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steve hayes veja82 ENTREVISTA

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28/05/13 VEJA on-line
veja.abril.com.br/010306/entrevista.html 1/4
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Edição 1945 . 1º de março de 2006
Índice
Millôr
Claudio de Moura
Castro
Diogo Mainardi
André Petry
Roberto Pompeu de
Toledo
Carta ao leitor
Entrevista
Cartas
Radar
Holofote
Contexto
Datas
Veja essa
Gente
VEJA Recomenda
Os livros mais
vendidos
 
 
Entrevista: Steven Hayes
Não fuja da dor
Para um dos psicólogos mais polêmicos
dos Estados Unidos, é preciso aceitar a 
tristeza porque felicidade não é normal
Ruth C os tas
Timothy Archibald
"As artimanhas que usamos
para escapar da aflição nos
desviam de nossos objetivos
de vida. E é por eles que vale
a pena viver"
O psicólogo americano Steven Hayes, de 57 anos, está
causando alvoroço entre seus colegas de profissão. Em seu novo
livro, Saia de Sua Mente e Entre em Sua Vida, publicado no fim
do ano passado nos Estados Unidos, ele rompe com um método
em voga na psicologia há trinta anos: a terapia cognitiva, que
instrui pacientes a se livrar de seus pensamentos e sentimentos
negativos. Hayes diz que, ao contrário, é preciso aceitar a dor e
o sofrimento como parte da vida. Suas teorias causam especial
impacto no tratamento de distúrbios como a depressão e os
transtornos de ansiedade. Autor de 27 livros e centenas de
artigos científicos, nos últimos dez anos Hayes recebeu mais de
5 milhões de dólares do governo americano para avançar em
seus estudos. Ex-presidente da Associação de Terapias
Cognitivas Comportamentais, ele está há onze anos sem ter um
ataque de síndrome do pânico, que o aflige desde os 29 anos.
Hayes concedeu a seguinte entrevista a VEJA de sua casa no
estado de Nevada, onde mora com a mulher, a psicóloga gaúcha
Jacqueline Pistorello, e três de seus quatro filhos.
Veja – Por que o senhor diz que felicidade não é normal?
Hayes – Muita gente tem um conceito distorcido de felicidade.
O mais comum é vê-la como ausência completa de dor e como
uma seqüência de momentos nos quais a pessoa se sente bem.
É fácil preencher a vida com uma série de episódios efêmeros de
bem-estar, como sair com os amigos ou beber um bom vinho.
São diversões que podem trazer satisfação momentânea, mas na
manhã seguinte a vida não estará melhor e não haverá como
evitar que aconteçam coisas ruins. Todos sabemos que um dia
vamos morrer, todos nós lembramos da perda de um amigo
querido, de algum erro que cometemos, de dramas, traições ou
doenças. A diferença entre o homem e outras criaturas está na
capacidade que ele tem de usar suas habilidades cognitivas para
remoer os erros e infortúnios do passado e temer as incertezas
do futuro. Por isso o normal é sentir dor e sofrer.
Veja – Qual o problema em tentar evitar a dor?
Hayes – Ao fazermos isso, acabamos criando uma série de
medos e fobias, que aumentam ainda mais o sofrimento. O
conceito de que felicidade é como a ausência de sentimentos
ruins nos leva a reagir à dor de uma maneira que limita nossa
vida. Ou seja, que só piora as coisas. Isso nos deixa menos
abertos a estabelecer novos relacionamentos, leva-nos a evitar
lugares que tragam lembranças do passado ou situações
desagradáveis. Dessa forma, perdemos a oportunidade de um
envolvimento real com o que acontece a nossa volta. Isso
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também nos impede de ir atrás do que realmente queremos. Em
casos extremos, como na depressão, quem tenta a todo custo
evitar a dor começa a ficar entorpecido. Passa a não sentir
nada, apenas um vazio profundo.
Veja – O suicídio é uma dessas formas de fuga da dor ou essa
idéia é apenas um lugar-comum?
