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Apostila de psicopatologia das psicoses

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PSICOPATOLOGIA DAS PSICOSES 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
PSICOPATOLOGIA DAS PSICOSES 
Uma Introdução sobre a Semiologia e a Neurociência Cognitiva dos 
Transtornos do Pensamento e da Sensopercepção 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Hélio Tonelli 
2009 
3 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
4 
 
ÍNDICE 
 
 
Introdução 
 
 
6 
Conceito de Psicose 
 
 
7 
Sintomas psicóticos como um continuum entre a normalidade e a 
patologia 
 
10 
Esquizofrenia: um transtorno essencialmente psicótico 
 
11 
Dopamina e antipsicóticos 
 
18 
Sinais psicopatológicos das psicoses 
 
19 
Pensamento 
 
20 
Perturbações do fluxo do pensamento 
 
20 
Perturbações da forma do pensamento 
 
20 
Perturbações da linguagem 
 
22 
Algumas considerações adicionais sobre a estrutura da linguagem 
na esquizofrenia 
 
23 
Perturbações do conteúdo do pensamento 
 
 
27 
Síndromes de Falsa Identificação 
 
29 
Teorias cognitivas da formação dos delírios 
 
32 
Descarga Corolária 37 
5 
 
 
Modelos associados à cognição social 
 
38 
Desregulação da transmissão dopaminérgica e formação de delírios 
 
42 
Sensopercepção 
 
43 
Bases fisiológicas das alucinações 
 
47 
Conclusões 
 
48 
Bibliografia 
 
50 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
6 
 
Introdução 
 O termo psicose é utilizado freqüentemente por profissionais de saúde mental. Mas, 
o que objetivamente estes profissionais estão querendo dizer quando resolvem usar o 
termo? Qual o significado das afirmações “este paciente encontra-se profundamente 
psicótico” e “se usar esta droga ilícita você pode desenvolver uma psicose”? Leigos, 
compreensivelmente, costumam associar a palavra psicose quase que exclusivamente a risco 
de comportamento violento – possivelmente por influência do famoso filme homônimo de 
Hitchcock – quando, na realidade, a violência nem sempre está presente nos quadros 
clínicos em que há psicose. Não obstante, quando a violência ocorre em indivíduos 
clinicamente psicóticos, costuma se caracterizar muito mais como uma reação defensiva a 
um ambiente ameaçador do que a comportamentos friamente arquitetados, típicos dos 
psicopatas (outro termo que gera confusão entre leigos, os quais acreditam que psicopatia é 
sinônimo de doença mental em geral, o que, também, não corresponde à realidade). Outra 
noção popular sobre o significado de psicose é mais próxima do conceito técnico: psicose é 
sinônimo de loucura. Em certos termos, isso é verdade, mas, o que as pessoas querem dizer 
quando usam a palavra loucura? Uma vez vi um atendente de enfermagem dizer, bem 
intencionadamente, a um paciente (psicótico) que o perguntara se o achava louco: “os 
loucos comem fezes e rasgam dinheiro, você não está fazendo nenhuma nem outra coisa, 
logo você não é louco...” Este técnico perdeu a oportunidade de educar o paciente a 
respeito de sua condição clínica e o fez por também não conhecer ao menos os rudimentos 
do conceito de psicose. O que fazem os loucos, além de, supostamente, rasgar dinheiro e 
comer fezes (se é que eles fazem mesmo isso)? As pessoas acometidas daquilo que 
vulgarmente se chama de loucura têm comportamentos desviantes da norma e estes 
comportamentos são determinados geralmente por fenômenos que acontecem em suas 
mentes e fazem com que elas se comportem de maneira peculiar: falam sozinhos, são 
assustadiços, assumem posturas estranhas, param de tomar banho diariamente, auto-
mutilam-se, acreditam que estão sendo perseguidos, que familiares foram substituídos por 
impostores, que são controlados à distância, apresentam um discurso peculiar, etc. Alguns 
se tornam violentos, mas a maioria geralmente se isola ou foge do contato com as outras 
pessoas e o maior risco que oferecem é a si mesmas. 
 Portanto, a primeira lição de quem pretende estudar psicopatologia das psicoses é 
ter em mente um conceito muito claro do termo psicose. A partir daí é possível descrever os 
fenômenos clínicos presentes em uma síndrome psicótica, a segunda etapa de nossa 
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empreitada. Por exemplo, uma maneira de se estar psicótico sem apresentar delírios de 
perseguição e alucinações do tipo vozes de comando é ter um comportamento 
desorganizado (o que não significa que não haja pacientes com comportamento 
desorganizado que apresentem concomitantemente delírios e/ou alucinações). A terceira 
lição será compreender quais são os fenômenos mentais subjacentes à presença destes 
comemorativos clínicos (atualmente a ciência cognitiva evoluiu bastante, de forma a 
possibilitar a explicação dos mesmos com base em falhas no processamento da informação, 
via déficits em filtros sensoriais ou processos de auto-monitoramento, por exemplo). 
Conceito de Psicose 
 Parece irresistível à maioria daqueles que abordam o tema da psicose contrapor tal 
conceito com o de neurose; não optarei por outro caminho neste texto porque os dois 
conceitos caminharam juntos desde o princípio, mudando seu significado de acordo com a 
época. É importante, todavia, salientar que inicialmente o termo neurose referia-se a qualquer 
doença do sistema nervoso. Tanto era assim que, nos casos em que se suspeitava de forte 
componente psíquico do transtorno afetando o sistema nervoso, poder-se-ia usar uma 
expressão parecida com neurose psíquica, o que para aqueles acostumados com a nomina 
freudiana, poderia parecer uma hipérbole. Falaremos um pouco mais das neuroses nos 
próximos parágrafos. Na primeira vez que o termo psicose foi empregado, por 
Feuchtersleben em 1845, o mesmo referia-se à presença de psicopatologia comprometendo 
toda a personalidade e tendo como origens alterações tanto de processos físicos quanto de 
processos psíquicos. Portanto, a palavra designava a presença de transtornos mentais ou 
insanidade e assim permaneceu seu significado até a segunda metade do século dezenove. 
A tendência continuava sendo de associar o termo à presença de sintomas explicados por 
doenças no sistema nervoso central ou pela suposição de que transtornos acometendo o 
cérebro os estivessem causando, até que Moebius, em 1875, sugeriu a classificação das 
psicoses em endógenas e exógenas. Com este argumento alinharam-se Kraepelin e Jaspers, 
os quais chamavam de exógena toda a psicose com causa externa, fosse física, fosse psíquica. 
A expressão endógena – sob a qual eram definidos estados como melancolia, mania, paranóia 
e histeria – consagrou-se definitivamente com o trabalho de Schneider, como uma 
categoria para incluir estados clínicos em que não fora possível a obter a correlação 
anátomo-clínica ou demonstrar a etiologia neurológica, mas que a existência de um 
transtorno seria inequívoca em virtude da presença de sinais psicopatológicos. Mais tarde, 
Kraepelin e Bleuler propuseram a clássica subdivisão das psicoses endógenas em duas 
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categorias, psicose maníaco-depressiva e psicose esquizofrênica, baseando-se na evolução 
da doença. Esta proposta é até hoje muito popular e pode ser observada nos manuais de 
psiquiatria clínica, em que transtornos bipolares e esquizofrenia são estudados sob uma 
ótica kraepeliniana, que, resumidamente, assume que os transtornos do humor terão uma 
evolução favorável e que as esquizofrenias não. Qualquer psiquiatra com alguma 
experiência e bom senso concordará que isso objetivamente não acontece. 
Contrapondo-sea esta visão, houve outros pesquisadores que propunham um 
modelo de psicose unitária. O transtorno esquizoafetivo, uma categoria diagnóstica 
caracterizada pela presença simultânea de sintomas característicos de esquizofrenia e de 
psicose maníaco-depressiva, seria um bom argumento a favor deste modelo. 
 Portanto, aqueles que inicialmente empregaram o termo psicose estavam 
interessados na descrição das manifestações psíquicas de quadros organomentais e, 
gradualmente, a visão pareceu se inverter até a situação observada na época de autores 
como Bleuler e Kraepelin, em que se assumia a existência de quadros psíquicos para os 
quais havia a necessidade de se estabelecer uma conexão física. De certa forma, o conceito 
mais moderno de psicose acabou convergindo para o conceito primordial de neurose. O 
progresso das técnicas de avaliação neuropatológica e a identificação de novas causas de 
doenças mentais, assim como o avanço da psicanálise, acabaram por restringir o conceito 
de neurose àquelas situações clínicas de causa psicogênica. Nesta época foram descritas as 
doenças de Alzheimer e de Pick, a esclerose múltipla, as doenças da tireóide e a 
neurossífilis. Em relação à psicanálise, a mesma colaborou para a dicotomia entre psicose e 
não-psicose (ou neurose), que permeou – ou permeia – a nosologia psiquiátrica 
contemporânea. Esta dicotomia interferiu nas maneiras de se conceber e de se tratar as 
psicoses e as neuroses. As primeiras continuaram sendo explicadas como resultantes de 
doenças somáticas – pudessem ou não ser demonstradas suas causas físicas – seriam, 
portanto, um processo; e as últimas, como tendo um caráter autobiográfico, eram vistas 
como algo cujo desenvolvimento teria a ver com a história de vida de cada paciente. Disso 
decorreria que as psicoses mereceriam uma explicação causal (seria possível descrever uma 
“cascata” de eventos levando à psicose) e as neuroses, uma compreensão psicológica 
(fortemente vinculada à história pessoal do indivíduo). Não obstante, explicações 
psicodinâmicas derivadas da psicanálise – que influenciou a psiquiatria norte-americana 
após a segunda grande guerra - aparecem nos textos das classificações psiquiátricas 
tradicionais, como o DSM-II e a CID-9, inclusive para quadros psicóticos, que são tratados 
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como reações psicológicas ou neuroses mais graves. Somente a partir da década de oitenta, 
com as tentativas de validação das categorias diagnósticas dos sistemas classificatórios, é 
que a dicotomia neurose-psicose é definitivamente abandonada e o termo psicose é 
utilizado apenas em referência aos transtornos psicóticos. 
 Voltamos, então, à nossa pergunta inicial. O que é psicose? Como deve se 
apresentar um paciente para que possamos dizer seguramente que o mesmo encontra-se 
psicótico? Muitos autores respondem a esta questão afirmando que a psicose se caracteriza 
por um comprometimento da capacidade de testar a realidade. Isto é, alguma coisa acontece 
no discurso ou na atitude do indivíduo, que permite concluir que ele não está fazendo um 
juízo adequado da realidade. Portanto, ao avaliarmos um paciente que afirma ser o 
presidente do Brasil, poderemos concluir pelo prejuízo do teste da realidade se e apenas se: o 
indivíduo realmente não for o presidente do Brasil, se após algum tempo de entrevista 
pudermos concluir que o indivíduo não está simulando um sintoma psicótico ou caçoando 
o entrevistador e se, após algumas perguntas objetivas do tipo “mas, se você é o presidente, 
não deveria estar em seu gabinete no Palácio do Planalto?”, percebermos que o paciente 
realmente crê naquilo que diz (seja porque apresenta respostas mais ou menos organizadas 
para este tipo de pergunta, na tentativa de justificar as muitas contradições que surgem no 
exercício de sustentar sua crença, seja pelas possíveis reações emocionais que aparecerem 
em decorrência do confronto). O exemplo acima ilustra o caso de um paciente com quem 
se conversou e, através da entrevista, foi possível concluir pela presença de psicose. Alguém 
poderá argumentar se existiria alguma maneira de aferir a integridade do teste da realidade 
em alguém com quem, por algum motivo, não se possa estabelecer um contato verbal 
razoável? A resposta é sim, já que é possível avaliar o teste da realidade através das atitudes, 
apesar de não ser, nestes casos, possível dizer com detalhes quais seriam os pensamentos e 
crenças determinantes das atitudes apresentadas pelo paciente. Exemplos de casos como o 
tratado acima incluem pacientes em mutismo ou com comportamento desorganizado ou 
apresentando ecolalia e ecopraxia graves, pacientes em estupor ou furor catatônico ou com 
intenso afrouxamento das associações e pacientes com severa fuga de idéias, para enumerar 
apenas algumas possibilidades. 
 Portanto, pode-se afirmar que o termo psicose abrange uma gama de estados 
mentais patológicos os quais se caracterizam pela presença de um ou mais fenômenos 
clínicos que, em última análise, são o reflexo de alterações mentais afetando a integridade 
de sistemas cerebrais ligados ao processamento do teste da realidade. Embora a discussão 
10 
 
