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33 Re vi sã o: C ri st in a - Di ag ra m aç ão : F ab io - 0 8/ 08 /1 1 RESPONSABILIDADE CIVIL Unidade II 5 RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS 5.1 Do médico As regras e princípios referentes à responsabilidade civil estabelecem em nosso país, via de regra, que aquele que causar dano a outrem, deve ressarci-lo por estes prejuízos. Lembrete A responsabilidade civil do médico advém, também, desta disposição. Deve, pois, ser indenizado, caso postule o dano em juízo, aquele que submetido a tratamento médico, venha, por causa deste tratamento, a sofrer um prejuízo, seja de ordem material ou imaterial - patrimonial ou não patrimonial. A fim de que se possa entender a situação jurídica que se estabelece entre o médico e o paciente lesado, alguns conceitos precisam ser relembrados como a diferença entre responsabilidade subjetiva e responsabilidade objetiva, bem como a responsabilidade contratual e a extracontratual e ainda os conceitos de obrigação de meios e obrigação de resultado. A responsabilidade subjetiva (ou teoria da culpa) é aquela em que, além do ato lesivo do agente causador de lesão, do dano estar presente no lesado e do nexo causal estar estabelecido entre o ato lesivo e o dano ao lesado, tem que constar, nesta relação, a culpa do agente causador do dano. Esta culpa caracteriza-se pela presença de dolo ou só de culpa no sentido estrito, ou seja, de imprudência, negligência ou imperícia. Por outro lado, a responsabilidade objetiva é aquela em que, presentes na relação entre o agente causador do dano e o lesado o ato lesivo, o dano no lesado e o nexo de causalidade entre este ato e este dano, não há que se falar em culpa para que fique caracterizada a necessidade de indenizar o lesado pelos prejuízos, de qualquer ordem, que porventura tenha sofrido. A presença de culpa é desnecessária para que se caracterize, juridicamente, a necessidade de indenizar o lesado pelos prejuízos dos quais tenha sido vítima. A relação contratual é aquela que se estabelece entre as partes, baseada na autonomia da vontade de ambas. Decorre de uma convenção entre elas, tornando-se lei aquilo que for acordado pelas mesmas. Já a relação extracontratual é aquela que se estabelece entre as partes, decorrente de disposições legais presentes em nosso ordenamento. Independe da vontade das partes e é regida por dispositivos que vigoram erga omnes. 34 Unidade II Re vi sã o: C ri st in a - Di ag ra m aç ão : F ab io - 0 8/ 08 /1 1 A obrigação de meio se dá quando aquele que é contratado não se compromete com um objetivo específico ou determinado. Ele obriga-se a utilizar (no cumprimento da obrigação que tem com o contratante) toda a sua diligência e prudência, de acordo com as técnicas usuais naquele momento, para executar o procedimento com o qual se comprometeu. A obrigação de resultado é, pelo contrário, aquela em que há um compromisso do contratado em atingir um resultado específico ou estabelecido para satisfazer o que se obrigou com o contratante. Quando não se atinge este resultado predeterminado, presume-se que o contratado agiu com culpa (culpa presumida). Nas obrigações de meio, o ônus da prova cabe ao autor, o que, aliás, é a regra geral em nosso ordenamento jurídico. Nas obrigações de resultado, devido à presunção de culpa, há inversão do ônus da prova, cabendo ao requerido provar a inverdade do que lhe é imputado. Observação A doutrina e a jurisprudência são unânimes em estabelecer que a atividade médica é regida pela responsabilidade subjetiva. Nesse sentido, é a inteligência do artigo 186 do Código Civil. A partir do advento do Código do Consumidor, em seu artigo 14, parágrafo 4°, o comando ficou ainda mais expresso: A responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação de culpa. Exemplo dos mais comuns em que se opera a relação de consumo do tipo contratual entre médico e paciente, é o que se refere à cirurgia estética. Neste tipo de operação, o médico vincula-se à obrigação de resultado (obtenção de determinado efeito prometido e esperado pelo paciente). Nesta hipótese, por tratar-se de uma obrigação de resultado, o que ocorre é a culpa presumida, devendo o médico, se for o caso, fazer prova em contrário. Ou seja: cabe ao profissional provar que não agiu com imprudência, negligência ou imperícia (até mesmo dolo), havendo uma inversão do ônus de provar. Essa responsabilização do médico, nestes termos referidos, decorre do vínculo que se estabelece entre este e o paciente, caracterizado como um contrato. Observação Pode tratar-se de uma relação extracontratual com o paciente nos casos, por exemplo, de atendimento de emergência ou, até mesmo, de 35 Re vi sã o: C ri st in a - Di ag ra m aç ão : F ab io - 0 8/ 08 /1 1 RESPONSABILIDADE CIVIL atendimento a um paciente já encontrado em estado de inconsciência, quando do primeiro contato com o médico. No caso da análise da relação contratual, o contrato que se estabelece entre o médico e o paciente não encontra uma colocação definida dentro dos contratos típicos ou nominados. Pode-se considerá- lo atípico ou inominado, já que seria um contrato de serviço intelectual, com características especiais, até de aleatoriedade, visto não se quantificar com precisão seu objetivo – obrigação de meio que é. Contrato livre, tácito quase sempre, e geralmente, não feito por escrito. Celebra-se este contrato pela simples comunhão de vontade entre as partes – médico e paciente, ali no consultório médico. Daí sua informalidade. E, não resta dúvida que, mesmo sendo uma obrigação de meio, cabe ao médico agir com diligência e prudência, para que venha a adimplir com aquilo pelo qual se obrigou, devendo atuar usando a melhor técnica compatível com o local e tempo do atendimento médico que realizar. Lembrete A cura não pode ser o objetivo maior devido à característica de imprevisibilidade do organismo humano – mormente em estado de doença, o que se reflete em limitações no exercício da medicina. Curar a dor é quase um ato divino. Ter a vida de um paciente, em suas mãos, esvaindo-se como grãos de areia na ampulheta, tendo que decidir os rumos a serem tomados, antes que seja tarde demais, é uma atribuição para verdadeiros vocacionados, como um sacerdócio estabelecido para o bem da coletividade (GAGLIANO; PAMPLONA, 2003, p. 238). Observação Em contrapartida, já não se pode dizer o mesmo quando estivermos frente a um atendimento médico por ocasião de uma cirurgia plástica estética. Para os casos de cirurgia plástica reparadora, cabe a caracterização de uma obrigação de meio. O estudo da responsabilidade civil do médico ganhou uma proporção maior nos debates forenses nos últimos anos com os chamados erros médicos. É possível verificar que, desde o Código de Hamurabi, a responsabilidade legal do médico foi prevista, estabelecendo uma punição para a conduta errônea do mesmo diante do paciente. Com a imagem do médico da família, profissional que cuidava do pai, filho e neto, que convivia no seio familiar com respeito e admiração, que poucos ousavam contestar os procedimentos e resultados, 36 Unidade II Re vi sã o: C ri st in a - Di ag ra m aç ão : F ab io - 0 8/ 08 /1 1 o erro e a morte raramente eram imputados a ele, sendo considerados frutos da incapacidade do meio hospitalar ou da ausência de medicamento adequado para a cura do paciente. Durante muito tempo, o médico era visto como um profissional cujo título lhe garantia a omnisciência, como profissional, amigo e conselheiro, figura de uma relação social que não admitia dúvida sobre a qualidade de seus serviços, e, menos ainda,a litigância sobre eles. O ato do médico se resumia na relação entre uma confiança e uma consciência. Entretanto, com a evolução da sociedade, as expectativas se ampliaram e com elas as obrigações e cobranças impostas pelo paciente ao médico, até mesmo por conta da rede de seguridade social, dos planos de saúde e dos convênios. Observação O advento da Constituição de 1988, do Código de Defesa do Consumidor e do Novo Código Civil fez com que inúmeras condições legais amplas para a discussão da atuação do profissional liberal ocorressem. O Direito não vilipendiou nenhuma das profissões liberais. Possibilitou, em verdade, ao cidadão comum, a discussão judicial de seu alegado direito, até para que não reste dúvidas, no seio social, acerca do procedimento adotado pelo profissional que conduz suas próprias atividades, sem interferência de outras pessoas, como um patrão, por exemplo. Interessante anotar que não há um conceito de erro médico, pois as particularidades da atuação do profissional devem ser avaliadas em cada caso, ainda mais diante do constante avanço da Medicina no aprimoramento e criação de técnicas e tratamento. A obrigação do médico não é, necessariamente, curar o doente, mas utilizar todo seu zelo e conhecimento profissional em cada caso. Ensina Monteiro (2003, p. 45) que “nos contratos de meio, o devedor obriga-se a empregar diligência, a conduzir com prudência para atingir a meta colimada pelo ato”. Observação Assim, a responsabilidade do médico há de ser apurada por meio da verificação da conduta do medido no cumprimento de sua obrigação de meio, mantida com o paciente. Deve o profissional de Medicina empregar os meios conhecidos, necessários e disponíveis para o tratamento do paciente, mas é evidente que não há como garantir o perfeito e matemático resultado do seu trabalho. 