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Direito Soviético Resumo Encontramos as raízes do Direito Soviético nos sistemas jurídicos romanistas. Porém, há de se reconhecer sua originalidade, por mais que tenha mantido algumas características de seus antecessores, como a estrutura e terminologia. Para os estudiosos socialistas, o Direito está ligado à economia que se pratica, sendo o ordenamento jurídico uma superestrutura criada para amparar a economia. Sendo assim, o Direito socialista difere nesse aspecto dos que caminham juntamente com o capitalismo; nos países não-socialistas, a economia é regida pelos interesses privados, enquanto nos países socialistas, os bens de produção são utilizados conforme o interesse e necessidade da coletividade, com o intuito de criar uma sociedade comunista, e em consequência, um direito social-comunista. 1 O ideal de uma sociedade comunista é embasada pelo forte sentimento moral e religioso do povo russo. PRECEDENTES DO DIREITO SOVIÉTICO A história do Direito Soviético está atrelada ao contexto histórico do Direito Socialista. Pode-se dizer que este nasceu a partir da Revolução Bolchevique de 1917, mas que tem raízes a partir do século IX, quando da formação de Estado de Kiev, onde se encontra as raízes do Direito Russo anterior à contemporaneidade. 1 DAVID, René. Os Grandes Sistema do Direito. São Paulo: Ed. Martins Fontes, 2002. O Direito Russo – ou Russkaia Pravda (anterior ao objeto de Estudo) possui quatro fases: 1) Aprox. Sécs. XI a XIV - Manifestações do direito escrito; compilações de costumes, influência romano-canônica e feudal. 2) Domínio mongol de 1236 a 1480, porém, nota-se a falta de influência do direito dos dominadores sobre os dominados, e há o isolamento em relação aos ocidentais; incidência maior dos direitos da Igreja e de Roma (época do Império Bizantino). 3) De 1480 a 1869; direito czarista, mantendo a política de isolamento, fazendo um governo despótico; reforma jurídica entre 1497 e 1550, e compilação dos direitos laico e canônico entre os anos de 1649 e 1653. 4) De 1689 a 1917; Restabelecimento do contato com o ocidente, presencia-se uma administração segundo os moldes ocidentais, mas a parte jurídica fica estagnada; tentativa de realizar uma modernização do direito russo, sem sucesso por conta do rompimento com Bonaparte; em 1832, é realizada uma compilação parecida com o Código Prussiano de 1794, de conteúdo mais eclético e casuístico (que não é peculiar). A grande dificuldade de encontrar informações suficientes sobre o Direito Russo, bem como a sua evolução para o Soviético, se dá por dois fatores: primeiro, não há evidencias de tradição jurídica; e segundo, havia o entendimento que o direito não era parte da base da sociedade (e assim a tradição jurídica não era cultivada). “O povo russo, regido em grande parte unicamente pelos costumes, não considerava o direito, antes da Revolução Bolchevique, como base da ordem social. Para ele as leis identificavam-se com os caprichos do soberano representavam essencialmente uma técnica administrativa”. (DAVID, 2002. p. 215-215)2 Também o czarismo contribuiu negativamente para a falta de histórico jurídico. Num governo de caráter despótico, a justiça, a segurança e a administração estão unidas e misturadas, não sendo possível separar ou distinguir uma da outra. Até o clero submetia-se aos czares. Porém, com o decorrer do tempo e a crescente derrocada do governo que havia se instalado da URSS, a sociedade passa a perceber a importância ao direito em seus país. Com a planificação da economia, regras de regulamentação tornaram-se cada vez mais imprescindível. Prova da escalada de importância do direito Soviético é o princípio da legalidade. A Revolução em 1917 (que foi influenciada pelo Marxismo) a primeira atitude tomada foi abandonar a legislação czarista. Com ela se pretendia criar um novo tipo de sociedade, a comunista, representada pela fraternidade, não havendo mais a necessidade de haver Estado ou ordenamento jurídico. Pressupunha-se que, com o afastamento da sombra do modo de economia capitalista, assim como os conflitos e necessidades advindos dele, dariam lugar à solidariedade social e regras simples de organização, não havendo mais necessidade de repressão. O DIREITO SOVIÉTICO O Direito Soviético tem três fases de evolução: Período do comunismo