de tais sistemas não seja o objetivo central deste estudo, é importante lembrar que uma 
importante função do cérebro é lidar com o processamento de informações ambientais de 
forma que possamos aperfeiçoar nossa sobrevivência no mundo da forma mais eficiente 
possível. Estes aperfeiçoamentos incluem a elaboração de um modelo de mundo do qual 
nossa realidade faz parte. A neurociência cognitiva, através de diferentes técnicas, tem 
identificado vários sistemas cerebrais envolvidos diretamente na construção das 
representações mentais do ambiente. Estes sistemas, quando avariados, podem resultar em 
problemas no processamento do teste da realidade. É o que será estudado um pouco mais 
adiante. 
Sintomas psicóticos como um continuum entre a normalidade e a patologia 
 Fenômenos clínicos como as experiências delirantes e as alucinações podem 
ocorrer em um continuum com a normalidade. Em outras palavras, isto equivaleria a dizer 
que alguns indivíduos que nunca foram diagnosticados como portadores de qualquer 
transtorno psicótico (e que provavelmente nunca o serão) podem desenvolver experiências 
psicóticas em algum momento de suas vidas. Reforçando esta idéia, uma série de estudos 
examinou a prevalência de alucinações e de outros sintomas psicóticos na população geral, 
sugerindo que grande parte das experiências psicóticas seja transitória, desaparecendo com 
a passagem do tempo. Por exemplo, a taxa de prevalência de alucinações na população 
geral adulta parece variar entre dez a vinte e cinco por cento, além do que alguns estudos 
realizados com indivíduos universitários demonstraram que até setenta por cento deles já 
tiveram experiências alucinatórias do tipo ouvir vozes pelo menos uma vez em suas vidas. 
Uma crítica plausível a estes números envolve o fato de que muitos dos trabalhos de 
rastreamento de sintomas psicóticos são feitos através da administração de questionários 
auto-aplicáveis, permitindo uma razoável possibilidade de erro em virtude de má 
interpretação das perguntas destes instrumentos, já que nem todos os indivíduos avaliados 
têm treino psicopatológico, isto é, eles podem ter compreendido mal as questões que lhe 
foram apresentadas. 
 Levando estas considerações em conta, consideremos a psicose como um fenótipo 
definível de forma mais ou menos liberal. Portanto, de maneira liberal, definiremos este 
fenótipo como um caminho (ou espectro) que se inicia nas experiências psicóticas na 
população geral, passando por formas progressivamente mais graves de psicose até chegar 
à expressão mais estreitamente definível de esquizofrenia. Ouentão, de maneira mais 
restritiva (e categorial), estipulemos que o fenótipo da psicose inclui apenas as formas mais 
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estreitamente definíveis de esquizofrenia. Quando estas diferentes considerações acerca do 
fenótipo da psicose são confrontadas e avaliadas suas ocorrências na comunidade, conclui-
se que o fenótipo mais amplo (mais liberal) de psicose pode ser até cinquenta vezes mais 
comum que o mais estrito. 
 De fato, a prática diária do diagnóstico e tratamento de síndromes psicóticas faz 
com que aprendamos a reconhecer diferentes apresentações clínicas de psicose, que variam 
desde indivíduos praticamente “normais” e que se nos apresentam com peculiaridades nos 
processos de pensamento ou relatos de experiências alucinatórias esporádicas ou 
subclínicas. O transtorno esquizotípico de personalidade é um exemplo de condição 
psiquiátrica em que algo como este quadro pode ocorrer. Este transtorno de personalidade 
é definido clinicamente no Manual de Diagnóstico e Estatística de Transtornos Mentais, 
quarta edição (DSM-IV), como um padrão invasivo de déficits sociais e interpessoais, marcado por 
desconforto agudo e reduzida capacidade para relacionamentos íntimos, além de distorções cognitivas ou 
perceptivas e comportamento excêntrico, associados a traços esquizotípicos: idéias de referência, crenças 
bizarras ou pensamento mágico, experiências perceptivas incomuns, pensamento e discurso bizarros, 
desconfiança, ideação paranóide, inadequação ou contrição afetiva, aparência peculiar ou excêntrica e 
excessiva ansiedade social associada principalmente a temores paranóides, mais do que a auto-julgamentos 
negativos. Embora não possam ser diagnosticados como portadores de uma síndrome 
esquizofrênica, estes indivíduos parecem apresentar uma vulnerabilidade aumentada para o 
desenvolvimento de esquizofrenia e muitos deles realmente evoluem para psicoses 
esquizofrênicas francas. No entanto, nem todas as pessoas que, em algum momento de 
suas vidas, tiveram experiências alucinatórias ou deliróides ou delirantes preenchem 
critérios diagnósticos para um transtorno psiquiátrico, ou seja, nem todas poderão ser 
consideradas casos clínicos. Aliás, a difícil tarefa de examinar um paciente com 
sintomatologia psicótica subsindrômica e sem prejuízos severos no funcionamento sócio-
ocupacional, visando um diagnóstico psiquiátrico – e consequentemente uma orientação 
terapêutica – exige experiência clínica, adquirida com anos de observação psicopatológica e 
estudo. 
Esquizofrenia: um transtorno essencialmente psicótico 
 Uma vez que a esquizofrenia é o transtorno mental em que a psicose se manifesta 
por excelência, cabe aqui uma rápida discussão a seu respeito. 
12 
 
