identificação, a qual viria por meio do surgimento da nação e, assim, com a busca pelo per- tencimento a essa pátria. A identidade nacional passa a ser imposta, e quem governa de- cide a nacionalidade e também um destino compartilhado por uma nação, que, no entanto, permanece incompleta, devido ao poder de exclusão e da distinção do traçar, impor e policiar a fronteira entre o “nós” e “eles” (BAUMAM, 2005). CONSIDERAÇÕES FINAIS Quando abordamos a temática sobre identidade cultural do povo bra- sileiro, observamos que os conceitos trabalhados ao longo do texto são desenvolvidos dentro da formação identitária do brasileiro. Primeiro, vimos a concepção do conceito de identidade dentro da so- ciologia, que apresenta uma abordagem complexa, uma vez que não exis- Ao trabalhar com o conceito de cultura, podemos observar que ela é plural e diversificada. No entanto, hoje temos o desenvolvimento de sociedades multiculturais. Explique quais os fatores que levaram a essa diversi- dade cultural e à absorção desta nos mais longínquos lugares. Atividade 4 A identidade cultural do povo brasileiro 23 te um conceito predefinido, pois a identidade de alguém ou de uma nação é formada por diversos meios, entre os quais temos a rede de conexões existentes atualmente por causa da globalização e das facilidades de co- municação (advindas do nascimento da internet), assim como o desenvol- vimento dos meios de transporte e de mídia. No decorrer do texto, observamos quea identidade está diretamen- te ligada à formação cultural de um povo e que a cultura no mundo globalizado é disseminada para quase todos os lugares, uma vez que é agregada a outras culturas, levando a um processo de formação de uma identidade cultural. Também vimos que a identidade tem toda uma relação com a re- presentação social, que pode ser de cunho psicológico, sociológico e antropológico. A representação social é o que define um povo, seus costumes e, consequentemente, sua identidade social. Essa represen- tação é formada no seio familiar, assim como na escola e nos mais diversos meios midiáticos. Associada ao processo de formação da identidade cultural, temos uma relação muito forte com a criação de uma identidade nacional, como foi abordado no texto, utilizando o Brasil e sua cultura diversifica- da como fonte de estudo. A formação da identidade cultural brasileira se dá desde o processo de independência do Brasil, uma vez que tínhamos a formação de uma nação, mas não se sabia ao certo qual seria a identidade do brasileiro, visto que sua origem ocorreu por meio da junção de três povos e culturas distintas. Nossa formação se deu com base na interação das culturas indígena, negra e branca, o que favoreceu o processo de miscigenação e de uma diversidade cultural, assim como a criação de uma sociedade com uma identidade plural. REFERÊNCIAS BAUMAN, Z. Identidade: entrevista a Benedetto Vecchi. Rio de Janeiro: Zahar, 2005. CARDOSO, F. H. Pensadores que inventaram o Brasil. 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A construção da identidade brasileira começou no século XIX, quando nos tornamos independentes de Portugal. Desse período em diante, os intelectuais e a sociedade buscaram compreender quem era o brasileiro e como ocorreu a formação tanto ter- ritorial como do seu povo. 4. O povo brasileiro é mestiço, vem de uma mistura de brancos, negros e indígenas. Um povo multicultural e com regiões diversificadas em sua fauna e flora, criando um pro- cesso de construção de identidade plural, a qual vem crescendo e se misturando ao longo do tempo, o que nos leva a pensar que não temos uma identidade única, singular. http://www2.fct.unesp.br/docentes/geo/necio_turra/PPGG%20-%20PESQUISA%20QUALI%20PARA%20GEOGRAFIA/texto_stuart_centralidadecultura%5B1%5D.pd http://www2.fct.unesp.br/docentes/geo/necio_turra/PPGG%20-%20PESQUISA%20QUALI%20PARA%20GEOGRAFIA/texto_stuart_centralidadecultura%5B1%5D.pd http://www2.fct.unesp.br/docentes/geo/necio_turra/PPGG%20-%20PESQUISA%20QUALI%20PARA%20GEOGRAFIA/texto_stuart_centralidadecultura%5B1%5D.pd http://www.bocc.ubi.pt/pag/nascimento-susana-identidades-cmc.html http://www.bocc.ubi.pt/pag/nascimento-susana-identidades-cmc.html Estrutura social e aspectos étnico-culturais 25 2 Estrutura social e aspectos étnico-culturais Neste capítulo você aprenderá que para entendermos como se fundamentam uma estrutura social e seus aspectos étnico-culturais é necessário que tenhamos a compreensão de como se processam os aspectos culturais de cada povo, país ou nação. A relação do ser humano com a sociedade é mediada por meio dos instrumentos que lhe são fornecidos pela cultura, sendo por ela que percebe- mos as coisas, os outros e nós mesmos. A cultura não deve ser compreendida simplesmente como um conjunto de comportamentos, mas como códigos simbólicos. Isto é, valores, regras e condutas que são apreendidos nas mais variadas instituições sociais de cada sociedade e que as pessoas internalizam desde a infância. Grande parte dos conhecimentos que apreendemos advém de um processo de socialização. Esses aprendizados, muitas vezes, podem levar à internalização de cer- tos preconceitos, como racismo, xenofobia e até segregação social. Dessa maneira, este capítulo nos faz um convite para per- cebermos que somos biologicamente iguais, com as devidas diferenças fenotípicas. 