revolucionário (1917 – 1921) – é a época em que os Bolcheviques se consolidam no poder; nesse período, a Rússia está envolvida em uma guerra civil e estrangeira. Os 2 DAVID, René. Os Grandes Sistema do Direito. São Paulo: Ed. Martins Fontes, 2002. detentores do poder estão preocupados essencialmente a derrotar seus inimigos e se manterem no poder, a despeito da falta de planejamento. A essa época, os preceitos jurídicos produzidos estavam mais para mecanismo de “ganho de fatia de mercado” do que para normas jurídicas e administrativas, concretamente. o Características de época: Supressão da herança Trabalho em prol da extinção do comercio privado Separação entre Igreja e Estado Afastamento da comunidade jurista Tribunais e o processo são abolidos Nos novos tribunais criados, a ordem é que sejam promulgadas as ideias de justiça socialista, e de que os interesses do governo, trabalhadores e camponeses estão acima de tudo. Ao que tudo indica, parece que os que estão no poder querem passar para o comunismo puro sem transitar pelo socialismo. Período da Nova Política Econômica (1921 – 1928) – a ordem e a necessidade mais urgente é a reconstrução do país devastado pela guerra. Aqui se observa uma política mais branda do que a fase anterior. Há uma tentativa de atrair investimentos estrangeiros, e para isso incentivam através do lucro o trabalho camponês. O regime parece passar de revolucionário para liberal, na tentativa de reconstruir o país. Os dirigentes dessa época se dão conta que não é possível chegar ao comunismo sem antes consolidar o regime socialista. Assim tentam reorganizar o Estado, e com isso, reconhecendo a importância do Direito. São promulgados o Código Civil, Penal, Processo Penal, Código de Família e o Agrário. Há uma reorganização e disciplina de diversos setores do governo. Tendo rendido os devidos frutos, a NEP foi abandonada para retomar o plano de tornar a União Soviética uma sociedade comunista. Considerando que tinham a consciência de que a mudança da sociedade estava atrelada à economia, esta começou a ser planificada. Período de consolidação da plena coletivização dos bens de produção (1928 – 1936) – após o abando da NEP, houve a completa coletivização da indústria e do comércio e o cancelamento da permissão de particulares a explorarem certos ramos da indústria. Houve a completa coletivização da agricultura, e também a aniquilação dos kulaks, grupo que representava ameaça por serem alvo da indústria estrangeira, como forma de adentrar no país. Os agricultores camponeses foram obrigados a formarem cooperativas, os kulkozes. Ao fim desse período, os kulkozes exploravam 93% das terras soviéticas.3 Essa retomada aos planos comunista não significou um regresso ao período anterior. Há um fortalecimento do Estado, assim como sua autoridade, disciplina e coação: é a materialização do princípio da legalidade socialista. Os códigos da NEP ainda se mantêm por 30 anos após a supressão de sua era; eles foram ajustados, complementados, modificados de acordo com a nova ordem política. Quanto mais o Comunismocresce, mais o Direito Soviético se fortalece, fica mais rico e completo. E ao contrário daquilo que pregara Marx e Engels, ao invés de o Estado e o Direito sumirem após a vitória da revolução socialista, os dirigentes trataram de exaltar e consolidar de qualquer forma o Estado. 3 DAVID, René. Os Grandes Sistema do Direito. São Paulo: Ed. Martins Fontes, 2002.p.212 Em 1936, surge a nova Constituição. Nela, dentre outros pleitos, é fixada a extinção da exploração do homem pelo homem, a coletividade dos meios e forças de produção. São três as funções do Direito Soviético: Segurança nacional: aumentar o poder do Estado e impor a soberania da União Soviética; em contrapartida, convivência harmoniosa entre nações. Educação: moldar os homens segundo as tendências sociais, ou melhor, destruir a disposição antissocial, herança histórica de má organização social e econômica. Para que o comunismo pudesse ser definitivamente estabelecido e para que findasse a repressão, era necessário adequar os indivíduos integrantes da sociedade a essa nova realidade, é necessário retirar do homem o “instinto” criado e trabalhado por milhares de anos, produto da cultura russa. Uma nova definição de trabalho, propriedade, justiça, liberdade. Ordem econômica: aprimoramento da produção