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Caruaru 2017 JOELMA SILVA DOS SANTOS DE OLIVEIRA SISTEMA DE ENSINO PRESENCIAL CONECTADO CURSO DE GRADUAÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL A PERCEPÇÃO DO ASSISTENTE SOCIAL ACERCA DO RACISMO Caruaru 2017 A PERCEPÇÃO DO ASSISTENTE SOCIAL ACERCA DO RACISMO Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Universidade Norte do Paraná, como requisito parcial para a obtenção do título de Bacharel em Serviço Social. Orientador: Prof. Maria Angela Santini JOELMA SILVA DOS SANTOS DE OLIVEIRA Dedico este trabalho a Deus, sem ele não estaria aqui, foi ele que fez meu sonho se tonar realizado. Obrigada meu Deus por tanto amor por mim. AGRADECIMENTOS A Deus por me manter de pé e sempre com esperança de dias melhores. As minhas filhas, Maria Fernanda e Maria Giovana, pela paciência e apoio sem elas não teria ido muito longe, minhas princesas lindas, amo vocês! A minha professora e tutora de curso Alexsandra Katiussia, que teve uma grande contribuição com seus conhecimentos e sempre se dispôs a me passar, sempre se disponível as minhas solicitações, que Deus a proteja sempre. A professora e amiga Ivanilda Barbosa, pelo incentivo apara voltar a estudar, foi sem dúvida de grande e fundamental importância. Ao meu esposo (in memory), sei que você estar pertinho de Deus, mais muito obrigada, pelas filhas lindas que você me deu, tenho orgulho do grande homem e grande guerreiro que foste, sei que onde estiver será sempre meu anjo, cuidando e zelando por mim e por nossas filhas, tenho plena convicção que um dia nos encontraremos. Nunca irei te esquecer! A minha família, em especial a grande mulher da minha vida, minha mãe, Marliete Maria da Silva a senhora é minha expiração de vida, de garra e de fé. A todos meu muito obrigada! Ninguém nasce odiando outra pessoa pela cor de sua pele, ou por sua origem, ou sua religião. Para odiar, as pessoas precisam aprender, e se elas aprendem a odiar, podem ser ensinadas a amar, pois o amor chega mais naturalmente ao coração humano do que o seu oposto. A bondade humana é uma chama que pode ser oculta, jamais extinta. Nelson Mandela OLIVEIRA, Joelma Maria dos Santos. A percepção do Assistente Social acerca do Racismo. 2017. 56 folhas. Trabalho de Conclusão de Curso de Graduação em Serviço Social – Sistema de Ensino Presencial Conectado, Universidade Norte do Paraná, Caruaru, 2017. RESUMO Embora se tenha diversos avanços na participação política da população negra, é notável e persistente a marginalização, o preconceito e a discriminação dessa população. A complexidade das relações raciais no Brasil revela o campo de disputas em que o Serviço Social é chamado a intervir, pois o projeto ético-político que orienta o trabalho profissional do assistente social é portador de uma direção social na perspectiva da emancipação dos sujeitos coletivos. Este trabalho é resultado da pesquisa e da reflexão sobre o racismo no Brasil e o trabalho do assistente social, dialogando com a percepção dos profissionais acerca do racismo, do preconceito e da discriminação racial no seu trabalho cotidiano. Sendo assim o desenvolvimento do trabalho de conclusão de curso está pautado no racismo sofrido pelas classes menos favorecidas e a percepção do assistente social pautado no código de ética da profissão. Com tudo, sabemos que o racismo e as teorias racistas não surgiram do nada, elas possuem uma história própria e é dentro dessa história que faremos um levantamento para tentar compreender o racismo velado nos dias de hoje. Palavras-chave: Assistente Social. Diáspora. Discriminação. Racismo. OLIVEIRA, Joelma Maria dos Santos. A percepção do Assistente Social acerca do Racismo. 2017. 56 folhas. Trabalho de Conclusão de Curso de Graduação em Serviço Social – Sistema de Ensino Presencial Conectado, Universidade Norte do Paraná, Caruaru, 2017. ABSTRACT Although there have been several advances in the political participation of the black population, it is remarkable and persistent the marginalization, prejudice and discrimination of this population. The complexity of racial relations in Brazil reveals the field of disputes in which the Social Service is called upon to intervene, since the ethical-political project that guides the professional work of the social worker carries a social direction in the perspective of the emancipation of the collective subjects. This work is the result of research and reflection on racism in Brazil and the work of the social worker, dialoguing with the professionals' perception about racism, prejudice and racial discrimination in their daily work. Thus, the development of the course work is based on the racism suffered by the less favored classes and the perception of the social worker based on the code of ethics of the profession. All in all, we know that racism and racist theories did not come out of nowhere, they have a history of their own and it is within this history that we will make a survey to try to understand veiled racism these days. Keywords: Social Worker. Diaspora. Discrimination. Racism. LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS ABNT CRAS Associação Brasileira de Normas Técnicas Centro de referência de assistência Social LOAS UNOPAR Lei Orgânica da Assistência Social Universidade Norte Unopar SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 13 2 CAPITULO I - HISTORIA DO BRASIL: DA DIÁSPORA AO RACISMO VELADO..15 3 CAPITULO II - A QUESTÃO RACIAL NA ATUALIDADE........................................26 3.1 O racismo na área de educação, Saúde e Assistência Social.............................29 4 CAPITULO III - O PAPEL DO ASSISTENTE SOCIAL NA LUTA PELO FIM DO RACISMO...................................................................................................................33 5 CAPITULO V - O BRASIL E O ENFRENTAMENTO PARA A EQUIDADE IGUALDADE DAS QUESTÕES RACIAIS..................................................................44 5.1 Politicas Publicas de promoção a igualdade racial..............................................44 5.2 O papel do assistente social na promoção da igualdade racial...........................49 6 CONSIDERAÇOES FINAIS....................................................................................54 REFERÊNCIAS..........................................................................................................55 13 1 INTRODUÇÃO O racismo no Brasil é crime previsto na Lei n. 7.716/1989, e inafiançável e não prescreve, ou seja, quem cometeu o ato racista pode ser condenado mesmo anos depois do crime. O Código de Ética Profissional do Assistente Social, aprovado em 1993, é o primeiro código profissional do Serviço Social que introduz a questão da não discriminação comoum de seus princípios fundamentais. Isso remete a uma reflexão acerca da importância atribuída à ética e aos direitos humanos no interior do projeto ético-político a partir dos anos 1990, fortalecendo as bases para o desenvolvimento de um debate sobre a questão étnico/racial no cotidiano do assistente social. Na história contada sobre o país há uma lacuna importante quanto ao destino da população negra após a abolição, fruto do silêncio que insiste em ratificar que a injustiça cometida contra essa parcela da população cessou com o fim da escravatura. A atribuição de cor aos indivíduos, prática comum no Brasil e que fundamenta a construção de grupos de cor pelos sociólogos, longe de prescindir da noção de "raça", pressupõe uma ideologia racial e um racismo muito peculiares. (Guimarães, 1999, p. 20) A discriminação racial materializa o preconceito racial que é a manifestação comportamental baseada no juízo de valor, socialmente construído e destituído de base objetiva. O racismo continua sendo uma implacável e deprimente questão dos nossos tempos. São poucos os temas, se é que há outros, que demandam tanta atenção e esforço com tão poucos frutos. Toda vez que "baixamos a guarda", uma nova descoberta revela a complexidade, a virulência e a absoluta obstinação daquilo que notadamente tornou-se o problema do século XX. (Cashmore et al., 2000, p. 11) A população negra ainda vive, majoritariamente, em situação de vulnerabilidade social, suscetível a mortes violentas, a agressões e abusos de autoridade, bem como invisível, nas suas especificidades, para as ações das políticas públicas, principalmente na área da saúde, educação, assistência social, habitação, nas artes e na mídia. 