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Violência Psicológica Doméstica-Vozes da Juventude_Dra. Maria A. Azevedo e Dra. Viviane N.A. Guer

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VIOLÊNCIA PSICOLÓGICA DOMÉSTICA: 
VOZES DA JUVENTUDE 
 
 
 
 
 
 
 
 
Responsáveis: 
Drª Maria Amélia Azevedo 
Professora Titular do IPUSP 
Coordenadora do LACRI/PSA-IPUSP 
Drª Viviane Nogueira de Azevedo Guerra 
Pesquisadora do LACRI/PSA-IPUSP 
 
 
 
 
 
 
 
 
LACRI − LABORATÓRIO DE ESTUDOS DA CRIANÇA 
PSA/IPUSP 
2001 
 
VOZES DA JUVENTUDE 
 2
 
 
 
Óleo sobre tela de Julian Trigo, 1998. 
 
 
 
 
A juventude está naquele centro onde nasce o novo, 
escrevia Walter Benjamin, em 1914. E logo 
acrescentava: Há novamente uma geração que 
deseja superar a encruzilhada, mas a encruzilhada 
não está em nenhum lugar. [Metafísica della 
gioventu. Scritti 1910-1918. Turim: Einaudi, 1982] 
 
FONTE: LEVI, G. & SCHMITT, J.C. (1996). História dos jovens. 
São Paulo: Cia. das Letras. Vols. 1/2. 
 
 
 
 
No entanto, cada um mata a coisa que ama 
Que isso seja ouvido de todos 
Uns fazem-no com olhar amargo, 
Outros com uma palavra de lisonja, 
O covarde o faz com um beijo, 
O homem valente com uma espada. 
(Oscar Wilde) 
 
VOZES DA JUVENTUDE 
 3
PARTICIPANTES DA PESQUISA 
I. EQUIPE DE COLETA DE DADOS 
1. Ana Maria Gonzales Takahashi 
2. Celso Aparecido Florêncio 
3. Cristiano da Silveira Longo 
4. Daniela Schwartzmann 
5. Izilda Mari 
6. Marisa Feffermann 
II. PROCESSAMENTO E ANÁLISE ESTATÍSTICA DE DADOS 
Myrian Bizzocchi 
Estatística da Fundação Carlos Chagas 
VOZES DA JUVENTUDE 
 4
SUMÁRIO 
 
Página 
I. APRESENTAÇÃO ..................................................................................................... 05 
II. INFÂNCIA E JUVENTUDE: CONSIDERAÇÕES HISTÓRICAS ............................ 07 
A. Breve incursão pela História da Infância ...................................... 07 
B. Breve incursão pela História da Juventude .................................. 14 
III. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CONTRA CRIANÇAS E ADOLESCENTES: 
 CONSIDERAÇÕES TEÓRICAS ............................................................................... 21 
IV. VIOLÊNCIA PSICOLÓGICA DOMÉSTICA: UM CONCEITO POLÊMICO ........... 25 
V. VIOLÊNCIA PSICOLÓGICA DOMÉSTICA − VOZES DA JUVENTUDE: 
 CENÁRIO DE PESQUISA ....................................................................................... 40 
A. Considerações preliminares: VOZES RESGATADAS ......................... 40 
B. Marco referencial: VOZES RESIGNIFICADAS ....................................... 42 
C. Notas metodológicas: VOZES ESQUECIDAS ........................................ 47 
D. Sujeitos: VOZES RECUPERADAS ............................................................... 51 
E. Resultados: VOZES REVELADORAS ......................................................... 56 
VI. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ........................................................................ 115 
VII. ANEXOS 
INSTRUMENTO ....................................................................................................... 126 
RELAÇÃO DE TABELAS .......................................................................................... 129 
RELAÇÃO DE QUADROS ........................................................................................ 131 
RELAÇÃO DE FIGURAS .......................................................................................... 132 
VOZES DA JUVENTUDE 
 5
I 
 
APRESENTAÇÃO 
A presente investigação se insere no Programa Plurianual Integrado de 
Pesquisa para o período 2000-2005, cuja consecução está a cargo do LABORATÓRIO DE 
ESTUDOS DA CRIANÇA − Departamento de Psicologia da Aprendizagem, do 
Desenvolvimento e da Personalidade − Instituto de Psicologia da Universidade de 
São Paulo1. 
A Figura 1 a seguir ilustra a estrutura desse Programa. 
O objetivo fundamental do Programa é o de responder à seguinte PERGUNTA-
CHAVE: 
 QUAL O ESTADO DO CONHECIMENTO SOBRE INFÂNCIA MENORIZADA2 
BRASILEIRA? 
Passar-se-á agora à discussão específica da Pesquisa VOZES DA JUVENTUDE E 
VIOLÊNCIA PSICOLÓGICA DOMÉSTICA, tanto do ponto de vista de suas considerações 
históricas e teóricas quanto daquelas que se referem à metodologia específica 
adotada e aos resultados obtidos. 
 
1 Caso se deseje consultar a versão completa deste Programa, o mesmo está nos arquivos do LACRI, CNPq e FAPESP. 
2 É importante salientar que, por Infância Menorizada vamos entender com Adorno (1991:78), aquela que se vê desprovida 
de seus direitos fundamentais. Esses direitos são expressos pelo artigo 227, do Capítulo VII do Título VIII da Constituição 
do Brasil, promulgada no dia 5 de outubro de 1988. Esse artigo afirma ser dever da sociedade, da família e do Estado 
assegurar à criança e ao adolescente o direito à vida, à alimentação, à educação, à profissionalização, à cultura, à 
dignidade, à liberdade, ao lazer e ao respeito, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, 
exploração, violência, crueldade e opressão... Pode-se constatar que, a criança menorizada é justamente a quem estes 
direitos são negados de uma forma ou de outra... (é) aquela que vê negligenciados seus direitos fundamentais. Essa 
negação ocorre seja porque há direitos que deixam de ser promovidos para todas as crianças permanecendo privilégio de 
classe (direito à educação, à saúde, ao lazer etc.), seja porque há direitos que deixam de ser defendidos sistematicamente 
para algumas (direito à integridade física, psicológica, sexual etc.). Por isso mesmo, no bojo da compreensão do que seja 
“infância menorizada” está também a compreensão de que essa deletéria condição resulta tanto da VIOLÊNCIA entre 
CLASSES SOCIAIS quanto da VIOLÊNCIA intra CLASSES SOCIAIS. No primeiro caso, temos a “INFÂNCIA POBRE” com suas 
variantes de etnia e gênero (infância indígena, infância negra, infância prostituída etc.). No segundo caso, temos a INFÂNCIA 
VITIMIZADA NO LAR (ou em outras instituições ditas de proteção). 
VOZES DA JUVENTUDE 
 6
FIGURA 1 
Estrutura do Programa Plurianual de Pesquisa − LACRI 
(2000-2005) 
INFÂNCIA E VIOLÊNCIA NO BRASIL: ESTADO DO CONHECIMENTO 
 
 Pergunta Chave 
 
QUAL O ESTADO DO CONHECIMENTO SOBRE INFÂNCIA MENORIZADA BRASILEIRA? 
 
 
A 
A infância vítima de violência intra CLASSES SOCIAIS 
Infância Vitimizada NO LAR 
 B 
Infância vítima de violência entre CLASSES SOCIAIS 
(“Infância Pobre”) 
 
 Módulos Módulos 
 
 
Projeto I − Infância e Violência Fatal em Família: Primeiras 
 ++++ aproximações ao nível de Brasil 
 Projeto 1 − O Abandono de Crianças no Brasil 
 + 
Projeto II − Lembranças do Passado: A infância e a adolescência na 
 ++ vida de escritores brasileiros 
 
 
Projeto III − Relação entre Violência Familiar e o Processo de 
 +++ Socialização das Crianças 
 
 
Projeto IV − Vozes da Infância: O que crianças e adolescentes falam 
 +++++ acerca do disciplinamento corporal doméstico 
 
 
Projeto V − Violência Psicológica Doméstica: Vozes da Juventude 
LEGENDA: 
+ − Tese de Doutorado defendida em junho de 1998 no IPUSP (aprovada com 10,0 - Distinção). 
++ − Tese de Doutorado defendida em agosto de 1998, no IPUSP (aprovada com 10,0 – Distinção), a ser 
publicada em livro → OLIVEIRA, M.H. Lembranças do passado: a infância na vida dos escritores 
brasileiros. Bragança Paulista, SP: USF, 2001. 
+++ − Relatório totalmente concluído. 
++++ − Relatório totalmente concluído. Publicado através do Projeto Multimídia integrado por: 
a. AZEVEDO, M.A. & GUERRA, V.N.A. (1998). Infância e Violência Fatal em Família: primeiras 
aproximações ao nível de Brasil. São Paulo: Iglu. 
b. AZEVEDO, M. A. & GUERRA, V.N.A. (1998). Réquiempara as pequenas vítimas PEQUENAS. São 
Paulo: LACRI/IPUSP. (cd-rom) 
c. AZEVEDO, M.A. & GUERRA, V.N.A. (1998). Crônicas de morte anunciada. São Paulo: 
LACRI/IPUSP. (vídeo) 
+++++ − Relatório totalmente concluído. Publicado através do Projeto Multimídia que compreende: 
1. AZEVEDO, M.A. & GUERRA, V.N.A. (2001). Mania de bater: a punição corporal doméstica de 
crianças e adolescentes no Brasil. São Paulo: Iglu. [livro] 
2. AZEVEDO, M.A. & GUERRA, V.N.A. (2001). Vozes da Infância: a palmada deseduca. São Paulo: 
LACRI/IPUSP e Núcleo de Cinema de Animação de Campinas. [vídeo] 
VOZES DA JUVENTUDE 
 7
II 
 