Hayes – Trata-se da explicação mais plausível na maior parte
dos casos. Muitos suicídios são um último esforço para acabar
com a própria dor. Em seis de cada dez casos os suicidas deixam
escrito, em bilhetes, que não agüentavam mais sofrer. Há uma
mensagem nisso tudo: evitar os sentimentos dolorosos é rejeitar
a própria vida. Aceitá-los como parte da existência é a melhor
atitude. Até onde sabemos, depois de mortos não sentimos mais
nada. E não há vantagem nisso.
Veja – Quando encostamos a mão numa panela quente, o
reflexo natural é afastá-la imediatamente. Não está na natureza
humana evitar a dor?
Hayes – Em termos. O problema é que estamos vivendo uma
espécie de ditadura da felicidade. Aceitar a dor sempre fez parte
dos costumes e tradições humanas. Hoje, pela primeira vez na
história da humanidade, existem tecnologia, remédios e terapias
para acabar com a dor. Isso não é lá muito sábio. Ao buscar um
desses recursos, corre-se o risco de cometer um erro que
tornará aquela dor inevitável, transformando a vida em uma
espiral infinita de sofrimento.
Veja – O senhor pode dar um exemplo?
Hayes – Imagine alguém que tenha sido traído pelo parceiro no
passado e, por isso, só consegue ter relacionamentos
superficiais, em que o risco de se magoar é pequeno. Esses
relacionamentos servirão para distrair ou para aplacar a solidão,
mas nunca atingirão o nível de envolvimento e intimidade
desejado. Nesse caso, a persistência do medo de sentir dor
acaba tendo um efeito permanente na vida do indivíduo. É como
se sua mente sabotasse sua própria vida.
Veja – Que tipo de felicidade se deve buscar?
Hayes – A pessoa deve definir o que realmente quer da vida a
longo prazo, descobrir quais são seus próprios valores e viver de
acordo com eles. Isso é ser feliz. Para alguns, significa ajudar os
outros e sentir-se útil para a sociedade. De nada adianta querer
se sentir feliz o tempo todo. Vamos imaginar uma situação de
dor extrema: a morte iminente da mãe. O filho está a seu lado
para dizer quanto a ama e ouvir o que ela tem a lhe falar. É
óbvio que esse não é um momento feliz. Tem, no entanto, um
significado valioso para a vida daquele filho. Imaginemos uma
outra cena, de aparente felicidade: um homem rindo, dançando,
tomando um bom drinque e, no fim da festa, indo para casa com
uma loira escultural. À primeira vista, ele está feliz. E se eu
disser que essa é a décima vez que ele se embebeda neste mês?
E se disser que ele está bebendo para esquecer os problemas em
casa, que acabou de conhecer a mulher com quem saiu e não
vai se lembrar de nada no dia seguinte? Uma situação
aparentemente prazerosa pode ser destrutiva e não acrescentar
nada, em termos emocionais, a seus protagonistas. Nosso
conceito de felicidade está ligado a emoções de curto prazo.
Essa correlação nunca foi verdadeira.
Veja – Como essa idéia pode ser transformada em tratamento
psicológico?
Hayes – Uma etapa da terapia de aceitação e
comprometimento, que defendo no meu último livro, consiste em
ajudar os pacientes a encontrar seus valores e objetivos. Um
dos exercícios que proponho é que eles escrevam seu próprio
epitáfio, uma frase que considerem digna de ser colocada em
seu túmulo. O resultado em geral é algo próximo de "aqui jaz
Sally, que amava muito seus filhos", não "aqui jaz Sally, que
tinha uma casa enorme" ou "aqui jaz Sally, que sofria de
ansiedade". Ou seja, queremos que nossa vida seja lembrada
pelos valores que seguimos. As artimanhas que usamos para não
sentir dor nos desviam de nossos objetivos. E é por eles que
vale a pena viver. Nosso trabalho é ir na direção oposta à de
nossos medos. Tentamos conseguir, com muito cuidado, fazer o
paciente explorar a tristeza, a depressão e a ansiedade que ele
sente, para percebê-las e observá-las.