14 Há uma dificuldade em trazer à tona a discussão étnico-racial na trama de relações sociais, na sociedade burguesa, profundamente marcada pelo discurso da "democracia racial" e pelo racismo camuflado que também aliena a população negra, bloqueando seus processos de conscientização, participação e organização política (Pinto, 2003). Entretanto, diante das conquistas históricas do projeto ético-político, expressas eticamente no Código de Ética de 1993, a busca de efetivação dos princípios que norteiam o trabalho do assistente social é um imperativo ético a ser perseguido. O combate ao racismo institucional e à discriminação por questões de raça/etnia se inscreve nessa lógica, e a questão racial pode ser debatida se as concepções teóricas que culminaram naquela construção forem devidamente apropriadas. O racismo consiste na atribuição de uma relação direta entre características biológicas e qualidades morais, intelectuais ou comportamentais, implicando sempre em uma hierarquização que supõem a existência de raças humanas superiores e inferiores. Fatores como a cor da pele ou o formato do crânio são relacionados a uma série de qualidades aleatórias, como a inteligência ou a capacidade de comando. Discursos racistas historicamente têm servido para legitimar relações de dominação, naturalizando desigualdades de todos os tipos e justificando atrocidades e genocídios. Temos com objetivos, compreender o impacto do racismo na vida social do individuo, com a percepção do assistente social, refletindo sobre as consequências que o racismo traz para a vida do indivíduo, entender como o assistente social pode intervir no racismo institucional e os motivos do racismo através da história do brasil. O trabalho de conclusão de curso trata-se de uma pesquisa de natureza bibliográfica qualificativa, pois visa fazer um levantamento de dados sobre as motivações de um grupo, e compreender e interpretar determinados comportamentos, a opinião e as expectativas dos indivíduos de uma população. Para começarmos fiz um levantamento bibliográfico em diversos sites que abordam o tema, li alguns livros sobre o assunto, para que assim pudessem reunir conhecimento adequado acerca do tema, e assim desenvolver o projeto de pesquisa. 15 2 CAPITULO I - HISTÓRIA DO BRASIL: DA DIÁSPORA AO RACISMO VELADO Uma saga de luta por inclusão o, por respeito, dignidade e vida, é o que nos oferece a história do Brasil, em relação a vida dos negros na sociedade brasileira. Isso nos leva a refletir sobre a história de luta do povo negro, pois por muitos e muitos anos a História do Brasil, esteve presa a conquistas portuguesas e a narrativa elogiosa sobre o empreendimento do homem branco no novo continente. E por muitos anos, a sociedade branca, adotou a ideia do descobrimento do Brasil, para romantizar a invasão europeia das terras indígenas, diminuindo assim a cultura e a sociedade que aqui existia me 1500, e trazendo a força a população negra como escravos, essa ideia permitiu que muitas gerações encarassem a crueldade da escravidão como algo natural ou um mal necessário. A situação que os negros encontraram no Brasil foi de repressão, opressão e trabalho escravo, ambiente próprio para desenvolver no povo um ar de inferioridade, na cultura, na religião, na vida em geral, daí o porquê de hoje se ver a luta por resgatar os valores negros, visto que a cultura negra tem muito a nos oferecer, anos negros e ao mundo civilizado, isto é, aqueles que sabem respeitar as diferenças em todos os âmbitos ainda que não comunguem desta. (NERI) Com isso, abrem-se os capítulos sobra a vida das populações negras que vieram a força para o nosso país. Sendo assim podemos falar sobre os portugueses, pois eles foram o segundo povo a viver em nessas terras. Foram eles que, dominaram, massacraram, roubaram e ludibriaram os índios, explorando assim nossas riquezas naturais, dessa forma influenciaram diretamente e de maneira determinante a nossa formação. O que não acontecia, no Brasil de 1500, ou seja, na época da sua descoberta, era o respeito dos Europeus pelas identidades culturais da população africana, pois africanos tinham sua própria forma de viver em sociedade, de enfrentar suas dificuldades, ou seja, tinha sua própria cultura, cada grupo africano, tinha suas leis, seus hábitos, seus costumes, seus sentimentos, suas crenças. Assim, foi utilizando a força física que os portugueses, guiados por interesses 16 econômicos, impuseram aos outros povos suas próprias formas de organização social, sem o mínimo de respeito a cultura deles. A partir do século XVI o tráfico de africanos para o Brasil tornou se um negócio altamente lucrativo para comerciantes dos dois lados do Atlântico. Eram, pois, os africanos, mercadoria de alto valor na época. Para isso concorria, de certo, sua fácil adaptação a faina agrícola, uma vez que, acostumados a outras condições de vida, decorrentes de civilização maias adiantada, seus hábitos e temperamento muito diferiam do nomadismo indígena. [...] (LUNA, 1968, p. 16) Nessa perspectiva, Amaral (2011), nos conta sobre essa diáspora: Os africanos eram capturados nas planícies africanas e levados até o litoral. Lá chegando, ficavam acondicionados em galpões durante semanas à espera de um navio negreiro. Esta era também chamado de tumbeiro, dado o elevado número de mortes ocorridas durante a travessia do Atlântico. Quando o navio negreiro aportava, eram embarcados no porão em grupos de 300 a 500 indivíduos, em uma viagem que poderia durar de 30 a 50 dias. Para que coubessem mais pessoas, os suprimentos eram diminuídos. (p. 11) Podemos perceber que o que marcou o processo de colonização no Brasil, foi a chegada das africanas e africanos. Primeiramente os portugueses foram até os países africanos, sequestrando o seu povo, em massa, para os recém-criados engenhos, para poder escravizar os africanos,como estratégia os portugueses incentivaram a rivalidade entre as diferentes nações africanas. Assim tiravam o proveito do próprio legado, que era a posse de prisioneiros, através da troca de armas. Desembarcados no Brasil, nos portos de Recife, Salvador, Rio de Janeiro e São Vicente, os africanos escravizados eram distribuídos para as diferentes localidades para realizar todo tipo de trabalho. Começaram trabalhando no litoral, no corte do pau-brasil e, posteriormente, no trabalho nos engenhos de cana-de-açúcar. Depois, foram levados para o interior do território e regiões longínquas para trabalhar na mineração, na criação de gado, no cultivo de cacau, nas charqueadas, na exploração das “drogas do sertão”. Trabalhavam também no serviço doméstico, nas construções públicas de todos os tipos e no comércio de gêneros alimentícios. (Amara, 2001 p. 12) 17 Nesse sentido, percebemos que a escravidão portuguesa era, antes de tudo, uma pratica de tentar transformar pessoas em objetos e animais, usando de uma teoria de posse sobre a vida do outro. Assim a escravidão portuguesa, nasceu e se desenvolveu através da ganancia capitalista, contida na colonização portuguesa. Essa escravidão se baseava na restrição da liberdade, e de suas futuras gerações, como também na desapropriação de todos os seus bens materiais e imateriais. Assim Amaral (2011, pag. 13), ressalta que: É necessário ressaltar que a coisificação do escravo era uma ideologia senhorial, não refletia a visão de homens e mulheres escravizados. Estes nunca perderam a sua humanidade: amaram, buscaram constituir suas famílias, valorizaram os laços de parentesco e de amizade, cultuaram seus deuses, lutaram por melhores condições de vida e não se conformaram com a escravidão. Prova de que os homens e mulheres escravizados não se conformavam com a escravidão era a necessidade do uso da violência física como forma de manter a dominação. Qualquer ato de desobediência dos escravizados era respondido com o castigo físico exemplar, através do qual o senhor pretendia reafirmar o seu poder, marcando no corpo do escravizado a sua submissão. Isso significa dizer que nos moldes portugueses, o escravo era um ser impedido, através da violência, de ter acesso à terra, de ter uma moradia, de ser recompensado pelo seu trabalho, de praticar sua religião, seus hábitos, etc. essa escravizou marcou profundamente, as relações sociais, desde o período Colonial, passando pelo Monárquico e pelo Republicano, com reflexos até nos dias de hoje. A crueldade do processo de escravidão portuguesa começava na negociação, a viagem acorria nos chamados navios negreiros, esses navios traziam em média quatrocentas pessoas, sob péssimas condições de sobrevivência, mal alimentados, privados de higiene e amontoados. Souza descreve que (2008, p.84): “Além de serem afastados das aldeias nas quais cresceram e que eram o centro de seu universo, muito poucas vezes conseguiam se manter próximas de conhecidos e familiares mesmo quando todos eram capturados juntos”. Depois de capturados, em sua terra de origem, os que seriam vendidos, eram ligados, uns aos outros com elos de ferro que impediam as possíveis 18 tentativas de fuga. Iniciavam a marcha até o porto, muitas vezes açoitados. O alimento e a água eram insuficientes, pois não se podia gastar muito tempo para alimentação, diante da pressa dos compradores. Os maus tratos e indiferença por suas vidas ocasionavam muitas mortes pelo caminho. Essas, quando ocorriam, o cadáver era desprendido da argola de ferro e jogado em um ponto qualquer do caminho. Os que sobreviviam eram levados ao navio, atirados nos porões onde os espaços eram mínimos e tão escuros que não se sabia se era dia ou noite. (Lima, 2010 p. 5) Percebemos que nessas viagens de terror, a pessoa se quer podiam comunicar-se, eles eram separados conforme a sua origem, ou a sua linguagem e costume, para se evitar assim o fortalecimento entre eles e possíveis tramas de revoltas. Empilhados nos porões, recebendo parcas rações de comida e de água, era natural que o morticínio fosse acentuado. Perdia-se, invariavelmente, 10% da carga, na melhor das hipóteses, e casos houve em que morreu a metade dos indivíduos transportados. Amontoados no porão, quando o navio jogava, a massa de corpos negros agitava-se como um formigueiro, para beber um pouco desse ar lúgubre que se escoava pela