2.1 Cultura Vídeo Uma das noções mais complexas nas ciências sociais se encontra na definição do que vem a ser cultura. Há várias definições para o termo, porém não existe um consenso de tal. Segundo o sociólogo inglês Raymond Williams (2000), a palavra vem do latim colere e, inicialmente, sua definição estava associada ao cultivo das plantas, o cuidado com os animais e com a terra em geral. Saindo desses elementos chegaríamos ao sentindo mais comum que o termo 26 Identidades culturais e Serviço Social no Brasil possui, a associação de que a pessoa que possui cultura é “culta”, fre- quenta museus, assiste a peças de teatro e opera, tem ensino superior e conhecimento aprendido nos livros. Com isso vem a pergunta: será que só tem cultura quem frequen- tou escola, tem ensino superior ou é intelectual? Uma pessoa do campo, que nunca foi à escola nem mesmo é alfabetizada, teria cul- tura? Os meios de comunicação de massa, como as emissoras de TV e rádio e a internet seriam veiculadoras de cultura? Precisamos trazer uma reflexão em torno dessas questões, pois senão podemos cometer uma série de equívocos. Na antropologia, o conceito de cultura foi definido pela primeira vez em 1871, porEdward Tylor, como sendo um todo complexo que inclui conhe- cimentos, crenças, arte, moral, leis, costumes ou qualquer outra capacida- de ou hábitos adquiridos pelo homem como membro de uma sociedade. Dessa maneira, as concepções das práticas culturais vivenciadas por um grupo são identificadas por uma série de elementos que rele- vam as particularidades vivenciadas dentro daquele grupo. Uma outra preocupação dos estudiosos em relação à cultura refe- re-se a sua origem. O ser humano passa a se diferenciar de outros se- res justamente pela capacidade de sair de uma condição natural para uma convivência estabelecida e socializada através de normas, costu- mes, valores e condutas entre grupos. Claude Lévi-Strauss, o mais destacado antropólogo francês, con- sidera que a cultura surgiu no momento em que o homem con- vencionou a primeira regra, a primeira norma. Para Lévi-Strauss, esta seria a proibição do incesto, padrão de comportamento comum a todas as sociedades humanas. Todas elas proíbem a relação sexual de um homem com certas categorias de mulheres (entre nós, a mãe, a filha e a irmã). (LARAIA, 1993, p. 28) Uma série de atitudes e condutas entraram nesse processo, pois possibilitaram ressignificar as maneiras de se relacionar e atribuíram novas ideias, conceitos e maneiras de convivência, que conduziram, re- gularam e controlaram as ações estabelecidas pela vida coletiva. O desenvolvimento da linguagem, entendido como a capacidade que o ser humano tem de se referir a determinado elemento da reali- dade por meio de um signo (palavra, gesto), tornou possível sua passa- gem do estado de natureza para o de cultura. Estrutura social e aspectos étnico-culturais 27 A cultura, portanto, é uma construção histórica produzida pela ativi- dade humana, como dimensão do processo humano e não por efeitos físicos ou biológicos. O antropólogo brasileiro Roque Laraia (1993, p. 9) descreveu que: os antropólogos estão totalmente convencidos de que as dife- renças genéticas não são determinantes das diferenças cultu- rais. Segundo Felix Keesing, [...] se transportarmos para o Brasil, logo após o seu nascimento, uma criança sueca e a colocarmos sob os cuidados de uma família sertaneja, ela crescerá como tal e não se diferenciará mentalmente em nada de seus irmãos de criação. [...] A espécie humana se diferencia anatômica e fisio- logicamente através do dimorfismo sexual, mas é falso que as diferenças de comportamento existentes entre pessoas de sexos diferentes sejam determinadas biologicamente. A antropologia tem demonstrado que muitas atividades atribuídas às mulheres em uma cultura podem ser atribuídas aos homens em outra. A verificação de qualquer sistema de divisão sexual do trabalho mostra que ele é determinado culturalmente e não em função de uma racionalidade biológica. Visto assim, o comportamento dos indivíduos pode ser modificado dependendo da cultura na qual estão inseridos. Um menino e uma meni- na irão agir diferentemente não em função de seus aspectos biológicos, mas em decorrência de um processo de