para abastar as necessidades da sociedade. Essa é a função mais importante do Direito Soviético. Nos países capitalistas, os meios de produção estão nas mãos de particulares – para atender a interesses de particulares - e o Estado estimula o comercio para que haja o desenvolvimento. Na União Soviética, acontece ao contrário: retira-se o poder econômico dos interesses privados e leva-o ao âmbito de interesse de todos, sem fim lucrativo. Aos dirigentes é dada a tarefa de controlar a indústria, a agricultura, o comércio, como serão suas diretrizes. O DIREITO PRIVADO NA URSS O Código Civil de 1922, promulgado sob o governo de Lenin, dava ao conceito de direito privado um caráter conflitante com os padrões ocidentais. Segundo Lenin: “Não conhecemos direito privado algum; tudo é direito público”. (NASCIMENTO, 20006. p.166) 4 O conceito de propriedade privada tomou uma conotação diferente. Comparando ao nosso modelo atual, a propriedade privada na união soviética passa a ter uma função mais social do que em nosso atual ordenamento e passou a submeter-se mais ao direito público do que o “privado” (passaram a passar em propriedade pessoal ao invés de privada). Os meios de produção pertenciam à sociedade e não aos indivíduos isoladamente. De forma geral, o Direito privado foi modificado de uma ponta à outra, de forma que todo a esfera privada passa a constituir mecanismo para mitigar a função social. O pressuposto principal do Código de 1922 – e, por conseguinte, o Direito Soviético, era de que o exercício dos direitos não fosse contrário ou confrontável com a função social do ordenamento jurídico (WIEACKER, 1967. p.582)5. Esta é a principal característica do Direito Soviético. Wieacker afirma que o Direito Soviético, em especial no que concerne o Direito Privado, adotou algumas características advindas do que se praticava no ocidente, mas também elevou ao extremo a questão do naturalismo. Assim ele diz: 4 NASCIMENTO, Walter Vieira do. Lições de História do Direito. 15ª Edição, revista e aumentada. Rio de Janeiro: Ed. Forense, 2006. 5 WIEACKER, Franz. História do Direito Privado Moderno. 2ª Ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulberkian, 1967. “A fácil transfiguração do positivismo legal numa ordem jurídica naturalista torna-se aqui muito nítida (...) as codificações socialistas prosseguem até as últimas consequências a linha de evolução racionalista e secularista das concepções jurídicas europeias posteriores ao iluminismo, nomeadamente o naturalismo do século XIX”.6 A concretização do Estado comunista aconteceu, mas não duraram, por conta de seu caráter despótico, marcado pela coletivização de direitos e meios de produção. Os ideais que permearam o pensamento inicial foram utilizados para fins escusos e repressão não sumiu, ao contrário, tornou-se ferramenta de um governo autoritário. O MARXISMO A doutrina de Marx e Engels é diferente da doutrina de Hegel, que é um idealista; ela prega o materialismo histórico, é “a matéria que comanda o espírito, a realidade que faz nascer a ideia; o homem, antes de ser um Homo sapiens, é um homo Saber”. (DAVID,2002. p.193)7 A linha de pensamento marxista defende que o fator decisivo na sociedade é o econômico, sendo a infraestrutura para seu desenvolvimento, por meio dos bens de produção. O direito fica como uma superestrutura que serve de instrumento aos que comandam a “ditatura” da economia através dos bens de produção. Sendo assim, o Direito age como meio de oprimir aqueles que não detém o poder, em prol dos interesses da classe dominante, detentora da força, não considerando os interesses e necessidades dos proletariados. 6 Ibidem. 7 DAVID, René. Os Grandes Sistema do Direito. São Paulo: Ed. Martins Fontes, 2002. Para Engels, o Direito existe porque a sociedade evoluiu de primitiva (e sem classes, sendo os meios de produção livres) para uma sociedade categorizada, hierarquizada, com divisão do trabalho social. uma dentre todas as classes apoderou-se dos meios de produção e explorou-a. neste momento surge o Direito e o Estado. O Direito é, para Engels, uma regra de conduta humana caracterizada, produzida, em oposição as demais regras de condutas obtidas naturalmente, conforme a vivencia da sociedade. O Estado é uma autoridade social que impõe o respeito desta nova regra por meio de coação. Não há Direito sem Estado e nem