estilha gradeada de ferro. (MACEDO, apud. MARTINS, 1974, p. 29) Ao chegarem no rio de janeiro, eram colocados à venda e anunciavam: “negros fortes, bons e moços, chegados na última nau.” (MACEDO, 1974). Lima (2010 p. 8) coloca que, “a chegada dos compradores fazia parte de um ritual considerado inconcebível nos dias de hoje; os músculos dos negros eram apalpados, tinham os lábios levantados para o exame dos dentes e eram obrigados a saltar, dançar, para que fosse examinado seu vigor físico.” Vale ressaltar, o preço dos escravos era definido pelo sexo, idade e especialização, mas dependia, sobretudo, de sua condição física. O destino dessas peças estava nas mãos dos senhores, que podiam alugar, vender, hipotecar, segurar ou penhorar suas novas propriedades. (MOURA, 1996) Arrancados e separados, das suas terras e familiares, como animais, ao atravessar o Oceano Atlântico, perdiam seus nomes de batismo, sendo rebatizados com nomes de santos da igreja católica, ao chegar no porto era levado para os mercados de negros, e expostos a venda, para depois suportar todos os açoites e desrespeito possíveis e impossíveis, por parte de capatazes, feitores, 19 capitães do mato e senhores. O mundo dos escravos se resumia ao trabalho, único, estafante e obrigatório. No entanto, havia os que possuíam alguma habilidade, ou a adquiriam e eram os escravos urbanos, mais bem tratados. Esse é o universo das mucamas, pajens, amas-de-leite, amas-secas, cozinheiras, cocheiros, lavadeiras, copeiros e garotos de recado. No entanto, esses cativos representavam uma minoria e não raro distanciavam- se dos demais. Uma velha ladainha dizia: Negro no eito vira copeiro, não ia mais para seu parceiro. (MOURA, 1996, p.12) A vida dos escravos, não era apenas submissão, muitos deles rebelavam-se e carregava consigo o desejo de vingança, muitos deles suicidavam- se, fugiam e até mesmo massacrar as famílias dos senhores, ou poderia ser de forma mais pacifica através de uma negociação de uma carta de alforria. A maioria das cartas de alforria era onerosa, pelas quais o escravo deveria pagar uma quantia em dinheiro para ressarcir o prejuízo do proprietário ou recompensá-lo indiretamente com a prestação de serviços, permanecendo em sua companhia até a morte, servindo e não “ser ingrato ou dar desgosto. (MATTOS, 2007, p 122.) Assim sabemos que a alforria poderia ser paga ou ser gratuita, nesse caso quase não acontecia. Em relação as revoltas Lima (2010, p. 11), coloca que: As formas de resistência não partiam apenas de grandes e programadas insurreições, de levas de escravos. Na sua maioria eram de pequenos grupos ou até mesmo de escravos solitários que se aventuravam, embrenhando-se nas matas e não poucas vezes morriam de fome, isso quando não retornavam ou eram resgatados. Há de se considerar que após a revoltas de escravos em certos lugares, em alguns casos passou a haver um temor da força dos grupos que se uniam e na calada da noite planejavam revoltas. Os africanos escravizados, quando conseguiam fugir passavam a viver em locais denominado quilombo, que inicialmente era apenas um esconderijo, passou a ser um local temido pelos brancos que por ali se aventuravam, sendo 20 assim osquilombos mais conhecidos, e de maior resistência foi o Palmares e o Zumbi. Palmares e Zumbi se tornaram importes símbolos da resistência contra a escravidão, sendo exemplo mais espetacular de um tipo de ação largamente adotada pelos escravos de todo o período escravista. Os quilombos, nos quais os escravos fugidos reconquistavam sua liberdade, podiam estar afastados de qualquer núcleo de colonização ou mais próximos de um arraial ou uma cidade. Nos mais isolados, os quilombolas viviam do cultivo da terra, da caça, da pesca, produzindo seus tecidos, seus potes, suas cestas, seus instrumentos de trabalho e armas. (SOUZA, 2008, p. 98) No quilombo, eles tinham sua organização e sua lei, não era admitido o roubo ou a traição, sendo esses dois passível de punição com a morte. Palmares e Zumbi se tornaram importes símbolos da resistência contra a escravidão, sendo exemplo mais espetacular de um tipo de ação largamente adotada pelos escravos de todo o período escravista. Os quilombos, nos quais os escravos fugidos reconquistavam sua liberdade, podiam estar afastados de qualquer núcleo de colonização ou mais próximos de um arraial ou uma cidade. Nos mais isolados, os quilombolas viviam do cultivo da terra, da caça, da pesca, produzindo seus tecidos, seus potes, suas cestas, seus instrumentos de trabalho e armas. (SOUZA, 2008, p. 98) Os quilombos eram cheios de cultura, e religiosidade. Toda a história do Brasil que se conhece, com raras exceções, ainda não aprofundou na trajetória da origem étnica negra em nosso país. A decantada abolição da escravatura não conseguiu livras os negros da discriminação racial e suas consequências, tais como, a exclusão e a miséria. A discriminação de aspectos cruéis e efeitos inimagináveis emergiu após treze de maio. A opressão continuou durante várias décadas. (Lima 2010, p. 17) Lima (2010), coloca que o primeiro passo para se alterar a trajetória dos africanos no Brasil, foi a Lei Eusébio de Queiróz, promulgada pelo mesmo, então Ministro da Justiça entre1848 e 1852. Aprovada 7 em 4 de setembro de 1850 devido à pressão exercida pela Inglaterra, que foi o principal motivo para que a lei fosse sancionada. 21 [...] as dificuldades da após-Abolição, com a grande massa de libertos sem ter o que fazer, entregues à própria sorte, não foram cogitadas no momento devido e tiveram como resultado a desorganização geral que se verificou depois, prejudicando fundamentalmente a vida nacional. (LUNA, 1968, p. 203) Conforme descrição de Luna (1968, p.207): Da cidade foi o negro, realmente, escorraçado. Com a intensificação da imigração, os trabalhadores estrangeiros, que gozavam da preferência dos empregadores, passavam a se concentrar nos centros urbanos mais desenvolvidos. A região sul, pelas suas condições climatéricas e melhores possibilidades oferecidas pelo mercado de trabalho, foi a que mais atraiu o imigrante europeu. As cidades de São Paulo, Curitiba e Desterro (hoje Florianópolis) foram, aos poucos, transformando velhos hábitos e costumes pelo processo de europeização. À medida que isso acontecia, aumentavam as dificuldades para negros e mulatos no mercado de trabalho, atingindo também os demais. Depois das Leis e consequentemente da liberdade dos escravos, Luna descreve: A importação não cessou até as vésperas da Abolição. Embora vigorassem leis proibitivas, os negreiros sempre encontravam meios de burlá-las, geralmente, com a complacência das próprias autoridades, o que não é de estranhar, sabendo-se que a classe dominante era constituída de senhores de escravos, fazendeiros de café e donos de engenhos, seus parentes e aderentes, transformados, de uma hora para outra, em nobres da Colônia e do Império [...] (LUNA, 1968, p.98) Mesmo com a “abolição” da escravatura, ainda foram décadas para que fossem tomadas medidas para reverter a situação da pessoa escravizada. Em todo o país existem descendentes afro que vivem do cultivo da terra, em comunidades que relembram os quilombos. São os chamados quilombos contemporâneos. Lima (2010), relata que: no Brasil constata-se que, por ter sido seu trabalho a força motriz que impulsionou o progresso das classes dominantes séculos atrás, foi o que deu a eles esta situação de desigualdade diante dos brancos. As disparidades são evidentes no aspecto social e aliadas a esta 22 desproporcionalidade convive-se com o preconceito. Araújo comentou: Penso, por fim, na ambiguidade desta nossa história de que são vítimas os negros, numa sociedade que os exclui dos benefícios da vida social, mas que, no entanto, consome os deuses do candomblé, a música, a dança, a comida, a festa, todas as festas de negros, esquecida de suas origens. E penso também em como, em vez de registrar simplesmente o fracasso dos negros frente às tantas e inumeráveis injustiças sofridas, esta história termina por registrar a sua vitória e a sua vingança, em tudo o que eles foram capazes de fazer para incorporar-se à cultura brasileira. Uma cultura que guarda, através de sua história, um rastro profundo de negros africanos e brasileiros, mulatos e cafuzos, construtores silenciosos de nossa identidade. E não se pode dizer que não houve afetividade ou cumplicidade nessa relação. A mestiçagem é a maior prova dessa história de pura sedução, da sedução suscitada pela diferença, que ameaça e atrai, mas acaba sendo incorporada como convívio tenso e sedutor, em todos os momentos da nossa vida. Tudo isso é memória. Tudo isso faz parte da nossa história. Uma história escamoteada que já não poderá mais ficar esquecida pela história oficial. (ARAUJO. 2007, p.5) Assim, hoje no país a população negra sofre com o racismo velado, é preciso contar sua história. Não apenas os relatos de sofrimento diante das chibatas na clausura desumana das senzalas, mas a história de seus feitos, suas glórias, sua ascensão na sociedade. [...] em nosso país, apesar de todos se dizerem avessos ao racismo, não há quem não conheça cenas de discriminação ou não saiba uma boa piada sobre o tema. Ainda hoje o trabalho manual é considera aviltante e a hierarquia social reproduz uma divisão que data da época do cativeiro. Com naturalidade absorvemos a ideia de um elevador de serviço ou de lugares que se transformam em verdadeiros guetos raciais. É por isso que não basta condenar a história, ou encontrar heróis delimitados. Zumbi existe em cada um de nós. É passado e é presente. (MOURA. 