A esquizofrenia é uma condição clínica relativamente comum (sua taxa de risco ao 
longo da vida é de cerca de 0,7%, semelhante à da artrite reumatóide), caracterizada pelo 
acometimento de múltiplas funções mentais. Cognição, pensamento, senso-percepção, 
volição, controle de impulsos e juízo crítico da realidade costumam estar afetados. Ela tem 
um curso crônico, geralmente marcado por recaídas e remissões e costumeiramente se 
inicia no início da idade adulta. Por esta razão, trata-se de um transtorno para o qual 
a detecção e intervenção precoce são fundamentais, pois, depois de instalado o processo 
mórbido, todos os tratamentos disponíveis são paliativos. Desta forma, o estudo e o 
reconhecimento de pródromos têm sido uma importante atividade de pesquisa em 
esquizofrenia. 
 Pródromo é um conceito retrospectivo, isto é, a não ser que haja uma doença 
psicótica estabelecida, é impossível defini-lo. Em esquizofrenia e outras doenças psicóticas 
o pródromo se refere ao período caracterizado por comemorativos clínicos que 
representam uma alteração do funcionamento pré-mórbido de um paciente imediatamente 
anterior ao início dos sintomas psicóticos francos. 
 Cerca de oitenta a noventa por cento dos esquizofrênicos relatam uma gama de 
sintomas, que incluem mudanças nas percepções, crenças, cognição, humor e 
comportamento, antes de ficarem psicóticos. Os demais dez a vinte por cento desenvolvem 
quadros psicóticos agudos, sem sinais prodrômicos. 
 De maneira geral, sintomas como apatia e isolamento social ou sinais inespecíficos 
são os primeiros a aparecer e são seguidos de sintomas positivos (os delírios e alucinações, 
que serão descritos adiante com mais detalhes) atenuados. 
 É importante identificar quais as populações que, em um dado momento, estão 
manifestando supostos sintomas prodrômicos de esquizofrenia (e não desenvolveram um 
episódio psicótico completo até então) e que irão evoluir para um diagnóstico bem 
estabelecido de esquizofrenia. Indivíduos de alto risco são aqueles que têm um parente 
esquizofrênico em primeiro grau, mais frequentemente um dos pais ou irmãos. 
Recentemente tem sido valorizada a identificação de grupos de risco ultra-alto, separados por 
pesquisadores australianos em três categorias, de acordo com a síndrome identificada: 
indivíduos com síndrome psicótica atenuada, indivíduos com síndrome psicótica breve 
intermitente e indivíduos com uma síndrome de deterioração recente. Estas categorias são 
explicadas com mais detalhes abaixo. 
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Critérios para síndromes de risco ultra-alto para psicoses esquizofrênicas 
(Young e colaboradores, 1996) 
Síndrome de sintomas psicóticos atenuados 
• No último ano, sintomas positivos subclínicos ocorreram, mas não 
sintomas francamente psicóticos. 
• Os sintomas devem ter ocorrido no mínimo 1 vez por semana no último 
mês. 
Síndrome psicótica intermitente breve 
• Nos últimos três meses ocorreram sintomas psicóticos francos, que foram 
breves e auto-limitados. 
• Tais sintomas não preenchem critérios do DSM-IV para algum transtorno 
psicótico. 
• Os sintomas não são seriamente desagregadores ou perigosos. 
Síndrome de deterioração recente e risco genético 
• O indivíduo apresenta um transtorno esquizotípico de personalidade (já 
definido acima) ou um parente em primeiro grau com psicose. 
• No último ano, o funcionamento reduziu trinta pontos ou mais na Escala 
de Funcionamento Global, por no mínimo um mês. 
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Felizmente existem indivíduos falso-positivos para risco ultra-alto, ou seja, 
clinicamente são muito semelhantes aos indivíduos portadores de risco ultra-alto que 
desenvolvem sintomas psicóticos francos, mas com a diferença de que não são vulneráveis 
à psicose. 
Indivíduos com risco ultra-alto para o desenvolvimento de esquizofrenia 
apresentam chances de cerca de quarenta a sessenta por cento de apresentarem sintomas 
francamente psicóticos, uma taxa mais alta do que a dos que apresentam apenas um risco 
genético para esquizofrenia, que é de dez a vinte por cento. Existem programas 
estruturados especificamente para o atendimento desta população, a fim de que se evite que 
estes indivíduos passem, a qualquer momento, a preencher critérios para esquizofrenia. 
Contudo, muitas questões éticas ainda não foram resolvidas a respeito do tema: por 
exemplo, é ético prescrever antipsicóticos para indivíduos de risco que não têm 
esquizofrenia clínica? 
As manifestações psicopatológicas da esquizofrenia ocorrem em praticamente todas 
as esferas da vida mental do indivíduo e, embora sejam tradicionalmente descritas em 
separado, devem ser compreendidas como alterações que se relacionam mutuamente, 
comprometendo de forma grave o funcionamento psíquico. 
Várias tentativas de se classificar e sistematizar os sintomas da esquizofrenia já 
foram feitas e atualmente existe uma ampla aceitação de que a doença compreende três 
dimensões sintomáticas: negativa, positiva e desorganizada. Um modelo anterior, quedescreve os sintomas como pertencentes a apenas duas categorias, positiva e negativa, 
parece ser muito simplista, não refletindo suas conexões com outros fatores; os sintomas 
negativos parecem pertencer a um grupo de sintomas bastante homogêneos, que são 
definidos de maneira muito similar por vários autores. Já os sintomas positivos parecem 
demonstrar uma complexa heterogeneidade, o que, muitas vezes, resultou na subdivisão 
deste grupo em clusters sintomáticos menores. Alguns autores sugeriram a inclusão dos 
sintomas depressivos e déficits no ajustamento social pré-mórbido como uma parte 
integrante do processo esquizofrênico. 
Dimensão 
 Negativa 
 
Anedonia e isolamento social, embotamento afetivo, pobreza do discurso, 
diminuição do interesse, falta de inflexões vocais, desatenção social, anergia, 
pobreza de gestos expressivos, diminuição de movimentos espontâneos, alogia, 
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não-responsividade afetiva, diminuição do interesse sexual, falta de persistência 
em atividades escolares ou laborativas, pobre contato visual, déficits atencionais, 
bloqueio do pensamento, retardamento psicomotor. 
Dimensão 
Positiva 
 
Alucinações (vozes comentando, somáticas, tácteis, vozes conversando entre si, 
olfativas), delírios (controle, inserção de pensamento, referência, irradiação de 
pensamento, persecutórios, somáticos, culpa, místicos). 
Dimensão 
Desorganizada 
 
Comportamento bizarro, transtorno formal do pensamento (tangencialidade, 
incoerência, circunstancialidade, afrouxamento, pressão pela fala, desorganização 
conceitual). 
 
 Quais são as principais teorias sobre a fisiopatologia da esquizofrenia? A mais 
popular é a teoria dopaminérgica, que foi construída a partir da constatação de que os 
antipsicóticos bloqueiam a transmissão dopaminérgica cerebral. Discutiremos de maneira 
resumida os mecanismos de ação destes fármacos logo em seguida. 
 A teoria dopaminérgica também se baseia na observação de que o abuso de 
estimulantes como a cocaína e anfetaminas – substâncias que, sabidamente alteram a 
concentração do neurotransmissor dopamina em áreas específicas do cérebro – pode levar a 
um estado psicótico semelhante ao observado na esquizofrenia. Além da dopamina, outros 
neurotransmissores foram sendo consecutivamente incluídos na lista de possíveis 
substâncias cerebrais cujo mau funcionamento pode estar relacionado ao aparecimento da 
esquizofrenia, dentre elas a serotonina e o glutamato. 
 Atualmente, teorias cognitivas da esquizofrenia têm ampliado a compreensão sobre o 
aparecimento de sintomas positivos e negativos, com a vantagem de não descartarem as 
causas bioquímicas. São, portanto, complementações das teorias neuroquímicas. 
 Funções cerebrais superiores como o pensamento e a linguagem têm seu “sítio 
anatômico” localizado no córtex associativo. O córtex associativo é dividido em três 
porções: córtex pré-frontal (envolvido com funções motoras), córtex límbico (envolvido 
com memória, emoção e aspectos motivacionais do comportamento) e córtex associativo 
parietotemporoccipital (envolvido com funções sensoriais e linguagem). 
16 
 
 O córtex pré-frontal é a área que mais se desenvolveu no cérebro, do ponto de vista 
filogenético. De maneira geral, ele integra as informações dos meios externo e interno a fim 
de encontrar as respostas motoras apropriadas. Desta forma, esta área está estreitamente 
relacionada a funções cognitivas e planejamento de ações. O córtex pré-frontal recebe uma 
inervação dopaminérgica proeminente. Pacientes com lesões desta região podem, ao exame 
muito superficial, parecer normais. Contudo, por apresentarem comprometimento em uma 
área relacionada ao planejamento de ações, podem desenvolver desinibições 
comportamentais, bem como perseverações ou dificuldades para mudarem seus esquemas 
de ação (na medida em que pensamento e ação estão dissociados). 
 Durante as últimas décadas o estudo dos mecanismos neurais da esquizofrenia 
passou rapidamente por três fases. Na primeira, tentou-se demonstrar que se tratava de 
uma doença do cérebro. Tal fase foi suportada por estudos de neuroimagem em que foram 
evidenciados achados difusos inespecíficos, como proeminência de sulcos cerebrais ou 
dilatação ventricular. A próxima fase tentou relacionar manifestações específicas da doença 
com determinadas regiões cerebrais. Progressos nesta fase incluíram as correlações do 
córtex pré-frontal com a sintomatologia negativa e a dos lobos temporais com as 
alucinações auditivas. A fase mais recente tenta compreender a esquizofrenia como um 
processo que afeta mecanismos cognitivos e determinados circuitos neurais, enfatizando 
modelos integrativos de processamento de informação e atenção, memória de trabalho e 
iniciativa. 
 A esquizofrenia se apresenta clinicamente com uma diversidade de sintomas em 
múltiplos domínios psicológicos: percepção, inferência, formação de conceitos, linguagem, 
volição, atividade motora, interação social e emoção. O transtorno envolve algum tipo de 
alteração na recepção e processamento da informação oriunda do meio externo. Um 
modelo particularmente promissor assume que há um déficit em um sistema que coordena 
o processamento, priorização e expressão da informação. Tal sistema abrange as chamadas 
funções executivas, cujo sítio cerebral é o córtex pré-frontal. Contudo, autores postulam que 
estas funções não estejam circunscritas a esta região, distribuindo-se de forma mais 
complexa no SNC, compreendendo não apenas redes corticais, mas também sistemas 
neurais subcorticais. O termo dismetria cognitiva1 tem sido usado para nomear esta situação 
 