Estado sem Direito, sendo que os dois podem significar a mesma coisa. O marxismo funda-se no pressuposto de que a causa de todo o mal é, na sociedade, a incompatibilidade e desigualdade das classes sociais; acredita que devem banir-se as classes sociais, proibindo a apropriação privada dos bens de produção e pondo estes bens à disposição da coletividade, que servirá ao interesse de todos e ao bem comum. Estabelece-se uma sociedade fraternal, livre de desigualdade e conflito, sem exploração do homem por seu semelhante, e assim a harmonia reinará. Não haverá a violência, pois todos têm acesso às mesmas coisas. O marxismo é, antes de doutrina, um guia para a ação política, como técnica da revolução.8 O MARXISMO – LENINISMO Lenin foi um dos grandes nomes da Revolução Bolchevique de 1917. Tão importante que se tornou uma corrente, tal qual o marxismo. A parte política do marxismo precisava ser atualizada para servir aos propósitos ideológicos do movimento e ao tempo em que ocorria. Assim, Lenin acrescentou suas palavras à doutrina, que a trouxe do mundo abstrato ao âmbito real. 8 DAVID, René. Os Grandes Sistema do Direito. São Paulo: Ed. Martins Fontes, 2002. Estuda o regime Soviético sem analisar o marxismo- leninismo não faz sentido, pois este é a base daquele. Para os adeptos à ideologia, o marxismo se aproxima da máxima de Montesquieu: “liberdade não é independência; não consiste em fazer o que se quer, mas em poder fazer aquilo que se deve querer fazer”. O marxismo mostra aquilo que realmente é liberdade e aquilo que os homens devem realmente querer. Alguns detalhes importantes que podem complementar a apresentação: A história russa começa a partir do século IX A característica de isolamento (político, econômico, cultural, etc) que foi vista até o fim da URSS começou após o fim da guerra de libertação contra os mongóis, que durou cem anos. Somente a partir da Revolução Bolchevique a Rússia retoma o contato com o Ocidente, mas mantém a característica. Por mais que tenha ficado sob o domínio mongol, independentemente do tempo que isto durou, o direito russo sofreu pouca influência do sistema jurídico mongol. A única coisa que se pode dizer a respeito é que houve uma estagnação no ordenamento jurídico russo enquanto dominados pelos mongóis. Moscou nasceu no meio da guerra contra os mongóis Os primeiros escritos do Direito Russo demonstram a evolução do pensamento de tribo para comunidade, com indícios feudais A Rússia teve grande influência do império Bizantino, e só teve a sua independência quando o Império de Bizâncio deixa de existir, em 1056. Após se libertarem dos mongóis, veio o czarismo, de teor tirano, sendo a única alternativa para preservar a independência e resguardar-se da anarquia Não há necessidade de considerar a falta de tradição jurídica russa um atraso; apenas tomaram um caminho diferente dos demais, assim como outros países e seus sistemas jurídicos. A questão é que o Direito Soviético, assim como o ordenamento que existiu antes dele, teve uma perspectiva diferente dos demais devido ao rumo histórico que teve. A unidade do povo russo, até o fim da Guerra Fria, não tinha sua base fixada no direito, mas sim nos costumes. O Direito era tão somente administrativo e, no âmbito privado, direcionado a comerciantes e burguesia. A maioria dos camponeses sequer tinha consciência de ordenamento jurídico, exceto pelos seus pressupostos mais importantes (como a propriedade familiar – a dvor – ou a comunal – a mir – e a noção de equidade) “O direito socialista é, antes de tudo, um meio de transformação da sociedade, encaminhando-a para um ideal comunista fora do qual não pode existir nem uma verdadeira liberdade, nem uma verdadeira igualdade, nem, finalmente, uma verdadeira moralidade” (DAVID, 2002.p.199). A Revolução Russa acontece, moldada na doutrina marxista, mas seus comandantes não sabem exatamente o que fazer após vencer seus inimigos e tomar o poder. Referências bibliográficas DAVID, René. Os Grandes Sistema do Direito. São Paulo: Ed. Martins Fontes, 2002. WIEACKER, Franz. História do Direito Privado Moderno. 2ª Ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulberkian, 1967. NASCIMENTO, Walter Vieira do. Lições de História do Direito. 15ª Edição, revista e aumentada. Rio de Janeiro: Ed. Forense, 2006.
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