1996. P.30) O Brasil, é um pais desigual, isso é comprovado através da história do descobrimento do país, como também através da análise de qualquer dado socioeconômico, os africanos trazidos como escravo para o Brasil, sofreram desde a captura até o momento de sua morte, deixando para nos brasileiros heranças culturais riquíssimas. A abolição da escravidão, em 13 de maio de 1888, não constituiu 23 uma mudança qualitativa na estrutura social do Brasil. Ao contrário, aumento as desigualdades entre o povo “Branco” e os afrodescendentes. Para aumentar ainda mais essa desigualdade no dia 15 de novembro de 1889, data marcada pela proclamação da república, fato que estimulou os projetos idealizadores, assim: “O projeto de nação elaborado pelas elites brasileiras nas décadas finais do século XIX e início 4 deste [século XX] tinha na exclusão de parcela da população brasileira um dos pontos centrais.” (Oliveira, 2000: p. 7) Um desses projetos idealizadores abordou a questão da mestiçagem: “[...] a ideia da mestiçagem tida ora como meio para estragar e degradar a boa raça, ora como meio para reconduzir a espécie a seus traços originais; as ideias sobre a degenerescência da mestiçagemetc., todo o arcabouço pseudocientífico engendrado pela especulação cerebral ocidental repercute com todas as suas contradições no pensamento da elite intelectual brasileira.” (MUNANGA, 2008: p. 47) Mananga (2008) aponta que a produção discursiva da elite intelectual do Brasil, do final do século XIX à meado do século XX, foi desenvolvida num modelo “racista universalista”. A consequência maior dessa ideia de mestiçagem é os racimos. “A discriminação pode ser mais sistêmica em vez de pessoal, e, por conseguinte, mais difícil de identificar e de compreender, quando está internalizada e naturalizada por discursos de que se vive num país miscigenado. Algumas vítimas negam que estejam oprimidas ou então aceitam sua condição, como se fosse um destino que a vida lhes proporcionou. Outras reagem oprimindo aqueles que estão “abaixo” delas.” (SANTOS, 2012: p. 30) Hoje, vemos um a enorme taxa de mortalidade da população negra, a renda per capita dos “brancos” é duas vezes maior que a do negro, o número de negros alfabetizados é menor que a da população “branca”, e a desigualdade é muito maior, quando analisamos a população negra feminina. Tudo isso é reflexão de um passado de injustiças e coisificação da pessoa inicial que foi a africana transformados em escravos. 24 As consequências do racismo no Brasil, enquanto mecanismo de dominação política, cultural e social, não implicam apenas na segregação socioeconômica dessa população, mas também funciona como um mecanismo estrutural de entnocídio e genocídio da população negra, desde o início da colonização portuguesa até os dias atuais. A nova política cultural brasileira cria imensas possibilidades e muitas demandas para o Estado e para a sociedade. O racismo é a expressão, da classificação social que promove a desigualdade. A distribuição desigual de bens, de saber, de poder, de prestigio e de riqueza promove, também a discriminação social da população negra. Psicologicamente o negro rejeita sua origem étnica, vive um conflito de identidade imposto pelo sistema que insiste em denominá-lo de “moreno”, “pardo”, “crioulo” “escurinho” “de cor”, etc. e não tem conhecimento da história de luta de seu povo porque quase nada é registrado pela historiografia oficial Hoje, o estado brasileiro, adota políticas especiais para localizar e identificar obstáculos colocados à mobilidade da população negra procurando combatê-los com medidas concretas. O Programa de Governo deverá conter propostas que contribuam para o avanço na luta contra o racismo e pela superação da discriminação, do preconceito e a exploração racial. O preconceito e discriminação da população negra é expressiva e por muitas vezes latente. A partir da segunda metade da década de 1990 acelera-se um processo de mudanças acerca das questões raciais, marcado fortemente por uma aproximação entre o Movimento Negro e o Estado brasileiro. É a partir deste momento que as reivindicações por ações mais concretas para o enfrentamento das desigualdades raciais começam a ser cobradas. Dois acontecimentos — um de âmbito nacional e outro, internacional — são destacados consensualmente pelos estudiosos do tema como momentos importantes desse processo: a Marcha Zumbi de Palmares contra o Racismo, pela Cidadania e a Vida, em 1995, ano de comemoração do tricentenário da morte de Zumbi dos Palmares, e a Conferência de Durban, em 2001. (Lima, 2010) Por outro lado, temos o sistema educacional brasileiro que é elitista, sexista e racista. Possui um currículo escolar que não contempla a verdadeira história do negro, desde suas origens africanas até o fato de ter sido o segundo 25 trabalhador no Brasil, os primeiros foram os povos da floresta, e o que deveria ser motivo de orgulho passa a ser motivo de vergonha por que a historiografia passa para o educando em geral que os negros se submeteram à escravidão, e quase nada é contado sobre a grande resistência negra e as inúmeras revoltas contra a escravidão. As condições de saúde da população negra são agravadas dadas as péssimas condições de vida: péssimas habitações, que provocam, pela falta de saneamento básico, etc., as mais diversas doenças, além dos problemas acarretados pelo trabalho extenuante e insalubre, pela pressão psicológica sofrida (assédios) diariamente em decorrência da rejeição experimentada que provoca desajustes emocionais que tem como consequência problemas de saúde mental, hipertensão, enfarte e derrames, além dos colapsos cardíacos. A contribuição do negro para a formação da cultura brasileira, que é repleta de raízes africanas trazidas pelos negros escravizados no Brasil, é marcante. Entretanto não é valorizada, uma vez que a visão etno-eurocêntrica existente na sociedade colabora muito para isto. A herança rural, a manutenção de privilégios de classe, o pouco investimento e/ou o investimento tardio na educação, bem como o desigual acesso à estrutura de oportunidades, constituíram o cenário de extrema desigualdade que caracterizou por décadas a sociedade brasileira. Nos últimos quinze anos, tornou-se necessário discutir de forma mais efetiva a implantação de políticas sociais com vistas a minimizar um quadro considerado inaceitável para um país como o Brasil. Da mesma forma, o cenário em que as políticas afirmativas foram consolidadas é fruto de profundas e permanentes desigualdades raciais. O Estado brasileiro não se ateve ao problema de promoção de acesso da população negra à estrutura de oportunidades, bens e serviços no país, até mesmo no momento em que ganhou corpo o debate sobre as desigualdades raciais e os processos discriminatórios da sociedade brasileira, tanto pela militância como pela academia. (Lima, 2010). A dificuldade de acesso ao poder, pela população negra, é preocupante, sabemos que existem diversas leis que tentam minimizar a desigualdade da população negra em relação a “branca”, o ultimo mecanismo lançado para tentar minimizar as desigualdades, foi o Estatuto da Igualdade Racial, o estatuto visa orientar as políticas públicas, para promover a igualdade racial e eliminar o racismo. 26 Nossa última constituição coloca a discriminação racial como um crime inafiançável. Entre nossas discussões proferimos, ao mesmo tempo, horror ao racismo e admitimos publicamente que o Brasil é um país racista. Tal contradição indica que nosso racismo é velado e, nem por isso, pulsante. Queremos ter um discurso sobre o negro, mas não vemos a urgência de algum tipo de mobilização a favor da resolução desse problema. Ultimamente, os sistemas de cotas e a criação de um ministério voltado para essa única questão demonstram o tamanho do nosso problema. Ainda aceitamos distinguir o negro do moreno, em uma aquarela de tons onde o último ocupa uma situação melhor que a do primeiro. Desta maneira, criamos a estranha situação onde “todos os outros podem ser racistas, menos eu... é claro!”. Isso nos indica que o alcance da democracia é um assunto tão difícil e complexo como a nossa relação com o negro no Brasil. Porém, temos que entender que o estatuto e as outras leis sejam seguidos, as populações em geral precisam saber que elas existem, o que elas dizem, e que direitos e politicas elas propõem, e precisamos lutar e cobrar para que elas sejam cumpridas e postas em pratica, por toda a população brasileira. 