educação, denominado pela an- tropologia como endoculturação, na qual os indivíduos internalizam va- lores, crenças, normas etc., como padrões culturais, por meio da família, dos amigos, da escola e, ao longo do tempo, de outros grupos sociais. Depois disso, os indivíduos continuam em processo de transforma- ção, não só porque a cultura é dinâmica, mas também porque entram em contato com outras culturas, através de trocas ou com a fusão en- tre culturas, chamada de aculturação. A aculturação é o processo de troca e/ou fusão entre culturas. Através do contato prolongado ou permanente, duas ou mais culturas permutam entre si seus valores, conhecimentos, nor- mas, hábitos, costumes, símbolos, enfim, seus traços culturais. Nesse processo, uma cultura se caracteriza como doadora e a outra como receptora, o que não significa dizer que este seja um processo de via única, ou seja, quando em contato, todas as cul- turas podem sofrer mudanças, pois ocorre aí um processo de influxo recíproco. (ULLMANN, 1991, p. 21) 28 Identidades culturais e Serviço Social no Brasil Então, a cultura como produto social está sempre em mudança. Mesmo possuindo crenças, leis e códigos, pode se transformar ao longo do tempo, visto que é dinâmica, isso porque um mesmo grupo social absorve elementos culturais exteriores, passando a transformar aspectos de sua própria cultura. Um outro elemento importante a ser elencado é o fenômeno do multiculturalismo, que estabelece a coexistência de várias culturas em um mesmo espaço. Esse fenômeno está relacionado ao advento da globalização, que, por meio da interligação de diversas partes do mundo, tornou possível os deslocamentos não só físicos, como também virtuais, auxiliados principalmente pelo desenvolvimento tecnológico. As pessoas se co- nectam e produzem conhecimento sobre as diversas representações, práticas sociais e culturais. Uma das características do multiculturalismo é a combinação de elementos de diversas culturas em uma nova expressão cultural. Po- rém, essas mudanças, segundo Stuart Hall (1998), não ocorrem sem conflitos e podem gerar uma perda. Esta perda de um “sentido de si” estável é chamada, algumas vezes, de deslocamento ou descentralização do sujeito. Esse duplo deslocamento – descentralização dos indivíduos tanto do lugar no mundo social e cultural quanto de si mesmos – constitui uma “crise de identidade” para o indivíduo. (HALL, 1998, p. 9) Segundo Hall (1998), essa crise de identidade, principalmente a iden- tidade nacional, vem de uma reação contra o processo de homogenei- zação gerado pela globalização, que tende a promover a supremacia de uma cultura sobre a outra. Isso pode ocorrer também por um sen- timento de nacionalismo e rejeição do outro, causando muitas vezes a perseguição a outras práticas culturais e a negação de direitos sociais. Nesse movimento, surge como resistência a esse colonialismo cultu- ral um movimento transformador denominado interculturalidade, que trará um projeto político pela superação da discriminação de culturas minoritárias e pelo reconhecimento dos valores dessas culturas como maneira de produzir outras interpretações de mundo. Esse debate é extremamente relevante, pois nos traz o reconhecimento público dos valores culturais dessas culturas minoritárias e uma reflexão de como lidamos com as diferentes práticas culturais no nosso cotidiano. Recomendamos o filme A flor do deserto, com dire- ção de Sherry Hormann. Esse filme apresenta Waris Dirie, embaixado- ra da Organização das Nações Unidas, na luta contra a bárbara tradição da mutilação genital feminina da Somália. Direção: Sherry Hormann. Reino Unido, Áustria, Alemanha: Imovision, 2009. Filme A nossa herança cultural, de- senvolvida através de inúmeras gerações, condiciona nossa visão de mundo? Atividade 1 Estrutura social e aspectos étnico-culturais 29 2.2 Etnocentrismo Vídeo O etnocentrismo é um conceito da antropologia em que algum grupo étnico considera os seus elementos culturais como o centro de tudo, o mais correto e, portanto, como mais importante que as outras culturas e sociedades. O etnocentrismo, de fato, é um fenômeno universal. É comum a crença de que a própria sociedade é o centro da humanidade, ou mesmo a sua própria expressão. […] É comum assim a crença no povo eleito, predestinado por seres sobrenaturais para ser superior aos demais. Tais crenças contêm o germe de racismo, da intolerância, e, frequentemente, são utilizadas para justificar a violência praticada contra os outros. (LARAIA, 1993, p. 10) Dentro desse contexto, esses grupos étnicos desenvolvem uma vi- são etnocêntrica que leva ao desrespeito e à intolerância por quem é diferente àquelas práticas culturais comungadas por esse grupo. Essa postura etnocêntrica consiste em tomar o que é do outro como digno