37 Re vi sã o: C ri st in a - Di ag ra m aç ão : F ab io - 0 8/ 08 /1 1 RESPONSABILIDADE CIVIL Na obrigação de resultado, o devedor obriga-se a realizar um fato determinado, a alcançar certo objetivo. É o caso típico do dever assumido pelo cirurgião plástico. Não atingindo o resultado estético pretendido, aflora a responsabilidade civil do profissional, que deverá indenizar o paciente pelo dano causado. Os pacientes, na maioria dos casos de cirurgia estética, não se encontram doentes, mas pretendem corrigir um defeito, um problema estético. Interessa-lhes, efetivamente e objetivamente, o resultado. Se o cliente fica com aspecto pior após a cirurgia, não se alcançando o resultado que constituía a própria razão de ser do contrato, cabe-lhe o direito à pretensão indenizatória. A indenização abrange, geralmente, todas as despesas efetuadas, danos morais e estéticos, bem como o pagamento de tratamentos e novas cirurgias. Neste diapasão, o Código do Consumidor veio facilitar sobremaneira os reclamos de maus serviços médicos, já que, por vezes, o acesso à Justiça era dificultado pela manutenção dos princípios tradicionais da responsabilidade civil subjetiva. A visão da vulnerabilidade do consumidor permitiu ao Estado lhe cobrir de maiores proteções, indicando que, mesmo havendo a celebração de um contrato, o polo hipossuficiente será o paciente. A possibilidade de alteração do ônus da prova gerou ainda uma novidade processual ímpar, ao indicar que poderá caber ao médico a prova de sua não responsabilidade. O juiz deverá verificar se é pertinente e verídica a alegação do consumidor ou efetivamente o seu estado de hipossuficiência, segundo as regras ordinárias de experiência. Assim os tribunais já entenderam: Responsabilidade civil. Médico e hospital. Inversão do ônus da prova. Responsabilidade dos profissionais liberais. Matéria de fato e jurisprudência do STJ (Resp. Nº 122.505-SP). 1. No sistema do Código de Defesa do Consumidor a “responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação de culpa” (art. 14, § 4º). 2. A chamada inversão do ônus da prova, no Código de Defesa do Consumidor, está no contexto da facilitação da defesa dos direitos do consumidor, ficando subordinada ao “critério do juiz, quando for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências” (art. 6º, VIII). Isso quer dizer que não é automática a inversão do ônus da prova. Ela depende de circunstâncias concretas que serão apuradas pelo juiz no contexto da facilitação da defesa” dos direitos do consumidor. E essas circunstâncias concretas, nesse caso, não foram consideradas presentes pelas instâncias ordinárias. 3. Recurso especial não conhecido. Data da decisão: 24/05/1999 - Órgão julgador: T3 - Terceira turma. STJ – Acórdão: Resp. 171988/RS; Recurso especial: 1998/0029834-7 - Fonte: DJ. Data: 28/06/1999 PG: 00104 BCC 38 Unidade II Re vi sã o: C ri st in a - Di ag ra m aç ão : F ab io - 0 8/ 08 /1 1 VOL.: 00194 PG: 00074 - JSTJ VOL.: 00008 - PG: 00294 - RT VOL.:00770 PG:00210 - Relator Min. Waldemar Zveiter. Indenização. Danos morais e materiais. Responsabilidade civil. Erro médico. Não ocorrência. Anestesia. Exame pré-operatório realizado. Ação improcedente. Código de defesa do consumidor. - Art. 6.º, INC. VIII - Inaplicabilidade. A responsabilidade civil dos médicos somente decorre de culpa provada, tendo em vista ter sido adotado o sistema de responsabilidade subjetiva pelo Código Civil, de forma que, não resultando provadas a imprudência, imperícia ou negligência, nem o erro grosseiro, fica afastada a obrigação de indenizar. - Recurso não provido. Apelação Cível Nº 360.533-8, da Comarca de Brasópolis. Indenização. Hospital. Responsabilidade objetiva. Erro na aplicação de medicamento. Culpa caracterizada do preposto. Responsabilidade subjetiva. Dano moral e dano estético. Desnecessidade de constituição de capital. É objetiva a responsabilidade do hospital por ato de preposto que cause dano à paciente internado sob seus cuidados, nos termos do que estabelece o Código de Proteção e Defesa do Consumidor, sendo, no entanto, subjetiva a responsabilidade do preposto, dependendo de comprovação de culpa. Demonstrado pelo conjunto probatório o erro de auxiliar de enfermagem ao diluir medicamento em substância incorreta, ocasionando na paciente parada cardiorrespiratória após aplicação da medicação, configurados se encontram os elementos necessários a ensejar o dever de indenizar o hospital à paciente em lide principal contra ele movida, assegurando-se o consequente direito de regresso contra seu preposto cuja culpa restou demonstrada. É possível a cumulação do ressarcimento do dano estético com o dano moral, desde que, em relação a este, ocorra deformidade física que exponha a vítima a constrangimentos, causando-lhe também a perda da autoestima, experimentando prejuízos em conviver ou suportar a lesão estética, que tem que ser indubitavelmente comprovada. Sendo o beneficiário da pensão incluído na folha de pagamento da empresa vencida, pode ela ser dispensada de constituir capital garantidor do pagamento, a critério do juiz. Número do Processo: 0328035-7 (7º) - Órgão Julgador: Terceira Câmara Cível - Recurso: Apelação (Cv) - Relator: Duarte de Paula - Data do Julgamento: 13/06/2001 - Dados da Publicação: Não publicado Apelação cível Nº 328.035-7 - Monte Carmelo. 5.2 Do advogado Como profissional liberal, o advogado responde civilmente pelos danos que causar ao cliente. Ele tem a liberdade e a independência na defesa do cliente, porém também tem obrigação de prudência. 39 Re vi sã o: C ri st in a - Di ag ra m aç ão : F ab io - 0 8/ 08 /1 1 RESPONSABILIDADE CIVIL Incorre em responsabilidade civil o advogado que, imprudentemente, não segue as recomendações do seu cliente. Nahipótese de consulta jurídica, o conselho insuficiente deve ser equiparado à ausência de conselho, o que também pode ocasionar a responsabilização do advogado. No Direito brasileiro, as seguintes as normas gerais podem ser aplicadas ao advogado: a) Art. 133 da Constituição Federal - estabelece a inviolabilidade do advogado por seus atos e manifestações no exercício da profissão. É norma de exoneração de responsabilidade, não podendo os danos daí decorrentes serem indenizados, salvo no caso de calúnia ou desacato; b) Art. 159 do Código Civil - regra básica da responsabilidade civil subjetiva, de um modo geral, que é aplicável aos profissionais liberais; c) Art. 32 da Lei nº 8.906/94 (Estatuto da Advocacia e da OAB) - responsabiliza o advogado pelos atos que, no exercício profissional, praticar com dolo ou culpa; d) Art. 14, § 4º, do Código do Consumidor – reforça, apesar de tratar em grande parte da responsabilidade objetiva, a verificação da culpa, no caso dos profissionais liberais. A responsabilidade civil do advogado assenta-se nos seguintes elementos: a) ato (ou omissão) de atividade profissional; b) dano material ou moral; c) nexo de causalidade entre o ato e o dano; d) culpa presumida do advogado; e) imputação da responsabilidade civil ao advogado. O advogado exerce atividade, entendida como complexo de atos teleologicamente ordenados, com caráter de permanência. A atividade de advocacia depende de requisitos, qualificações e controles previstos em lei. Ela obriga, e qualifica como culposa, a responsabilidade pelo dano decorrente de qualquer de seus atos de exercício. A culpa perdeu progressivamente o lugar privilegiado que ostentava, com o crescimento das hipóteses de responsabilidade objetiva. Porém, com relação ao advogado, ela será sempre presumida. O dolo, no caso do advogado, pode significar a existência, por exemplo, da lide temerária, quando houver coligação com o cliente para lesar a parte contrária. Isso é uma gravíssima infração à ética profissional e, também, acarretará responsabilidade solidária, tanto por dano material como por dano moral. Ao contrário da culpa, o dolo em lide temerária acarreta mais implicações ao advogado, já que este foi beneficiado diretamente e indevidamente. A lide temerária, no entanto, não se presume, nem pode ser decretada de ofício pelo juiz. Também não basta a prova da temeridade - que pode ser resultado da inexperiência ou da simples culpa do advogado. Deverá ser apurada em ação própria, proposta contra o advogado, pelo próprio cliente. 