3 CAPITULO II - A QUESTÃO RACIAL NA ATUALIDADE Segundo o dicionário online de português, preconceito é a forma de pensamento na qual a pessoa chega a conclusões que entram em conflito com os fatos por tê-los prejulgado. O preconceito existe em relação a quase tudo e varia em intensidade da distorção moderadaa um erro total. A sociedade caracteriza-se por uma pluralidade étnica, formado por três grupos distintos: portugueses, índios e negros de origem africana. As diferenças levaram a formação de hierarquia de classes e o prestígio social entre ambos. Os índios e negros estão em situações de desigualdade, ou seja, são exclusos do meio social em que vivem. O complexo de raça ou cor é um elemento de controle e hierarquia social, a inclusão da cor a ser considerado em estudos sobre relações sociais, passa 27 a ser importante como indicador da existência de desigualdades. O preconceito racial é a convicção que existe em relação a cor da pele. É um conceito adquirido ao longo da história. Esse conceito subtende ou afirma que existe raças puras, que são superiores às demais, ou seja, o preconceito racial perverte uma singularidade das raças e enxerga essas deferências como algo que separa os indivíduos uns dos outros, como um grupo inferior ao outro. Segundo alguns dispositivos constitucionais, capitulo I, Artigo 5º, temos o direito de viver, ser livre, de ter sua casa, de ser respeitado como pessoa, de não ter medo, de não ser discriminado pela opção sexual, de sua cor, idade, trabalho, da sua cidade de origem, mas isso não é posto na prática muitas pessoas já sofreram algum tipo de preconceito. Quando falamos em preconceito racial, as maiores vitimas são os negros. O preconceito racial tem moldado as sociedades contemporâneas, na verdade, o preconceito tem moldado as sociedades desde o inicio dos tempos. Até mesmo na Bíblia podemos observar indícios de preconceito, vemos que certos povos tinham sido dominados devido às suas diferenças, além de implementações espirituais. Sempre que há diferenças, há o medo, a intolerância e a injustiça. Na teoria, o preconceito racial era pra ter acabado quando a Princesa Isabel assinou a lei Aurea, onde libertava todos os negros da escravidão, mas na realidade eles são exclusos e discriminados. Os antecedentes históricos podem ser considerados como prova de que o negro sempre foi discriminado em todos os aspectos, não tinham, por exemplo, direito nem sobre seus filhos, pois estes na hora do nascimento eram considerados propriedades dos senhores. A população de nosso país possui uma diferença de raça, e no fundo, todos tem um pouco do índio, do negro, do amarelo e do branco. Diante de tudo, se faz necessário levantar os aparatos legais que nos mostra um viés do combate ao racismo. A Constituição Federal brasileira tem embasamento forte no Art. 1º, III, que trás entre outros o fundamento da dignidade da pessoa humana. O fundamento por si só já bastaria para o legislador criar lei acerca do tema “racismo”, mas como podemos observar, o tema se estende ao longo do texto constitucional. Vejamos o Art. 3º que também trata o assunto: 28 “Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I – Construir uma sociedade livre, justa e solidária; (...) III – Erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV – Promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”. Nas relações internacionais a Constituição Federal, expressa no Art. 4º, VIII, o repúdio ao racismo. Mas o tema é tratado de forma direta no Art. 5º, XLII que traz o texto: prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei. Em uma análise reflexiva, rápida e não muito profunda das referências acima citadas, podemos concluir que nossa carta constitucional condena de forma absoluta qualquer forma de preconceito ou discriminação, chegando ao ponto de ter sido inserida em seu texto de forma expressa que o racismo constitui crime, e não mera contravenção, como era tratada antes da promulgação da Constituição Federal de 1988. No ordenamento jurídico brasileiro, vindo para regulamentar o Art. 5º, XLII, da Constituição Federal, que trata e define o ato racista como crime, a lei 7.716 de 05/01/1989 – Lei do Crime Racial – de autoria do então parlamentar Carlos Alberto Caó, norma apelidada de “Lei Caó”, é considerada um grande e expressivo avanço jurídico e político na tentativa de diminuir e erradicar as desigualdades raciais no país, pois a lei caracteriza e especifica as atitudes que podem ser consideradas racismo, mas não apenas a tipificação do ato racista, mas também o fato de tratar o racismo como crime, e consequentemente trazendo maior rigor à pena que sofre aquele que pratica o ato racista, se comparada a sua antecessora, a lei 1.390 de 03/07/1951 – Lei Afonso Arinos, que tratava o racismo como mera contravenção. O tema racismo ainda não está totalmente claro em seus aspectos formais para a sociedade, principalmente quando se trata da lei. Mesmo com implantação de legislação contra o racismo, existem aqueles que não sabem diferenciar determinadas atitudes como sendo prática de crime de racismo ou não. 29 Uma das maiores confusões que as pessoas normalmente cometem é confundir racismo com injúria racial. Injúria racial – art. 140, §3º do Código Penal Brasileiro – ocorre quando são expressadas ofensas a uma pessoa tendo como motivação, entre outras, a raça. O exemplo mais comum relacionado ao fato é chamar um negro de “macaco”. Esse exemplo já ocorreu em vários casos no futebol – como na matéria jornalística em análise – em que jogadores foram ofendidos dessa mesma forma. No exemplo citado e de acordo com a lei, os casos seriam julgados como injúria racial, onde há a lesão da honra subjetiva da vítima. Injúria racial tem pena de um a três anos e multa. Já o racismo é mais grave, sendo crime inafiançável e imprescritível. Para o crime ser considerado como racismo, aquele que o pratica tem que menosprezar a raça de alguém, seja por impedimento de acesso há determinado local ou negar emprego baseado na raça da pessoa. Como exemplo, pode-se considerar o impedimento da matrícula de uma criança em uma escola por ela ser negra, ou negar trabalho a certo alguém pelo mesmo motivo. Racismo tem pena de um a cinco anos mais multa dependendo do ato tipificado na Lei 7.716, Lei do Crime Racial. Resumidamente, o racismo impede a prática do exercício de um direito que o indivíduo possui, tendo como motivo a discriminação da raça. A injúria racial se determina pela ofensa às pessoas com base na raça. 3.1 O racismo na área de educação, Saúde e Assistência Social É notório que o racismo no Brasil em pleno século XXI ainda é real. O racismo é a tendência do pensamento, ou o modo de pensar, em que se dá grande importância à noção da existência de raças humanas distintas e superiores umas às outras, normalmente relacionando características físicas hereditárias a determinados traços de caráter e inteligência ou manifestações culturais, ou seja, o racismo consiste em crer que certas pessoas são superiores a outras devido a pertencer a uma raça específica. Os racistas diferenciam as pessoas com base em características físicas como a cor de pele. Segundo Antônio Olímpio de Sant’Ana, “o 30 racismo é a pior forma de discriminação porque o discriminado não pode mudar as características raciais que a natureza lhes deu”(Sant’Ana, 2005, p.41). Sendo assim, a questão do racismo nunca foi privilégio de nenhuma cultura em particular, mas sempre esteve presente ao longo da história da humanidade, assumindo formas diversas. O racismo é uma mazela histórica, cuja raiz de amargura se encontra na própria natureza humana. Na sociedade atual, ele assume várias formas, vai de manifestações explicitasde violência e intolerância a ações camufladas de segregação. Nesse contexto, falsos valores são criados para justificar a atitude racista, valores esses que se espalham no inconsciente coletivo da população, produzindo toda uma geração de pessoas preconceituosas e indiferentes com essa realidade de marginalização. O racismo na sociedade continua a crescer, e um dos motivos que poderiam ser apontados é o legado histórico da discriminação sobre os negros, advindos de relações escravistas do passado e do atual estigma que recai sobre eles, que os empurra para os guetos e favelas, impossibilitando ou dificultando sua entrada no mercado de trabalho e de terem uma boa educação. No mercado de trabalho, no momento da seleção de um candidato, por exemplo, ele não é visto apenas pela capacidade profissional, mas sim pela cor e aparência. Já na escola, existe diferenciação dos alunos por parte dos educadores e até dos próprios estudantes. No ambiente escolar, os negros são tratados de forma diferenciada, por meio de um racismo camuflado. O racismo é uma realidade que precisa ser banida, para tanto, é necessário não apenas boa vontade e sim atitudes e decisões. Cada pessoa deve ser responsável pelo respeito e dignidade de todos os indivíduos, a começar pela luta em favor da igualdade entre as pessoas. O Ministério de Educação e Cultura tem com objetivo planejar, orientar e acompanhar a formulação e a implementação de políticas educacionais, tendo em vista as diversidades de grupos étnico-raciais como a população afrodescendente tendo como um dos focos, a escolarização como estratégia para a formação de uma sociedade mais justa. Muitas pessoas, inclusive professores não perceberam que todos são iguais, independente da cor da pele. Tudo isso se torna ainda mais preocupante, quando levamos em consideração que a postura de muitos professores diante da questão racial tem sido vergonhosa, pois apesar de afirmarem que não são racistas, 31 as atitudes de alguns dentro da sala de aula tem demonstrado o contrário. O papel da escola é formar cidadãos e dar aos alunos os ensinamentos que eles precisam para viver e trabalhar neste mundo de evolução, bem como orientá-los para vida. Cabe a escola, principalmente aos professores um papel formativo no combate