de reprovação, pois possui uma visão do mundo de que seu próprio grupo, ou sociedade, é o correto,negando todas as outras formas de hábitos culturais diferentes. O próprio processo de colonização brasileira iniciou-se sustentado em um viés etnocêntrico, que inferiorizou os povos nativos do Brasil, considerando-os atrasados, e estabeleceu a cultura europeia como su- perior, arbitrariamente. Os livros didáticos contavam que foram os portugueses que desco- briram o Brasil, porém os primeiros povoadores foram os povos indíge- nas, nativos que aqui habitavam antes da chegada dos europeus. Esses habitantes foram chamados pelos europeus de índios, fazendo referên- cia às Índias, local ao qual os portugueses acreditavam ter chegado. Desde o início da colonização portuguesa os indígenas que habi- tavam o território brasileiro foram denominados de não civilizados, numa visão totalmente etnocêntrica. Nesse processo de conquista, eles foram dizimados e sofreram violência, inclusive sobre as suas práticas culturais. Os costumes e as práticas culturais dos nativos foram vistos como sel- vageria e, por isso, os europeus alegavam que os indígenas necessitavam ser catequizados para se ajustar às normas do homem branco europeu. 30 Identidades culturais e Serviço Social no Brasil Assim como o indígena, o africano que chegou ao Brasil teve sua identidade negada e marginalizada. A escravidão aqui durou quase quatro séculos e o país foi o último a “libertar” esses povos. Contu- do, o fim do regime escravista no Brasil não abriu caminho para a reconstrução da igualdade dos negros perante os demais cidadãos. A inserção dos negros escravizados e seus descendentes no mercado de trabalho, na educação, na posse da terra etc. não ocorreu no reco- nhecimento da igualdade racial. Conforme Fernandes (1978), as relações sociais não se modifi- caram no mesmo ritmo das mudanças ocorridas na sociedade, pois conservou-se o status quo, o poder e as posições privilegiadas do ho- mem branco. O negro foi incorporado ao mercado de trabalho, na maioria das vezes, nas ocupações mais precárias e inferiores. No período em que as famílias dos fazendeiros paulistas co- meçam a fixar residência em São Paulo e em que se acen- tua a diferenciação do sistema econômico da cidade, o liberto defrontou-se com a competição do imigrante europeu que não temia a degradação pelo confronto com o negro e absorveu, assim, as melhores oportunidades de trabalho livre e indepen- dente (mesmo as mais modestas, como a de engraxar sapatos, vender jornais ou verduras, transportar peixe ou outras utili- dades, explorar o comercio de quinquilharias etc.). Quando se acelera o crescimento econômico da cidade, ainda nos fins do século XIX, todas as posições estratégicas da economia artesa- nal e do pequeno comercio urbanos eram monopolizados pelos brancos e serviam como trampolim para as mudanças bruscas de fortuna, que abrilhantam a crônica das famílias estrangeiras. (FERNANDES, 1978, p. 19) Esse tipo de conduta ainda prevalece na nossa sociedade, apesar dos avanços que ocorreram. Ainda são perceptíveis atitudes etnocên- tricas, pois tanto a cultura indígena como a africana ainda são vistas como sinônimo de atraso ou inferioridade. Muitas comunidades indígenas e africanas tentam, através da resis- tência, manter as raízes de suas tradições culturais, como é o caso das comunidades remanescentes quilombolas, que se configuram como resistência cultural, reorganizadas em territórios de luta política. Atualmente as comunidades quilombolas estão presentes em todo o território brasileiro e buscam, através desses espaços, o direito à terra, à sua herança histórica, à ancestralidade do negro, à memória, Estrutura social e aspectos étnico-culturais 31 além dos direitos fundamentais de sobrevivência, de acesso à saúde e à educação, entre outros. Os povos indígenas, apesar de centenas de anos em contato com o homem branco, ainda têm lutado para manter sua língua e seus costu- mes, bem como enfrentar, com resistência, a invasão de suas terras, das quais dependem para sobreviver. Grande parte das comunidades indí- genas lutam pela conservação da biodiversidade e do meio ambiente. Muitos dos hábitos, costumes, alimentação e crenças da nossa socie- dade são herança direta tanto dos povos indígenas como dos afrodes- cendentes, os quais contribuíram para a plupralidade cultural do Brasil. Ainda nesse contexto de condutas etnocêntricas, não será neces- sário sair do Brasil para percebemos outras visões etnocêntricas dian- te do outro, pois o nosso país é marcado por uma diversidade cultural que sofreu influências culturais de vários países e povos, além das dos colonizadores europeus. Então, há no Brasil influências diversas, inclusive com diferenças bem distintas em seus estados. O regionalismo