INFÂNCIA E JUVENTUDE: CONSIDERAÇÕES HISTÓRICAS 
Do ponto de vista científico, tem-se observado, especialmente na última década 
do século XX, a introdução de uma abordagem emergente e ainda em processo de 
construção em termos do estudo da infância e juventude. O que, na verdade, este 
tipo de abordagem traz de inovador? 
a. Que infância e juventude devem ser entendidas como construções sociais: a 
prematuridade de crianças e jovens é um fato biológico no transcurso das 
idades da vida mas a forma pela qual esta prematuridade é compreendida e 
toma significado é um fato cultural, que pode variar de uma sociedade a outra, 
tornando, portanto, infância e juventude instituições sociais; 
b. que infância e juventude não são fenômenos universais e únicos, mas existe 
uma variedade de infâncias e juventudes que devem ser compreendidas, por 
exemplo, em relação a classe, gênero, etnia etc.; 
c. que o relacionamento da infância e juventude com a Cultura e a Sociedade deve 
ser estudado à luz da própria perspectiva da infância e juventude e não a 
partir da visão dos adultos; 
d. que as crianças e os jovens devem ser vistos como sujeitos da construção e da 
determinação de suas próprias vidas. Não são apenas objetos dentro da 
estrutura social. 
Evidentemente, esta nova perspectiva de análise da infância e juventude não 
nasceu espontaneamente. Para ela contribuíram diversas áreas do conhecimento. A 
História foi uma delas. Vejamos alguns apontamentos sobre a HISTÓRIA SOCIAL DA 
INFÂNCIA E DA JUVENTUDE. 
A. Breve incursão pela História da Infância 
Embora existam obstáculos concretos para se recuperar a trajetória da infância 
desde a Antigüidade até nossos dias devido à falta de documentação específica, 
alguns autores, apesar das dificuldades enfrentadas, propuseram-se a esta tarefa. 
Daremos destaque a dois deles, sendo que o seu trabalho científico tenta oferecer 
também contribuições relevantes para a compreensão do fenômeno da violência 
doméstica contra crianças e adolescentes. 
O primeiro é Philippe Ariès, com sua obra seminal História Social da Criança e da 
Família (1978), na qual sustenta a tese de que a sociedade medieval não percebeu a 
infância. Diz-nos ele: 
VOZES DA JUVENTUDE 
 8
Na Idade Média, no início dos tempos modernos e por muito tempo ainda nas classes 
populares, as crianças misturavam-se com os adultos assim que eram capazes de dispensar a 
ajuda das mães ou das amas − poucos anos depois de um desmame tardio − ou seja, 
aproximadamente aos 7 anos de idade. A partir desse momento ingressavam imediatamente 
na grande comunidade dos homens, participando com seus amigos jovens ou velhos dos 
trabalhos e dos jogos de todos os dias. O movimento da vida coletiva arrastava em uma 
mesma torrente as idades e as condições sociais, sem deixar a ninguém o tempo da solidão e 
da intimidade. Nessas existências densas e coletivas, não havia lugar para um setor privado. 
Ariès coloca que, nessa época, a socialização da criança não era assegurada nem 
controlada pela família. Ela se afastava logo dos pais e ao conviver com outros 
adultos, aprendia as coisas que deveria saber, ajudando estes mesmos adultos a fazê-
las. Ariès registra ainda a existência de um sentimento superficial pela criança a que chama de 
paparicação − reservado à criancinha em seus primeiros anos de vida enquanto ela ainda era uma coisinha 
engraçadinha. As pessoas se divertiam com a criança pequena como um animalzinho, um macaquinho 
impudico. Se ela viesse a falecer − o que não era raro − outra criança a substituiria. Aos 7 
anos, a criança passava a viver em outra casa. 
Ariès diz-nos que, nesse período, o sentimento entre pais e filhos, entre 
cônjuges não era necessário à existência e ao equilíbrio da família: se houvesse, tanto 
melhor. Na verdade, as trocas afetivas e as comunicações sociais eram realizadas, portanto, fora da 
família num momento denso e quente, composto de vizinhos, amigos, amos e criados, crianças e velhos, 
mulheres e homens. (...) As famílias conjugais se diluíam nesse meio. O espaço comunitário tinha 
supremacia sobre a família. Entretanto, Ariès nota − a partir do fim do século XVII − 
uma brutal modificação nesse estado de coisas. Outorgar à infância um estado 
separado coincide com a transição do feudalismo para o capitalismo, sendo que a 
burguesia nascente desejava que seus filhos se educassem de uma forma especial 
para se prepararem em termos das atividades que deveriam exercer quando adultos, 
bem como poderem enfrentar adequadamente o poder da aristocracia. Tudo isto 
conduziu a um sistema escolar e ao conceito moderno de infância. A criança deixou 
de ser misturada aos adultos e de aprender a vida através de contatos com eles. 
Inicia-se o processo de escolarização pelo qual elas eram mantidas à distância, 
enclausuradas nos colégios − uma espécie de quarentena, como o diz Ariès. A ida das 
crianças para colégios − uma das faces do grande movimento de moralização 
promovido por reformadores católicos e protestantes − não poderia se dar sem o aval 
das famílias. Como Ariès nos mostra, esta família se transformou, tornou-se o lugar de uma 
afeição necessária entre os cônjuges e entre pais e filhos, algo que ela não era antes. Essa afeição se exprimia 
sobretudo através da importância que se passou a atribuir à educação. Mas, um outro problema surge 
decorrente desse processo de educação diferenciado do período anterior: tanto a família 
como a escola arrancaram a criança da sociedade adulta. As atenções da família, da Igreja e dos moralistas e 
administradores arrebataram a liberdade que a criança desfrutara até então entre os adultos. Fizeram-na 
conhecer a vara (...), em uma palavra os castigos reservados geralmente a convictos provenientes dos mais 
baixos estratos da sociedade. A partir destas colocações, Ariès não sustenta que a tese da percepção 
crescente da natureza especial da infância levou por força à criação de um mundo melhor para as crianças; em 
realidade argumenta o contrário: de que o desenvolvimento do conceito de infância se apresentou acompanhado 
dos mais severos métodos de educação (Pollock, 1990). 
Outros autores reforçam o pensamento de Ariès nesse sentido, dizendo que o 
conceito de infância veiculou uma idéia de subordinação, de dependência e que, no transcurso do 
século XVII, os castigos contra as crianças se tornaram ainda mais bárbaros. Este 
VOZES DA JUVENTUDE 
 9
aumento se deveu aos primeiros resultados de uma maior atenção prestada às crianças, um produto secundário 
de um interesse maior na capacitação moral e acadêmica das crianças e também da doutrina do Pecado 
Original (Pollock, 1990)3. No século XVII, havia uma atenção aos dizeres bíblicos, 
especialmente por parte dos puritanos4: aquele que poupa a vara, quer mal ao seu filho, mas o que 
o ama, corrige-o continuamente (Provérbios 13:24); não poupes ao menino a correção: se tu o castigares 
com a vara, ele não morrerá (Provérbios 23:13); castigando-o com a vara, salvarás sua vida da morada 
dos mortos (Provérbios 23:14). Ao lado do apoio encontrado nas citações bíblicas quanto 
à punição corporal das crianças, ao nível doméstico, figurava um outro adágio: corrige 
teu filho enquanto há esperanças, mas não te enfureças até faze-lo perecer(Provérbios 19:18). Na 
verdade, se por um lado havia uma assunção tácita da punição corporal enquanto 
método disciplinar, por outro lado, ela não poderia levar ao desperdício da vida 
infantil. Alguns desses historiadores mostram uma série de provas no sentido de que 
no século XVII era comum se lutar para quebrantar a vontade da criança, sendo o castigo corporal o melhor 
meio para tanto (Pollock, 1990). 
Finalmente importa ressaltar que o desenvolvimento e a aceitação institucionais da educação 
formal nas escolas com o conseqüente isolamento das crianças frente à sociedade adulta foi um pré-requisito 
para o surgimento dos conceitos sociológicos e psicológicos de infância (Pollock, 1990). Ariès afirma 
ainda que a evolução da família da forma aberta ao mundo exterior, de amigos etc., 
que se relacionavam com ela para a forma nuclear atual teve conseqüências 
importantes para o desenvolvimento do conceito de infância, o qual por sua vez não 
se separa do de família: o interesse pela infância (...) não é mais do que uma forma, uma expressão 
particular deste sentimento mais geral, o sentimento de família (Pollock, 1990). 
Na verdade, a tese sobre a qual Ariès avança é a de que na maioria das 
sociedades as crianças integraram-se muito cedo à sociedade adulta e que o seu 
processo de segregação (que ele considera essencialmente indesejável) é um traço 
particular da sociedade burguesa. 
O segundo autor do qual gostaríamos de destacar algumas idéias é Lloyd 
deMause (1975). Ele nos diz na abertura do livro no qual figura como organizador: a 
história da infância é um pesadelo do qual recentemente começamos a despertar. Quanto mais atrás 
regressamos na história, mais reduzido o nível de cuidado com as crianças, maior a probabilidade de que 
houvessem sido assassinadas, abandonadas, espancadas, aterrorizadas e abusadas sexualmente. 
Lloyd deMause é considerado um psico-historiador5 sendo que, em seu trabalho, 
visto como a história da infância ou mais exatamente a história da puericultura no 
Ocidente, desde a Antiguidade, ele vai mostrando uma suavização nas relações pais-
 