ao racismo, e a discriminação que ocorre dentro da sala de aula e na escola em geral. De acordo com Ana Paula Lima e Ademir Santos: Para que uma formação escolar com perspectivas de combate ao racismo seja implementada, é fundamental discutir condições de preparação e atuação dos professores: consideramos a docência aspecto central para a promoção de condições não discriminatórias na escola (Lima e Santos, 2009, p.265). Nesse sentido, a escola se torna reprodutora, estando a serviço da ideologia dominante e experimentando em seu interior as mazelas sociais. Segundo Gandin (1995, p. 35), “a escola é o espelho da sociedade que a cerca”. Essa compreensão da escola chega a ser óbvia, uma vez que a mesma não é uma ilha isolada de todo o resto da sociedade. Pelo contrário, a escola é um micro-cosmo da comunidade que a cerca, apresentando características sócio- culturais inerentes a esse meio externo. Sendo assim, imaginar a escola isenta das pressões sociais soa como algo utópico, uma vez que ela própria, sendo concebida como convencional e reprodutora, é o resultado das metamorfoses pelas quais a sociedade vem passando. É preciso entender que o racismo está presente no cotidiano escolar, nas falas dos alunos, nas omissões dos professores e até mesmo na maneira como as carteiras em sala de aula estão dispostas. E na medida em que essa realidade vai sendo ignorada, a discriminação silenciosa vai ganhando força e oprimindo ainda mais os alunos negros. Sobre isso, Castro e Abramovay (2006) afirmam: “A discriminação na escola não é apenas uma prática individual entre os atores escolares, mas são principalmente ações e omissões do sistema escolar que podem contribuir para prejuízos na aprendizagem do aluno negro, minar o seu processo identitário e deixar mágoas, sofrimentos, muitas vezes não expressos”. (CASTRO E ABRAMOVAY, 2006, p. 245). 32 Todavia, a escola não é somente o meio onde as mazelas sociais são reforçadas, antes, ela é também, fonte para se discutir os dilemas urgentes da humanidade. Entre esses dilemas se encontra a questão do racismo, e os atores escolares precisam enxergar esse potencial catalisador da educação no combate do mesmo. A escola, como cenário fértil para os grandes debates, precisa se assumir, por meio de seus componentes, como uma protagonista na luta contra qualquer tipo de discriminação. Pensar a escola como protagonista na luta pela superação do racismo, é concebê-la como um espaço de construção de projetos, onde os esquemas mentais discriminadores e racistas podem ser substituídos por novos valores, baseados no respeito à dignidade humana. O racismo é um dos principais fatores estruturantes das injustiças sociais que acometem a sociedade brasileira e, consequentemente, é a chave para entender as desigualdades sociais que ainda envergonham o país. Diante disso, não há mais espaço para a omissão do Estado diante do racismo, do preconceito e das desigualdades deles resultantes. O momento é propício à explicitação dessa fratura social e para a implementação de políticas e ações que promovam a igualdade racial no país. O Brasil nunca se constituirá em um Estado verdadeiramente democrático, livre e justo, sem superar o racismo, permitindo que a população negra seja integrada de forma emancipada e digna na sociedade, sem ocupar os tradicionais espaços subordinados a que vem sendo relegada. O racismo é percebido e vivido no cotidiano: nos shopping centers de elite, onde os trabalhadores negros são confinados em postos de vigias ou faxineiros e raramente empregados em atividades de atendimento ao público; na programação televisiva, onde os negros/as, quando aparecem, ocupam as tradicionais posições de subordinação (a empregada doméstica, o bandido, a prostituta, o menino de rua, o segurança); nas piadas e expressões de cunho racista sempre presentes nas reuniões de família brancas. 4 CAPITULO III - O PAPEL DO ASSISTENTE SOCIAL NA LUTA PELO FIM DO RACISMO 33 O Assistente Social põe em pratica a práxis quando ele trabalha dentro das três dimensões do Serviço Social que são; teórico/metodológico, ético/político e técnico operativo; a parte operativa, que é a parte pratica, vai expressar as dimensões ético/política e teórico/metodológico, operacionalizando assim o saber do Assistente Social para atender as demandas do seu cotidiano; segundo Barroco (2012) a práxis é o ser social transformando e trabalhando sobre algo e colocando assim em pratica todo seu conhecimento adquirido. A complexidade das relações raciais no Brasil revela o campo de disputas em que o Serviço Social é chamado a intervir, pois o projeto ético-político que orienta o trabalho profissional do assistente social é portador de uma direção social na perspectiva da emancipação dos sujeitos coletivos. Nas primeiras décadas do século XX o modo de produção capitalista modifica radicalmente as relações sociais, e a questão social ganha visibilidade no cenário nacional, a partir das diversas lutas protagonizadas pela classe trabalhadora na defesa dos direitos sociais e contra o autoritarismo do Estado burguês. O sistema capitalista modifica profundamente a dinâmica das relações sociais, mesmo quando se considera que a desigualdade entre as várias camadas sociais é um fenômeno antigo. A forma que a pobreza assume nessasociedade é radicalmente nova. Pela primeira vez na história da humanidade, a pobreza cresce na mesma proporção que se criam as condições para sua redução e, no limite, para sua supressão (Netto, 2005). No bojo desta contradição e sob a influência da Igreja católica, surge na década de 1930 o Serviço Social brasileiro para intervir nas diversas manifestações da questão social, produzidas pela sociedade capitalista. À medida que o Serviço Social surge profundamente marcado pelo caráter de apostolado católico, analisando a questão social como problema moral e religioso, as relações raciais não são problematizadas adequadamente, uma vez que as reflexões da categoria privilegiam as ações direcionadas à "resolução" moral das contradições de classe. Várias modificações e determinações sócio históricas consolidam um Serviço Social maduro, na década de 1980, entre elas a incorporação de uma 34 análise crítica orientada pela herança marxista que permite uma apreensão do movimento de transformação da realidade social. No interior desse processo são criadas as condições para a compreensão teórico-metodológica do significado do Serviço Social no processo de produção e reprodução das relações sociais, desvelando o seu caráter político, ou seja, o fato de que não há neutralidade no trabalho do assistente social. O Código de Ética Profissional do Assistente Social, aprovado em 1993, é o primeiro código profissional do Serviço Social que introduz a questão da não discriminação como um de seus princípios fundamentais. Isso remete a uma reflexão acerca da importância atribuída à ética e aos direitos humanos no interior do projeto ético-político a partir dos anos 1990, fortalecendo as bases para o desenvolvimento de um debate sobre a questão étnico/racial no cotidiano do assistente social. Nesse cenário e apesar das crescentes reivindicações do movimento negro, em defesa de uma ressignificação da questão racial no Brasil, a contribuição da profissão na produção do conhecimento acerca dessa temática permanece muito tímida. Se a aproximação do Serviço Social em direção ao debate étnico- racial é tímida, há que se problematizar como a profissão vem desvelando os discursos e conceitos sobre essa temática. Ao se deparar com os vocábulos afrodescendente, branquitude, discriminação racial, etnia, negro, preconceito racial, racismo, racialismo e raça, os profissionais podem transitar por diversas interpretações, muitas vezes antagônicas. Entendemos que as palavras são carregadas de significados e, portanto, optamos por explanar sucintamente que sentido atribuímos aos conceitos intrínsecos à questão racial nesta pesquisa. A análise das principais bibliografias4 sobre as relações raciais no Brasil revela uma diversidade de conceitos, que ora podem reforçar o posicionamento político a favor da erradicação do racismo e da discriminação racial, ora podem fortalecer o discurso dominante na perspectiva da manutenção do status quo. Diversos cientistas sociais utilizam, em geral, o padrão de relações 35 raciais dos Estados Unidos da América para comparar, contrastar e entender a construção social das raças em outros países e especialmente no Brasil. Ao identificar que o modelo americano, conhecido como "Jim Crow", exibia um padrão de relações violento, conflitivo e segregacionista contra os negros, respaldado em regras precisas de filiação grupal, diversos pesquisadores negaram e negam a existência do racismo no Brasil. Na história contada sobre o país há uma lacuna importante quanto ao destino da população negra após a abolição, fruto do silêncio que insiste em ratificar que a injustiça cometida contra essa parcela da população cessou com o fim da escravatura. Por outro lado, a busca pela transformação da nação em um país desenvolvido e industrializado logrou justificar essa exclusão, e os estereótipos5 se disseminaram pelo país, atribuindo ao negro a culpa por sua condição social. A atribuição de cor aos indivíduos, prática comum no Brasil e que fundamenta a construção de grupos de cor pelos sociólogos, longe de prescindir da noção de origem étnica, pressupõe uma ideologia racial e um racismo muito peculiares. (Guimarães, 1999, p. 20) Qualquer estudo sobre o racismo no Brasil deve partir do princípio de que aqui o racismo é um tabu, pois os brasileiros se imaginam numa democracia racial. Essa ideia de civilidade tem raízes profundas na história do Brasil e pode ser verificada desde que foi abolida a escravidão (Guimarães, 1999). De acordo com Guimarães (1999), o racismo ocorre quando grupos humanos considerados raças ou identificados por traços raciais ou racializados (como, por exemplo, a cor) são tratados de modo desigual do ponto de vista econômico, político, social e cultural. As desigualdades são entendidas como discriminação racial quando se encontram e se comprovam mecanismos causais que operam na esfera individual e social e que possam ser retraçados ou reduzidos à ideia de raça. Assim, grupos considerados superiores obtêm privilégios em relação aos outros grupos, considerados inferiores. A discriminação racial materializa o preconceito racial que é a manifestação comportamental baseada no juízo de valor, socialmente construído e destituído de base objetiva. 