40 Unidade II Re vi sã o: C ri st in a - Di ag ra m aç ão : F ab io - 0 8/ 08 /1 1 Considera-se nula a cláusula de irresponsabilidade no contrato de prestação de serviços de advocacia, especialmente pelas novas dimensões do Código do Consumidor. Ele não excluiu o profissional liberal das regras sobre responsabilidade do fornecedor. Se assim fosse, tê-lo-ia retirado de seu campo de aplicação. Também não o remeteu à responsabilidade negocial do direito comum das obrigações. Sua responsabilidade é extranegocial nas relações de consumo. Observação Caberá ao cliente provar a existência do serviço, ou seja, a relação negocial entre ambos, e a existência do defeito de execução, que lhe causou danos, sendo suficiente a verossimilhança da imputabilidade. Cabe ao advogado provar, além das hipóteses comuns de exclusão de responsabilidade, que não agiu com culpa ou dolo. Se o profissional liberal provar isso, a responsabilidade não lhe poderá ser imputada. Essa é a inteligência possível do § 4º do art. 14 do Código do Consumidor, que impõe a verificação da culpa para responsabilizar o profissional liberal pelos defeitos do serviço que prestou. No caso do fornecedor de serviços em geral, cabe ao advogado o ônus da contraprova, em hipóteses que a lei delimita em numerus clausus: a) não houve defeito no serviço, e, portanto, dano ao consumidor; b) a culpa pelo defeito foi exclusivamente do consumidor; c) o dano foi pré-excluído, uma vez que o suposto defeito decorreu da adoção de novas técnicas. Além delas, devemos cogitar outras hipóteses de pré-exclusão de contrariedade a direito previstas no direito obrigacional comum, como o caso fortuito e a força maior, a legítima defesa e o estado de necessidade. A culpa exclusiva do consumidor, no caso dos serviços, é sempre mais difícil que no caso de produtos, máxime em se tratando de advocacia; todavia, ocorre como nos seguintes exemplos: o depoimento pessoal do cliente, que contradiz a linha de defesa do advogado; a falta de entrega de documento, imprescindível para o caso; a falta de adiantamento para pagamento do preparo do recurso; o prejuízo decorrente de negociação diretamente feita pelo cliente com a parte adversária, sem conhecimento do advogado etc. Acabamos de demonstrar que a situação específica do profissional liberal correspondia à responsabilidade por culpa presumida. Ela tem por efeito prático justamente a inversão do ônus da prova. É assim em todas as hipóteses consagradas no Direito comum, desde quando a legislação brasileira passou a presumir a culpa do transportador. Supõe-se que o profissional liberal é culpado pelo defeito do serviço, salvo prova em contrário, por ser a presunção juris tantum. Não se pode cogitar, em culpa presumida, que se atribua o ônus da prova ao consumidor, porque tornaria ineficaz a presunção. 41 Re vi sã o: C ri st in a - Di ag ra m aç ão : F ab io - 0 8/ 08 /1 1 RESPONSABILIDADE CIVIL Observação Como regra geral, a doutrina dominante diz que o profissional liberal assume obrigação de meio, sendo excepcionais as obrigações de resultado. Na obrigação de meios, a contrariedade a direito reside na falta de diligência que se impõe ao profissional, considerado o estado da arte da técnica e da ciência, no momento da prestação do serviço (exemplo: o advogado que comete inépcia profissional, causando prejuízo a seu cliente). O profissional não prometeria resultado, mas a utilização, com a máxima diligência possível, dos meios técnicos e científicos que são esperados de sua qualificação. O cliente que demanda o serviço do advogado para redação de algum ato jurídico (parecer, contrato, estatuto de sociedade etc.) procura evitar que algum problema futuro venha a lhe causar prejuízo. Tem-se assim tanto obrigação de meios como de resultado, o que torna inviável a dicotomia. Quando o cliente procura o advogado para ajuizar ação, não pretende apenas o patrocínio mais diligente, mas a maior probabilidade de resultado favorável. Em qualquer dessas situações, cabe ao advogado provar que não agiu com imprudência, imperícia, negligência ou dolo nos meios empregados e no resultado, quando de seu serviço profissional redundar dano. 6 RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO A responsabilidade civil do Estado vem sendo regulada diferentemente, ao longo do tempo, pelas diversas Constituições Brasileiras. Constituição Política do Império do Brasil de 1824: Art. 179, item 29 – Os empregados públicos são estritamente responsáveis pelos abusos e omissões praticados no exercício das suas funções, e por não fazerem efetivamente responsáveis aos infratores. Constituição Federal de 1891: Art. 82 – Os funcionários públicos são estritamente responsáveis pelos abusos e omissões em que incorrerem no exercício de seus cargos, assim como pela indulgência ou negligência em não responsabilizarem efetivamente os seus subalternos. Parágrafo único – O funcionário público obrigar-se-á por compromisso formal, no ato da posse, ao desempenho dos seus deveres. 42 Unidade II Re vi sã o: C ri st in a - Di ag ra m aç ão : F ab io - 0 8/ 08 /1 1 Constituição Federal de 1934: Art. 171 – Os funcionáriospúblicos são responsáveis solidariamente com a Fazenda nacional, estadual ou municipal, por quaisquer prejuízos decorrentes de negligência, omissão ou abuso no exercício dos seus cargos. § 1º - Na ação proposta contra a Fazenda pública, e fundada em lesão praticada por funcionário, este será sempre citado como litisconsorte. § 2º - Executada a sentença contra a Fazenda, esta promoverá execução contra o funcionário público. Constituição Federal de 1937: Art. 158 – Os funcionários públicos são responsáveis solidariamente com a Fazenda nacional, estadual ou municipal, por quaisquer prejuízos decorrentes de negligência, omissão ou abuso no exercício dos seus cargos. Constituição Federal de 1946: Art. 194 – As pessoas jurídicas de direito público interno são civilmente responsáveis pelos danos que os seus funcionários, nessa qualidade, causem a terceiros. Parágrafo único – Caber-lhes-á ação regressiva contra os funcionários causadores do dano, quando tiver havido culpa destes. Constituição Federal de 1967/69: Art. 105 – As pessoas jurídicas de direito público respondem pelos danos que seus funcionários, nessa qualidade, causem a terceiros. Parágrafo único – Caberá ação regressiva contra o funcionário responsável, nos caso de culpa ou dolo. Constituição atual de 1988: Art. 37, § 6º - As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa. Verifica-se pelas duas primeiras Cartas Políticas, a de 1824 e a de 1891, que os funcionários públicos eram direta e exclusivamente responsáveis por prejuízos decorrentes de omissão ou abuso 43 Re vi sã o: C ri st in a - Di ag ra m aç ão : F ab io - 0 8/ 08 /1 1 RESPONSABILIDADE CIVIL no exercício de seus cargos. Nenhuma responsabilidade se assumia perante terceiros prejudicados por atos de seus servidores. Imperava a teoria da irresponsabilidade do Estado pelos atos de seus servidores. Na vigência das Constituições de 1934 e de 1937, o princípio da responsabilidade solidária era observado. O prejudicado podia mover ação contra o Estado, ou contra o servidor público, ou contra ambos, bem como promover a execução de sentença da mesma forma, segundo o seu critério de conveniência e oportunidade. Lembrete A partir da Constituição Federal de 1946, adotou-se o princípio da responsabilidade em ação regressiva. Desapareceu a figura da responsabilidade solidária: não havia mais o litisconsórcio necessário. Com o advento do Código Civil de 1916, prevendo o princípio da regressividade e a elaboração de textos constitucionais a partir da Carta Política de 1946, adotou-se a teoria da responsabilidade objetiva do Estado. Interessante notar que, desde a Constituição de 1967, houve um alargamento na responsabilização das pessoas jurídicas de direito público pelos atos de seus servidores, pois se passou a abranger tanto as entidades políticas nacionais como as estrangeiras. Esse alargamento acentuou-se na Constituição de 1988, que passou a estender a responsabilidade civil objetiva às pessoas jurídicas de direito privado, prestadoras de serviços públicos. Determinados serviços públicos, ou não essenciais (ao contrário dos essenciais, como os concernentes à administração da justiça, à segurança pública etc.), podem ter as respectivas execuções delegadas aos particulares. De fato, não seria justo, nem jurídico, submeter o terceiro, vítima da ação ou omissão do concessionário, à difícil tarefa de comprovar a culpa do agente só porque o Estado delegou ao particular a execução da obra ou do serviço. Por isso, as empresas concessionárias, permissionárias e autorizadas de serviços públicos respondem objetivamente pelos danos causados por atos ou omissões de seus diretores, gerentes ou empregados. Observação Diante disso, é possível se verificar que a responsabilidade civil do Estado, em relação aos atos comissivos ou omissivos de seus agentes, é de natureza objetiva, isto é, prescinde da comprovação de culpa. Neste particular, houve uma evolução da responsabilidade civil no que tange ao Estado. Esta teoria é a única compatível com a posição do Poder Público ante os seus súditos, pois o Estado dispõe de uma força infinitamente maior que o particular. 44 Unidade II Re vi sã o: C ri st in a - Di ag ra m aç ão : F ab io - 0 8/ 08 /1 1 O Estado utiliza-se de toda uma infraestrutura material e pessoal para a movimentação da máquina judiciária e de órgãos que devam atuar na apuração da verdade processual. A doutrina da responsabilidade objetiva do Estado comporta exame sob o ângulo de três teorias objetivas: a teoria da culpa administrativa, a teoria do risco administrativo e a teoria do risco integral, conforme preleciona Meirelles (1990): Pela teoria da culpa administrativa, a obrigação de o Estado indenizar decorre da ausência objetiva do serviço público em si. Não se trata de culpa do agente público, mas de culpa especial do Poder Público, caracterizada pela falta de serviço público. Cabe à vítima comprovar a inexistência do serviço, seu mau funcionamento ou seu retardamento. Representa o estágio de transição entre a doutrina da responsabilidade civil e a tese objetiva do risco administrativo. Pela teoria do risco administrativo, basta tão só o ato lesivo e injusto imputável à Administração Pública. Não se indaga da culpa do Poder Público mesmo porque ela é inferida do ato lesivo da Administração. Basta a comprovação pela vítima, do fato danoso e injusto decorrente de ação ou omissão do agente público (p. 36). Essa teoria, como o próprio nome indica, é fundada no risco que o Estado gera para os administrados no cumprimento de suas finalidades que, em última análise, resume-se na obtenção do bem comum. Alguns membros da sociedade, atingidos pela Administração Pública no desempenho regular de suas missões, são ressarcidos pelo regime da despesa pública, isto é, a sociedade como um todo concorre para a realização daquela despesa, representada pelo pagamento de tributos. Daí porque, pode-se afirmar que o risco e a solidariedade fundamentam essa doutrina, que vem sendo prestigiada, entre nós, desde a Carta Política de 1946. Ela se assenta exatamente na substituição da responsabilidade individual do agente público pela responsabilidade genérica da Administração Pública. Observação Cumpre lembrar, entretanto, que a dispensa de comprovação de culpa da Administração pelo administrado não quer dizer que o Poder Público esteja proibido de comprovar a culpa total ou parcial da vítima para excluir ou atenuar a indenização. Assevera Meirelles (1990): Finalmente, pela teoria do risco integral, a Administração responde invariavelmente pelo dano suportado por terceiro, ainda que decorrente de culpa exclusiva deste, ou, até mesmo de dolo. É a exacerbação da teoria do risco administrativo que conduz ao abuso e à iniquidade social. 