1
 Do ponto de vista neurológico o termo dismetria quer dizer alteração da coordenação da atividade motora. A 
disdiadococcinesia é uma alteração dismétrica. O termo dismetria deriva do grego e quer dizer “alteração da” 
(dis) moderação (metron). Por metron subentende-se a tomada de medida do tempo e do espaço, fazendo 
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de descompasso envolvendo tanto as funções executivas como as emoções, o controle 
motor, atenção e memória. 
 Todos os seres humanos saudáveis psiquicamente têm um forte sentimento de 
controle voluntário de seu comportamento. Tal intuição sugere a existência de algum 
sistema executivo que organize e unifique nossos pensamentos e comportamento. A 
atenção conduz a seleção de inputs relevantes para que tarefas mentais sejam cumpridas de 
maneira coerente. O sistema da atenção deve ser suficientemente flexível para permitir que 
objetivos integrantes da tarefa sejam re-priorizados com base nas mudanças ocorridas no 
ambiente. Este sistema parece ser afetado por danos aos lobos frontais. A esquizofrenia é 
comumente vista por alguns autores como um transtorno de déficit atencional, e muitas 
das alterações apresentadas por esquizofrênicos na realização de tarefas cognitivas parecem 
corroborar esta idéia. Estes déficits talvez sejam muito mais específicos do que já foi 
pensado e não podem ser atribuídos a fatores gerais como falta de motivação ou habilidade 
para entender instruções. Como sintomas particulares e únicos da esquizofrenia, como 
alucinações e transtornos do pensamento, poderiam estar relacionados às funções 
executivas? As áreas relacionadas às funções executivas estão envolvidas com a seleção 
dentre o trabalho semântico, função esta que, quando alterada, promoveria uma falha no 
controle de idéias conflitantes. 
 Pacientes esquizofrênicos não apresentam, grosso modo, alterações motoras; 
contudo o exame mais minucioso poderá revelar formas subclínicas de distúrbios motores 
em alguns indivíduos desta população. Um exemplo de alteração motora observada em 
esquizofrênicosé a lentificação, constantemente atribuída à terapêutica com antipsicóticos 
(principalmente os mais antigos, também denominados de primeira geração). Contudo, este 
sinal já era descrito em pacientes antes da era dos antipsicóticos. Recentemente, o termo 
sinais neurológicos leves (soft signs) tem sido usado para descrever estas alterações em pacientes 
que nunca receberam antipsicóticos. 
 Não obstante, a expressão dismetria cognitiva abrange tanto processos motores como 
cognitivos, relativos ao processamento da informação e às respostas conferidas como 
conseqüência deste processamento. É razoável afirmar-se que processos como alucinações, 
alterações formais do pensamento, delírios, embotamento afetivo, distúrbios volitivos e 
déficits atencionais também possam ser decorrentes de dismetria cognitiva. Uma teoria 
 
inferências sobre interrelações entre tais grandezas em relação a outro(s), a objetos, memórias e conceitos; 
formulando respostas e experimentando sentimentos como conseqüências desta tomada de medida. 
18 
 
bastante interessante a respeito da fisiopatologia das alterações do pensamento baseia-se na 
tese de que o pensamento é a forma mais evoluída e sofisticada de atividade motora em 
humanos e como tal, poderá apresentar-se alterado em virtude do descompasso de 
estruturas envolvidas no processamento motor. Não se trata de uma metáfora, mas de um 
conceito que implica na participação de estruturas subcorticais como os gânglios da base e 
tálamo, bem como do próprio cerebelo no processamento do pensamento. 
 De fato, os sintomas positivos da esquizofrenia são os mais difíceis de serem 
explicados e de se compreender, e muitos fatores estão por trás destas dificuldades: em 
primeiro lugar, embora muitas pessoas possam apresentar desorganização comportamental 
e falta de motivação, muitas dos sujeitos deste grupo jamais irão apresentar delírios ou 
alucinações. Em segundo lugar, embora seja relativamente menos complicado explicar 
porque determinadas condições clínicas cursam com perda da capacidade de ter sensações 
ou da habilidade de pensar, é muito mais difícil entender como o cérebro poderia “criar” 
experiências sensoriais e cognitivas novas e convincentes. 
 A teoria ideal sobre a gênese de sintomas positivos deveria abranger três níveis 
explicativos: em primeiro lugar, identificaria processos físicos aberrantes acontecendo no 
tecido cerebral. Em segundo, conectaria tais processos com aberrações cognitivas 
acontecendo em nível psicológico e, em terceiro lugar, conciliar os dois primeiros níveis 
com o nível experiencial, isto é, fornecer uma explicação de como seria a experiência de ter 
delírios e alucinações. 
Dopamina e antipsicóticos 
 A introdução da clorpromazina em 1950 inaugurou a era da moderna 
psicofarmacologia das psicoses e, desde então, diversas classes destas drogas foram 
lançadas. A partir de 1960, a idéia de que os antipsicóticos agem predominantemente no 
sistema dopaminérgico ficou estabelecida, o que foi definitivamente comprovado a partir 
da década de setenta, com o achado de que tais drogas agem em receptores dopaminérgicos 
do tipo D2. Apesar de várias tentativas de desenvolvimento de fármacos com propriedades 
antipsicóticas, mas que não agissem em sistemas dopaminérgicos, até hoje é aceito que o 
bloqueio dos receptores do tipo D2 permanece uma condição necessária para atividade 
antipsicótica. 
 Portanto, sabemos que, do ponto de vista biológico, as psicoses parecem originar-
se de problemas envolvendo a transmissão dopaminérgica, bem como que os antipsicóticos 
19 
 
exercem suas ações em sistemas dopaminérgicos. Todavia, ainda não conseguimos explicar 
as conexões entre estes achados biológicos e a natureza essencialmente fenomenológica da 
psicose em um nível mental. Kapur e colaboradores propuseram, em 2004, um modelo 
compreensivo de como deve acontecer tal conexão. Seu modelo baseia-se no papel da 
dopamina como um neurotransmissor relacionado a reforço comportamental, seja por 
mediar o prazer hedônico, seja por estar envolvida com eventos apetitivos e aversivos, seja 
por ser liberada por neurônios dopaminérgicos mesencefálicos quando há predição de 
prazer ou de gratificação. O sistema dopaminérgico é “colocado em ação” tanto quando 
um animal se depara com novos reforçadores ou gratificadores ambientais, tanto quando 
associações previamente aprendidas são violadas. Conseqüentemente, este 
neurotransmissor está também envolvido com o aprendizado. 
 Hoje em dia sabemos que o bloqueio de receptores D2 proporcionado pelas drogas 
antipsicóticas é bastante eficiente contra os sintomas positivos da esquizofrenia, mas não 
contra os sintomas negativos. Além disso, o bloqueio destes receptores em vias 
dopaminérgicas específicas pode causar, em alguns pacientes, efeitos colaterais 
extrapiramidais, que se caracterizam de maneira geral por movimentos involuntários como 
tremores, discinesias ou contraturas musculares involuntárias. 
Sinais psicopatológicos das psicoses 
 A partir de agora detalharemos as alterações psicopatológicas presentes nos quadros 
psicóticos. Iniciaremos por um estudo das alterações do pensamento passando, em seguida, 
às alterações sensoperceptivas. Cabe lembrar que boa parte dos fenômenos aqui descritos 
não ocorre exclusivamente na esquizofrenia, mas também em outras condições clínicas em 
que pode existir psicose. Entretanto, embora não existam sinais patognomônicos de 
esquizofrenia, muitos deles são fortemente sugestivos da presença do transtorno. 
 Muitas dos modelos teóricos disponíveis – e descritos a seguir – para a explicação 
de algumas alterações do pensamento na esquizofrenia aplicam-se, de certa forma, à 
compreensão de alguns tipos de alucinações presentes neste transtorno. Isso reforça o fato 
de que a descrição dos processos perceptivos e de pensamento como fenômenos separados 
é uma estratégia puramente didática. 
 
20 
 
 
Pensamento 
 O pensamento normal é uma atividade psíquica constituída basicamente por um 
fluxo de idéias, símbolos e associações iniciado por um problema qualquer e dirigido a um 
objetivo determinado, levando a conclusões baseadas na realidade. Bleuler lembrou de que 
é um erro conceber o pensamento como um simples processo associativo, como se o 
mesmo fosse apenas um encadeamento de representações, por mais diversos que sejam os 
mecanismos que definam este encadeamento. Ele afirmou que quando pensamos não 
juntamos apenas, também damos forma. A semiologia do pensamento propõe que o estudemos 
dividindo-o em diferentes partes: fluxo, forma, linguagem e conteúdo. 
 O fluxo é a velocidade com que o pensamento se processa; a forma é constituída 
pelas capacidades de formular, organizar e expressar as idéias e o conteúdo diz respeito à 
informação propriamente dita da qual se preocupa o pensamento em veicular. 
Perturbações do fluxo do pensamento 
 O fluxo (ou velocidade) do pensamento poderá estar aumentado ou diminuído. O 
aumento do fluxo do pensamento pode ocorrer normalmente em pessoas excitadas ou 
bem-humoradas, mas em maníacos o aumento do fluxo do pensamento pode interferir em 
sua forma, causando uma alteração chamada de fuga de idéias. A fuga de idéias é uma 
alteração formal do pensamento gerada por uma alteração do fluxo. Nos estados 
depressivos pode existir diminuição do fluxo do pensamento ou inibição do pensamento, 
que passa a se desenrolar de maneira lenta e difícil, com aumento do tempo de latência 
entre pergunta e resposta. Interessante é que, no aumento do fluxo há uma tendênciaà 
mudança do foco do pensamento, pois o estado de excitação pode fazer com que o 
indivíduo se impressione com qualquer estímulo novo que se apresente. Nos estados de 
lentificação o oposto pode ocorrer, isto é, uma condição na qual a temática não muda, 
estabelecendo-se o que psicopatologistas chamam de monoideísmo. O monoideísmo, da 
mesma forma que a fuga de idéias, é uma alteração formal do pensamento, presente em 
situações clínicas em que há grave diminuição da velocidade do pensamento. 
Perturbações da forma do pensamento 
 Chama-se de empobrecimento do pensamento a presença de um pensamento 
exageradamente simplificado, caracterizado por uma quantidade pequena de recordações e 
21 
 