presente nos estados brasileiros é uma das grandes de- monstrações de que existem diferenciações dentro do próprio país e que em muitas situações essas diferenças são tratadas como desigualdades. Percebemos manifestações etnocêntricas entre os habitantes dos estados das regiões Sul e Sudeste do país por se acharem mais desenvolvidos cul- turalmente em relação aos habitantes das regiões Norte e Nordeste. A sociedade brasileira possui muitas culturas e, por diversas vezes, isso cria disparidades de várias ordens, motivo que nos leva a refletir a respeito de maneiras de lidar com essas diferenças. Essa diversidade cultural só pode ser compreendida se tornarmos a existência da diferença na qualidade de diferença, e não como hierar- quia de um grupo, povo ou nação sobre o outro. É necessária a com- preensão de que a nossa cultura não é a única nem a mais correta e verdadeira. Somos apenas uma das milhões de expressões de práticas culturais que existem no mundo. Enfim, a antropologia nos ensina a nos descentrarmos de nós mes- mos, assim como de nossa própria sociedade e cultura. É preciso per- ceber que somos apenas uma das culturas possíveis, entendendo as diferentes formas de expressões culturais como diferenças e não como desigualdades. É assim que se pode apontar os caminhos para fazer nascer a consciência da diversidade e da pluralidade. Quais as situações e atitudes etnocêntricas voltadas para a questão do regionalismo presentes no Brasil? Atividade 2 Sobre esse tema, recomendamos o filme Quanto vale ou é por qui- lo? Esse é um filme acerca da indústria da miséria no Brasil, apresentando duras críticas à continui- dade dos preconceitos socioculturais no país, desde o período colonial. Direção: Sérgio Bianchi. Brasil: Europa Filmes, 2005. Filme 32 Identidades culturais e Serviço Social no Brasil 2.3 Etnia e raça Vídeo No final do século XVIII e início do século XIX, espalhou-se a ideia de que a humanidade estava dividida em tipos raciais, ou seja, dividida de acordo com características biológicas e que, dessa maneira, não ti- nham as mesmas capacidades. Essa teoria justificou, durante um gran- de período da história, a escravidão e a segregação racial que perdura até os dias atuais. Essas teorias raciais foram uma tentativa de justificar a ordem moral dos países europeus que se tornavam nações imperialistas, submeten- do outros territórios ao seu domínio. O racismo científico foi bastan- te utilizado por Adolf Hitler como uma ideologia nazista que tentava demonstrar a superioridade da raça ariana sobre os demais povos e justificar o extermínio dos judeus. Essa suposta superioridade da raça ariana foi, através do tempo, refutada pela própria ciência, e demonstrou-se que foi utilizada para justificar as formas de extermínio. Podemos identificar que as diferenças raciais ocorrem na esfera do fenótipo, pois cada ser humano possui cor da pele e dos cabelos, for- mas faciais etc., diferentes, no entanto essas diferenças fenotípicas não podem proporcionar a superioridade de um ser sobre outro. Segundo o antropólogo e professor brasileiro Kabengele Munanga (2004, p. 28-29), o conteúdo da raça é morfo-biológico e o da etnia é sociocultu- ral, histórico e psicológico. Um conjunto populacional ditoraça “branca”, “negra” e “amarela” pode conter em seu seio diversas etnias. Uma etnia é um conjunto de indivíduos que, histórica ou mitologicamente, têm um ancestral comum; têm uma língua em comum, uma mesma religião ou cosmovisão; uma mesma cultu- ra e moram geograficamente num mesmo território. De acordo com Munanga (2004), raça e etnia não são sinônimos. O conceito de raça, ainda que incorreto, é muito utilizado no sentido biológico. A ideia de raça pensada pelo autor desconstrói a concepção que existia no século XIX, em que acreditava-se que a raça europeia era quem poderia produzir civilizações avançadas. Dessa maneira, apesar de ainda se utilizar conceito de raça no sentido biológico, é preciso entender que raça é “uma construção so- Estrutura social e aspectos étnico-culturais 33 ciológica e político-ideológica, pois embora não exista cientificamen- te, a raça persiste no imaginário coletivo e na cabeça dos racistas” (MUNANGA, 2010, p. 192). Já o conceito de etnia se refere a aspectos culturais, em que um grupo de pessoas compartilha dos mesmos costumes, língua, religião, cultura, tradições etc., além do território. Segundo Santos et al (2010, p. 122), trata-se de um conceito “polivalente, que constrói a identidade de um indivíduo resumida em: parentesco, religião, língua, território compartilhado e nacionalidade, além da aparência física”. Como podemos perceber, o conceito de etnia está diretamente vin- culado às questões socioculturais, a forma de viver de um grupo e a sua organização geográfica, independendo