45 Re vi sã o: C ri st in a - Di ag ra m aç ão : F ab io - 0 8/ 08 /1 1 RESPONSABILIDADE CIVIL Essa teoria jamais vincou na doutrina e na jurisprudência e por isso mesmo nunca foi acolhida pelas diferentes Cartas Políticas de nosso país (p. 37). Vale destacar que a expressão funcionário público, empregada pelas diversas Cartas Políticas, deve ser interpretada em seu sentido mais amplo. Deve compreender, para fins de responsabilidade civil objetiva do Estado, qualquer pessoa incumbida da execução de qualquer obra ou serviço público. Deve ser sinônimo de agente administrativo ou agente público, isto é, todo aquele que presta serviços à Administração Pública,direta ou indireta. Há que se verificar que os agentes políticos (que são apenas os governantes e seus auxiliares diretos como Ministros e Secretários das diversas partes do Poder Executivo), também são tidos como funcionários públicos. Observação Para efeito de responsabilização civil do Estado, não importa que o agente público que praticou o ato ou a omissão administrativa estivesse irregularmente investido no cargo ou na função. O importante é que o dano causado a terceiro decorra da ação ou omissão do agente público no exercício de suas funções ou a pretexto de exercê-las. De fato, é indiferente para a vítima a qual título o causador do dano esteja vinculado à entidade política. Deste modo, o dano decorrente de abuso do agente público no exercício de suas atribuições não pode eximir o Estado da sua responsabilidade objetiva. Aliás, deveria até mesmo agravá-la, já que houve verdadeiramente a culpa in eligendo na escolha deste funcionário. Lembrete Deste modo, a partir da Constituição de 1946, é a teoria do risco administrativo que vem sendo adotada, combinada com o princípio da ação regressiva. A Carta Política de 1988 estendeu a responsabilidade objetiva do Estado às pessoas jurídicas de direito privado, prestadoras de serviços públicos. Atualmente, qualquer pessoa de direito público, nacional ou estrangeira, submeter-se-á ao preceito do § 6º do art. 37. O Estado responde objetivamente por dano causado por seu agente, em substituição à responsabilidade deste, sem indagação de culpa. E o ônus financeiro da assunção dessa responsabilidade objetiva é suportado por toda sociedade, que provê os cofres públicos por meio de tributos. 46 Unidade II Re vi sã o: C ri st in a - Di ag ra m aç ão : F ab io - 0 8/ 08 /1 1 O prejudicado pela ação estatal sempre terá o direito à indenização a ser pleiteada contra a Fazenda Pública ou contra a pessoa jurídica privada, prestadora de serviço público a que pertencer o agente causador do dano. A ação nunca é dirigida contra o agente público ou de quem faz as suas vezes. Estes se limitam a responder regressivamente ao Estado em casos de dolo ou culpa. Para a caracterização do direito à indenização, segundo a doutrina, devem concorrer as seguintes condições: a) a efetividade do dano - deve existir concretamente o dano de natureza material ou moral suportado pela vítima; b) o nexo causal - deve haver nexo de causalidade, isto é, uma relação de causa e efeito entre a conduta do agente e o dano que se pretende reparar. Inexistindo o nexo causal, ainda que haja prejuízo sofrido pelo credor, não cabe cogitação de indenização; c) oficialidade da atividade causal e lesiva imputável ao agente do poder público - a responsabilidade civil objetiva do Estado decorre da conduta comissiva ou omissiva de seu agente no desempenho de suas atribuições ou a pretexto de exercê-las. É indispensável que o agente pratique o ato no exercício da função pública ou a pretexto de exercê-la, sendo juridicamente irrelevante se ele é praticado em caráter individual; d) ausência de causas excludentes - a doutrina da responsabilidade objetiva adotada pela Carta Política está fundada na teoria do risco administrativo e não na teoria do risco integral. Por isso, a responsabilidade do Estado não é absoluta. Ela cede na hipótese de força maior ou de caso fortuito. Da mesma forma, não haverá responsabilidade do Estado havendo culpa exclusiva da vítima. No caso de culpa parcial da vítima, impõe-se a redução da indenização devida pelo Estado. São essas as regras básicas das excludentes. Lembrete Resumindo, o Estado sempre responderá objetivamente pelo dano causado ao administrado por ação ou omissão de seus agentes, desde que injustamente causado. Depois de ressarcir a vítima, poderá promover a ação regressiva contra o agente causador do dano, se houver culpa ou dolo deste. A existência do dolo ou da culpa é matéria que não diz respeito ao terceiro prejudicado pela atuação estatal. É assunto pertinente exclusivamente ao relacionamento funcional do agente com a entidade pública ou privada à qual se acha vinculado. Observação No caso de responsabilidade por atos legislativos e judiciais, parte da doutrina defende a responsabilidade civil do Estado quando se 47 Re vi sã o: C ri st in a - Di ag ra m aç ão : F ab io - 0 8/ 08 /1 1 RESPONSABILIDADE CIVIL tratar de leis inconstitucionais. Seria indenizável o dano causado por lei inconstitucional, porque, na realidade, o Estado não teria agido no exercício de sua função legislativa. Outros doutrinadores não admitem a responsabilidade do Estado por atos legislativos, porque a lei é uma norma geral e abstrata que atua sobre toda a coletividade. A responsabilidade pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, a que alude o texto constitucional, é a de natureza civil, contrapondo-se à responsabilidade criminal. O Poder Público e suas concessionárias, permissionárias e autorizadas respondem por perdas e danos por ação ou omissão de seus agentes, em conformidade com a teoria do risco administrativo, tanto para a indenização de danos materiais como para a de danos morais. 7 RESPONSABILIDADE CIVIL CALCADA NA RELAÇÃO DE CONSUMO 7.1 Nos contratos de transporte O transporte coletivo urbano tornou-se instrumento fundamental para o cumprimento das funções sociais e econômicas do Estado moderno. Mas, lamentavelmente, a sua dívida social neste campo é enorme, porquanto o transporte coletivo em nosso país se torna cada vez mais deficiente e até desumano. A falta de investimentos em transporte coletivo superlotou as cidades com veículos automotores que causam monstruosos engarrafamentos. Observação O transporte coletivo, atualmente, é um serviço público de interesse geral, cuja prestação se dá, via de regra, por meio de delegação (concessão ou permissão), nas formas do art. 175, da Constituição Federal. Vale destacar que o serviço público deve ser adequado, conforme disposto no art. 6º, da lei 8987/95. Por pelo menos três aspectos distintos pode ser examinada a responsabilidade do transportador: em relação aos seus empregados, em relação a terceiros e em relação aos passageiros. Com relação a terceiros, a responsabilidade do transportador é extracontratual. Não há entre eles nenhuma relação jurídica contratual. São estranhos até o momento em que ocorre o acidente, dele procedendo o vínculo jurídico ensejador do dever de indenizar. O art. 37, § 6º, da Constituição Federal dispõe ser esta responsabilidade objetiva, fundada no risco administrativo. Esse dispositivo constitucional só se aplica à responsabilidade extracontratual porque o texto fala em terceiros, e terceiro é quem não tem relação jurídica contratual com o causador do dano. A responsabilidade em relação aos empregados será fundada no acidente de trabalho, uma vez que há, entre a empresa e o empregado, uma relação contratual trabalhista. A indenização deverá ser 48 Unidade II Re vi sã o: C ri st in a - Di ag ra m aç ão : F ab io - 0 8/ 08 /1 1 pleiteada junto ao INSS. Mas, havendo dolo ou culpa do empregador, poderá ser também pleiteada uma indenização de Direito Comum, com base no art. 7º, XXVIII, da Constituição. Apenas em relação ao passageiro a responsabilidade do transportador será contratual, fundada no contrato de transporte, aspecto que passaremos a examinar com maior vagar. Por sua natureza, o transporte de passageiros é um contrato de adesão, uma vez que suas cláusulas são previamente estipuladas pelo transportador, às quais o passageiro simplesmente adere no momento da celebração. É, ainda, um contrato consensual, bilateral, oneroso e comutativo, posto que, paraa sua celebração, basta o simples encontro de vontades. Criam-se direitos e obrigações para ambas as partes e há um