Veja – Não é um processo muito arriscado?
Hayes – O que nós propomos não é tentar mudar os
pensamentos ruins, mas que eles sejam aceitos e deixem de
influenciar o comportamento do paciente. O processo consiste
em se distanciar aos poucos de todos os pensamentos, tantosos negativos como os positivos. O resultado é que as obsessões
vão se diluindo. Em um caso grave, obtém-se sucesso quando o
paciente começa a ter consciência do que o aflige. Um paciente
psicótico dá sinais de melhora quando muda o pensamento "eu
sou a rainha de Sabá" para "eu estou pensando que sou a rainha
de Sabá". O segundo passo é o paciente descobrir que tipo de
vida quer ter e tentar conquistá-lo, sem permitir que o medo de
sentir dor o desvie de seus objetivos.
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Veja – Que técnicas o senhor utiliza?
Hayes – Eu ensino os pacientes a identificar seus sentimentos e
a tratá-los como se fossem objetos. Uma das técnicas consiste
em resumir os pensamentos ruins em uma única palavra e dizê-la
alto e rápido por 45 segundos. Aos poucos, a palavra perde seu
sentido e o paciente começa a ouvir apenas um ruído. Com isso,
ele se dá conta de que não vale a pena se estressar ou acabar
com sua vida por causa daquela palavra, daquele ruído. Outras
vezes, pedimos para o paciente cantar seus pensamentos
negativos ou repeti-los imitando a voz de um personagem de
desenho animado. Funciona também na voz de um político
impopular. O propósito não é ridicularizar o paciente, mas fazê-lo
notar que se trata apenas de um pensamento. Essa técnica vale
para todo tipo de problema, desde memórias desagradáveis,
medos, traições, culpa até dependência de substâncias
químicas.
Veja – Em quanto tempo os resultados aparecem?
Hayes – Em alguns casos, em poucas horas. Certa vez obtive
bons resultados com psicóticos em apenas três dias. Com
pessoas que sofrem de alcoolismo ou dependência química são
necessárias ao menos 25 sessões. Muitas vezes, a mente insiste
em não cooperar. Quando pensamos em algo, a tendência é
julgarmos o pensamento como certo ou errado. O que eu tento
fazer é sair desse caminho óbvio. Por isso a mente protesta.
Veja – Quase 20% da população mundial terá depressão em
algum momento da vida. Por que essa doença se tornou tão
comum?
Hayes – Não é só a depressão. Nas últimas décadas assistimos
ao rápido crescimento de uma série de doenças psicológicas.
Isso inclui desde os transtornos de humor, como a depressão e o
distúrbio bipolar, até os de ansiedade, como a síndrome do
pânico, o transtorno obsessivo-compulsivo e o stress pós-
traumático. A explicação é que não sabemos mais lidar com
nossas experiências negativas. Muitos depressivos pioram em
decorrência de um processo que chamamos de rejeição dos
sentimentos: você tenta não sentir o que está sentindo, e o
resultado é que sente mais ainda.
Veja – Por que isso ocorre com mais freqüência na atualidade?
Hayes – No mundo moderno esse processo é intensificado por
dois motivos. O primeiro é que, com a tecnologia fazendo tudo
mais fácil, somos pressionados a acertar sempre e a conseguir
tudo o que queremos. Com isso, temos dificuldade em lidar com
nossos limites e com os percalços do cotidiano. No passado, as
pessoas aprendiam a se decepcionar e a aceitar suas fraquezas
de maneira mais saudável. Basta olhar para as tradições
religiosas que antes tinham grande aceitação: os fiéis jejuavam
porque essa era uma forma de simular a dor dos antepassados
ou de um salvador. O segundo motivo é a ditadura da felicidade
superficial, que nada tem a ver com uma vida repleta de
sentidos. Hoje você diz às crianças que elas devem se sentir
bem de dia e de noite, e se elas não conseguem é porque há
algo errado. O resultado é que elas se tornam incapazes de lidar
com o desconforto de uma maneira saudável. No futuro, essas
crianças serão mais vulneráveis a problemas de saúde mental.