da sua raça. Diferentemente do conceito de raça, que foi uma construção sócio-histórica fundamentada numa questão fenotípica, o conceito de etnia foi determinante para o pensamento racial brasileiro, oriundo de todo um processo de colonização e escravidão. O Brasil, por exemplo, é um dos países mais miscigenados do mun- do. Essa diversidade é resultado da influência cultural de vários povos na formação da nossa identidade, como os indígenas, os portugueses e outros imigrantes. Segundo o antropólogo brasileiro Darcy Ribeiro (2014), a formação do povo brasileiro foi fruto de um processo violento, em que os africa- nos foram arrancados de suas terras, de sua cultura e forçados a tra- balhar como escravos. Ele acreditava ainda que a diversidade cultural dos povos africanos e a política de evitar concentrar escravos de uma mesma etnia nas mesmas propriedades dificultaram a formação de nú- cleos de preservação do patrimônio cultural africano. Ribeiro não en- xergava a mestiçagem como sinônimo de “democracia racial”, porque para existir a democracia racial era preciso, antes de tudo, vivermos numa democracia social, sem tantas desigualdades entre as classes, além da desumanização das relações trabalhistas. Ao contrário de Darcy Ribeiro (2014), o sociólogo brasileiro Gilberto Freyre (2006) afirma que o Brasil se constituiu sobre o mito da democra- cia racial, o qual acreditava que a miscigenação veio de uma formação harmoniosa, resultando na distância social entre brancos e negros. A sociedade brasileira é de todas da América a que se consti- tuiu mais harmoniosamente quanto às relações de raça: dentro 34 Identidades culturais e Serviço Social no Brasil de um ambiente de quase reciprocidade cultural que resultou no máximo de aproveitamento dos valores e experiências dos povos atrasados pelo adiantado. (FREYRE, 2006, p. 91) Isso foi empreendido com o intuito de exaltação de uma identidade nacional mestiça, fortemente propagada a partir de 1930, na tentativa de construção da ideia de uma democracia racial no Brasil, isto é, o mito da democracia racial foi difundido como um dos atributos do país. Para o sociólogo brasileiro Florestan Fernandes (2006), o mito da democracia racial se sustenta pela tese de que o Brasil não teria pre- conceitos à ascensão social do negro. O autor critica a sociedade capi- talista por não ter “absorvido” os negros, já que, segundo as elites da sociedade, eles tinham iguais condições em relação aos brancos. Os negros tentaram, mas viram-se repudiados, na medida em que pretenderam assumir os papéis de homem livre com demasiada latitude de ingenuidade, num ambiente em que tais pretensões chocavam-se com generalizada falta de tolerância, de simpatia mi- litante e de solidariedade. (FERNANDES, 1978, p. 30-31) Fernandes (2006) conclui que no Brasil não existe democracia racial, e isso não passa de uma ideologia que procura ocultar a face racista e a dominação de classes que é praticada pelas elites burguesas brasileiras. Façamos uma análise entre todo o processo de colonização e escra- vidão brasileira com o nosso contexto atual e procuremos responder quantas vezes, na atualidade, você já ouviu as pessoas dizerem que no Brasil somos todos miscigenados e, por esse motivo, não existe racismo. Um dos grandes problemas raciais brasileiros é que a maioria das pessoas acredita que vivemos nessa suposta “democracia racial” e, por- tanto, não há necessidade, por exemplo, de políticas sociais para os negros porque, afinal, somos todos iguais. Uma reflexão mais atenta sobre esses dois conceitos – raça e etnia – nos traz uma visão de como essa problemática ainda se encontra presente em nossa realidade e o quanto necessitamos discutir esses conceitos que provocam desigualdades em nossa sociedade. Qual a diferença entre os conceitos de raça e etnia? Atividade 3 Para adquirir mais conhe- cimentos sobre o tema dessa seção, indicamos o documentário Raça Hu- mana, de Dulce Queiroz. O documentário aborda a opinião de alunos cotistas e não-cotistas, professores, movimentos organizados, partidos políticos e representan- tes da Universidade de Brasília sobre o “tabu” das cotas raciais, seja defen- dendo ou condenando o sistema. Disponível em: https://www. youtube.com/watch?v=y_ dbLLBPXLo. Acesso em: 25 set. 2020. Documentário 2.4 Preconceito, racismo e discriminação Vídeo Temos ainda bastante dificuldade para entender e decodificar as manifestações de preconceito, racismo e discriminação no contexto brasileiro. Como vimos na seção anterior, o mito da democracia racial impregnou a ideia de que não somos racistas, afinal somos um país mis- https://www.youtube.com/watch?v=y_dbLLBPXLo https://www.youtube.com/watch?v=y_dbLLBPXLo https://www.youtube.com/watch?v=y_dbLLBPXLo Estrutura social e aspectos