equilíbrio entre as respectivas prestações. Não é indispensável o bilhete ou passagem para a celebração do contrato, uma vez que ele é um instrumento formal. Nem mesmo o pagamento da passagem é elemento necessário para a consumação do contrato, configurando-se em posterior fase de execução do contrato. Sua característica mais importante é, sem sombra de dúvida, a cláusula de incolumidade que nele está implícita. A obrigação do transportador é de fim, de resultado, e não apenas de meio. Observação Em suma, entende-se por cláusula de incolumidade a obrigação que tem o transportador de conduzir o passageiro são e salvo ao lugar de destino. Ele não se obriga a tomar as providências e cautelas necessárias para o bom sucesso do transporte; obriga-se pelo fim, isto é, garante que o passageiro chegue ileso ao seu destino. O art. 17, do Decreto 2.681/12 (Lei das Estradas de Ferro) fala em culpa presumida. Com base na literalidade do texto, sustentou-se (e ainda há quem sustente) que a responsabilidade do transportador, em relação aos passageiros, é subjetiva, com culpa presumida. Nesse caso, inverte-se apenas o ônus da prova, cabendo ao causador do dano demonstrar que não agiu com culpa. Porém, verifica-se do dispositivo legal que, entre as causas exonerativas de sua responsabilidade, só se admitem o caso fortuito ou força maior e a culpa do viajante. Dessa forma, à luz do próprio texto em exame, é de se concluir que a responsabilidade do transportador, em relação aos passageiros, é objetiva, embora tenha a lei, por erronia terminológica, falado em culpa presumida. Hoje, é unânime o reconhecimento da responsabilidade objetiva do transportador, fundada na teoria do risco. Ocorrido o acidente que vitimou o viajante, subsistirá a responsabilidade do transportador, a despeito da ausência de culpa, já que é a única forma compatível com a cláusula de incolumidade, intrínseca ao contrato de transporte. O Código do Consumidor tem regra específica no art. 22 e parágrafo único. Ficou ali estabelecido que os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, além de serem obrigadas a fornecer serviços adequados, eficientes e 49 Re vi sã o: C ri st in a - Di ag ra m aç ão : F ab io - 0 8/ 08 /1 1 RESPONSABILIDADE CIVIL seguros, respondem pelos danos que causarem aos usuários, na forma prevista no Código de Defesa do Consumidor. Observação Com relação aos transportes, o Código do Consumidor fez mudar o fundamento dessa responsabilidade: agora, não é mais o contrato de transporte, mas sim a relação de consumo, contratual ou não. Mudou, também o seu fato gerador: não se perquire acerca do descumprimento da cláusula de incolumidade e sim se fala sobre o vício ou defeito do serviço, consoante o art. 14, CDC. O fornecedor do serviço terá que indenizar, desde que demonstrada a relação de causa e efeito entre o defeito do serviço e o acidente de consumo, chamado pelo Código de fato do serviço. O transportador só se exonera do dever de indenizar provando uma daquelas causas taxativamente enumeradas na lei: caso fortuito, força maior e culpa exclusiva da vítima. Entende-se por fortuito interno o fato imprevisível, e, por isso, inevitável, que se liga à organização da empresa, que se relaciona com os riscos da atividade desenvolvida pelo transportador. No caso dos transportes, o estouro de um pneu do ônibus, o incêndio do veículo e o mal súbito do motorista são exemplos de fortuito interno. Lembrete Tão forte é a presunção de responsabilidade do transportador que nem mesmo o fortuito interno o exonera do dever de indenizar; só o fortuito externo, isto é, o fato estranho à empresa, sem ligação alguma com a organização do negócio, é que pode exonerar o transportador. A culpa exclusiva do passageiro também exonera o transportador de responsabilidade. Trata-se de fato exclusivo do viajante. O fato exclusivo da vítima afasta a responsabilidade do transportador porque, quem dá causa ao evento é o próprio passageiro, e não o transportador. O art. 17 do Decreto 2.681/12, em seu inciso 2º, é expresso e claro a esse respeito: “culpa do viajante, não concorrendo culpa da estrada” (do transportador). No mesmo sentido, o art. 14, § 3º, do Código do Consumidor. O interessante no caso dos transportes é que, havendo qualquer participação do transportador, ainda que concorrente com a participação do passageiro, não se admitirá a causa exonerativa. Com relação à responsabilidade do terceiro, primeiramente se faz necessário classificá-lo. Deve-se entender por terceiro, alguém estranho ao binômio transportador-passageiro: qualquer pessoa que não guarde nenhum vínculo jurídico com o transportador. A Súmula 187 do Colendo Supremo Tribunal Federal enveredou-se pelo mesmo caminho, ao enunciar: 50 Unidade II Re vi sã o: C ri st in a - Di ag ra m aç ão : F ab io - 0 8/ 08 /1 1 A responsabilidade contratual do transportador, pelo acidente com o passageiro, não é elidida por culpa de terceiro, contra o qual tem ação regressiva. A súmula só fala em culpa de terceiro, e não em dolo. O fato culposo do motorista de um caminhão que choca o veículo com um coletivo, não elide a responsabilidade da empresa transportadora. Tal fato caracteriza-se como fortuito interno, relacionado com a organização do seu negócio. Tal já não ocorre com o fato doloso de terceiro. Este não pode ser considerado fortuito interno porque não guarda nenhuma ligação com os riscos do transportador. A melhor doutrina caracteriza o fato doloso de terceiro, como fortuito externo. Ele exclui o próprio nexo causal, equiparável à força maior, que, por via de consequência, exonera da responsabilidade o transportador. Observação Em grandes centros urbanos, tornou-se comum o arremesso de pedra contra ônibus ou trens, ferindo e até matando passageiros. Os assaltos também proliferaram no curso das viagens, deixando os passageiros despojados de seus bens, quando não se transformam em tragédia de morte. Neste sentido, se firmou a Corte do Superior Tribunal Federal: Responsabilidade Civil – Assassinato de passageiro em virtude de assalto praticado por desconhecido, num trem da REFISA durante a viagem – Ato de terceiro equiparável a caso fortuito Incidência de obstáculo previsto no art. 325, inciso V, do Regimento Interno do STF – Arguição de relevância rejeitada – Inocorrência de divergência da Súmula n. 187 do STF, por inexistir o nexo de causalidade entre o acidente e o transporte. (2ª Turma do STF, RE 99.978-7, Rel. Min. Djaci Falcão – revista Amagis XI/503). Por derradeiro, ressalte-se que a jurisprudência tem responsabilizado o transportador por assaltos, pedradas e outros fatos de terceiros ocorridos no curso da viagem somente quando fica provada a conivência dos seus prepostos, omissão ou qualquer outra forma de participação que caracterize a culpa do transportador. O contrato de transporte é consensual e se consuma pelo simples acordo de vontades. O pagamento da passagem não é rigorosamente necessário para fechar o contrato de transporte, uma vez que, em muitos casos, ele só é feito no curso ou no fim da viagem, ou até mesmo depois, como no caso de pagamento em prestação. O pagamento do preço da passagem já é fase de execução da obrigação assumida pelo passageiro. 51 Re vi sã o: C ri st in a - Di ag ra m aç ão : F ab io - 0 8/ 08 /1 1 RESPONSABILIDADE CIVIL A execução do contrato de transporte, no que respeita à obrigação do transportador, tem lugar quando se inicia a viagem. A partir daí, aquilo que se chamacláusula de incolumidade, passa a ter que ser respeitada, e persiste até o final da viagem. No transporte urbano, essa execução ocorre simultaneamente com a celebração do contrato; no transporte interestadual e aéreo, no qual a passagem é adquirida com antecedência, a execução tem lugar posteriormente. No caso das estradas de ferro e metrôs, a responsabilidade do transportador inicia-se com o ingresso do passageiro na estação de embarque, após passar pela roleta. Correto o entendimento, tendo em vista que a estação pertence à companhia, sendo ainda certo que o passageiro, após adentrar na plataforma de embarque, fica por conta e risco do transportador. Tratando-se de transporte rodoviário, tendo em vista que a estação de embarque não pertence à empresa transportadora, a execução do contrato tem início com o embarque do passageiro no veículo e só termina com o seu efetivo desembarque. Com relação ao transporte aéreo, a ausência de lei específica é o grande problema. Se a mesma assim existisse e se por força de um acidente o transportador se visse obrigado a descumprir as cláusulas do contrato pelo qual se obrigou a entregar o passageiro incólume em seu destino, naturalmente cumprir- lhe-ia reparar o dano, na forma do Direito comum. A Convenção de Varsóvia de 12 de outubro de 1929, ratificada pelo Brasil em 02 de maio de 1931 (Dec. 20.784, de 24-11-1931) dispôs sobre inúmeras situações de responsabilidade do transportador aéreo – artigos 17, 20, 21, 22, 23 e 25. Conforme se depreende dos dispositivos antes mencionados, para que a responsabilidade do transportador se caracterize, basta que sobrevenha o acidente e que a vítima se encontre a bordo da aeronave ou em operações de embarque e desembarque (art. 17). O transportador poderá eximir-se da responsabilidade se provar que foram tomadas todas as medidas necessárias para evitar o dano, ou que lhe foi impossível tomá-las (art. 20). A Convenção criou uma presunção de responsabilidade contra o transportador, invertendo o ônus da prova. Em vez de a vítima ter de