Veja – O senhor está dizendo que a tendência para querer
evitar o sofrimento a qualquer custo é o único fator de risco
para a depressão?
Hayes – Não. O histórico familiar conta muito. A propensão à
doença é maior quando há casos de depressão, transtornos de
ansiedade ou alcoolismo na família. Esses três distúrbios andam
juntos, e na raiz de todos eles está a dificuldade em lidar com a
dor. Em geral as mulheres tendem a ter mais depressão que os
homens. Por uma questão cultural e educacional, elas são
estimuladas a agir passivamente ao lidar com emoções
negativas.
Veja – Como distinguir depressão de tristeza?
Hayes – Os sintomas da depressão avançam por um período
maior, no mínimo por semanas. Quando está deprimido, o
paciente não quer sentir mais nada. A metáfora usada é a de um
buraco que se abre no chão e suga todas as suas emoções e
energias. Um dos principais sintomas é a falta total de interesse
na vida. O indivíduo não quer mais saber de comida, sexo ou
qualquer atividade que costumava lhe interessar.
Veja – O que o senhor acha do uso de remédios
antidepressivos em combinação com a terapia?
Hayes – Tenho algumas ressalvas aos remédios que não tiveram
sua eficácia comprovada, como alguns antidepressivos. A
indústria faz bilhões de dólares com esses remédios, e seus
resultados muitas vezes são pífios. O Prozac, por exemplo, foi
anunciado como uma revolução no tratamento da depressão. Em
uma pesquisa recente, ele teve nos voluntários um efeito apenas
um pouco melhor do que o de placebo. Com resultados como
esses, o melhor seria tomar pílulas de açúcar em vez de
antidepressivos. Outras vezes, combinar remédio e terapia é
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antidepressivos. Outras vezes, combinar remédio e terapia é
improdutivo, porque a droga, além de causar dependência,
interfere no que o paciente faz no consultório. Tranqüilizantes
contra a ansiedade, por exemplo, prejudicam os efeitos das
terapias de exposição, aquelas em que o paciente enfrenta
situações nas quais é obrigado a vencer os próprios medos.
Veja – O senhor teve seu primeiro ataque de pânico aos 29
anos. Como isso mudou a sua vida?
Hayes – Eu tive síndrome do pânico e agorafobia. Tinha medo
de lugares e situações em que não poderia ser socorrido caso
passasse mal. Cheguei a um ponto em que não podia entrar em
um elevador, participar de reuniões ou mesmo falar ao telefone.
Foi algo realmente doloroso, porque não podia seguir plenamente
a vida que tinha escolhido. Dar aulas era um suplício. Meu
primeiro ataque aconteceu logo depois de me divorciar e, por
isso, não pude ser o pai que gostaria de ter sido para meu filho
mais velho. Eu estava empenhado em uma guerra dentro da
minha própria cabeça.
Veja – Como o senhor se curou?
Hayes – Durante dois anos, eu não podia entrar em lugares
pequenos nem muito abertos. Tudo o que eu fazia girava em
torno da doença. Foi quando me dei conta de que, se não
reagisse, ela acabaria enterrando minha carreira. Aos poucos,
comecei a aprender a aceitar a dor e a ver meu problema com
certo distanciamento. Ter passado por essa experiência hoje me
ajuda a compreender meus pacientes. Faz onze anos que não
tenho uma crise. Quando a última ocorreu, aprendi a nunca dizer
nunca. Sempre digo que ainda não estou curado. Nunca estarei.
Sou uma pessoa com síndrome do pânico em recuperação. É o
mesmo que ser um ex-alcoólatra.
 
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