3 A Igreja, por um lado, considerava as crianças como seres inocentes, mas por outro, carregando sobre si o peso do 
Pecado Original. Este conceito de Pecado Original autorizava tratar com dureza as crianças para "cura" de sua iniqüidade 
inerente. 
4 Greven (1992) diz-nos: Jesus nunca advogou a punição corporal. Em nenhum lugar do Novo Testamento Ele aprova o se 
infligir dor a uma criança através do açoite ou de qualquer outro tipo de instrumento, nem tampouco jamais recomendou 
qualquer forma de punição corporal de crianças por seus pais. Portanto, para este autor o texto-chave no Novo Testamento 
que é favorável ao duro disciplinamento corporal de crianças é Hebreus, que muitos assumiram ter sido escrito pelo 
apóstolo Paulo, afirmação atualmente contestada por especialistas no assunto que definem esta autoria como anônima. Os 
católicos e muitos outros grupos religiosos igualmente sustentaram a tradição de uso da punição corporal de crianças tanto 
pelas famílias quanto pelas escolas. Mas muito pouco se escreveu sobre os católicos ou por eles mesmos em termos de 
suas atitudes relativas a tal problemática. Portanto, este é um tema a ser mais explorado entre católicos e judeus. 
5 Para o psico-historiador o porque da história se refere forçosamente a um porque psicológico. Deste ponto de vista, a 
história é feita pelos homens; para saber porque os homens fizeram o que fizeram há que se aprofundar nos motivos nem 
mais, nem menos ... Há que se interrogar as pessoas, escutá-las atentamente, porém sem tomar ao pé da letra o que 
dizem... O porque histórico começa onde terminam as explicações dos interessados... O terreno onde se coloca o psico-
historiador é o terreno da determinação psíquica inconsciente de todas as ações e omissões humanas que constituem a 
história (Binion, 1986). 
VOZES DA JUVENTUDE 
 10
filhos, vindo desde épocas em que se abandonava, se expunha, se maltratava e se 
descuidava das crianças até chegar às idéias contemporâneas em que os pais se 
sacrificam pelos filhos. Ele tenta recuperar através do que chama teoria psicogênica 
da história como estas transformações no relacionamento adulto-criança se deram, 
dizendo que no fundo os pais revivem sua própria infância através dos filhos e em conseqüência se vem 
impulsionados tanto a reproduzi-la fielmente quanto a diminuir os seus rigores. As mudanças observadas 
resultariam desta dialética de reprodução-melhoramento, de uma geração a outra, independentemente de toda a 
influência exterior (1975). 
Em um artigo bem recente, este autor (1995) coloca que: 
Através do meu estudo psico-histórico da infância e da sociedade concluo que a história da 
humanidade se fundou numa prática de violência contra as crianças. Da mesma forma que os 
terapeutas familiares hoje descobriram que a violência doméstica contra as crianças tem como 
objetivo manter as famílias unidas enquanto um meio de solução de seus problemas 
emocionais, também a rotina da violência contra a criança tem sido a forma mais efetiva 
encontrada pela sociedade em termos de manter a sua homeostase emocional coletiva. 
Muitas famílias no transcurso da história praticaram o infanticídio, os espancamentos, o 
incesto. Muitos Estados sacrificaram e mutilaram suas crianças para aliviar a culpa dos 
adultos. Mesmo atualmente continuamos matando, mutilando, submetendo à fome as crianças 
através de nossas atividades sociais, militares e econômicas6. 
O trabalho de deMause é bastante polêmico na medida em que se poderia 
interrogar sobre o valor de uma construção psico-histórica que sustenta uma 
interação pais-filhos que se modifica por sua própria natureza, sem tomar em 
consideração aspectos exteriores, ou seja, sócio-econômico-políticos. Por outro lado, 
foi construindo sua teoria a partir de informações esparsas que podem ou não ser tão 
fidedignas ou não permitirem conclusões a que ele próprio chegou. Acreditamos, 
entretanto, que este autor, já em 1995, com as críticas recebidas, venha tentando 
incorporar algumas discussões de cunho sócio-econômico que corrijam certos 
problemas em sua construção teórica. Ele apresenta outras fragilidades: trata de 
forma conjunta, fenômenos como violência sexual e física doméstica, sem atentar 
para suas especificidades, além de trabalhar com diversos problemas relativos à 
infância e adolescência como infanticídio, ida para guerras etc., sem separá-los de 
forma mais coerente, como se toda a violência dirigida à infância pudesse ser 
misturada num único conjunto. 
Fazendo-se um paralelo entre as teses de Ariès e de deMause, observamos que o 
primeiro autor sustenta que a criança tradicional era feliz, misturava-se aos adultos. 
A partir do momento em que uma condição especial − a infância − foi inventada, 
resultando num conceito tirânico de família que destruiu a sociabilidade e privou a 
criança da liberdade, infligiu a ela um confinamento e os castigos severos. Já deMause 
parte de uma tese oposta na medida em que mostra que a situação das crianças foi 
melhorando sensivelmente através dos séculos. No que tange à disciplina doméstica 
imposta ao nível corporal, ele diz que há um decréscimo evidente desta prática a 
partir do século XVIII, tornando-se antiquada na Europa e na América no século XIX, continuando 
apenas na Alemanha na qual 80% dos pais ainda admitiam, nesta época, utilizar a punição corporal em seus 
 
6 Aqui o autor faz uma crítica contundente à política internacional norte-americana que levou inúmeros jovens à Guerra do 
Golfo, bem como através de seus mecanismos de exploração deixa inúmeras crianças em vários continentes passarem 
fome e toda sorte de privações. Portanto, uma política exploradorae belicista ao extremo. 
VOZES DA JUVENTUDE 
 11
filhos, 35% deles com varas (1975). deMause adverte, porém, que à medida que as punições 
corporais foram decrescendo, outros substitutos educativos começaram a ser 
encontrados como, por exemplo, encerrar-se a criança em quartos escuros, prática por 
ele encontrada na bibliografia dos séculos XVIII e XIX. Relata-nos sobre as pequenas 
Bastilhas existentes nas casas, onde as crianças eram encerradas por horas, por dias, 
com direito a pão e água, objetivando-se a correção de comportamento delas 
considerados inadequados pelos pais7. Procede a uma periodização das formas de 
relacionamento entre pais e filhos, começando desde a Antiguidade até o século XX, 
a qual passa pela forma do infanticídio, do abandono, da ambivalência, da intrusão, 
da socialização até chegar à forma de ajuda que pertence ao nosso século e na qual 
os pais estão muito envolvidos no processo de criação e de educação dos filhos. 
Entretanto, o que deMause não pode responder é porque se apresentou a 
violência de pais contra filhos e hoje há tantos casos desta natureza mesmo com uma 
forma de relacionamento entre pais e filhos tida por ele como satisfatória e 
envolvente. Na verdade, deMause diz ainda que quanto mais se retorna ao princípio 
da história da humanidade mais pais encontramos pouco envolvidos com o cuidado 
de seus filhos e que se hoje nos espantamos com a quantidade de crianças vítimas de 
violência, imagine-se que um número muito mais amplo desta categoria poderia ser 
encontrado quanto mais se regredisse na história. É por isso que ele diz o seguinte: a 
evidência que coletei em termos de métodos disciplinares infantis me leva a crer que uma larga porcentagem de 
crianças antes do século XVIII era o que hoje se convencionaria chamar de crianças espancadas (1975). 
deMause informa ainda que em mais de 200 (duzentos) documentos relativos à 
orientação do processo educacional de filhos que ele consultou, e de períodos 
anteriores ao século XVIII, muitos aprovavam a disciplina violenta, permitindo-a sob 
as mais variadas circunstâncias, excetuando-se os documentos de Plutarco, Palmieri 
e Sadoleto. Os instrumentos usados nestes espancamentos incluíam chicotes, pedaços 
de bambu, de ferro, bastões, paus etc. 
Segundo ele, século após século, a disciplina violenta era permitida, sendo o 
protesto público raro. Mesmo humanistas e professores, com reputação de grande 
brandura, como Petrarca, Ascham, Comenius e Pestalozzi aprovavam o espancamento 
de crianças. A esposa de Milton queixava-se de que odiava ouvir os gritos dos 
sobrinhos quando apanhavam dele. Mesmo a realeza não estava isenta de 
espancamento, como o confirma a infância de Luís XIII. Um chicote ficava ao lado do 
pai dele na mesa, sendo que aos 25 meses o delfim começou a apanhar com 
freqüência e sempre despido. Ele tinha pesadelos regulares sobre seus 
espancamentos, que eram realizados pela manhã quando despertava. Depois que se 
tornou rei, costumava acordar à noite, aterrorizado, na expectativa de seu 
espancamento matinal. Inclusive no dia da sua coroação foi espancado8. 
 