provar a culpa do transportador, é ele quem terá que demonstrar que tomou todas as medidas necessárias para evitar o acidente. Observação Há certa divergência doutrinária acerca de ser de meio ou de resultado a obrigação do transportador. Em alguns países da Europa, o transporte é uma obrigação de resultado - o transportador se obriga a entregar o 52 Unidade II Re vi sã o: C ri st in a - Di ag ra m aç ão : F ab io - 0 8/ 08 /1 1 passageiro incólume em seu destino, e, quando não o faz, torna-se inadimplente, por conseguinte, responsável pela indenização. Somente se exclui a responsabilidade caso se demonstrasse que ocorreu caso fortuito ou de força maior. Para os Estados Unidos, a obrigação é de meio e, deste modo, o transportador se obriga apenas a agir com toda diligência e cuidado, empenhando-se em entregar o passageiro são e salvo ao seu lugar de destino. Deste modo, o transportador já se exonera do dever de indenizar, se demonstrar que agiu com diligência e os cuidados normais. O transporte aéreo é dividido em: internacional e interno (ou nacional). O primeiro é disciplinado pela Convenção de Varsóvia, ratificada por vários países. Cumpre destacar que a ela sofreu emendas do Protocolo de Haia, de 28/09/55. O transporte aéreo interno é regulado pelo Código Brasileiro de Aeronáutica - Lei 7.565/86. O art. 1º da Convenção de Varsóvia caracteriza como transporte internacional aquele cujos pontos de partida e de destino, haja ou não interrupção, estejam situados no território de duas altas partes contratantes, ou mesmo no de uma só, havendo escala prevista em território sujeito à soberania ou autoridade de outro Estado, seja ou não contratante. A responsabilidade do transportador aéreo prevista na Convenção de Varsóvia é subjetiva, com culpa presumida, conforme se extrai dos dispositivos transcritos: Responde o transportador pelo dano ocasionado por morte, ferimento ou qualquer outra lesão corpórea sofrida pelo viajante, desde que o acidente, que causou o dano, haja ocorrido a bordo de aeronave, ou no curso de quaisquer operações de embarque ou desembarque (art. 17). O transportador não será responsável se provar que tomou, e tomaram os seus prepostos, todas as medidas necessárias para que não se produzisse o dano, ou que lhe não foi possível tomá-las (art. 20, I). A interpretação atual tem sido no sentido de atribuir ao transportador aéreo responsabilidade objetiva, que não pode ser elidida nem pelo caso de força maior. “O fato do passageiro, concorrente ou exclusivo, pode atenuar ou elidir a responsabilidade do transportador” (art. 21). A peculiaridade da responsabilidade do transportador aéreo é a indenização limitada a um valor máximo consoante o art. 22, n. I, da referida Convenção, valor esse que tem sido objeto de inúmeras divergências e dificuldades na sua fixação. A limitação, todavia, deixa de existir, passando a ser fixada por meio das regras do direito comum, se houver dolo ou culpa grave por parte do transportador, de acordo com o art. 25, n. I, do mesmo diploma legal. O ônus da prova, nesse caso, caberá à vítima. Lembrete Após a vigência do Código do Consumidor, esta limitação passou a causar mais discussão. De um lado há os que sustentam que, sendo integral 53 Re vi sã o: C ri st in a - Di ag ra m aç ão : F ab io - 0 8/ 08 /1 1 RESPONSABILIDADE CIVIL o dever de indenizar estatuído pelo Código (art. 6º, VI), as hipóteses de responsabilidade civil tarifada não podem existir. De outro lado, há autores que defendem o princípio de que, no conflito entre a lei interna e o tratado, prevalece o tratado, deste modo, a Convenção de Varsóvia. Em que pese os entendimentos em contrário, apesar da Convenção retratar uma norma que passou a vigorar no ordenamento jurídico interno, com o advento do Código do Consumidor, lei específica, deve prevalecer esta última, primeiro porque no caso de conflito entre o tratado e a lei posterior, deve prevalecer esta última, e também porque representa a última vontade do legislador. A cláusula de não indenizar, ou destinada a estabelecer limite inferior ao fixado na Convenção, é expressamente considerada nula de pleno direito por força do art. 23 do próprio diploma. O transporte aéreo realizado exclusivamente dentro do território nacional é disciplinado pelo Código Brasileiro de Aeronáutica, cujos princípios, no que respeita a responsabilidade do transportador, não são diferentes daqueles consagrados pela Convenção de Varsóvia. A responsabilidade contratual do transportador aéreo está disciplinada no art. 256, do Código Brasileiro de Aeronáutica. A presunção de responsabilidade estabelecida nesse dispositivo é tão forte que só pode ser elidida “se a morte ou lesão resultar, exclusivamente, do estado de saúde do passageiro, ou se o acidente decorrer de sua culpa exclusiva” (art. 256, § 1º, “a”). Não há que se falar em caso fortuito interno ou externo, nem em fato exclusivo de terceiro. O Código do Consumidor derrogou os dispositivos que estabeleciam responsabilidade limitada para as empresas de transporte aéreo. Como prestadoras de serviço que são, estão submetidas ao regime daquele Código (art. 3º, §2º e art. 6º, X) que estabelece responsabilidade objetiva integral. São os entendimentos dos tribunais: Responsabilidade civil. Contrato de transporte. Prova indireta. Danos materiais e moral. 1 - As regras de experiência comum fixam-se diante dos procedimentos ordinários da sociedade (art. 335 do CPC) e, aliadas à prova indireta, servem à formação segura do convencimento do Juízo sobre a existência de um fato. 2 - Caracteriza-se o descumprimento da obrigação do transportador, ou o defeito do seu serviço, e enseja o dever deindenizar os danos material e moral daí decorrentes quando, em virtude da colisão do ônibus em que era transportado, o passageiro não chega incólume ao seu destino. 3 - Se da incapacidade decorrente da tensão física advinda com o acidente não resultou uma efetiva perda patrimonial, porque o 54 Unidade II Re vi sã o: C ri st in a - Di ag ra m aç ão : F ab io - 0 8/ 08 /1 1 passageiro estava em férias e não perdeu rendimento do trabalho, bem como não realizou gastos com médico ou medicamentos, inexiste dano material a ser indenizado. 4 - Mas esse estado físico do passageiro, ferido e total e temporariamente incapacitado durante o período de suas férias, é motivo de constrangimento capaz de atentar contra a sua dignidade e caracteriza o dano moral. (TJRJ. Apelação Cível Nº 2000.001.17471, Reg. em 30/03/2001, Quinta Câmara Cível, Rel. Des. Milton Fernandes de Souza, julgado em 20/02/2001). Direito civil. Indenização por danos morais. Transporte rodoviário. Roubo ocorrido dentro do ônibus. Inevitabilidade. Força maior. Exclusão da responsabilidade do transportador. Precedentes. Recurso desprovido. I - A presunção de culpa da transportadora comporta desconstituição mediante prova da ocorrência de força maior, decorrente de roubo, indemonstrada a desatenção da ré quanto às cautelas e precauções normais ao cumprimento do contrato de transporte. II - Na lição de Clóvis, caso fortuito é “o acidente produzido por força física ininteligente, em condições que não podiam ser previstas pelas partes”, enquanto a força maior é “o fato de terceiro, que criou, para a inexecução da obrigação, um obstáculo, que a boa vontade do devedor não pode vencer”, com a observação de que o traço que os caracteriza não é a imprevisibilidade, mas a inevitabilidade. Resp 264589/RJ ; Recurso especial (2000/0062816-6) DJ 18/12/2000 Relator(a) Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira Data da decisão 14/11/2000 Órgão julgador Quarta turma – STJ). Responsabilidade civil. Transportador. Limitação de indenização. Código de defesa do consumidor. Convenção de Varsórvia. Editada lei específica, em atenção à Constituição (Art. 5º, XXXII), destinada a tutelar os direitos do consumidor, e mostrando-se irrecusável o reconhecimento da existência de relação de consumo, suas disposições devem prevalecer. Havendo antinomia, o previsto em tratado perde eficácia, prevalecendo a lei interna posterior que se revela com ele incompatível. Recurso conhecido e não provido. (Resp 169000/ RJ; Recurso especial (1998/0022178-6) DJ 14/08/2000 Relator(a) Min. Paulo Costa Leite Data da decisão 04/04/2000 Órgão julgador Terceira turma – STJ). 55 Re vi sã o: C ri st in a - Di ag ra m aç ão : F ab io - 0 8/ 08 /1 1 RESPONSABILIDADE CIVIL Responsabilidade civil. Estrada de ferro. O arremesso de pedra, de fora do trem, produtor de lesão corporal em passageiro, é ato de terceiro que não implica a responsabilidade civil do transportador. Precedentes do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça. (RESP 108757/SP ; Recurso especial (1996/0060104-6) DJ 15/05/2000 Relator(a) Min. Fontes de Alencar Data da decisão 21/03/2000 Órgão julgador Quarta turma – STJ). Para Gonçalves (2010): Não há incompatibilidade entre o Código Civil e o Código de Defesa do Consumidor, visto que ambos adotam a responsabilidade objetiva do transportador; só elidível mediante a prova de culpa exclusiva da vítima, da força maior e do fato exclusivo de terceiro, porque tais excludentes rompem o nexo de causalidade. Malgrado não sejam todas mencionadas expressamente nos referidos diplomas, não podem deixar de ser aceitas como excludentes da responsabilidade do transportador, por afastarem, como mencionado, o nexo causal (p. 217). 