de representações mentais. Os indivíduos cujo pensamento é empobrecido não conseguem 
vincular afetos, memórias, representações e impressões, como é comum em um ato 
cognitivo saudável. O discurso é, então, vago e dá a impressão de que não acrescenta 
nenhuma informação, apesar das palavras. Trata-se de um sinal típico dos esquizofrênicos 
cronificados e dos portadores de quadros organomentais com patologia cerebral difusa. 
 A perseveração é a persistência da resposta a uma pergunta, mesmo quando outra 
pergunta é apresentada ao paciente. Não há mudança de tópico frente às mudanças de 
perguntas. Por exemplo, ao interrogarmos o paciente a respeito de seu nome, ele responde, 
corretamente. Em seguida, perguntamos sua idade e ele diz seu nome e assim permanece 
fazendo, independentemente da pergunta. A perseveração é comum na esquizofrenia e em 
outros distúrbios mentais de etiologia orgânica. 
 Prolixidade é a inclusão no discurso de itens desnecessários à sua compreensão e 
acontece por vários motivos. Em virtude do aumento do fluxo do pensamento, em que há 
superinclusão de temas pelo aumento da sensibilidade a estímulos ambientais; de déficit de 
inteligência (oligofrênicos muitas vezes não conseguem separar o que é essencial do que 
não é em sua comunicação verbal); de outros déficits cognitivos, por ocorrer perda da 
integridade de mecanismos de memória; em esquizofrênicos (graças ao afrouxamento 
associativo). A prolixidade pode expressar-se de duas formas: circunstancialidade e 
tangencialidade. O paciente circunstancial tem um pensamento prolixo, cujo discurso – ainda 
que muito superinclusivo – acaba por atingir um objetivo. O que acontece com o paciente 
tangencial é algo diferente: o discurso também é prolixo e superinclusivo e margeia o 
objetivo final, mas não o atinge. 
 Bloqueio do pensamento se caracteriza pela parada súbita do fluxo do pensamento 
quando este vinha fluindo normalmente. Alguns pacientes, ao vivenciarem um bloqueio, 
poderão conferir-lhe uma interpretação delirante de roubo do pensamento. 
 Incoerência do pensamento é a distorção gramatical completa e o desaparecimento da 
conexão lógica entre uma parte e outra da sentença e que pode ocorrer pó conta de intensa 
aceleração do pensamento (principalmente em pacientes maníacos), nos quadros 
organomentais (como o delirium) e na esquizofrenia, por conta de severo afrouxamento 
associativo. É sinônimo de desagregação ou desorganização do pensamento. 
 Afrouxamento das associações é uma importante alteração formal do pensamento 
presente na esquizofrenia e que se distingue por um discurso no qual as idéias tendem a 
22 
 
mudar para temas não correlacionados, configurando um pensamento idiossincrático e 
potencialmente incompreensível. O afrouxamento pode ser observado em diferentes graus 
de severidade: em pacientes menos graves, percebe-se que as idéias não são ligadas de 
forma apropriada – embora possa ainda se entender aquilo que o paciente está falando – 
fazendo com que se tenha uma sensação de que as conexões lógicas são pobres ou até 
mesmo inexistentes. Em pacientes mais graves pode surgir incoerência ou desagregação do 
pensamento. 
 Neologismo é a invenção de palavras, geralmente por condensação de outras palavras 
significativas para o paciente. Exemplo: Ao atender um paciente esquizofrênico em uma unidade de 
emergência, perguntei: “O que o traz aqui?”, ao que o paciente respondeu: “Amplictaz...” Pude observar 
que o acompanhante do paciente me mostrava naquele instante uma caixa de clorpromazina (Amplictil), 
medicação usada pelo paciente. Por condensação do nome do remédio com a palavra “traz” de minha 
pergunta, aquele paciente “montou” seu neologismo. 
Perturbações da linguagem 
 A linguagem é considerada pela maioria dos psicopatologistas ilustres como o elo 
final da cadeia de processos que se iniciam com a percepção e terminam com a palavra falada ou escrita. 
As alterações da linguagem são classificadas quanto à sua origem em alterações orgânicas 
(resultantes de lesões de quaisquer dos órgãos que participam da elaboração, da emissão e 
da articulação das palavras) e funcionais (também denominadas alterações do 
comportamento verbal). 
 As alterações orgânicas da linguagem incluem a disartria, a dislalia e as afasias. A disartria 
consiste na dificuldade de articulação das palavras e pode ter múltiplas causas, centrais ou 
periféricas. A dislalia é uma perturbação funcional da palavra, de etiologia orgânica, e seus 
sintomas incluem a omissão, substituição, deformação de fonemas e também podem ter 
causas centrais ou periféricas. As afasias abrangem transtornos da emissão verbal do 
pensamento e consistem na incapacidade de expressá-lo por meio da palavra oral ou escrita 
ou de compreender a palavra falada ou escrita. Na afasia motora o sintoma característico é a 
impossibilidade de pronunciar as palavras, com a compreensão daquilo que se ouve. Na 
verdade, a linguagem está prejudicada porque o paciente não pode falar por 
comprometimento de circuitos motores, embora a imagem mental das palavras esteja 
preservada. O paciente pode, portanto, escrever e ler. A afasia sensorial (ou afasia de Wernicke) 
consiste de um transtorno da recepção da linguagem onde há surdez e cegueira verbal, 
23 
 
comprometendo, portanto, a emissão espontânea da palavra, sua compreensão auditiva e 
escrita. Nesta afasia, existe perda dos símbolos previamente armazenados para as palavras. 
 As alterações da linguagem de origem funcional poderiam ser compreendidas como 
alterações do comportamento verbal, freqüentemente observadas em pacientes 
psiquiátricos. Abrangem sinais como o mutismo, restrição da quantidade de discurso, logorréia 
(discurso incessante, muitas vezes feito em voz alta e sem que se deixe contestar, de 
conteúdo pobre ou inútil), verbigeração (repetição sem sentido da mesma palavra ou frase, 
geralmente em tom monótono ou declamatório, podendo durar de dias a meses), ecolalia 
(repetição de palavras, frases ou perguntas que chegam ao ouvido do paciente) e mussitação 
(expressão da linguagem em voz muito baixa, murmurante, com movimento automático 
dos lábios). 
Algumas considerações adicionais sobre a estrutura da linguagem na esquizofrenia 
 Muitos indivíduos portadores de esquizofrenia apresentam alterações da linguagem, 
embora não todos. Caracterizar tais alterações exige bastante paciência, treino e gosto pela 
tarefa. Covington e colaboradores publicaram em 2005 uma interessante revisão sobre 
alterações da estrutura da linguagem na esquizofrenia do ponto de vista de um linguista, 
observando como este transtorno afeta a fonologia, a sintaxe e a semântica. Chaika foi uma 
linguista pioneira no estudo da linguagem de esquizofrênicos e observou que estes 
pacientes apresentavam (1) alterações na verbalização de itens lexicais pretendidos, (2) eram 
distraídos pelos sons ou pelos sentidos das palavras, de forma que seu discurso se parece 
mais com uma sequencia de palavras do que uma apresentação coerentede informação a 
ser conduzida e que (3) tais indivíduos muitas vezes tinham comprometimento sintático, 
além de (4) falta de uma consciência de seus déficits de verbalização. De tais anormalidades 
observadas por Chaika, a mais característica da esquizofrenia seria (2), enquanto (1) e (3) 
parecer-se-iam mais com erros comuns de discurso e (4) lembraria algumas formas de 
afasia. Embora se argumente que erros lexicais e sintáticos no discurso são bastante 
comuns em indivíduos normais – que podem ser induzidos a falhas tanto por sons quanto 
por sentidos recentemente verbalizados, sem se dar conta de seus erros - as alterações de 
discurso observadas na esquizofrenia não parecem ser puramente decorrentes de 
problemas de linguagem, mas a outros fatores não linguísticos. Além disso, os deslizes 
linguísticos cometidos por indivíduos saudáveis são muito mais frequentemente corrigidos 
do que aqueles que são cometidos por esquizofrênicos. 
24 
 
 Chaika argumentou que estes pacientes poderiam ter perdido o controle voluntário 
da linguagem, em virtude de uma degradação da comunicação de subsistemas mentais 
associados, o que parece nos lembrar de uma das possíveis origens dos sintomas 
schneiderianos de passividade (que serão descritos mais detalhadamente adiante, mas que, 
resumidamente, abrangem as vivências de perda de controle do eu, nas quais pensamentos 
do próprio paciente podem ser experimentados como vindos “de fora”, como se fossem 
inseridos na mente do sujeito). Também veremos adiante que estes subsistemas podem ser 
os mesmos envolvidos no controle de retroalimentação inibitória importantes na regulação 
da produção de movimentos voluntários, designados como descarga corolária. Discutiremos 
estes sistemas com um pouco mais de detalhamento posteriormente. 
 Em relação à comparação entre a linguagem dos esquizofrênicos e a afasia, algumas 
diferenciações foram sugeridas: os sintomas afasia-like observados em indivíduos 
esquizofrênicos ocorreriam episodicamente, enquanto as afasias produzidas por injúria 
cerebral seriam persistentes. Outro aspecto é que os pensamentos de pacientes afásicos por 
injúria cerebral são normais, ao passo que indivíduos diagnosticados com esquizofrenia 
podem ter pensamentos incomuns ou desorganizados. A linguagem em alguns pacientes 
esquizofrênicos já foi comparada à Afasia de Wernicke, um transtorno no qual o paciente 
apresenta um discurso fluente, mas ininteligível2. 
 Em sua revisão, Covington e colaboradores citam mais algumas diferenças do 
discurso “esquizofásico” e do discurso afásico: esquizofrênicos costumam ter um tema ou 
uma preocupação preferencial, ao contrário dos afásicos. Além disso, aqueles indivíduos 
costumam pular de um assunto para outro de acordo com sons ou palavras que disseram 
(associações ressonantes ou glossomania), além do fato de que seu léxico inclui um 
vocabulário intacto – e muitas vezes vasto – o que não costuma ocorrer nos afásicos, que 
têm um vocabulário restrito. 
 