36 O preconceito pode ser individual ou social. O homem pode estar tão cheio de preconceitos com relação a uma pessoa ou instituição concreta que não lhe faça absolutamente falta a fonte social do conteúdo do preconceito... Costumamos, pura e simplesmente, assimilá-los de nosso ambiente, para depois aplicá-los espontaneamente a casos concretos através de mediações. (Heller, 1970, p. 49) O racismo no Brasil, enquanto uma construção sócia histórica, traz consigo o preconceito e a discriminação racial, acarretando prejuízos à população negra nas diferentes fases do ciclo de vida, independente da camada social e da região de moradia. Reforça-se pela linguagem comum, mantém-se e alimenta-se pela tradição e pela cultura, ao mesmo tempo em que influencia a vida, as formas como as instituições se organizam e as relações interpessoais (Lopes e Quintiliano, 2007). A utilização do conceito de raça nas Ciências Sociais e na política brasileira apresenta vários problemas que precisam ser equacionados. Este não está baseado na fundamentação biológica, mas porta um significado propriamente sociológico, relacionado a determinada identidade cultural. "Trata-se de um sistema de marcas físicas (percebidas como indeléveis e hereditárias), ao qual se associa uma 'essência', que consiste em valores morais, intelectuais e culturais" (Guimarães, 1999, p. 28). O Brasil constrói uma noção particular de raça segundo a qual podem ser "consideradas" brancas as pessoas mestiças e de pele mais claras que exibem símbolos da europeidade: formação cristã e domínio das letras. Por essa regra, quanto mais próxima a pigmentação da pele estiver do branco europeu, maior a aceitação social e a valorização da pessoa (Guimarães, 1999). A opção teórica pelo conceito de raça justifica-se pelo modo como o racismo opera no Brasil. Portanto, sua utilização não remete ao sentido clássico, relativo às categorias biológicas. Nessa perspectiva, concordamos com Ianni (1992, p. 120): As raças são categorias históricas, transitórias, que se constituem socialmente a partir das relações sociais: na fazenda, engenho, estância, seringal, fábrica, escritório, escola, família, igreja, quartel, estradas, ruas, avenidas, praças, campos e construções. Entram em linha de conta caracteres fenotípicos. Mas os traços raciais visíveis, fenotípicos, são37 trabalhados, construídos ou transformados na trama de relações sociais. É na esfera das relações sociais que a questão racial ganha amplitude, na forma como a população negra acessa a riqueza socialmente produzida, ao estabelecer relações afetivas, no acesso e permanência no mercado de trabalho, na invisibilidade escolar. Enfim, é na vida cotidiana que a diversidade racial ganha contornos de desigualdade social. Por sua vez, o conceito de etnia refere-se a indivíduos que compartilham uma herança social e cultural transmitida de geração em geração. Etnia refere-se a aspectos culturais e também tem um sentido político, de afirmação da diferença cultural enquanto valorização humana. Pessoas que podem ser identificadas como pertencentes a grupos raciais distintos, podem ser agrupadas num mesmo grupo étnico e vice-versa. Para além das características físicas, há um resgate do pertencimento ancestral, de um passado comum, conforme descrição a seguir: Um grupo possuidor de algum grau de coerência e solidariedade, composto por pessoas conscientes, ao menos em forma latente, de terem origens e interesses comuns. Um grupo étnico não é mero agrupamento de pessoas ou um setor da população, mas uma agregação consciente de pessoas unidas ou proximamente relacionadas por experiências compartilhadas. (Cashmore et al., 2000, p. 196) Do exposto, pode-se inferir que os conceitos raça e etnia não são sinônimos, mas complementares, razão pela qual nas diversas produções é comum encontrarmos a associação raça/etnia. Entendemos que raça continua atual e que os aspectos culturais abarcados pelo termo etnia são motivadores de discriminação, principalmente quando associados à raça. Logo, optamos por problematizar a questão racial a partir da discussão de raça/etnia. O termo negro, por sua vez, para além da cor da pele, remete a uma origem racial, aos descendentes de negros africanos no Brasil, valorizando os atributos físicos e culturais daqueles que representam quase metade da população brasileira. O termo tem um sentido político, de sujeitos que constroem a história, ao mesmo tempo em que se constroem (Gomes, 1995). 38 Negro é uma categoria utilizada pelo movimento negro para reforçar a identidade, em que preto e pardo são apenas cores, enquanto negra seria a raça, em sua dimensão social. Consideramos importante também nomear a brancura, categoria socialmente construída, que começou a ser utilizada na segunda metade do século XVII e significava superioridade e privilégio, em contrapartida aos não brancos, considerados "os outros", conforme Cashmore et al. (2000). Na atualidade, a brancura confere vantagens e prestígios, reatualizando o racismo nas relações sociais. A ideologia da brancura permitiu a construção/consolidação de relações sociais profundamente desiguais, com a atribuição de privilégios numa sociedade patriarcal, sexista e racista. A análise da questão racial neste trabalho não pode estar dissociada da análise da ideologia da brancura, pois é no âmbito das relações sociais que esses grupos disputam poder, espaço e território. Branquitude - Na prática, ser branco exige pele clara, feições europeias, cabelo liso; ser branco no Brasil é uma função social e implica desempenhar um papel que carrega em si uma certa autoridade ou respeito automático, permitindo trânsito, eliminando barreiras. Ser branco não exclui "ter sangue negro" ou indígena. (Iraci e Sovik, 2004, p. 19) Para efeitos metodológicos consideramos importante destacar também os conceitos de afro-brasileiro: Afro-brasileiro surge entre 1930 e 1940, em linhas de pensamento distintas das atuais. Além de que, afro-brasileiro faz parte de um período no qual os grupos de intelectuais brasileiros eram totalmente desinformados, para não dizer ignorantes, sobre a história africana. Nutriam teorias racistas sobre a cultura de base africana. Vejam que, nesta época, Gilberto Freyre e os seus seguidores consideravam a cultura africana inferior à européia. (Cunha Jr., apud Romão, 2005, p. 253) E afrodescendente, em que pese a opção de não utilizá-los na nossa fundamentação teórica, significa que: "O pleno conhecimento do passado africano, nasce sobretudo em decorrência deste conhecimento e da necessidade de relacionar o passado africano com a história do Brasil." (Cunha Jr., apud Romão, 39 2005, p. 253). Na perspectiva de fortalecer o debate sobre a questão racial, optamos por não utilizar o termo afrodescendente, ainda que tenha seus méritos, pois na atualidade tem conotações ambíguas. Se partirmos da premissa, verdadeira, de que os negros africanos têm presença marcante na formação da sociedade brasileira, uma parcela importante da nossa população atualmente é afrodescendente. Por outro lado, essa mesma parcela da população pode no cotidiano, pelos diversos motivos apresentados ao longo desta reflexão, ocultar sua origem ancestral, enfraquecendo o debate político sobre a questão racial no Brasil. As pessoas não são discriminadas apenas pela sua descendência, mas pelo fenótipo - cor da pele, traços faciais, tipo de cabelo -, pelo externo, no momento em que acessam o mercado de trabalho, os serviços públicos, os espaços coletivos etc. Assim, entendemos que afrodescendente é uma categoria extremamente perigosa, que pode fortalecer o discurso daqueles que insistem em afirmar que somos todos brasileiros, desconsiderando a diversidade e a perversidade das relações sociais, terreno em que a discussão sobre a questão racial não tem base de sustentação. A realidade brasileira em sua face mais perversa, das desigualdades sociais decorrentes da origem racial, tem sido questionada e fortemente combatida por diversos setores da sociedade, que ampliaram o debate público sobre a questão racial e intensificaram na última década as discussões sobre como o setor público poderia comprometer-se mais