7.2 O Código de Defesa do Consumidor Nas palavras de Gonçalves (2010): Os dois principais protagonistas do Código de Defesa do Consumidor são o consumidor e o fornecedor. Este é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados que desenvolvam atividades de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços. O conceito de fornecedor está, assim, intimamente ligado à ideia de atividade empresarial (p. 277). No âmbito das relações de consumo, a responsabilidade civil do fornecedor pode emergir em decorrência de diversas espécies de vícios dos produtos. Haverá, com isso, a responsabilidade civil por vícios de inadequação ou por vícios de insegurança, que recebem tratamento jurídico diferenciado pelo Código de Defesa do Consumidor. Observa-se que o regramento preocupa-se com a segurança dos consumidores, uma vez que impõe aos fornecedores o dever de colocar no mercado produtos indenes de vícios, sob pena de responsabilização. A mercadoria adquirida pelo consumidor deve corresponder a exatamente aquilo que dela se espera. A justa expectativa dos compradores e do público em geral frente aos produtos lançados no mercado é a de 56 Unidade II Re vi sã o: C ri st in a - Di ag ra m aç ão : F ab io - 0 8/ 08 /1 1 que eles funcionem regularmente, de acordo com a finalidade para a qual foram desenvolvidos e que, simultaneamente, ofereçam segurança aos seus usuários. Observação Os vícios de inadequação são aqueles que afetam a prestabilidade do produto, prejudicando seu uso e fruição ou diminuindo o seu valor. Ocorrem, ainda, quando a informação prestada não corresponde verdadeiramente ao produto, mostrando-se, de qualquer forma, impróprio para o fim a que se destina e desatendendo a legítima expectativa do consumidor. É o caso, por exemplo, da televisão que não tem boa imagem, do refrigerador que não mantém os produtos em baixa temperatura, da lata de extrato de tomate que não contém a quantidade informada na embalagem etc. Para proteger a legítima expectativa que tem o consumidor na qualidade e utilidade do produto, o Código Brasileiro de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90) adotou o princípio da confiança. O produto deve proporcionar ao consumidor exatamente aquilo que ele esperava ou deveria esperar quando o adquiriu. O fornecedor deve proporcionar ao consumidor as informações necessárias para o uso do produto, a fim de evitar que eventuais danos venham a ocorrer pela imperícia natural dos consumidores. Lembrete As informações devem ser claras, precisas e sem ambiguidades, de modo a não induzir o consumidor em erro, já que o fornecedor é responsável por aquilo que informa na oferta. Deste modo, surge para o produtor uma dupla obrigação: prover mercadorias adequadas às suas próprias finalidades e não colocar no mercado produtos que ofereçam riscos, além daqueles normais que lhe são intrínsecos e de conhecimento geral. A inadequação, portanto, pode ocorrer na qualidade do produto (prestabilidade) ou na sua quantidade (quando o peso ou a medida não correspondem à informação prestada pelo fornecedor ou à indicada na embalagem). Por isso, a classificação dessa espécie de vícios em vícios de inadequação na qualidade e vícios de inadequação na quantidade. A constatação desses vícios se faz por um critério objetivo, bastando a verificação de que a informação sobre a qualidade ou quantidade não corresponde verdadeiramente ao que o produto proporciona. No Código do Consumidor, os vícios de inadequação são tratados nos artigos 18 e seguintes. Os vícios de insegurança, por sua vez, são aqueles defeitos que fazem com que o produto seja potencialmente danoso à integridade física ou ao patrimônio do consumidor. Ocorrem quando a mercadoria não apresenta a segurança que dele legitimamente se espera, levando-seem consideração a 57 Re vi sã o: C ri st in a - Di ag ra m aç ão : F ab io - 0 8/ 08 /1 1 RESPONSABILIDADE CIVIL sua apresentação, o uso e os riscos normais, a época em que foi colocado em circulação, dentre outras circunstâncias e acabam expondo o consumidor a um dano patrimonial ou extrapatrimonial. Lembrete Os vícios de insegurança são tratados nos artigos 12 a 17 do diploma consumerista. Podem ocorrer, segundo a doutrina brasileira, em face de defeitos de projeto (ou concepção), defeitos de construção (ou execução), defeitos de desenvolvimento ou ainda defeitos de informação. A responsabilidade civil, na sistemática do direito do consumidor, ultrapassa as fronteiras da culpa, encontrando supedâneo na solidariedade social, base de uma responsabilidade sem culpa. O verdadeiro escopo dessa evolução é a preocupação de assegurar melhor justiça distributiva, de modo que o prejuízo causado a um consumidor seja suportado por toda a sociedade. Com efeito, a responsabilidade civil objetiva do fornecedor é o sistema de reparação de danos mais adequado aos tempos modernos. Em primeiro lugar, porque oferece maiores garantias de proteção às vítimas; além disso, porque os custos de ressarcimento devem recair sobre o fabricante e o fornecedor, a quem cabe controlar a qualidade e a segurança dos produtos; por fim, porque, ainda que o consumidor seja diligente, o fornecedor tem melhores condições de suportar o risco do produto, mediante, por exemplo, seguro de responsabilidade, cujo valor do prêmio se incorporará ao preço de venda, distribuindo-se o custo entre os próprios consumidores. Lembrete Acrescente-se que o fornecedor está em melhores condições de produzir a prova sobre o ocorrido, razão pela qual lhe é transferido o ônus de provar uma das causas excludentes de sua responsabilidade para que se exima de reparar o dano ou os prejuízos. Efetivamente, as dificuldades que tinham os consumidores na busca da prova, decorrentes principalmente do desconhecimento do processo industrial e da crescente automação, acabavam dificultando a imputação do fato lesivo ao seu autor. A responsabilidade decorre do simples fato de realizar a atividade de produzir, estocar, distribuir e comercializar produtos ou executar determinado serviço. Se o fornecedor introduz um risco para a sociedade, deve responder pelos prejuízos que causar. A doutrina brasileira, no entanto, foi além, criando uma nova modalidade de responsabilidade civil. Tendo em vista que a imputação decorre estritamente da lei, prescindindo da existência de culpa, e que a responsabilidade civil não deriva do contrato ou de ato ilícito, a doutrina brasileira tem chamado esse novo modelo de responsabilidade civil de responsabilidade legal, abrangendo nesse conceito tanto a 58 Unidade II Re vi sã o: C ri st in a - Di ag ra m aç ão : F ab io - 0 8/ 08 /1 1 responsabilidade do fornecedor que celebra o contrato com o consumidor, como a daquele fornecedor que tem vínculo contratual apenas com a cadeia de fornecedores. Essa responsabilidade legal dos fornecedores tem como fundamento a Teoria da qualidade, segundo a qual a lei imporia a toda a cadeia de fornecedores um dever de qualidade dos produtos que são colocados no mercado e dos serviços que são prestados. O Código do Consumidor ainda impôs a responsabilidade conjunta entre os fornecedores vinculados ou não por laços contratuais com o consumidor, o que demonstra a tendência moderna de ir além da responsabilidade contratual e extracontratual, centrando o dever de reparar na solidariedade social e na Teoria do risco. Com base nesses delineamentos, pode-se conceituar a responsabilidade civil (no direito consumerista brasileiro), como o dever jurídico que surge para o fornecedor em consequência de um vício de inadequação ou de insegurança do produto ou serviço, que cause um dano efetivo ao patrimônio, à integridade física ou à vida do consumidor. Os elementos identificadores e que geram a responsabilidade civil do fornecedor são, portanto, o vício (ou defeito) no produto, o dano (ou prejuízo) ao consumidor e o nexo de causalidade. Para obter a indenização, o consumidor somente precisa demonstrar a verossimilhança da existência desses três elementos, incumbindo ao fornecedor a prova de alguma das excludentes de sua responsabilidade. De acordo com a lei consumerista brasileira, ocorrendo o vício de inadequação na qualidade do produto e esse não sendo sanado num prazo máximo de trinta dias, surgem para o consumidor as seguintes alternativas: a) substituição do produto por outro da mesma espécie, em perfeitas condições de uso; b) restituição imediata da quantia paga, monetariamente atualizada, sem prejuízo de eventuais perdas e danos; c) abatimento proporcional do preço (art. 18, caput e § 1º). Esse prazo para o conserto do produto pode ser ampliado ou reduzido pelas partes, não podendo, contudo, ser inferior a sete nem superior a cento e vinte dias, sendo que, no caso de contrato de adesão, essa cláusula deve ser convencionada em separado (§ 2º). Se, em face da extensão do vício, a substituição das partes viciadas puder comprometer a qualidade ou as características do produto, diminuir-lhe o valor ou ainda no caso de se tratar de produto essencial, o consumidor poderá imediatamente se utilizar das alternativas referidas no § 1º do art. 18, antes mencionadas, sem precisar obedecer a qualquer prazo. Caso o consumidor tenha optado pela substituição do produto por outro de mesma espécie e isso não seja possível, poderá optar pela substituição por outro de espécie, marca ou modelo diversos, mediante eventual restituição de valores ou complementação da diferença de preços (§ 4º). 