2
 Classicamente, duas regiões cerebrais foram relacionadas ao processamento da linguagem: a área de 
Wernicke e a área de Broca. A primeira parece estar relacionada ao processamento declarativo da linguagem e 
a segunda, ao processamento procedural, de forma que haveria diferentes manifestações clínicas de lesões 
específicas nestas áreas. Assim, um discurso parafásico e fluente seria observado nos pacientes com afasias de 
Wernicke, já que estes indivíduos não teriam problemas na geração dos aspectos automáticos da linguagem, 
como a fluência, mas em domínios que exigiriam habilidades de seleção das melhores palavras, por exemplo. 
Os portadores de afasia de Broca, embora possam escolher palavras adequadas e dispô-las de maneira 
gramaticalmente correta, perdem a “automaticidade” do discurso. 
25 
 
 Nancy Andreasen também estudou a linguagem na esquizofrenia, elaborando um 
instrumento, a Thought, Language and Communication Scale (TLC) (Escala de Pensamento, 
Linguagem e Comunicação), utilizada em muitos estudos sobre o tema. A TLC abrange 
dezoito sintomas: pobreza do discurso, pobreza do conteúdo, pressão do discurso, 
distratibilidade, tangencialidade, perda do objetivo, desagregação (derailment), 
circunstancialidade, ilogicidade, incoerência, neologismos, aproximações (palavras 
substitutas para expressões pré-existentes, como “sapatos de mãos”, ao invés de “luvas”), 
perseveração, ecolalia, bloqueio, auto-referência, discurso excessivamente formal ou 
pomposo e associações ressonantes (clanging). Andreasen destacou que alguns dos sintomas 
classicamente considerados como “exclusivamente” esquizofrênicos, podem ocorrer em 
outros transtornos mentais, como a mania (em que podem acontecer associações 
ressonantes) e a depressão (que pode apresentar-se com pobreza do discurso, desagregação, 
perda do objetivo e bloqueio). 
 Outros instrumentos utilizados no estudo de perturbações da linguagem na 
esquizofrenia incluem a escala Thought and Language Index (TLI) (Indice de Pensamento e 
Linguagem), de Liddle e colaboradores e a CLANG (Clinical Language Scale), de Chen e 
colaboradores. 
 A linguagem pode ser estratificada em vários níveis. O léxico (ou vocabulário) nos 
informa que uma determinada sequencia de sons (fonologia) forma uma palavra; por 
exemplo, homem, que é um substantivo (sintaxe), singular (morfologia), que significa um ser 
humano do sexo masculino (semântica) e que pode ter conotações diferentes e 
dependentes de um estilo de comunicação (pragmática). Covington e colaboradores 
também revisaram o comprometimento destes diferentes níveis da linguagem na 
esquizofrenia. 
 Em relação à fonética e fonologia, as alterações mais frequentemente encontradas 
em esquizofrênicos são a aprosódia ou embotamento tonal, que pode incluir um déficit da 
capacidade de compreender a musicalidade do discurso (prosódia) dos interlocutores, o que 
no fundo parece refletir o comprometimento destes pacientes na compreensão da 
expressão emocional através de variações tonais da voz. 
Além disso, o discurso de esquizofrênicos contém mais pausas e hesitações do que 
o de indivíduos normais. Alguns autores argumentam que, por ser possível reproduzir 
alterações semelhantes em indivíduos normais, ao expô-los à execução de tarefas como 
26 
 
recontar histórias nas quais um evento não relacionado e irrelevante é inserido, elas não 
sejam genuinamente alterações fonológicas, mas o reflexo de comprometimento semântico 
ou pragmático. 
Perturbações morfológicas do discurso incluiriam situações muitas vezes 
indistinguíveis de alterações sintáticas, em que os sujeitos usam palavras semanticamente 
corretas, mas sintaticamente inadequadas. São raramente observadas na esquizofrenia e, em 
um país como o Brasil, onde uma boa parcela da população não domina o português, 
podem ocorrer mesmo em indivíduos sem psicopatologia. 
A sintaxe também costuma estar preservada na esquizofrenia; até mesmo quando a 
organização do discurso está severamente comprometida, os elementos sintáticos da 
construção de frases mantém certa coerência. Por exemplo, ao dizer “se você realmente quer 
alimentar seu cachorro deve considerar elementos de física quântica e de presunção ardorosa, além de 
proficiência poética que o caracterizem como um ser politicamente generoso...”, um paciente respeita 
regras gramaticais apesar de nos apresentar um discurso ilógico, possivelmente à custa de 
prejuízo semântico. O prejuízo observado no fragmento do discurso acima descrito parece 
ser do tipo em que a organização das proposições parece refletir problemas no uso dos 
símbolos e de suas relações com os objetos a que se referem. Alguns autoressugerem que a 
origem de tal prejuízo seria a tendência de pacientes esquizofrênicos em impregnar seu 
ambiente com “significados especiais”. 
Por pragmática define-se a relação entre linguagem e contexto. Assim, figuras de 
linguagem como a metáfora, bem como o uso da comunicação na forma de ironia, por 
exemplo, são exemplos de situações em que se exige integridade dos sistemas relacionados 
ao processamento da linguagem pragmática. A pragmática parece estar obviamente 
comprometida na esquizofrenia. 
Um dos elementos fundamentais na elaboração da linguagem pragmática inclui a 
organização das verbalizações através do emprego de pronomes, conjunções, elipses, 
repetições e uso de sinônimos, a qual envolve o estabelecimento de referência no mundo 
externo, para que aquilo a respeito do que se fala possa ser compreendido sem excessiva 
repetição de palavras. Esta referencia deve ser mantida tanto por aquele que fala quanto 
por aquele que ouve. Tal uso de palavras respeitando referências externas é denominado 
coesão. A esquizofrenia parece comprometer a coesão, observável pela maior tendência 
destes pacientes de identificar referências não verbalmente (através de apontamentos, por 
27 
 
exemplo), assim como portadores deste transtorno podem ter maior dificuldade em 
compreender referências indiretas e informações presumidas, assim como tenderem a fazer 
referências obscuras e presumirem informação não contida no discurso de seus 
interlocutores. 
O discurso de indivíduos esquizofrênicos é frequentemente considerado incoerente, 
um termo que, via de regra, gera bastante confusão por não ser claramente definido. Um 
texto ou um discurso deve ser organizado de forma que proposições são organizadas de 
modo que duas proposições interconectadas devem se relacionar mutuamente, bem como 
que a proposição ramificada a partir de outra dependa da veracidade desta para ser 
consistente. Problemas nesta organização de proposições são considerados frequentes na 
esquizofrenia, onde pode ocorrer desestruturação do discurso, decorrente de falta de 
planejamento adequado do mesmo. 
Além destes problemas, tanto portadores de esquizofrenia quanto indivíduos 
vulneráveis (parentes em primeiro grau de esquizofrênicos e portadores de transtorno 
esquizotípico de personalidade) apresentam dificuldades na compreensão de ironias, 
metáforas, provérbios e “faux pas”, na medida em que podem ter alterações em circuitos 
cerebrais associados direta ou indiretamente na compreensão e no uso da linguagem 
pragmática. 
Perturbações do conteúdo do pensamento 
 As principais alterações do conteúdo do pensamento são os delírios, que foram 
inicialmente conceituados por Bleuler como convicções errôneas e não corrigíveis mediante 
argumentação lógica. É importante esclarecer que nem toda convicção errônea é delirante, daí 
a importância de se realizar, durante a investigação do pensamento, uma avaliação conjunta 
de outras variáveis como o grau de instrução, religião e cultura do paciente. 
 Além disso, há alterações do conteúdo do pensamento que não se constituem, em 
sua essência, de delírios propriamente ditos. Tais condições poderiam ser chamadas de 
idéias ou ideações deliróides porque falta a elas a força da resistência à argumentação 
característica dos delírios propriamente ditos. Dentre as idéias deliróides, as idéias 
supervalorizadas são bastante comuns e correspondem à centralização do conteúdo do 
pensamento em torno de uma idéia particular associada a uma acentuada tonalidade afetiva. 
A intensidade de uma idéia supervalorizada é menor que a de uma idéia delirante. Deve ser 
diferenciada de um pensamento obsessivo na medida em que este costuma ser ego-
28 
 