7 Interessante notar as muitas práticas de aterrorizar crianças resgatadas por deMause: Lamia e Striga que segundo os 
antigos comiam as crianças vivas... feiticeiras e demônios nos tempos medievais... Depois da Reforma, ... várias estórias 
infantis relatavam as torturas que Deus havia guardado para crianças no inferno... Quando a religião deixou de ser o foco 
da campanha terrorista, figuras mais familiares foram usadas: lobisomem que engole criancinhas; o Barba Azul que faz 
picadinho das pessoas... o limpador de chaminé que rouba crianças à noite... (1975). 
8 Luís XIII, filho de Henrique IV (que foi assassinado em 1610), com a idade de 9 anos se tornou rei. Em 1624, Luís XIII 
confiou a direção do reino ao Cardeal Richelieu, que se tornou presidente do Conselho Real. A política estabelecida por 
Richelieu foi: internamente quebrar o poder da aristocracia feudal, estabelecendo a monarquia absoluta e externamente 
combater os Habsburgos para dar à França a hegemonia da Europa. Quando Richelieu faleceu em 1642, o caminho estava 
quase todo aplainado para o despotismo. 
VOZES DA JUVENTUDE 
 12
Cumpre lembrar, enquanto parênteses, que Perrot (1993) nos mostra que, na 
sociedade francesa do século XIX, o chamado costume de bater nas crianças estava 
presente em todas as classes sociais, embora assumisse características e funções 
diferentes de acordo com estas mesmas classes: nos meios burgueses, mais do que nos 
aristocráticos, as crianças já não apanham muito em casa. Aqui e ali subsistem algumas varas e açoites de 
corda, mas cada vez mais reprovados. (...) No campo e entre as classes populares urbanas e entre os pequenos 
burgueses chove (sic) pancadas. Sovas e vergastadas são plenamente admitidas, desde que não ultrapassem 
certos limites (...). 
As teses de Ariès e de deMause opostas, principalmente no sentido de que uma 
aponta que o pesadelo das crianças começou a partir do conceito de infância e a outra 
de que este pesadelo está ficando muito para trás na história da humanidade, 
mostram-nos que a verdadeira história da infância tem sérios obstáculos a transpor 
do ponto de vista da sua reconstrução, uma vez que as divergências teóricas sobre 
ela são acentuadas. De qualquer forma, estas divergências servem para nos mostrar o 
quão longe estamos em termos da possibilidade de afirmarmos se este ou aquele 
período da história trouxe mais ou menos violência no relacionamento pais-filhos. As 
dúvidas persistem e a única certeza que temos é a de que ao chegarmos ao novo 
milênio ainda nos defrontamos com este fenômeno e em números assustadores. 
Concretamente pode-se dizer que o trabalho de Philippe Ariès causou um 
grande impacto, na medida em que colocou em questão a idéia de universalidade da 
infância. Já Lloyd deMause manteve a noção desta universalidade, dizendo que a 
infância é a mesma, os pais é que mudaram (James e Prout, 1990). O debate entre os 
historiadores continua e o que se pode reter dele é que a forma particular da infância 
moderna é, sem sombra de dúvida, historicamente específica. 
Um outro apoio para a idéia da construção social da infância vem dos 
trabalhos dos antropólogos sociais envolvidos em estudos sobre cultura e 
personalidade. Embora discutindo a variabilidade do conceito de infância em 
diferentes culturas, estes trabalhos ainda são eivados de uma perspectiva 
convencional a partir do momento em que colocam que a socialização é um processo 
moldado pelos adultos, prestando pouca atenção ao fato de a infância ser um 
fenômeno em si mesmo e que as crianças podem ser participantes ativos do seu 
próprio processo educacional. 
Na Psicologia, a área voltada à criança desenvolveu-se, sobretudo, a partir das 
contribuições de teóricos do desenvolvimento humano. 
No contexto da Psicologia, mais recentemente, embora o foco tenha 
permanecido no indivíduo, o reconhecimento da idéia de que a infância é 
socialmente construída conduziu à consciência da importância do contexto social 
dentro do qual os processos psicológicos tomam lugar. 
Na Inglaterra, o trabalho de Martin Richards (1974) e nos Estados Unidos, a contribuição 
de Kessel e Siegel (1983) podem ser considerados marcos desta idéia inovadora: (...) a crítica 
a uma psicologia baseada em leis universais que se supõem aplicáveis a todas as sociedades 
e a todas as épocas. Está sendo questionado que termos como mãe e criança não apenas 
dão uma idéia de generalidade sem significado, mas também não representam 
adequadamente o relacionamento entre o indivíduo e o meio social e retratam vínculos sociais 
como se eles fossem fixados por leis da natureza. (James e Prout, 1990) 
VOZES DA JUVENTUDE 
 13
As diferentes contribuições oriundas tambémde diferentes disciplinas 
tornaram possível a discussão do conceito de construção social da infância. Mas não 
podemos nos esquecer que inúmeros movimentos sociais para isso contribuíram, tais 
como os das mulheres, da anti-psiquiatria, os relativos aos direitos humanos etc. 
Entretanto, a emergência de um novo paradigma para o estudo da infância 
enquanto construção social tem encontrado uma série de obstáculos provenientes de 
diversas áreas do conhecimento. 
Em primeiro lugar, tem que se reconhecer que os conceitos ainda dominantes de 
desenvolvimento e socialização são extraordinariamente resistentes a qualquer crítica. (...) A 
discussão sobre a necessidade de que a psicologia cognitiva e do desenvolvimento se insira 
num contexto social e cultural ainda é uma possibilidade discutida e publicada recentemente 
em poucos trabalhos de pesquisa empíricos. (...) Na área da sociologia, o conceito de 
socialização9 continua a dominar a teoria e a pesquisa sobre a infância. A falta de mudança 
aqui se revela de forma mais aguda, por exemplo, na sociologia da família. Embora o 
pensamento sobre mulheres e família tenha sido revolucionado pela crítica das feministas, o 
pensamento sobre a infância ainda permanece relativamente estático. (James e Prout, 1990) 
Estes autores lembram também a contribuição de algumas sociólogas 
americanas que imputam estes obstáculos na área da sociologia, por exemplo, ao fato 
de que ainda esta é produzida majoritariamente por homens e que, conseqüentemente, 
eles não valorizam o cuidado com as crianças, muito menos as atividades por elas 
produzidas. 
James e Prout (1990) chamam a atenção também para o fato de que noções 
como a socialização por exemplo, estão inscritas na prática de assistentes sociais e de 
professores e que isso enseja determinadas dificuldades para sua crítica mais 
consistente, fazendo com que tal atitude não seja vista apenas como uma questão de 
hábito, de conveniência, de falsa consciência, mas muito ligada ao que Foucault 
chama de regime da verdade: ele sugere que isto opera quase como uma profecia auto-realizadora: 
formas de pensar a criança que se fundem com as práticas institucionalizadas para produzir sujeitos auto-
conscientes (professores, pais e crianças) que pensam (e sentem) sobre si mesmos através das regras daquelas 
formas de pensamento. A verdade sobre si mesmos e sua situação é então auto-corroboradora. Quebrar isto 
para a conquista de uma nova verdade (produzida por outra forma de pensar a infância) pode ser difícil (James 
e Prout, 1990). 
E, finalmente, esta nova forma de pensar a infância ao embasar a construção de 
novos estudos permite que os mesmos iluminem os caminhos de uma política 
voltada à infância e se constituam em tentativas de dar voz às crianças e 
adolescentes, que até agora assistem à tomada de medidas em nome do seu melhor 
interesse e para as quais não são consultados. 
 
9 A sociologia, particularmente a de cunho funcionalista, também privilegiou uma visão que subestima o valor da criança em 
comparação ao valor atribuído ao adulto.As palavras de Davis são eloqüentes: As funções mais importantes realizadas 
pelo indivíduo para a sociedade são as que desempenha como adulto, não quando é imaturo. Sendo assim o tratamento 
que a sociedade oferece à criança é fundamentalmente preparatório... Qualquer doutrina que considere as necessidades 
das crianças como prioritárias e as da sociedade organizada como secundárias é uma anomalia sociológica (Davis, 1949). 
A partir dessa perspectiva, grande parte da teoria e pesquisa sobre infância decorrente desta orientação centraliza sua 
atenção na instituição família, assim como nos processos educativos e de socialização, enfoques nos quais a infância não 
é nem a unidade de observação, nem uma categoria de análise independente (Pilotti e Rizzini, 1995). 
VOZES DA JUVENTUDE 
 14
B. Breve incursão pela História da Juventude 
Tal como no caso da infância, a HISTÓRIA DA JUVENTUDE ainda está longe de ser 
conhecida e, segundo alguns teóricos, até mesmo de poder ser conhecida. Isso 
porque há vários obstáculos a enfrentar. O primeiro deles está na falta de 
homogeneidade vocabular. 
Assim, segundo Levi e Schmitt (1996): 
A palavra menino pode chegar numa chanson de geste a designar um jovem guerreiro 
(pensemos na Infanzie del Cid), ao passo que a noção romana ou medieval de juventus 
desloca notavelmente para baixo, o limite dentro do qual enquadramos hoje a juventude. Ao 
contrário, quando os termos permanecem aparentemente imutáveis, seus conteúdos 
semânticos não cessam de renovar-se. Assim, se compararmos as subdivisões conceituais da 
Antigüidade com nossas representações, podemos também obter correspondências 
aproximativas (no fundo, adotamos sempre os mesmos termos: infância, adolescência, 
juventude), mas temos de reconhecer que essas palavras não têm mais o mesmo sentido. 
Daí porque é preciso recusar uma outra tentação que costuma provocar os 
historiadores, dificultando também seu trabalho. Trata-se de uma simplificação 
denunciada por Levi e Schmitt (1996) também: a ilusão (...) de uma história linear que se 
desenvolve segundo módulos contínuos e num ritmo regular desde um hipotético início até uma conclusão 
completamente inscrita em suas premissas. Sobre essa pauta poder-se-ia imaginar um processo regular de 
evolução que, da juventude das sociedades tradicionais, definida por seus papéis rituais e por costumes, vai até 
uma juventude “moderna”, liberada de qualquer constrangimento, isenta de todos os tabus, que tenha abolido, 
nos comportamentos, no modo de vestir (pensemos, por exemplo, nos jeans unissex), nas possibilidades de 
opção profissional, todas as diferenças entre os dois sexos. Muito pelo contrário, a História da 
Juventude não se caracteriza nem por uma continuidade de desenvolvimento nem 
por uma homogeneidade de conteúdos. A razão está em que tal como a infância, a 
juventude − para além de ser uma idade da vida − é também uma construção social. 
Como as demais épocas da vida e, talvez, um pouco mais acentuadamente, a 
juventude é uma construção social e cultural. Caracteriza-se por seu marcado caráter 
de limite. 
Com efeito, ela se situa no interior das margens móveis entre a dependência 
infantil e a autonomia de idade adulta, naquele período de pura mudança e de 
inquietude em que se realizam as promessas da adolescência, entre a imaturidade 
sexual e a maturidade, entre a formação e o pleno florescimento das faculdades 
mentais, entre a falta e aquisição de autoridade e de poder. 
Nesse sentido, nenhum limite fisiológico basta para identificar analiticamente 
uma fase da vida que se pode explicar melhor pela determinação cultural das sociedades 
humanas, segundo o modo pelo qual tratam de identificar, de atribuir ordem e sentido a 
algo que parece tipicamente transitório, vale dizer caótico e desordenado. Essa época 
da vida não pode ser delimitada com clareza por quantificações demográficas, nem por 
definições de tipo jurídico, e é por isso que nos parece substancialmente inútil tentar 
identificar e estabelecer, como fizeram outros, limites muito nítidos. 
Ao contrário, o que nos interessa é justamente o caráter marginal ou limítrofe 
da juventude, o fato de ser algo irredutível a uma definição estável e concreta. De 
resto, é precisamente sua natureza fugidia que carrega de significados simbólicos, de 
VOZES DA JUVENTUDE 
 15
promessas e de ameaças, de potencialidade e de fragilidade essa construção cultural, 
a qual, em todas as sociedades, é objeto de uma atenção ambígua, ao mesmo tempo 
cautelosa e plena de expectativas. Com esse olhar cruzado e ambivalente, no qual se 
misturam atração e desconfiança, as sociedades sempre construíram a juventude 
como um fato social intrinsecamente instável, irredutível à rigidez dos dadosdemográficos ou jurídicos, ou − melhor ainda −, como uma realidade cultural 
carregada de uma imensidão de valores e de usos simbólicos, e não só como um fato 
social simples, analisável de imediato. 
Além disso, é preciso dizer que, dentre os princípios que servem de base para 
classificar as pessoas, a idade tem uma característica específica e evidente: por 
definição, do ponto de vista dos indivíduos, é uma condição transitória. Ao contrário 
do enquadramento em uma classe social (da qual os indivíduos têm dificuldades 
para sair, a menos que consigam realizar, em certos casos, suas esperanças de 
mobilidade social); à diferença da definição sexual (que é unívoca, fixada de uma vez 
por todas), pertencer a determinada faixa etária − e à juventude de modo particular − 
representa para cada indivíduo uma condição provisória. Mais apropriadamente, os 
indivíduos não pertencem a grupos etários, eles os atravessam. É justamente o 
caráter essencial de liminaridade, típico da juventude, conjugado com a maior ou 
menor brevidade da passagem pela condição de jovem, que caracteriza, em última 
análise (porém de maneira diversa nas diferentes sociedades), a juventude, 
determinando tanto as atitudes sociais, a atitude dos outros no seu confronto, quanto 
a visão que os jovens têm de si mesmos. 
Em tudo isso, convém lembrar, não há nada de imutável ou de universal. Numa 
sociedade fria ou estruturalmente estática, determinados processos jurídicos e 
simbólicos tenderão a sublinhar predominantemente os elementos de continuidade e 
de reprodução dos papéis atribuídos à juventude. Por outro lado, uma sociedade 
mais quente, mais predisposta a reconhecer o valor da mudança, será levada a admitir 
com maior facilidade o caráter necessariamente conflitante da transição de uma 
idade para outra e da transmissão do conjunto de prescrições entre as gerações. 
Portanto, não há HISTÓRIA DA JUVENTUDE, mas HISTÓRIAS que concernem a 
JUVENTUDES e, sobretudo, a JOVENS inseridos no emaranhado de relações sociais 
específicas, ligadas a contextos e a momentos históricos distintos. 
Tal como a infância, a juventude também é uma condição concreta de existência. 
Assim como não se pode falar em natureza infantil10, também não se pode falar em 
 