59 Re vi sã o: C ri st in a - Di ag ra m aç ão : F ab io - 0 8/ 08 /1 1 RESPONSABILIDADE CIVIL Os efeitos da responsabilidade civil por vícios de inadequação na quantidade do produto, por sua vez, estão previstos, como referido, no art. 19. Constatados os vícios de inadequação na quantidade do produto, surge, para a cadeia de fornecedores, o dever de reparar. Assim, poderá o consumidor optar por uma das seguintes alternativas: a) abatimento proporcional do preço; b) complementação do peso ou medida; c) substituição do produto por outro da mesma espécie, marca ou modelo, sem os aludidos vícios; d) restituição imediata da quantia paga, monetariamente atualizada, sem prejuízo de ressarcimento por eventuais perdas e danos (art. 19, incs. I a IV). Do mesmo modo do que ocorre na responsabilidade civil por vício de inadequação na qualidade, pode o consumidor, optar pela substituição do produto por outro de mesma espécie e, se esta não for possível, requerer a troca do produto por outro de espécie, marca ou modelo diversos, sem prejuízo da eventual complementação ou restituição de valores (§ 1º). Observação Cabe ressalvar que, em qualquer contrato de consumo, é vedada a pactuação de cláusula que impossibilite, atenue ou exonere o fornecedor da responsabilidade de indenizar em face da ocorrência de vícios de inadequação ou de insegurança, sendo que a garantia legal do produto independe de termo expresso (artigos 24 e 25). A responsabilidade civil do fabricante por vícios de insegurança é efeito lógico de um acidente de consumo, que ocorre quando o produto não apresenta a segurança que dele legitimamente se espera e acaba causando dano ao consumidor. Tratam os artigos 12 a 17 da responsabilidade civil por fato do produto. Falta, contudo, no rol de responsáveis estabelecido no art. 12, menção expressa ao fabricante aparente, ou seja, àquelas redes de varejo que oferecem diversificada linha de produtos com sua própria marca, como se fabricantes fossem, quando,na verdade, o produto é fabricado por um terceiro oculto, a pedido da rede varejista. O importante e inovador conceito, introduzido pelo art. 12 é a responsabilização independente da existência de culpa, o que facilita ao consumidor a busca por uma justa indenização. Segundo a lei consumerista brasileira, são pressupostos para a responsabilidade civil do fabricante por defeitos nos produto: a) falha na segurança do produto; b) colocação do produto no mercado; c) dano; d) nexo de causalidade. 60 Unidade II Re vi sã o: C ri st in a - Di ag ra m aç ão : F ab io - 0 8/ 08 /1 1 Por produto inseguro, deve-se entender aquele que é potencialmente danoso, ou seja, que possui um defeito capaz de, pela sua utilização, lesionar o consumidor. A simples fabricação de um produto com um defeito não enseja, por si só, a responsabilidade civil, sendo necessária a sua colocação no mercado. É irrelevante, para a configuração de responsabilidade, que as vítimas sejam parte da cadeia de circulação jurídica do produto, que mantenham com este mera relação de fato decorrente de uso ou consumo, ou que simplesmente tenham se exposto aos efeitos do seu campo de periculosidade. As regras da exclusão, mesmo nesta responsabilidade objetiva, são as causas que importam no rompimento do nexo de causalidade e acabam afastando a responsabilidade civil. Assim, dispõe o § 3º do art. 12 que o fornecedor não será responsabilizado se provar: a) que não colocou o produto no mercado; b) que, embora tenha colocado o produto no mercado, o defeito inexiste; c) culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro. A não colocação do produto no mercado pressupõe que o fornecedor-produtor prove que não é sua a autoria da fabricação do produto ou que o fornecedor não foi responsável pela sua circulação. À guisa de exemplo, excluirá a responsabilidade do fornecedor a sabotagem, o furto e o roubo, na hipótese de ser o infrator quem colocou o produto em circulação. Nesses casos, caberá ao fornecedor a prova de tal fato. A excludente não beneficia o fornecedor, todavia, nos casos em que o produto é posto no mercado por ato de preposto ou em decorrência da falta de diligência na guarda do produto. A prova de que o vício de insegurança inexiste incumbe ao fornecedor. Ao lesado, cabe tão somente demonstrar a verossimilhança do que alega, permitindo um juízo de probabilidade ao julgador, como, por exemplo, a demonstração de que já ocorreu outro acidente de consumo em relação a idêntico produto. Observação O Código do Consumidor não prevê como causas de exclusão de responsabilidade o caso fortuito e a força maior, o que gera indagações a respeito. Para verificar se o caso fortuito e a força maior atuarão como excludentes de responsabilidade do fornecedor, deve ser analisado o momento de sua ocorrência. Caso aconteçam na concepção ou na produção, ou, ainda, quando o produto está sob a guarda do comerciante, o caso fortuito e a força maior não devem funcionar como eximentes de responsabilidade do fornecedor. Entretanto, se o caso fortuito e a força maior sobrevierem depois da tradição (entrega) do produto ao consumidor, não terão os fornecedores qualquer responsabilidade. 61 Re vi sã o: C ri st in a - Di ag ra m aç ão : F ab io - 0 8/ 08 /1 1 RESPONSABILIDADE CIVIL 8 RESPONSABILIDADE CIVIL DECORRENTE DO ARTIGO 932 DO CÓDIGO CIVIL 8.1 Dos pais por atos dos filhos “Pela ordem natural da vida, os pais – biológicos ou adotivos, pouco importa – são responsáveis por toda a atuação danosa atribuída aos seus filhos menores” (GAGLIANO; PAMPLONA, 2003, p. 169). A responsabilização dos pais por danos causados pelos filhos menores teve um precedente importante na jurisprudência argentina: o caso Necochea. A decisão teve origem na cidade de Necochea, onde a Cámara de Apelación en lo Civil, Comercial y de Garantias en lo Penal, ordenou aos pais de dois jovens condenados por assassinar um taxista o pagamento de indenização à esposa e aos três filhos do falecido. A decisão fixou o montante de $152.914 pesos (cerca de R$127.000,00) para o ressarcimento dos danos morais e patrimoniais, incluídos também os gastos de sepultamento despendidos pela família. Os jovens contavam 19 e 18 anos (o art. 126 do Código Civil argentino estabelece a menoridade até 21 anos) na data do fato. A patria potestad (poder paternal, equivalente ao nosso pátrio poder) é o principal fundamento jurídico da responsabilidade dos pais pelos danos causados por seus filhos menores (art. 264 do Código Civil argentino). Entre os deveres elencados neste artigo, estão os de vigilância, cuidado e educação, e a previsão existe para que, por meio de sua observância, se procure evitar a prática de condutas danosas para si e para toda a sociedade. A obrigação entre os pais é, no ordenamento argentino, de caráter solidário. No caso de pais que não mantêm o vínculo conjugal, será responsabilizado apenas o que vive com o jovem, salvo se, no momento da produção do ato danoso, o menor esteja em companhia do outro genitor (art. 1.114 do Código Civil argentino). A responsabilidade é indireta, presumindo sua culpa pelo descumprimento dos deveres de educação e vigilância ativa que têm a obrigação de exercitar sobre os menores. Essa vigilância, como citado na decisão, nada mais é do que proporcionar a seus filhos uma boa educação, formar-lhes hábitos e comportamentos adequados para a convivência social, especialmente fora do lar, na rua, onde não encontram a natural e lógica proteção, evitando que sejam partícipes de fatos ilícitos. A vigilância ativa que devem exercitar os pais sobre seus filhos menores não consiste em sua efetiva presença em todos os momentos, senão na educação formativa do caráter e dos hábitos dos menores. Ainda quando o pai prove que exerceu o devido cuidado e diligência, demonstrando que seu comportamento foi adequado, não estará livre de responsabilidade civil, porque sobre ele pesa a presunção de defeito de educação a partir do fato cometido (art. 1.116 do Código Civil argentino). Não significa proibir o menor de realizar livremente suas atividades, mas sim reprimir as más inclinações por meio do processo evolutivo, quiçá interminável. Assim, a vigilância ativa é conduta que se deve observar sem interrupção, porque é exigência do atual momento da pessoa por quem se é responsável, e basta um segundo para demonstrar que dela se careceu. 62 Unidade II Re vi sã o: C ri st in a - Di ag ra m aç ão : F ab io - 0 8/ 08 /1 1 Em síntese, são pressupostos para a responsabilização, no ordenamento argentino, a menoridade, o exercício da patria potestad (do pátrio poder) e a convivência do menor com os pais. No nosso Direito civil, vale a pena distinguir algumas mudanças trazidas pelo Código Civil de 2002, com relação ao texto do Código Civil de 1916. Na sistemática do Código Civil de 1916, o artigo 1.521 somente admitia a responsabilidade dos pais pelos atos ilícitos praticados pelos filhos menores que estivessem sob o seu poder e companhia. Assim determinava o referido artigo: Art. 1.521. São também responsáveis pela reparação civil: I - os pais, pelos filhos menores que estiverem sob seu poder e em sua companhia; II - o tutor e o curador, pelos pupilos e curatelados, que se acharem nas mesmas condições; III - o patrão, amo ou comitente, por seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou por ocasião dele (art. 1.522); IV - os donos de hotéis, hospedarias, casas ou estabelecimentos, onde se albergue por dinheiro, mesmo para fins de educação, pelos seus hóspedes, moradores e educandos; V - os que gratuitamente houverem participado nos produtos do crime, até à concorrente quantia.
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