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Nota de Aula - Direito Civil - Obrigações 11

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Universidade Federal do Ceará-U.F.C..
Faculdade de Direito.
Departamento de Direito Privado.
Disciplina: Direito Civil- Obrigações.
Candidato: William Paiva Marques Júnior.
10.1. Introdução. 
Consoante o consagrado princípio da obrigatoriedade dos contratos (pacta sunt servanda), os contratos devem ser cumpridos. O descumprimento do avençado nos contratos, implica, por conseqüência, na responsabilização da parte inadimplente no cumprimento das obrigações por perdas e danos.
Neste jaez, dispõe o art. 389 do CCB: “Art. 389. Não cumprida a obrigação, responde o devedor por perdas e danos, mais juros e atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e honorários de advogado”.
Na aplicabilidade do Art. 318 do CCB/2002 decidiu o STJ� que a liberdade contratual integrada pela boa-fé objetiva acrescenta ao contrato deveres anexos, entre os quais, o ônus do credor de minorar seu prejuízo buscando soluções amigáveis antes da contratação de serviço especializado. 
O princípio pacta sunt servanda, bastante defendido pelo liberalismo jurídico-econômico, segundo a maioria da doutrina, encontra-se a fenecer para o Direito Civil, uma vez que a distribuição das obrigações atinentes às disposições contratuais não podem ficar totalmente à mercê da vontade das partes, em razão do caráter cogente da maioria das normas de ordem pública que regem a disciplina. Da mesma forma, não constitui destempero lembrar que existem cláusulas irrevogáveis, fixadas pela legislação, com a finalidade de proteger o consumidor, o meio ambiente, o trabalhador hipossuficiente, direitos de grupos minoritários etc.
A Lei Faillot editada em 1918 na França resgatou do Direito a aplicabilidade da cláusula rebus sic stantibus, inaugurando a teoria da imprevisão no mundo moderno. Os requisitos da aplicabilidade da teoria da imprevisão são: (1) contrato de trato sucessivo; (2) contrato comutativo; (3) onerosidade excessiva; (4) imprevisibilidade/extraordinariedade; (5) inexistência de culpa. O art. 317 do CCB/2002 também é base legal da referida teoria em nosso ordenamento jurídico: “Art. 317. Quando, por motivos imprevisíveis, sobrevier desproporção manifesta entre o valor da prestação devida e o do momento de sua execução, poderá o juiz corrigi-lo, a pedido da parte, de modo que assegure, quanto possível, o valor real da prestação”. A onerosidade excessiva deve estar presente de forma superveniente à formação do contrato. 
Dispõe Otávio Luiz Rodrigues Júnior� que a aludida lei francesa representou um símbolo histórico e jurídico do fim de uma era. A partir de 1.918, a autonomia privada da vontade seria relativizada e interpretada ante os princípios há muito esquecidos e desprestigiados. E, paradoxalmente, a causa de sua ruína foi o resgate da cláusula rebus sic stantibus. Criou-se uma nova expressão dessa antiga cláusula. 
A redação do dispositivo supratranscrito tem por requisito o não-cumprimento voluntário da obrigação, ou seja, a culpa. Em princípio, todo inadimplemento presume-se culposo. Incumbe ao inadimplente o ônus da impugnação desta presunção normativa, ao demonstrar a ocorrência de caso fortuito e força maior, na forma prevista pelo art. 393 do CCB. 
Ao explicar o vínculo existente entre o credor e o devedor no campo do Direito Romano, elucida Agerson Tabosa Pinto�:
“A expressão, como vimos, está na própria definição de JUSTINIANO. É o liame invisível, mas real, que liga os sujeitos da relação jurídica. A sujeição que essa ligação produzia era tão forte que, até a Lex Poetelia Papiria (326 a.C.), podia ter expressão material: o devedor insolvente, por exemplo, podia ser amarrado pelo credor e levado à feira para ser vendido (trans Tíberim), como escravo. Era também o que revelavam expressões usuais da linguagem do direito obrigacional, como nexus, mancipatio, manus injectio”. 
Ultrapassada a fase atinente ao Direito Romano, a responsabilidade civil pelo inadimplemento das obrigações é de nítido caráter patrimonial. Neste sentido, dispõe o art. 391 do Código Civil: “Art. 391. Pelo inadimplemento das obrigações respondem todos os bens do devedor”.
Sobre as perdas e danos como corolário da inexecução das obrigações, dispõe Clóvis Beviláqua�:
“Embóra a vontade manifestada entre os contractantes tenha para elles força de lei, contudo, como não é admissível que, por seu alvedrio, possam derrogar preceitos de ordem publica, serão nullas as estipulações tendentes a eximir, previamente, o devedor de toda responsabilidade por seu dolo ou culpa grave”. 