10 A condição infantil 
A idéia de natureza infantil remete a características tendo um valor absoluto e universal: a criança, em si, é selvagem, 
submissa à sua sensibilidade, inocente, espontânea, indisciplinada etc. A idéia de condição infantil faz referência a 
uma situação específica da infância sem definir, porém, qualidades ou comportamentos que se encontrariam 
inevitavelmente em toda criança. A criança é um ser em crescimento, sua personalidade está em vias de 
formação, ela vive em um meio social adulto e ao qual não está imediatamente adaptada: estas observações são 
válidas para toda criança em qualquer civilização; independente da classe social a que pertença, elas definem o que se 
pode chamar de condição infantil. Mas o crescimento, a formação da personalidade e adaptação social se 
desenrolam em um meio social que não é o mesmo para todas as crianças. Eles se traduzem, portanto, por 
comportamentos socialmente variáveis. Toda criança cresce, mas cada uma vive seu crescimento de um modo 
psicológica e socialmente diverso. Crescer não tem o mesmo sentido para a criança que aspira escapar de um 
ambiente familiar opressivo e para aquela outra que se assemelha cada vez mais aos pais que admira; da mesma 
maneira, o primogênito de uma família numerosa, investido de responsabilidades freqüentemente muito pesadas para 
ele, e a criança superprotegida pelos pais, não vivem o crescimento de maneira idêntica. É necessário compreender 
psicologicamente a criança em função de suas condições de vida, isto é, tanto de sua condição de criança, quanto 
de sua condição social real. (Charlot, 1977). 
VOZES DA JUVENTUDE 
 16
natureza jovem. Há muitas maneiras de ser criança e muitas também de ser jovem, 
dependendo do contexto histórico e das condições sócio-econômicas, políticas, 
culturais e psicológicas. Uma breve incursão pela História da Juventude permite-nos 
identificar que os jovens têm sido tratados diferentemente conforme a imagem que as 
sociedades construam deles e conforme os papéis sociais que lhes reservem. 
Assim, ao longo dos tempos, os jovens (bem como as crianças) têm sido vistos 
tanto com hostilidade − quando considerados como fonte de desordem e desvio − como 
com benevolência − quando exaltados como salvadores da Pátria ou da Humanidade. 
Daí porque − tal como no caso da infância, a HISTÓRIA DA JUVENTUDE traz inúmeros 
CENÁRIOS DE VIOLÊNCIA, alguns dos quais vão reproduzidos a seguir, apenas a título 
exemplificativo, e sob a forma de fragmentos históricos devidamente contextualizados 
porque, afinal, uma história dos jovens só existe se embebida numa história da 
política, da religião, da família, do direito e até mesmo das festas e esportes11. 
JUVENTUDE GREGA 
INICIAÇÃO SEXUAL CRETENSE 
No que se refere às relações amorosas, os cretenses têm um costume muito 
particular. Com efeito, não é pela persuasão que os amantes conseguem o que buscam 
com afinco, mas pelo rapto. O amante anuncia a seus amigos, com três dias de 
antecedência, que tem a intenção de proceder ao rapto. Ocultar o adolescente cobiçado, 
ou não deixa-lo seguir o caminho previsto para o rapto seria, da parte amante, o cúmulo 
do insulto, pois significa, aos olhos de todos, que o adolescente não é digno de pertencer 
a um amante de tão elevada classe. Assim, os amigos se reúnem e, se constatam que o 
raptor é igual ou superior ao adolescente em todos os aspectos e, sobretudo, pela 
classe, perseguem-no e retiram-lhe o jovem, mas com doçura, e apenas para seguir o 
costume, comprazendo-se a seguir em devolvê-lo para ser levado definitivamente. 
Se, ao contrário, o raptor não lhes parece ter classe suficiente, o jovem é retirado a 
sério e não mais devolvido. Seja como for, a perseguição cessa assim que este for 
levado até a andria de seu raptor. É julgado digno de ser amado não o rapaz mais belo, 
mas o que se distingue pela coragem e correção. Após desejar-lhe boas-vindas e dar-lhe 
presentes, o amante deixa com ele a cidade e o conduz ao lugar que lhe agrada. Todos 
os que assistiram ao rapto o acompanham, e festejam e caçam com ele durante dois 
meses − a lei não permite reter o adolescente por mais tempo −, retornando a seguir à 
cidade. Deixa-se, então, partir o adolescente, que recebe um equipamento militar, um 
boi, uma taça − são os presentes prescritos por lei −, além de muitos outros presentes de 
valor, de tal forma que os amigos do amante costumam se cotizar para ajuda-lo a 
enfrentar essas grandes despesas. 
Quanto ao rapaz, ele oferece sacrifícios a Zeus e um banquete aos que o trouxeram 
de volta. Depois, faz uma declaração pública sobre a relação que manteve com o 
amante, na qual diz se tem algo a reclamar ou não, a lei estipulando que, se foi vítima de 
violências durante o rapto, pode pedir reparação nesse momento e ser subtraído a seu 
poder. Por outro lado, é sinal de infâmia para um adolescente bem-educado e de ilustre 
ascendência não conseguir arranjar amante, pois lhe atribuiriam algum defeito. Ao 
contrário, honras aguardam os parastátal, nome dado aos que foram objeto de um rapto: 
a eles são reservados os principais lugares nas reuniões públicas e nos estádios, e têm 
o direito de se distinguir dos demais, enfeitando-se com as vestimentas dadas pelo 
amante. Esse direito não se restringe ao período de sua adolescência, pois, chegando à 
idade adulta, continuam a usar uma vestimenta particular a fim de que saibam que 
outrora foi um kleimós, termo que designa, entre os cretenses, o eròmenos, enquanto o 
amante é chamado philétor.11 É o que certos historiadores entendem por “fato social total”, lição central da obra de M. Mauss, o grande mestre de 
Dumézil. 
VOZES DA JUVENTUDE 
 17
Tanto no modelo espartano, quanto no cretense, a educação dos jovens implica em 
alguma forma de pederastia. 
JUVENTUDE JUDAICA NA EUROPA 
No final do século XV, em Nuremberg, 24% dos homens judeus realizavam 
alguma espécie de serviço (como criados ou professores) na casa dos outros, e 
catorze, dentre quinze lares, abrigavam pelo menos uma dessas pessoas. Na 
comunidade de Alessandria, o número de criados (inclusive empregados de 
escritório e aprendizes) que viviam na casa dos outros permaneceu, entre 1734 e 
1761, de forma constante em 7%, e o de lares judaicos com pelo menos um 
criado variava de 20% a 30%. Em Trieste, em 1769, os empregados domésticos 
compreendiam cerca de 10% de toda a população judia, e quase um quarto 
de todos os lares judaicos possuíam pelo menos um criado, homem ou mulher. 
Em alguns casos, como na pequena comunidade piemontesa de Ivrea, 
cujos dez lares eram chefiados, em 1791, sobretudo por mercadores e 
banqueiros, 70% tinham criadas ou empregados, os quais formavam 14% da 
população judaica local. No caso dos judeus poloneses, os números eram 
evidentemente mais baixos. Na região de Lublin, segundo o censo de 1764, 
cerca de 7% das famílias judias, tanto no campo quanto na cidade, dispunham 
de criadas judias que viviam sob o mesmo teto. Na comunidade judaica 
relativamente pequena de Opatow, o índice de lares com criados de um ou 
outro sexo foi, durante a década de 1760, pouco superior a 8%... 
Nenhuma discussão da vida dos criados, em sua maioria não apenas 
jovens mas também solteiros, pode ignorar o elemento sexual que, muitas vezes, 
modelou as relações com seus patrões, entre si e com outros membros da 
comunidade. Na comunidade polonesa de Opatow, sobreviveu uma 
documentação bastante completa de dois casos, no período entre 1759 e 1778, 
envolvendo a exploração sexual de criadas domésticas por homens que não 
eram seus empregadores. A exploração pelos próprios empregadores era bem 
mais corriqueira e, exceto nos casos que resultavam em gravidez, em geral 
passava despercebida. 
Em Casale, uma das três comunidades piemontesas mencionadas 
anteriormente, um chefe de família chamado Yedidiah Luzzatto, membro de 
uma irmandade devota, foi acusado por sua criada, Rachel Foa, de ser o pai do 
filho dela, após tê-la seduzido em diversas ocasiões durante a primavera e o 
início do verão de 1715, inclusive na primeira noite da Páscoa! 
A FLOR DO MAL: ITÁLIA MEDIEVAL 
A LUTA ENTRE JOVENS E CRIANÇAS 
Sobretudo, mesmo fora dessa relação mecânica, os giovani tomam a palavra e 
invadem quando podem a cena pública da qual em geral são afastados. É o que acontece 
em Veneza, à noite, por intermédio das manifestações descritas. É o que acontece em 
Florença, na época de Savonarola. Quando o pregador afirma que a reforma da 
sociedade repousa sobre a das crianças, desencadeia-se a luta entre fanciulli e giovani. 
Às crianças é dada a tarefa de extirpar da cidade todos os pecados, de purgar 
Florença de todos os seus devassos. Através da cidade e do campo, elas cumprem a 
tarefa com tamanho zelo que ninguém consegue resistir-lhes. Tavernas são fechadas, 
jogos de cartas e de dados são proibidos, todas as pompas, vaidades e luxúrias − tanto 
os penteados das mulheres como livros e quadros − são combatidos por esses ferozes 
agentes da ordem de Deus. Começa o tempo do arrependimento, prelúdio ao reino de 
uma nova Jerusalém. 
Os jogadores fogem, as mulheres se enfeitam com decência, todos evitam o pecado 
e, sobretudo, o vício abominável. Essas companhias de crianças, preparadas para agir 
com violência, põem todas as suas armas habituais a serviço de Deus, batalhas de 
VOZES DA JUVENTUDE 
 18
pedras ou coletas forçadas durante o Carnaval, praticadas aqui em benefício dos pobres. 
Agrupados por bairro em quatro associações, os fanciulli del frate fazem reinar o terror 
na sua circunscrição e, nos dias estabelecidos por Savonarola, saem em procissão 
vestidos de branco, com um ramo de oliveira na mão, imagem pública da inocência. 
As crianças cantam e acredita-se ouvir a voz do Senhor. Contra elas levantam-se os 
giovani, scelerati, giovanastri dissolutissimi et di ribalda vita, persone da fare ogni male... 
Em torno de alguns jovens nobres, grupos se organizam. E esses compagnacci, esses 
arrabiati [possessos] fazem uma outra música. Gritos, injúrias e sinos à noite, gritaria e 
sinos também durante a prédica. Pele de asno em putrefação, benção dos fiéis com uma 
cebola espetada na espada, outros tantos meios de introduzir o mau cheiro nos recintos 
sagrados, de perverter os ritos e de fazer afundar o reino de Cristo na derrisão. 
Todos esses fragmentos históricos mostram-nos que − ao contrário da infância 
vítima de violência − a juventude costuma ser mais reivindicativa e, por isso mesmo, 
não raro encarada como potencialmente mais perigosa: as crianças − ao contrário dos 
jovens − seriam mais facilmente colonizadas, domesticadas... Talvez por isso a COR 
VERDE tenha sido considerada a COR JOVEM por excelência. 
 