étnico-culturais 35 cigenado. Mas será que pelo fato de sermos um país de diversidade, os conceitos acima são deixados de lado? Quem nunca ouviu uma dessas frases: “negros são os piores racistas”; “hoje em dia tudo é racismo”, “por que não tem dia da consciência humana?”; “eu sou branco e também sofro racismo, me chamavam de branquelo quando eu era criança”? Daí vem as seguintes indagações: ser branco já privou alguém de entrar em algum ambiente? Ou já fez com que o salário de alguém fosse menor pela questão da cor da pele? Já fez alguém questionar a credibilidade intelectual de uma pessoa? Ser branco já fez alguém perder uma vaga de emprego? Ou ser seguido por um policial por pa- recer “suspeito”? Ou até mesmo causar medo de ser perseguido por um grupo ou alguém de extremo racismo que poderá o perseguir e o espancar até a morte? Há pessoa que juram que não são racistas, mas vivem contando piadas de negros, compartilhando conteúdo racista no WhatsApp ou nas redes sociais. Se olharmos um pouco à nossa volta e observarmos, poderíamos responder quantos negros aparecem nas emissoras de televisão? Nos anúncios publicitários? Nos consultórios médicos? Nas universidades? Ou seria mais fácil responder quantos negros são faxineiros, emprega- dos domésticos etc., ou seja, que ocupam funções menos valorizadas socialmente e materialmente na nossa sociedade? O sociólogo Florestan Fernandes (2006) afirmou que o brasileiro tem preconceito de não ter preconceito. Ele se refere às relações raciais que, no Brasil, foram ofuscadas pelo discurso da suposta democracia racial. Segundo o autor, só haveriaessa democracia racial de fato quan- do o negro não sofresse nenhum tipo de preconceito, discriminação e segregação em termos de raça e de classe. Essa afirmação pode ser observada no cotidiano, quando identifica- mos que os maiores índices de analfabetismo, pobreza, mortalidade, desemprego, entre outros, pertencem aos negros. A partir da segunda metade do século XX, o Brasil caracterizou-se por altos indicadores de desenvolvimento econômico, contudo as mar- cas de desigualdades sociais entre os negros não foram modificadas. Segundo Carlos A. C. Ribeiro (2006, p. 856), brancos também têm mais chances de sucesso do que não bran- cos, mas o peso da classe de origem é maior do que o da raça. Em outras palavras, podemos dizer que há mais desigualdades de 36 Identidades culturais e Serviço Social no Brasil oportunidades educacionais em termos de classe do que de raça. No entanto, nas ultimas transições a raça passa a ter um efeito se- melhante ao de classe, ou seja, as chances de entrar e completar a universidade são desiguais em termos raciais e de classe. Ribeiro (2006) constata que as marcas das desigualdades entre os negros encontram, principalmente na questão da educação, um fator relevante para a falta de oportunidades que são dadas a um indivíduo para ascender de classe social, partindo do princípio que ela é respon- sável direta pela obtenção de conhecimento. Segundo o IBGE (RAUPP, 2019), o analfabetismo entre negros no Brasil é duas vezes maior do que entre brancos. No ano passado, 3,9% da população branca era analfabeta, percentual que se eleva para 9,1% entre negros ou pardos, valor mais que o dobro em relação ao primeiro. Além de ter a maior taxa de analfabetismo, a população composta por negros, apesar de ser a maior do país, tem os menores salários e sofre mais com a violência e o desemprego. As desvantagens se esten- dem também a homicídios ocorridos por armas de fogo, como apon- tam os dados publicados pelo Atlas da violência (WAISELFISZ, 2016). Conforme apontam os dados do gráfico a seguir, os negros são as maiores vítimas de homicídio por arma de fogo no Brasil. Taxas de homicídios de negros e de não negros a cada 100 mil habitantes dentro destes grupos populacionais – Brasil (2007-2017) 50,0 45,0 40,0 35,0 30,0 25,0 20,0 15,0 10,0 5,0 0,0 2007 2009 2011 2013 20152008 2010 2012 2014 2016 2017 Taxa de homicídio de negros Taxa de homicídio de não negros Gráfico 1 Taxas de homicídios de negros e não negros. Fonte: Os dados de homicídios foram provenientes do MS/SVS/CGIAE – Sistema de Informações sobre Mortalidade – SIM. Observação: O número de Negros foi obtido somando pardos e pretos, enquanto o De não negras se deu pela soma dos brancos, amarelos e indígenas, todos os ignorados não entraram nas contas. Elaboração Diest/Ipea e FBSP. Estrutura social e aspectos étnico-culturais 37 Como já mencionado, a violência continua recaindo sobre os ne- gros em um processo iniciado com a escravidão e que chega, sem interrupção, ao ano de 2020, como foi o caso do jovem Gabriel Silva Santos, de 22 anos, preso pela Polícia Militar da Bahia por suspeita de roubo por se enquadrar na descrição de ladrão “negro e tatuado”. A mobilização