distônico, isto é, as idéias supervalorizadas não costumam causar no paciente a sensação de 
serem absurdas bem como não fazem, à semelhança dos pensamentos obsessivos, com que 
os pacientes tendam a lutar contra elas. Idéias de referência são idéias menos firmemente 
mantidas que delírios, de que acontecimentos, objetos ou pessoas de seu ambiente têm um 
significado particular, incomum e relacionado especificamente ao paciente. Idéias de referência 
de culpabilidade são idéias muito semelhantes às idéias de referência, contudo, o indivíduo 
acredita estar sendo censurado por alguma ação ou atributo. Culpa patológica é a alteração do 
pensamento que acomete pessoas que se culpam exageradamente por pequenas falhas que 
a maioria das pessoas não consideraria como sérias. Embora o sujeito reconheça o exagero 
da intensidade da culpa, ele não consegue evitá-la. 
 Existem muitas classificações para os delírios, algumas mais, outras menos úteis. 
Por exemplo, a classificação conforme a direção ou o tropismo, que aborda a posição do 
ego delirante com o mundo externo e propõe que os delírios sejam catalogados em delírios 
centrífugos - onde há um “transbordamento do eu”, tal qual ocorre nos delírios de grandeza e 
onipotência – e centrípetos – onde há uma “egossístole”, como nos delírios de culpa; parece-
nos interessante apenas do ponto de vista histórico. A clássica e fundamental categorização 
dos delírios em primários e secundários é, todavia, ainda muito utilizada, à medida que se 
concentra especificamente na origem deste sintoma psicótico, embora tenha sido 
questionada por alguns psicólogos cognitivos (vide Strik & Dierks, 2008). 
Conseqüentemente, o delírio primário surge sem ter uma relação com um estado de humor 
que possa justificá-lo; para Jaspers ele tem um caráter de coisa imposta à consciência do paciente. 
Em última análise, o delírio primário é resultante de patologia do pensamento e não do 
comprometimento deste por transtorno de outra função mental, como o humor. O delírio 
secundário, por sua vez, é aquele que surge em conseqüência de um estado de humor 
comprometendo o pensamento. Delírios de grandeza e de ruína são delírios secundários, 
comuns, respectivamente, em pacientes maníacos e deprimidos. 
 Quanto ao curso evolutivo, os delírios podem ser classificados em agudos e 
crônicos, episódicos ou recorrentes. 
 A classificação mais interessante dos delírios é, contudo, a classificação quanto à 
temática, que, por ser fundamental do ponto de vista descritivo, merece atenção especial: 
 Delírios paranóides: categoria em que se incluem os delírios de referência, de controle, de 
grandeza e persecutórios. 
29 
 
 Os delírios de referência são caracterizados por uma crença de que o comportamento 
das outras pessoas ou os acontecimentos externos têm um significado peculiar, geralmente 
negativo e dirigido ao paciente. São os equivalentes delirantes das idéias de referência. 
 Os delírios de controle são falsas crenças de que a vontade do paciente está submetida 
ao controle de alguma força ou agente externo desconhecido ou não. Esta categoria parece 
muito típica da esquizofrenia, existindo, inclusive, teorias cognitivas muito esclarecedoras 
do porque os mesmos ocorrem nestes pacientes. Uma vivência mental particular acontece 
em todos os indivíduos acometidos de delírios de controle, que são as vivências de 
influência, que se traduzem clinicamente na sensação da perda de controle do eu. Esta 
sensação pode motivar o aparecimento de diversas explicações delirantes da parte do 
paciente. O delírio de roubo do pensamento, a crença de que o pensamento foi roubado ou 
removido da cabeça, geralmente é seguido de um bloqueio do pensamento. Ao contrário, 
inserção do pensamento é o delírio de que pensamentos são adicionados à cabeça; trata-se de 
uma experiência mental de que os pensamentos não são próprios. A irradiação do pensamento 
consiste na crença de que os pensamentos parecem ressoar alto, de modo que alguém 
possa ouvi-los, assimcomo a vivência de que os pensamentos possam ser compartilhados 
por um grande número de pessoas. Os delírios de controle e as experiências de passividade 
foram descritos primeiramente por Kurt Schneider, o qual sugeriu que estes sintomas 
seriam patognomônicos da esquizofrenia. Hoje estes sinais clínicos são denominados 
sintomas schneiderianos da esquizofrenia. 
 Os delírios de grandeza abrangem crenças acerca de uma concepção irreal e exagerada 
acerca da própria importância, poder e habilidades, bastante comuns nos estados maníacos. 
 Nos delírios persecutórios, falsas crenças de que o paciente é perseguido, de que alguém 
tenta prejudicá-lo ou molestá-lo, denegrir sua imagem, causar-lhe algum mal físico ou 
deixá-lo louco, são os temas centrais. 
 Outros delírios importantes (não paranóides) incluem os delírios de ciúme, erotomania 
(falsa convicção de que alguém que, em geral tem algum destaque social, está 
profundamente apaixonado pelo paciente), delírios somáticos (também chamados de delírios 
hipocondríacos, caracterizam-se pela falsa crença de que o corpo não é mais saudável, está 
doente ou, nos casos mais extremos, está apodrecendo), delírios de culpa e delírios relacionados à 
aparência (firme convicção de que existe algo errado com a aparência, por exemplo, com a 
dimensão de determinadas partes do corpo). 
30 
 
Síndromes de Falsa Identificação 
As síndromes delirantes de falsa identificação (SDFI) incluem condições clínicas como 
as síndromes de Capgras e Fregoli, a ilusão de intermetamorfose e a paramnésia reduplicativa. 
A primeira descrição de SDFI foi feita em 1923 por Capgras e Reboul-Lachaux, que 
reportaram o fenômeno da ilusão dos sósias (illusion des sosies), a partir da qual outras SDFI 
foram relatadas. 
Nas SDFI clássicas, o indivíduo identifica erroneamente alguém que lhe é familiar, ao 
passo que nos tipos “reversos” ele acredita que sua própria identidade foi alterada. Edelstyn 
e colaboradores (1996) acrescentam, ainda, que as SDFI não necessitam se restringir à falsa 
identificação de pessoas, mas também podem envolver objetos e lugares. 
A síndrome de Capgras é a crença delirante de que uma pessoa, comumente um 
parente próximo, foi substituída por um sósia. O paciente reconhece as características 
físicas da pessoa que está identificando erroneamente, contudo, não reconhece seus 
atributos psicológicos. 
A síndrome de Fregoli é caracterizada pela crença delirante de que uma pessoa 
consegue assumir formas físicas distintas e adotar a aparência de outra, embora sua 
identidade permaneça inalterada. 
O paciente apresentando um delírio de intermetamorfose acredita que outras pessoas 
são capazes de se transformar de forma radical, tanto física quanto emocionalmente, 
resultando em outras pessoas completamente diferentes das iniciais. 
A paramnésia reduplicativa, condição descrita pela primeira vez por Pick, em 1903, é 
uma condição delirante na qual os pacientes acreditam que existem réplicas de pessoas ou 
lugares conhecidos. Para Pisani e colaboradores (2000), a paramnésia reduplicativa é um 
transtorno específico da memória caracterizado pela crença de que uma pessoa, lugar ou 
evento foi duplicado. Baseando-se no conceito de paramnésia reduplicativa, Murai e 
colaboradores (1998) descreveram um fenômeno que chamaram de pluralização clonal da 
pessoa (PCP). Para estes autores, na PCP o falso reconhecimento não é o principal 
fenômeno, mas a pluralização da identidade de alguém, isto é, o paciente acredita que uma 
pessoa existe em número maior que um. 
31 
 
A prosopagnosia, um transtorno caracterizado pelo comprometimento da habilidade de 
reconhecer faces familiares associado a dano orgânico tem sido associada às SDFI e as 
bases anatômicas de ambas poderiam ser investigadas em pacientes com lesão cerebral, 
apesar de sua freqüente ocorrência em esquizofrênicos. De fato, existem vários estudos 
reportando déficits no reconhecimento de faces e suas expressões emocionais nestes 
pacientes. 
O hemisfério direito é considerado responsável pelo reconhecimento da identidade e da 
singularidade de alguém e danos a esta região explicariam a ocorrência de SDFI tanto em 
esquizofrênicos quanto em portadores de lesão cerebral. Estudos de neuroimagem 
identificaram ao menos duas áreas bilaterais do córtex visual que respondem mais a 
imagens de faces do que a objetos em humanos saudáveis, no giro fusiforme medial: a área 
facial fusiforme e a área facial occipital, com uma dominância do hemisfério direito, 
embora as interações entre estas regiões e se elas são necessárias para a percepção facial 
normal ainda são questões em aberto. 
Duas vias conectam o córtex visual, os lobos temporais e o sistema límbico: uma via 
ventral, que liga o córtex visual aos lobos temporais através do fascículo longitudinal 
inferior e uma via dorsal, interconectando através do lóbulo parietal inferior o córtex visual 
e o sistema límbico. Danos à primeira via, que inclui o giro fusiforme, ocorreriam na 
prosopagnosia, ao passo que injúrias na via dorsal, envolvida precisamente com o registro 
da resposta emocional às faces, relacionar-se-iam às SDFI. Desta forma, diferenças entre 
prosopagnosia e SDFI envolveriam predominantemente aspectos emocionais relativos à 
experiência visual de faces. Críticas a esta teoria de duas vias no processamento da 
informação relativa a faces baseiam-se no fato de que a principal evidência da mesma 
permanece no modelo do “reconhecimento eletrodérmico” (RE). Trata-se de um modelo 
desenhado por Bauer (1984, 1986), que identificou, através do estudo de um paciente 
prosopagnósico, dois padrões de resposta: o primeiro, a inabilidade em reconhecer faces 
quando figuras lhe eram apresentadas. O segundo, observado quando nomes corretos e 
incorretos eram lidos em voz alta simultaneamente à apresentação das figuras: havia 
aumento da condutância autonômica da pele quando os nomes corretos eram ditos. Esta 
seria uma evidência de um reconhecimento “inconsciente” das faces. Para estes autores, na 
medida em que o RE poderia não ser nada além de uma medida da excitação autonômica, 
sua interpretação em termos cognitivos estaria longe de ser óbvia. 
32 
 