A COR JOVEM 
Nos romances de cavalaria, um cavaleiro verde, isto é, cujos brasões, bandeira e 
xairei são de cor verde, é sempre uma personagem jovem e impetuosa, cuja irrupção 
em determinado episódio será inevitavelmente causa de desordem. O verde pode 
assumir um significado positivo ou negativo, pois, como toda cor, é ambivalente. As 
enciclopédias, a literatura alegórica e os tratados de heráldica fazem dele não apenas 
a cor da juventude, mas também a da esperança, do amor (em geral, do amor infiel) e 
da sorte. Em sentido negativo, o verde evoca a licenciosidade, a desordem, o 
infortúnio, a doença, o veneno, às vezes o diabo. Associado ao amarelo, simboliza a 
loucura ou a hipocrisia. 
É evidentemente a idéia de selva, de natureza em pleno crescimento, que faz da 
cor verde, a cor da juventude. E, por ser a da juventude, ela é também a da esperança, 
do amor, da desordem e da inconstância. No entanto, sejam quais forem as técnicas, 
os pigmentos ou os suportes utilizados, a pintura e a tintura medievais sempre 
tiveram dificuldade de dominar os tons verdes. Estes são os mais instáveis, os que 
penetram com maior dificuldade nas fibras do tecido, no corpo do pergaminho, na 
pasta do vidro ou na massa do metal. Foi difícil fixá-los, adensá-los, torná-los claros, 
límpidos, luminosos. Daí, também, uma ligação possível entre a química e a 
ideologia: à instabilidade pigmentária poderia corresponder uma instabilidade 
simbólica. Como os tons verdes, os jovens são volúveis, instáveis, às vezes perigosos. 
Se a cor verde é rara na imagem ocidental, nem por isso está ausente, e sua 
própria raridade pode favorecer empregos carregados de sentido. Na Iluminura, do 
século XII ao XIV, o verde é assim freqüentemente utilizado como uma cor periférica, 
uma cor de margem, contrariamente ao vermelho e ao azul, cores centrais. Donde 
seu emprego para sublinhar a condição subalterna ou o caráter desvalorizado das 
personagens vestidas com ele. Donde, igualmente, uma aproximação espacial entre 
essa cor e os jovens, também periféricos ou marginais. A codificação da imagem e a 
simbologia das cores juntam-se aqui para associar o verde e a juventude. Color 
minor juventuti inferior! 
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 21
III 
 
VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CONTRA CRIANÇAS E ADOLESCENTES: 
CONSIDERAÇÕES TEÓRICAS 
Como nos diz Adorno (1988): 
A violência é uma forma de relação social; está inexoravelmente atada aomodo pelo qual 
os homens produzem e reproduzem suas condições sociais de existência. Sob esta ótica, a 
violência expressa padrões de sociabilidade, modos de vida, modelos atualizados de 
comportamento vigentes em uma sociedade em um momento determinado de seu processo 
histórico. A compreensão de sua fenomenologia não pode prescindir, por conseguinte, da 
referência às estruturas sociais; igualmente não pode prescindir da referência aos sujeitos que 
a fomentam enquanto experiência social. (...) Ao mesmo tempo em que ela expressa relações 
entre classes sociais, expressa também relações interpessoais (...) está presente nas relações 
intersubjetivas que se verificam entre homens e mulheres, entre adultos e crianças, entre 
profissionais de categorias distintas. Seu resultado mais visível é a conversão de sujeitos em 
objeto, sua coisificação. (...) A violência é simultaneamente a negação de valores 
considerados universais: a liberdade, a igualdade, a vida. Se entendermos como o fez a 
filosofia política clássica que a liberdade é fundamentalmente capacidade, vontade, 
determinação e direito natural do homem, a violência enquanto manifestação de sujeição e de 
coisificação só pode atentar contra a possibilidade de construção de uma sociedade de 
homens livres (...) a violência não é necessariamente condenação à morte, ou, ao menos, esta 
não preenche seu exclusivo significado. Ela tem por referência a vida, porém a vida reduzida, 
esquadrinhada, alienada; não a vida em toda a sua plenitude, em sua manifestação prenhe de 
liberdade. A violência é uma permanente ameaça à vida pela constante alusão à morte, ao 
fim, à supressão, à anulação. 
A violência doméstica apresenta uma relação com a violência estrutural 
(violência entre classes sociais, inerente ao modo de produção das sociedades 
desiguais). No entanto, tem outros determinantes que não apenas os estruturais. É 
um tipo de violência que permeia todas as classes sociais enquanto violência de natureza 
interpessoal. 
Enquanto violência intersubjetiva, a violência doméstica consiste também: 
a. numa transgressão do poder disciplinador do adulto, convertendo a diferença de 
idade adulto-criança/adolescente, numa desigualdade de poder intergeracional; 
b. numa negação do valor liberdade: ela exige que a criança ou adolescente sejam 
cúmplices do adulto, num pacto de silêncio; 
c. num processo de vitimização enquanto forma de aprisionar a vontade e o desejo 
da criança ou do adolescente, de submetê-los ao poder do adulto a fim de coagi-
los a satisfazer os interesses, as expectativas e as paixões deste. 
VOZES DA JUVENTUDE 
 22
Por isso mesmo, o abuso-vitimização consiste, pois, num processo de completa 
objetalização da criança ou adolescente, isto é, de sua redução à condição de objeto 
de VIOLÊNCIA. 
Em síntese, a violência doméstica contra crianças e adolescentes: 
→ é uma violência interpessoal; 
→ é um abuso do poder disciplinador e coercitivo dos pais ou responsáveis; 
→ é um processo de vitimização que às vezes se prolonga por vários meses e 
até anos; 
→ é um processo de completa objetalização e sujeição da vítima; 
→ é uma forma de violação dos direitos essenciais da criança e adolescente 
enquanto pessoas e, portanto, uma negação de valores humanos 
fundamentais como a vida, a liberdade, a segurança; 
→ tem na família sua ecologia privilegiada. Como esta pertence à esfera do 
privado, a violência doméstica acaba se revestindo da tradicional 
característica de sigilo. 
Portanto, a violência doméstica contra crianças e adolescentes 
representa todo ato ou omissão praticado por pais, parentes ou 
responsáveis contra crianças e/ou adolescentes que - sendo capaz de 
causar dor e/ou dano físico, sexual e/ou psicológico à vítima − implica, 
de um lado, numa transgressão do poder/dever de proteção do adulto e, 
de outro, numa coisificação da infância, isto é, numa negação do direito 
que crianças e adolescentes têm de ser tratados como sujeitos e pessoas 
em condição peculiar de desenvolvimento. 
Existem cinco tipos de violência doméstica reconhecidos: violência física, 
negligência, violência sexual, violência psicológica, violência fatal12. 
Focalizaremos a violência psicológica com exclusividade. 
 