efetiva e continuamente com a prevenção e o combate ao racismo e às desigualdades raciais. O processo é contraditório e exacerba questões que por séculos o país tenta silenciar. A tarefa é árdua, pois o racismo perpassa todas as esferas da vida cotidiana, se reproduz nas instituições e constantemente é naturalizado. A banalização da questão racial atinge inclusive uma parcela importante da população negra que não consegue perceber a trama de relações sociais e se culpabilizar por sua condição social. O discurso dominante que ainda insiste em desvalorizar a população 40 negra, sua cultura e suas tradições, perde legitimidade à medida que o debate racial avança, desconstruindo estereótipos. Concomitantemente, as diversas mobilizações do Movimento Negro culminaram em medidas como a criminalização do racismo, as políticas afirmativas, a defesa da equidade na educação e na saúde, entre outros direitos sociais. Racismo institucional: a exacerbação da desigualdade social O racismo continua sendo uma implacável e deprimente questão dos nossos tempos. São poucos os temas, se é que há outros, que demandam tanta atenção e esforço com tão poucos frutos. Toda vez que "baixamos a guarda", uma nova descoberta revela a complexidade, a virulência e a absoluta obstinação daquilo que notadamente tornou-se o problema do século XX. (Cashmore et al., 2000, p. 11) O racismo, por si só, é perverso e desencadeia relações sociais profundamente desumanas e continua a se reproduzir cotidianamente no início do século XXI. Quando ele perpassa o cotidiano das instituições, a situação torna-se ainda mais complexa e cristalizada, configurando-se como racismo institucional. O emprego do conceito de discriminação indireta ou racismoinstitucional para a promoção de políticas de equidade racial já é utilizado desde o final dos anos 1960 em diversos países. Nos Estados Unidos, por exemplo, o conceito surge no contexto da luta pelos direitos civis e com a implementação de políticas de ações afirmativas. Na Inglaterra, o conceito passa a ser incluído como instrumento para a proposição de políticas públicas na década de 1980, como resultado do crescimento da população não branca e das dificuldades observadas pelo Poder Judiciário em responder às demandas daquela população. No Brasil, a partir de meados dos anos 1990, esse conceito começa a ser apropriado para a formulação de programas e políticas de promoção da equidade racial. (Jacoud, 2008, p. 141) A necessidade de democratizar o acesso da população negra às políticas públicas exige uma reflexão sobre o conceito de racismo institucional, que nas palavras do DFID/PNUD (2005, p. 6) significa: Fracasso das instituições e organizações em prover um serviço profissional e adequado às pessoas devido à sua cor, cultura, origem racial ou étnica. Ele se manifesta em normas, práticas e comportamentos discriminatórios adotados no cotidiano do trabalho, os quais são resultantes da ignorância, 41 da falta de atenção, do preconceito ou de estereótipos racistas. Em qualquer caso, o racismo institucional sempre coloca pessoas de grupos raciais ou étnicos discriminados em situação de desvantagem no acesso a benefícios gerados pelo Estado e por demais instituições e organizações. O racismo institucional refere-se às operações anônimas de discriminação racial em instituições, profissões ou mesmo em sociedades inteiras (Cashmore et al., 2000). O anonimato existe à medida que o racismo é institucionalizado, perpassa as diversas relações sociais, mas não pode ser atribuído ao indivíduo isoladamente. Ele se expressa no acesso à escola, ao mercado de trabalho, na criação e implantação de políticas públicas que desconsideram as especificidades raciais e na reprodução de práticas discriminatórias arraigadas nas instituições. Portanto, o racismo institucional possui duas dimensões interdependentes e correlacionadas: a político-programática, e a das relações interpessoais. Quanto à dimensão político-programática podemos dizer que ela compreende as ações que impedem a formulação, implementação e avaliação de políticas públicas eficientes, eficazes e efetivas no combate ao racismo, bem como a visibilidade do racismo nas práticas cotidianas e nas rotinas administrativas. A dimensão das relações interpessoais abrange as relações estabelecidas entre gestores e trabalhadores, entre trabalhadores e trabalhadores, entre trabalhador e usuário, e entre usuário e trabalhador, sempre pautadas em atitudes discriminatórias (Amma-Psique e Negritude Quilombhoje, 2008). No âmbito institucional - no qual se desenvolvem as políticas públicas, os programas e as relações interpessoais -, toda vez que a instituição não oferece acesso qualificado às pessoas em virtude de sua origem étnico-racial, da cor da sua pele ou cultura, o trabalho fica comprometido. Esse comportamento é resultante do racismo institucional (Lopes e Quintiliano, 2007). Para identificar a parcela da população brasileira que sofre com as manifestações do racismo na vida cotidiana, optamos por utilizar as análises desenvolvidas por Paixão e Carvano (2008) na qualificação dos indicadores sociais das desigualdades raciais no Brasil, publicadas no Relatório anual das desigualdades raciais 2007-2008. O relatório analisou a evolução dos indicadores sociais dos distintos 42 grupos de cor ou origem étnica e sexo no Brasil. As bases de dados utilizados pelos pesquisadores para compor a análise foram, preferencialmente, as fontes oficiais. Conforme dados do RDR 2007-2008, a população residente no Brasil, segundo os grupos de cor ou raça, estava distribuída da seguinte forma: em 1995 a população total somava 152.374.603 habitantes, dos quais 82.826.798 eram brancos e 68.635.438 eram pretos e pardos; em 2006 totalizava 183.550.526, dividida entre 92.406.621brancos e 89.726.595 pretos e pardos; os demais eram de cor ou raça indígena e amarela. Em 2006, a população branca residente no Brasil era de 49,7% e a população de pretos e pardos era de 49,5%. Os demais habitantes eram de cor ou origem étnica indígena (0,3%) e de cor ou origem étnica amarela (0,5%). Quanto à população de cor ou raça preta e parda, sua distribuição relativa entre as regiões geográficas do país ocorre da seguinte forma: a maioria vive majoritariamente no Nordeste, totalizando 39,3%, seguida pela região Sudeste, com 34,6% (Paixão e Carvano, 2008). Ainda que os dados estatísticos sobre o percentual de negros na sociedade brasileira ratifiquem a presença marcante da população negra no país, a sua inserção precária na sociedade de classes nos indaga sobre os mecanismos que impedem sua ascensão social. Estratégias devem ser criadas para a construção de uma nova sociabilidade, combatendo todo tipo de preconceito ou discriminação racial contra esse grupo. Decerto, pela própria história da profissão e o conservadorismo que marca sua gênese, o debate sobre a questão racial não encontrou terreno fértil para ser incorporado pelo Serviço Social até a década de 1980. Entretanto, diante das conquistas históricas do projeto ético-político, expressas eticamente no Código de Ética de 1993, a busca de efetivação dos princípios que norteiam o trabalho do assistente social é um imperativo ético a ser perseguido. O combate ao racismo institucional e à discriminação por questões de raça/etnia se inscreve nessa lógica, e a questão racial pode ser debatida se as concepções teóricas que culminaram naquela construção forem devidamente apropriadas. A população negra ainda vive, majoritariamente, em situação de 43 vulnerabilidade social, suscetível a mortes violentas, a agressões e abusos de autoridade, bem como invisível, nas suas especificidades, para as ações das políticas públicas, principalmente na área da saúde, educação, assistência social, habitação, nas artes e na mídia. Há uma dificuldade em trazer à tona a discussão étnico-racial na trama de relações sociais, na sociedade burguesa, profundamente marcada pelo discurso da "democracia racial" e pelo racismo camuflado que também aliena a população negra, bloqueando seus processos de conscientização, participação e organização política (Pinto, 2003). Quanto ao projeto ético-político do Serviço Social, é pertinente ressaltar que as suas orientações de valor possuem uma objetividade real e dependem também da subjetividade dos sujeitos que o realizam cotidianamente. Portanto, o trabalho do assistente social compõe-se de múltiplas facetas, e a análise empreendida nessa pesquisa sobre o racismo institucional pode favorecer o desvelamento das práticas discriminatórias enraizadas em diversas instituições, com vistas à garantia dos direitos sociais, sem qualquer forma de discriminação racial. Finalmente, há que se ressaltar que passados 124 anos da abolição da escravatura, o "legado" da marginalização da população negra permanece naturalizado. Se defendemos que as relações sociais são datadas e historicamente construídas, faz-se urgente a ressignificação da trajetória histórica da população negra no interior da sociedade brasileira, escancarando as perversidades perpetradas contra esse grupo e a consequente desigualdade racial e social. 5 CAPITULO IV - O BRASIL E O ENFRENTAMENTO PARA A EQUIDADE IGUALDADE DAS QUESTÕES RACIAIS. 5.1 Politicas Publicas de promoção a igualdade racial As políticas sociais
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