Onitsuka e colaboradores (2003), compararando esquizofrênicos crônicos a controles, 
reportaram anormalidades neuroanatômicas envolvendo o giro fusiforme nos 
esquizofrênicos (redução de substância cinzenta relacionada significativamente à pior 
performance em testes envolvendo memória para faces). 
A grande quantidade de trabalhos correlacionando estas alterações psicopatológicas 
com circuitos cerebrais específicos, além de mostrar que muito há para ser explicado, 
propicia um estímulo à valorização da psicopatologia na avaliação psiquiátrica. 
Teorias cognitivas da formação dos delírios 
 Os conhecimentos neurofisiológico e neurocognitivo atuais, associados às 
modernas técnicas de neuroimagem funcional, permitem uma compreensão muito mais 
completa sobre as origens dos sintomas psicóticos na esquizofrenia e em outros 
transtornos mentais. Boa parte dos mecanismos a serem discutidos a seguir, embora situada 
em uma sessão reservada aos sintomas delirantes, pode ser aplicada também à origem de 
alguns tipos de alucinações. 
 É possível que os delírios surjam de transtornos nos processos mentais de retirada 
de conclusões a partir de informações disponíveis (disordered reasoning). Contudo, são poucas 
as evidências de que isso realmente ocorra, pois experimentos conduzidos utilizando 
tarefas cognitivas estandardizadas para a avaliação de tais processos não têm conseguido 
demonstrar alterações específicas. 
 Delírios (e alucinações) podem ocorrer em outras condições clínicas e neurológicasalém de na esquizofrenia, contudo, parece existir um subgrupo de sintomas mais 
especificamente relacionado a este transtorno. Este subgrupo abrange sintomas tais como 
ouvir os próprios pensamentos, vozes comentando as atitudes do paciente ou discutindo 
entre si, passividade somática, roubo do pensamento, inserção do pensamento, transmissão 
do pensamento, sensações de que determinados sentimentos e impulsos são “construídos” 
ou “inseridos” e percepção delirante. Poderíamos afirmar que todos os sintomas deste 
subgrupo compartilhariam de uma sensação de passividade ou de estar sujeito ao controle 
de um agente externo. 
 Conexões óbvias entre as experiências delirantes e alucinatórias sugerem que tais 
termos possam significar rótulos diferentes para experiências semelhantes. Por exemplo, às 
vezes pode ser muito difícil discernir entre a ocorrência de falsas percepções ou de falsas 
33 
 
crenças em indivíduos apresentando delírios de controle, porque, embora possamos 
classificar e descrever como delirante o relato objetivo de “ser controlado por um agente 
externo”, a vivência de passividade também pode perfeitamente ser descrita em termos de 
uma percepção distorcida, ao examinarmos como o paciente experimenta, subjetivamente, tal 
vivência. 
 Cada vez mais surgem modelos teóricos explicando os delírios como sendo 
derivados de problemas no processamento cognitivo. Os modelos incluem desde 
problemas afetando o funcionamento executivo até déficits mais complexos, localizados 
em sistemas relacionados ao processamento de toda a informação ligada diretamente à 
presença de outras pessoas e à convivência em sociedade, um domínio cerebral chamado 
de cognição social. Atualmente existe um corpo robusto de informação derivada de pesquisa 
séria a respeito de possíveis alterações do processamento cognitivo social na gênese de 
delírios e outros sintomas em sujeitos esquizofrênicos. Discutiremos primeiramente os 
modelos baseados na cognição geral e, em seguida, abordarei alguns aspectos do papel da 
desregulação da cognição social na gênese de sintomas psicóticos. 
 Um dos modelos cognitivos mais populares sobre a gênese de delírios é chamado 
de “jumping to conclusions” ou pulando às conclusões. Este modelo afirma que indivíduos 
delirantes chegam a falsas conclusões porque avaliam mais superficialmente as informações 
disponíveis e fazem suas análises baseados em menos evidências do que sujeitos saudáveis. 
 Vieses atribucionais foram também muito estudados em esquizofrênicos, 
particularmente em relação ao seu papel na formação dos delírios persecutórios. Estes 
vieses dizem respeito ao estilo com que cada um de nós atribui (estilo atribucional) causas e 
responsabilidades por eventos ambientais. Alguns estudos conseguiram correlacionar a 
presença de tais vieses à ocorrência de delírios. Os dados não são, no entanto, inequívocos. 
 Teorias cognitivas importantes incluem o papel da atenção na gênese da 
sintomatologia delirante de pacientes esquizofrênicos. Chama-se de inibição latente ao efeito 
no qual a pré-exposição a um estímulo compromete a resposta a outro estímulo. Muitos 
estudos demonstraram que a inibição latente está afetada nos estados psicóticos agudos. 
Este efeito parece estar também presente em indivíduos com altas pontuações em 
instrumentos que medem esquizotipia, o que é sugestivo de que tal comprometimento 
pode ser traço-dependente. Qual o significado deste “defeito” na inibição latente? De 
forma geral, não é recomendável sobrecarregar o sistema nervoso com uma avalanche de 
34 
 
estímulos desnecessários, por isso, a evolução configurou mecanismos regulatórios de 
priorização e seleção de estímulos, para que possamos prestar atenção somente naquilo que 
objetivamente importa. Se recebermos um estímulo específico prévio, nossa atenção a um 
segundo estímulo da mesma categoria tende a ser diferente da atenção mobilizada na 
ausência de um estímulo prévio. Ora, se há uma condição na qual ocorre um prejuízo neste 
mecanismo, poderíamos concluir que o mesmo acarretaria em sobrecarga sensorial e 
problemas no processamento adequado da informação oriunda do meio ambiente. Esta 
sobrecarga poderia aumentar o risco de desenvolvimento de sintomas psicóticos. Portanto, 
percepções anormais podem decorrer de maneiras aberrantes de lidar com os estímulos 
ambientais, não os selecionando adequadamente, por exemplo. 
 Uma das teorias mais desenvolvidas envolvendo a gênese de sintomas psicóticos 
sugere que delírios podem ser gerados a partir de déficits de auto-monitoramento, ou seja, 
muitos dos sintomas da esquizofrenia poderiam ser provocados a partir de uma atribuição 
defeituosa de ações auto-geradas a terceiros. Indivíduos normais conseguem distinguir 
entre as ações que eles geram das ações geradas por outras pessoas, embora todo ato 
desenvolvido por alguém também inclua consequências sensoriais que poderiam ser 
decorrentes de uma causa externa. Portanto, devem existir mecanismos centrais 
responsáveis pelo não aparecimento de um “conflito” perceptual potencial surgido quando 
se faz algum movimento, de maneira tal que não haja risco de interpretarmos atos 
voluntários como involuntários. Discutiremos estes mecanismos mais adiante, ao falarmos 
de descarga corolária. 
 Embora falhas em mecanismos de auto-monitoramento possam estar por trás das 
experiências de passividade já descritas, elas talvez não justifiquem de maneira adequada o 
surgimento de todos os tipos de delírios. Por exemplo, a súbita crença de um paciente de 
que seus familiares podem estar tentando envenená-lo não tem uma ligação obrigatória 
com uma percepção anômala, como nas vivências de passividade. Por este motivo acredita-
se que, nestas situações, o problema envolva diretamente processos de formação das 
crenças, mais do que em percepções distorcidas favorecendo o aparecimento de delírios. 
 Pacientes delirantes podem apresentar déficits em avaliações probabilísticas de 
situações. O modelo Bayesiano3 do estudo de formação de crenças nos diz que uma crença 
é uma probabilidade subjetiva de que uma proposição a respeito do mundo é verdadeira e 
 
3
 O termo “Bayesiano” deriva de Estimação Bayesiana, uma técnica de avaliação probabilística para se estimar 
uma probabilidade desconhecida através da atualização contínua de novas medidas. 
 
35 
 
que esta probabilidade é continuamente atualizada por novas evidências. Uma falsa crença 
poderia ocorrer quando as crenças não são adequadamente atualizadas com base nas novas 
evidências. Isso nada mais é do que o já citado jumping to conclusions. 
 Previsibilidade é uma palavra chave quando se tenta entender a gênese tanto de 
percepções aberrantes quanto de falsas crenças. Em outras palavras, uma diferença 
significativa entre o impacto mental de ações auto-geradas e de algo que aconteça fora do 
controle do indivíduo é que atos voluntários possibilitam previsão do que vai acontecer em 
seguida. A capacidade de previsão acerca de algo que está por acontecer faz com que seja 
possível ignorar ou suprimir o registro de determinados eventos. Estes eventos podem ser 
subprodutos sensoriais de atos voluntários – de fato, a previsibilidade pode ser um 
importante marcador de ações geradas internamente –, contudo, podemos prever estímulos 
externos, também. O aprendizado acerca de onde e quando estímulos externos aparecerão 
facilita o caráter preditivo destes eventos, fazendo com que nossa percepção sobre ele não 
seja desconexa ou confusa. Este processo integrativo é realizado via atualização constante 
dos registros sensoriais e das probabilidades de que dois estímulos coincidam. Associar 
dois (ou mais)

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