RELATO DE VIOLÊNCIA PSICOLÓGICA 
FREUDIANA 
Éramos quatro as filhas de minha mãe. 
Entre elas ocupei sempre o pior lugar. 
Duas me precederam − eram lindas, mimadas. 
Devia ser a última, no entanto, 
veio outra que ficou sendo a caçula. 
Quando nasci, meu velho Pai agonizava, 
logo após, morria. 
Cresci, filha sem pai, 
secundária na turma das irmãs. 
Eu era triste, nervosa e feia. 
Amarela, de rosto empalamado. 
De pernas moles, caindo à toa. 
Os que assim me viam − diziam: 
 
12 Para um estudo mais aprofundado de negligência e violência familiar fatal, consulte-se Azevedo, M.A. & Guerra, V.N.A. 
(1998). Infância e Violência Fatal em Família - Primeiras Aproximações ao nível de Brasil. São Paulo: Iglu. 
 Para uma abordagem em profundidade da problemática da violência sexual doméstica, consulte-se Azevedo, M.A. 
(1991). Infância e Violência Sexual Doméstica: um tabu menor de um Brasil menor. São Paulo: IPUSP. [Tese de Livre 
Docência]. Para conhecer com maior profundidade a violência física doméstica, consulte-se Azevedo, M.A. & Guerra, 
V.N.A. (2001). Mania de bater: a punição corporal doméstica de crianças e adolescentes no Brasil. São Paulo: Iglu. 
VOZES DA JUVENTUDE 
 23
− Essa menina é o retrato vivo 
do velho pai doente. 
Tinha medo das estórias 
que ouvia, então, contar: 
assombração, lobisomem, mula-sem-cabeça. 
Almas penadas do outro mundo e do capeta. 
Tinha as pernas moles 
e os joelhos sempre machucados, 
feridos, esfolados. 
De tanto que caía. 
Caía à toa. 
Caía nos degraus. 
Caía no lajeado do terreiro. 
Chorava, importunava. 
De dentro a casa comandava 
− Levanta, moleirona. 
Minhas pernas moles desajudavam. 
Gritava, gemia. 
De dentro a casa respondia: 
− Levanta, pandorga. 
Caía à toa... 
nos degraus da escada, 
no lajeado do terreiro. 
Chorava. Chamava. Reclamava. 
De dentro a casa se impacientava: 
− Levanta, perna-mole... 
E a moleirona, pandorga, perna-mole 
se levantava com seu próprio esforço. 
Meus brinquedos... 
Coquilhos de palmeira. 
Bonecas de pano. 
Caquinhos de louça. 
Cavalinhos de forquilha. 
Viagens infindáveis... 
Meu mundo imaginário 
mesclado à realidade. 
E a casa me cortava: menina inzoneira! 
Companhia indesejável − sempre pronta 
a sair com minhas irmãs, 
era de ver as arrelias 
e as tramas que faziam 
para saírem juntas 
e me deixarem sozinha, 
sempre em casa. 
A rua... a rua!... 
(Atração lúdica, anseio vivo de criança, 
mundo sugestivo de maravilhosas descobertas) 
− proibida às meninas do meu tempo. 
Rígidos preconceitos familiares, 
normas abusivas de educação 
− emparedavam. 
A rua. A ponte. Gente que passava, 
o rio mesmo, correndo debaixo da janela, 
eu via por um vidro quebrado, da vidraça 
empanada. 
Na quietude sepulcral da casa, 
era proibida, incomodava, a fala alta, 
a risada franca, o grito espontâneo, 
a turbulência ativa das crianças. 
Contenção... motivação... Comportamento estreito, 
limitando, estreitando exuberâncias, 
pisando sensibilidades. 
VOZES DA JUVENTUDE 
 24
A gesta dentro de mim... 
Um mundo heróico, sublimado, 
superposto, insuspeitado, 
misturado à realidade. 
E a casa alheada, sem pressentir a gestação, 
acrimoniosa repisava: 
− Menina inzoneira! 
o sinapismo do ablativo 
queimava. 
Intimidada, diminuída. Incompreendida. 
Atitudes impostas, falsas, contrafeitas. 
Repreensões ferinas, humilhantes. 
E o medo de falar... 
E a certeza de estar sempre errando... 
Aprender a ficar calada. 
Menina abobada, ouvindo sem responder. 
Daí, no fim da minha vida, 
esta cinza que me cobre...Este desejo obscuro, amargo, anárquico 
de me esconder, 
mudar o ser, não ser, 
sumir, desaparecer, 
e reaparecer 
numa anônima criatura 
sem compromisso de classe, de família. 
Eu era triste, nervosa e feia. 
Chorona. 
Amarela de rosto empalamado, 
de pernas moles, caindo à toa. 
Um velho tio que assim me via 
− dizia: 
− Esta filha de minha sobrinha é idiota. 
Melhor fora não ter nascido! 
Melhor fora não ter nascido... 
Feia, medrosa e triste. 
Criada à moda antiga, 
− ralhos e castigos. 
Espezinhada, domada. 
Que trabalho imenso dei à casa 
para me torcer, retorcer, 
medir e desmedir. 
E me fazer tão outra, 
diferente, 
do que eu deveria ser. 
Triste, nervosa e feia. 
Amarela de rosto empapuçado. 
De pernas moles, caindo à toa. 
Retrato vivo de um velho doente. 
Indesejável entre as irmãs. 
Sem carinho de Mãe. 
Sem proteção de Pai... 
− melhor fora não ter nascido. 
E nunca realizei nada na vida. 
Sempre a inferioridade me tolheu. 
E foi assim, sem luta, que me acomodei 
na mediocridade de meu destino. 
FONTE: CORALINA, Cora (1985). Poemas dos becos de Goiás e estórias mais. São Paulo: Global. 
 
VOZES DA JUVENTUDE 
 25
IV 
 
VIOLÊNCIA PSICOLÓGICA DOMÉSTICA: UM CONCEITO POLÊMICO 
A conceituação de VIOLÊNCIA PSICOLÓGICA DOMÉSTICA contra Crianças e 
Adolescentes é polêmica sob vários aspectos. 
A. Do conceito 
Historicamente, o constructo13 VIOLÊNCIA PSICOLÓGICA DOMÉSTICA foi cunhado no 
seio da literatura feminista como parte da luta das mulheres para tornar pública a 
violência cotidianamente sofrida por elas na vida familiar privada. O movimento 
político-social que, pela primeira vez, chamou a atenção para o fenômeno da 
violência contra a mulher praticada por seu parceiro, iniciou-se em 1971, na 
Inglaterra, tendo sido seu marco fundamental a criação da primeira “CASA ABRIGO” 
para mulheres espancadas, iniciativa essa que se espalhou por toda a Europa e 
Estados Unidos (meados da década de 70), alcançando o Brasil na década de 80. 
Foi em 1985 que Azevedo realiza pesquisa pioneira mapeando a natureza da 
violência doméstica contra mulheres no município de São Paulo. Segundo a 
pesquisadora, dos 2.316 boletins de ocorrência lavrados em 1981 naquele município e 
relativos a crimes praticados contra a mulher, 1.082 (46,72%) registravam lesão 
corporal dolosa e 937 (40,46%), lesão corporal. Analisando os temas que teriam 
culminado nos inúmeros meios e modos de violência física doméstica denunciados, a 
autora descobre que nos bastidores do espancamento da mulher estavam condutas 
portadoras de um outro tipo de violência: a de natureza psicológica, do tipo: 
• crueldade mental ⇒ cerceamento de liberdade, desconfiança, mau gênio, ciúme, 
demandas excessivas etc. 
• ofensas verbais ⇒ difamação, agressão verbal etc. 
• relações extraconjugais ⇒ companheiro arranja amantes ostensivamente. 
Embora o foco de seu trabalho tenha sido a violência doméstica de natureza 
física, Azevedo (1985) entende a violência psicológica como outra importante 
modalidade da violência familiar. Segundo ela, 
violência contra a mulher [é] forma específica de violência interpessoal, perpetrada pelo 
homem e dirigida à mulher. A violência pode ser perpetrada como um fim em si (violência 
expressiva) ou como mecanismo para forçar a mulher a submeter-se às imposições do 
homem (violência instrumental). A violência expressiva geralmente constitui o que 
 
13 Por constructo entende-se conceito deliberada e conscientemente inventado ou adotado, para uma finalidade científica 
específica. [Bastos, Lilia da Rocha et alii (1979). Manual para a elaboração de projetos e relatórios de pesquisa, teses e 
dissertações. Rio de Janeiro: Zahar. Glossário de termos básicos em pesquisa científica] 
VOZES DA JUVENTUDE 
 26
denominamos abuso sexual. A violência instrumental costuma abranger o que conhecemos 
como abuso físico − ou espancamento de mulheres − e abuso psicológico − ou perversa 
doçura, embora estes também possam ser exercidos como um fim em si. 
Já Sinclair (1985), uma autora canadense, entende que a violência psicológica 
seria diferente de abuso emocional ou verbal, na medida em que teria um poder 
maior de induzir medo na vítima porque as ameaças de violência vêm 
acompanhadas de pelo menos um episódio de abuso físico. 
De qualquer forma, a principal diferença entre violência doméstica física e a 
psicológica reside no fato de que a primeira envolve atos de agressão corporal à 
vítima enquanto no segundo caso, a agressão decorre de palavras, gestos, olhares a 
ela dirigidos, sem contato físico necessário. 
Partindo dos estudos de vitimologia14, Marie France Hirigoyen (2000) (psiquiatra, 
psicanalista e psicoterapeuta familiar em França) conceitua a violência psicológica 
como um processo real de destruição moral (...) [cujo ataque é dirigido] à identidade do outro e a dela extrair 
toda a individualidade (...) e que pode levar à doença mental ou ao suicídio. Ela denomina esse processo 
de assédio moral e/ou violência perversa, reconhecendo ser possível destruir 
alguém apenas com palavras, olhares, subentendidos: um verdadeiro assassinato 
psíquico. Recorre à qualificação perversa entendendo com isso tratar-se de um abuso 
e não de uma patologia. A perversidade não provém de uma perturbação psiquiátrica e sim de uma fria 
racionalidade, combinada a uma incapacidade de considerar os outros seres humanos. O abuso 
característico dessa violência, segundo a autora, começa com um abuso de poder, prossegue 
com um abuso narcísico − no sentido de que o outro perde totalmente a auto-estima − e pode chegar, por 
vezes, a um abuso sexual. Ainda segundo essa psiquiatra, a partir de sua experiência 
clínica, foi-lhe possível identificar algumas características da Violência Psicológica: 
1ª a mais assustadora é que se trata de uma violência INDIZÍVEL por excelência: a 
vítima, mesmo reconhecendo seu sofrimento, não ousa verdadeiramente imaginar que tenha havido 
violência (...) Não raro persiste a dúvida: Será que não sou eu que estou inventando tudo isso, como 
alguns já me disseram? 
2ª o agressor tende a reproduzir seu comportamento destruidor em todas as circunstâncias de sua vida: 
em seu lugar de trabalho, com o cônjuge, com os filhos (...) Surgem assim indivíduos que deixam seu 
caminho juncado de cadáveres ou mortos-vivos; 
3ª é difícil de detectar porque as agressões são sutis, não há vestígios tangíveis (...) [e 
freqüentemente] a vítima é considerada cúmplice ou até mesmo responsável pela relação perversa (...) 
Isto é negar a dimensão de domínio que paralisa a vítima e a impede de defender-se. 
Essa natureza polimorfa da Violência Psicológica explica porque ela pode 
permear o contexto de muitas instituições (família, escola, empresa etc.) e porque 
suas vítimas são sempre os fracos de poder em cada um desses contextos (mulheres, 
crianças e velhos na família; alunos na escola; empregadas nas empresas etc.). 
Daí porque, já em 1979 e 1980, vamos encontrar na obra de Alice Miller15, a 
denúncia da crueldade em relação à infância, disfarçada sempre de educação para o 
 