Nas hipóteses de não-cumprimento da obrigação e de cumprimento imperfeito, com inobservância do modo e do tempo convencionados, a consequência é a mesma: o nascimento da obrigação de indenizar o prejuízo causado ao credor. Nas obrigações negativas, aplica-se o disposto no art. 390 do CC: “Art. 390. Nas obrigações negativas o devedor é havido por inadimplente desde o dia em que executou o ato de que se devia abster”. A satisfação das perdas e danos tem por finalidade recompor a situação patrimonial da parte lesada pelo inadimplemento contratual. Por isso, devem ser elas proporcionais ao prejuízo efetivamente sofrido. Se, em vez do inadimplemento, ocorrer a mora, sendo, portanto, ainda proveitoso para o credor o cumprimento da obrigação, responderá o devedor pelos prejuízos decorrentes do retardamento, de acordo com o art. 395 do CCB: “Art. 395. Responde o devedor pelos prejuízos a que sua mora der causa, mais juros, atualização dos valores monetários segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e honorários de advogado. Parágrafo único. Se a prestação, devido à mora, se tornar inútil ao credor, este poderá enjeitá-la, e exigir a satisfação das perdas e danos”. 
Ante o exposto, tem-se que o inadimplemento da prestação ocasiona uma crise na relação jurídica obrigacional, pois esta não produzirá todos os efeitos programados por credor e devedor, o que abre a necessidade de aplicação das disposições normativas do Código Civil.
10.2. Espécies. 
Mora e inadimplemento absoluto são espécies do gênero inadimplemento, porém apresentam características distintas. Em comum, o fato de que ambos referem-se ao descumprimento da prestação principal: dar, fazer ou não fazer. O inadimplemento absoluto resulta da completa impossibilidade de cumprimento da obrigação , a mora é a sanção pelo descumprimento de uma obrigação que ainda é possível, pois, apesar de não realizada , há viabilidade de adimplemento posterior.
            Conforme a primeira parte do artigo 389 do Código Civil: “não cumprida a obrigação, responde o devedor por perdas e danos ...”. O inadimplemento absoluto é forma de incumprimento das obrigações. Verificada também nas palavras de Agostinho Alvim (1955, p.25): “quando a obrigação não foi cumprida e nem pode ser”.
            As perdas e danos estão diretamente ligados ao artigo 389 do Código Civil, pois este como já dito refere-se ao inadimplemento absoluto. O inadimplemento deriva da culpa lato sensu, abrangendo o descumprimento voluntário, bem como aquela violação contratual que não seja intencional, mas resulte da responsabilidade por falta de diligência. Assim como escreve Arnaldo Rizzardo: “pense-se que jamais se pode alijar a teoria da indenização contratual do pressuposto do art. 186”.
Portanto, se o devedor não justificar o descumprimento pela exteriorização do caso fortuito, força maior ou da modificação da base objetiva do negócio jurídico, deverá arcar com as consequências do inadimplemento.
O Inadimplemento absoluto pode ser total ou parcial. Será total quando a obrigação é completamente descumprida. Já o parcial tem lugar quando a prestação é entregue apenas em uma de suas partes. Observe-se o exemplo de Gustavo Tepedino (2004, p.692):
Será parcial o inadimplemento absoluto da agência de turismo que promove uma excursão envolvendo visitas a diversas cidades, mas não leva o viajante a uma delas porque deixou de confirmar, com a antecedência necessária, a hospedagem no hotel pré agendadoe não foi capaz de alojar os seus contratantes em outro estabelecimento; a viagem fora, portanto, realizada, mas acabou descumprida, de modo definitiva, uma das obrigações definidas no contrato.
            Desta maneira o credor não será obrigado a receber por partes, se assim não se ajustou (art. 314, CC), poderá responsabilizar o devedor pelo irremediável descumprimento da parcela contratual.
10.2.1. Por fato relativo ao objeto da prestação. 
	O inadimplemento absoluto pode ocorrer de duas maneiras: por fatos relativos ao objeto da prestação ou por fatos concernentes ao interesse do credor na realização da prestação.
            O inadimplemento por impossibilidade do objeto da prestação pode ser total ou parcial, conforme ocorra o perecimento ou a deterioração da coisa. Nelson Rosenvald traz exemplos da perda total da prestação e da deterioração do objeto que ocasiona a perda parcial do objeto (2008, p.391):
“Impossibilidade de entrega do carro em razão de destruição por acidente provocada por negligência do devedor, o credor pleiteará indenização substitutiva pelo perecimento do objeto. E no caso de carro acidentado, com danos hidráulicos, duas opções se abrem ao credor diante do inadimplemento parcial: poderá pleitear a indenização, já que não é obrigado a receber do devedor bem diverso daquele que lhe é devido (art. 313, CC) ; com também poderá deliberar por receber a coisa avariada, em qualquer das duas opções, acrescida de indenização complementar (art. 236, CC)”.
É bom lembrar que não será afastada a hipótese de inadimplemento absoluto parcial, quando a obrigação não é cumprida em uma ou mais parcelas, substituindo o restante. Veja o exemplo: quando a prestação recai sobre a entrega de quatro motocicletas e uma delas perecem por negligência do devedor, subsistirá a obrigação no remanescente.