nas redes sociais levou Gabriel a ser solto em 24 horas. O caso de Gabriel é mais uma prova do quanto estamos diante de um Estado racista (VASCONCELOS, 2020). E por que é tão difícil combatermos esse tipo de preconceito? Em primeiro lugar há um discurso de que supostamente sabemos conviver com toda essa diversidade, porque afinal somos um país miscigenado. Em segundo lugar, porque o preconceito é um julgamento que for- mamos a respeito de uma pessoa, grupo etc. sem ao menos conhecê-las. Refere-se a uma opinião preconcebida, de modo negativo e por meio de informações estereotipadas, sem que haja experiências ou fatos rele- vantes para comprová-la. Esse tipo de comportamento vindo do senso comum pode também mascarar as variedades de preconceito que estão além da cor. Pode- mos falar do preconceito contra homossexuais, pessoas idosas, mulhe- res, pessoas com deficiência, preconceito de classe social etc. Esses preconceitos não se processam por uma ordem biológica, porque ninguém nasce preconceituoso, as pessoas tornam-se precon- ceituosas. O que as torna assim são as influências sociais que se estabe- lecem através dos mecanismos de socialização (família, amigos, grupos etc.) e essas atitudes são traduzidas em opiniões e prejulgamento. De acordo com o antropólogo Munanga (2005, p. 15-18), o pre- conceito é produto das culturas humanas que, em algumas sociedades, transformou-se em arma ideológica para legitimar e justificar a dominação de uns sobre os outros. [...] sem assumir nenhum com- plexo de culpa, somos produto de uma educação eurocêntrica e que podemos, em função desta, reproduzir consciente ou incons- cientemente os preconceitos que permeiam nossa sociedade. As várias formas de preconceito descritas acima podem levar a mui- tos modos de discriminação. Estes têm diversas maneiras de se expres- sarem, podem ser de gênero, cor, orientação sexual, religião, classe 38 Identidades culturais e Serviço Social no Brasil social etc. O preconceito, assim como a discriminação, opera de modo a reproduzir hierarquias sociais. Para o antropólogo Renato Queiroz (1995, p. 34), discriminação é a palavra usada para designar um tratamento diferencial, so- bretudo, naquelas sociedades em que proclama a igualdade de todos por meio de leis e princípios que, na prática, não são obedecidos. Dessa maneira, essas atitudes marginalizam indivíduos ou grupos da participação na vida em sociedade, promovendo desigualdades e limitando o acesso dos que são discriminados às oportunidades de tra- balho, escolarização, cultura, lazer e à ascensão social (QUEIROZ, 1995). E o racismo? No Brasil, sua origem vincula-se ao período colonial e escravocrata. É um fenômeno histórico, pautado na ideia de que os grupos humanos possuem hierarquias e se expressaria em proposi- ções de hostilidade que defendessem a inferioridade natural dos ne- gros. Um racista acredita que existem raças superiores às outras. No século XIX, como vimos na seção anterior, o racismo científico desenvolveu-se por meio de inúmeros experimentos, tais como medi- ção de cérebros, análise da capacidade intelectual e tantos outros, para justificar a superioridade de uma raça sobre a outra. Apesar de, atual- mente, não ser possível, do ponto de vista científico, falar em raças, é imprescindível reconhecer a existência do racismo. Aprendemos ao longo da vida uma série de expressões depreciati- vas ou consideradas “ingênuas”, mas que expõem diferentes culturas a situações de inferioridade, exclusão etc. Mais de 300 anos de passado escravista não se apagam facil- mente. Sinal disso é a extensa lista de expressões das quais as pessoas nem percebem a conotação racista. São tantas que, em 2009, o professor de biologia Luiz Henrique Rosa fez um levanta- mento no Rio de Janeiro. Junto com seus alunos, contabilizou 360 termos de cunho racista, no projeto “Qual é a graça”. Isso só na escola em que ele leciona. (MÉNDEZ, 2016) Expressões como “inveja branca”, “ovelha negra da família”, “denegrir”, “negro(a) de traços finos”, “não sou tuas negas”, entre outras, traduzem um contexto histórico marcado por preconceito, discriminação e racismo. Entre sutilezas, brincadeiras e aparentes elogios, a violência simbólica se amplia quando expressões como essas são repetidas (MÉNDEZ, 2016). Quantas expressões preconcei- tuosas você já reproduziu em sua vida? Dê exemplos. Atividade 4 É muito comum também casos de racismo envolvendo jogadores brasileiros. Em 2014, o volante Tinga foi vítima de racis- mo durante uma partida contra o Real Garcilaso, time peruano, durante a Copa Libertadores da América. A torcida peruana hostilizou o jogador ao imitar sons de macaco quando ele tocava na bola. Curiosidade Estrutura social e aspectos étnico-culturais
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