14 Vitimologia é a disciplina, oriunda da criminologia, que se dedica ao estudo das razões que levam um indivíduo a tornar-se 
vítima, bem como dos processos de vitimização, suas conseqüências e direitos que o indivíduo pode reivindicar. 
15 Alice Miller é especialista de renome internacional em temas ligados à psicologia da infância e autora de inúmeras obras 
dedicadas à educação, bastante divulgadas na Alemanha, França e Estados Unidos. 
VOZES DA JUVENTUDE 
 27
próprio bem da criança. Num pequeno livro publicado na Alemanha, em 1979, e 
traduzido no Brasil como O drama da criança bem dotada (1986), Alice Miller demonstra 
como os pais podemdeformar a vida emocional dos filhos, apropriando-se e 
manipulando sua vida psíquica como se a criança fosse uma catexis narcísica do pai 
ou da mãe. Nesse ruinoso processo, a criança é amada ao preço de deixar de ser ela 
própria. Recorrendo a exemplos vários, extraídos quase sempre do mundo das Artes, 
mostra como esse processo é mais agudo em crianças bem dotadas, que, sendo mais 
sensíveis, captam melhor as expectativas dos pais, às quais procuram amoldar-se, 
sacrificando seu próprio EU. 
No livro publicado na Alemanha, em 1980, e editado na Espanha, em 1985, com 
o sugestivo título de POR TU PRÓPIO BIEN, a autora parte da afirmação de que há muitas 
formas de crueldade que até hoje não se conhecem porque o dano que causam nas crianças e suas 
conseqüências continuam sendo muito pouco estudadas. Nessa obra, a autora mostra como, ao 
longo de mais de duzentos anos, a Educação Tradicional foi plasmando uma 
pedagogia despótica16 − misto de punição corporal e humilhação − destinada a 
quebrantar a vontade da criança, a fim de domesticá-la e transformá-la em um ser 
dócil e obediente aos desígnios dos adultos. 
Recorrendo a três retratos de crianças educadas através dessas práticas 
(Cristiane F., prostituída e drogada; Jurgen Bartsch, jovem homicida alemão e Adolf 
Hitler), Alice Miller mostra quais as táticas e as conseqüências do que seria uma 
verdadeira guerra de extermínio contra o próprio EU. 
Trata-se, sem dúvida, da Violência Psicológica Doméstica, embora a autora não 
a nomeie dessa forma. Não é de estranhar que um pouco mais tarde, a literatura 
sobre Violência Doméstica contra Crianças e Adolescentes incorpore a discussão 
sobre o conceito de Violência Psicológica. Ao longo da mesma, vamos ver surgir 
termos como abuso e maus tratos17, adjetivados seja de emocional, seja de psicológico. 
Assim, alguns autores fizeram distinção entre abuso emocional e psicológico 
(O’Hagan, 1993), considerando o primeiro como todo e qualquer comportamento dos 
pais ou responsáveis abertamente hostil ou omisso em relação aos filhos e capaz de 
danificar sua auto-estima e auto-afirmação. O segundo envolveria condutas mais 
sutis (tipo perversa doçura), mas igualmente danosas à personalidade infantil. 
Já Garbarino, Guttmann e Seeley (1986), bem como McGee e Wolfe (1991) 
consideram mais adequado falar em maus tratos psicológicos para cobrir os dois 
tipos de abuso. Segundo os primeiros autores, trata-se de um ataque bem articulado − 
praticado por um adulto − e dirigido ao desenvolvimento do eu e à competência social de uma criança. 
Em 1995, a American Professional Society on the Abuse of Children assim 
definiu a Violência Psicológica: 
Um padrão repetido de interações responsável−criança ou incidentes extremos entre 
ambos, que comunicam à criança a idéia de que ela é inútil, imperfeita, mal amada, não 
desejada, em perigo ou de que só serve para satisfazer as necessidades de outrem. 
 
16 A autora denomina-a Pedagogia Negra. Para evitar interpretações equivocadas, optamos por adotar a expressão 
Pedagogia Despótica. Para maiores informações, consulte-se Azevedo, M.A. (1995). A pedagogia despótica e a violência 
doméstica contra crianças e adolescentes: onde psicologia e política se encontram. In: Azevedo, M.A. & Menin, M.S. dos S. 
(orgs.). Psicologia e Política / Reflexões sobre possibilidades e dificuldades deste encontro. São Paulo: Cortez. 
17 Conscientemente rejeitamos ambas as expressões. Para maiores aprofundamentos, consulte-se Azevedo, M.A. & Guerra, 
V.N.A. (1995). Violência doméstica na infância e na adolescência. São Paulo: Robe. 
VOZES DA JUVENTUDE 
 28
No Brasil, desde 1989, Azevedo e Guerra vêm discutindo a questão da Violência 
Psicológica Doméstica, entendida como Abuso−Vitimização Psicológica de Crianças 
e Adolescentes. Sinteticamente, as autoras reiteram a mesma conceituação em obra 
publicada em 1998: 
Também designada como tortura psicológica, ocorre quando pais ou responsáveis 
constantemente depreciam a criança, bloqueiam seus esforços de auto-aceitação, causando-
lhe grande sofrimento mental. 
O quadro a seguir permite uma visão panorâmica e comparativa das principais 
conceituações levantadas na literatura especializada. 
A discussão conceitual, porém, está longe de terminar, embora o 
reconhecimento da Violência Doméstica Psicológica já tenha ocorrido em diversos 
documentos concernentes à proteção dos Direitos da Criança: na Inglaterra e País de 
Gales, foi incorporada pela legislação em 1980; nos Estados Unidos, desde 1977, foi 
incorporada aos Estatutos de várias Unidades Federadas. 
No plano internacional, A Declaração Universal dos Direitos da Criança 
(20.11.59), em seu Princípio 9, assegura proteção à criança contra quaisquer formas de 
negligência, crueldade e exploração. Também a Convenção sobre os Direitos da Criança 
(20.11.89), ratificada pelo Brasil a 26.01.90, protege a criança contra todas as formas de 
violência física ou mental (...). No Brasil, o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 
8.069, de 13 de julho de 1990) estatui em seu art. 5º, que nenhuma criança ou adolescente 
será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade 
e opressão (...) [os grifos são nossos]. 
Na prática, porém, as conceituações se mostraram de pouca utilidade, dada a 
amplitude e nebulosidade das condutas passíveis de enquadramento como Violência 
Psicológica Doméstica. 
Os especialistas passaram, então, a empenhar-se em definir a Violência 
Psicológica Doméstica de uma forma menos genérica e mais operacional. 
Teoricamente válido, tal esforço revelou-se, porém, igualmente polêmico. 
VOZES DA JUVENTUDE 
 29 
QUADRO 1 
Mapeamento das principais conceituações de Violência Psicológica Doméstica [VPD] / (1976-2001) 
Nº de Ordem TERMINOLOGIA EMPREGADA FACETAS CONCEITUAIS 
da 
REFERÊNCIA 
BIBLIOGRÁFICA 
Abuso Maltrato Negligência Violência Outra 
Autoria Conduta Parental 
Conseqüências 
para Vítima 
Relação com 
outras 
Modalidades 
[V. Física / V. 
Sexual] 
 
emocional psicológico emocional Psicológica 
 Adulto Pais ou Responsáveis 
Irmãos Genérica Ativa Passiva Tipologia Sofrimento Dano 
1 X X X X X X 
2 X X X 
3 X X X X 
4 X X X X X 
5 X X X X 
6 X X X 
7 X X X X 
8 X X X X 
9 X X X 
10 X X X 
11 X X X X 
12 X X X 
13 X X X 
14 X X X X 
15 X X X X 
16 X X X X 
17 X X X X 
18 X X X 
19 X X X X 
20 X X X X 
21 X X X X 
22 X X X X X 
23 X X X X 
24 X X X 
25 X X X X 
26 X X X 
27 X X X 
28 X X X 
29 X X X 
VOZES DA JUVENTUDE 
 30 
Nº de Ordem TERMINOLOGIA EMPREGADA FACETAS CONCEITUAIS 
da 
REFERÊNCIA 
BIBLIOGRÁFICA 
Abuso Maltrato Negligência Violência Outra 
Autoria Conduta Parental 
Conseqüências 
para Vítima 
Relação com 
outras 
Modalidades 
[V. Física / V. 
Sexual] 
 
emocional psicológico emocional Psicológica 
 Adulto Pais ou Responsáveis 
Irmãos Genérica Ativa Passiva Tipologia Sofrimento Dano 
30 X X X X 
31 X X X 
32 X X X 
33 X X X X 
34 X X X X 
35 X X X X 
36 X X X 
37 X X X 
38 X X X X X 
39 X X X X X X X X 
40 X X X X X 
41 X X 
42 X X X X 
43 X X X 
44 X X X 
45 X X X 
46 X X X X X X 
47 X X X X 
48 X X X 
49 X X X X X X 
50 X X X X X X X X 
Totais

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