            Nas obrigações de dar coisa incerta, antes da fase própria da escolha e individualização do débito pelo credor ou devedor, não se pode cogitar perdas e danos, pois o gênero nunca perece (art. 246, CC).
10.2.2. Por fato relativo ao interesse do credor
O inadimplemento absoluto pode ainda derivar da ausência de interesse do credor em receber a prestação, pois a mora fez com que ela se tornasse inútil. A prestação torna-se inviável ao credor. Em princípio, o atraso no cumprimento da prestação propicia apenas uma situação de mora possível de cumprimento pelo devedor. Porém, em diversas oportunidades não será interessante ao credor receber uma prestação tardia, por dela não mais extrair efeitos relevantes. É o que se concebe como caráter transformador da mora em inadimplemento absoluto. Não basta uma diminuição do interesse do credor pela prestação, em face da infração ao combinado; fundamental é a completa perda da necessidade e utilidade da coisa em face do descumprimento.
            A viabilidade da prestação deve ser determinada pelo ângulo do interesse econômico do credor em receber, não do devedor em prestar. O inadimplemento absoluto é captado pela lente do credor e independe do desejo do devedor cumprir a prestação, mesmo que tardiamente, veja-se o exemplo de Nelson Rosenvald:
“A adquire um veiculo de B com a finalidade de negociá-lo em seguida com C. B viola o contrato e se recusa a entregar o veiculo ao comprador A na data marcada. O eu poderia significar uma mera situação de mora do devedor, converte-se em inadimplemento absoluto, caso o terceiro C celebre negócio com D, em razão do atraso verificado. Consequentemente, o credor A perdeu definitivamente o interesse pelo automóvel, constituindo-se o inadimplemento absoluto. A buscará a resolução do contrato com pleito ressarcitório contra B. A mora gerou a inutilidade da prestação, e as perdas e danos – de caráter substitutivo – traduzirão a conversão da coisa devida em seu equivalente pecuniário”. 
            A omissão do devedor em atender à prestação tempestivamente, recusando-se pura e simplesmente a cumprir voluntariamente o débito, somente caberá a resolução da avença se não for do interesse financeiro do credor exigir a tutela da prestação, na forma do artigo 461 do Código de Processo Civil.
10.2.3. Caso fortuito e força maior.
O caso fortuito e a força maior constituem excludentes da responsabilidade civil, contratual ou extracontratual, pois rompem o nexo de causalidade.
Neste sentido, dispõe o art. 393 do Código Civil: 
“Art. 393. O devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado. Parágrafo único. O caso fortuito ou de força maior verifica-se no fato necessário, cujos efeitos não era possível evitar ou impedir”.
Não é raro que os indivíduos sofram danos em razão de fatos que se afiguram imprevisíveis, aqueles eventos que, por alguma causa, ocorrem sem que as pessoas possam pressenti-los e até mesmo preparar-se para enfrentá-los e evitar os prejuízos, às vezes vultosos que ocasionam. 
É lícito, porém, às partes, por cláusula expressa, convencionar que a indenização será devida em qualquer hipótese de inadimplemento contratual, ainda que decorrente de caso fortuito ou força maior. 
Inovação oriunda da interpretação feita a partir do §único do art. 393 Código Civil de 2.002 é a ausência de distinções entre o caso fortuito e a força maior. Há várias teorias tradicionais que procuram distinguir as excludentes e realçar seus traços peculiares. O legislador de 2.002, no entanto, encarou-as sob o viés da fungibilidade conceitual, até mesmo por considerar a enorme cizânia doutrinária e jurisprudencial. Passa-se a um novo momento, qual seja: o traço característico das excludentes é a inevitabilidade (evento alheio à vontade das partes, quer seu fato gerador seja uma conduta humana ou um evento oriundo das forças da natureza).
São fatos imprevisíveis aqueles eventos que constituem o que a doutrina e a legislação têm denominado de caso fortuito e força maior. Não será feita a distinção entre ambos os institutos devido à cizânias doutrinárias, conforme abaixo demonstrado e ao fato de que o Novo Código Civil equiparou os mesmos. 
Ao comentar o disposto no art. 393, §único do CCB, assim se manifesta Mário Luiz Delgado Régis�: 
“Caso fortuito ou força maior: Foram empregados pelo legislador como sinônimos, mas doutrinariamente não se confundem, muito embora os autos divirjam sobre as diferenças entre os dois eventos. Os conceitos, muitas vezes, chegam a ser diametralmente opostos. Optamos por seguir a corrente dos que entendem ser o caso fortuito o acidente que não poderia ser razoavelmente previsto que não poderia ser razoavelmente previsto, decorrente de forças naturais ou ininteligentes, tais como um terremoto, um furacão etc. (Clóvis Beviláqua, João Luiz Alves, Tito Fulgêncio e Carvalho de Mendonça). A força maior, tomando por empréstimo a definição de Huc, seria ‘o fato de terceiro que criou, para execução da obrigação, um obstáculo, que a boa vontade do devedor não pôde vencer (...). Exemplos de força maior: a guerra, o embargo de autoridade pública que impede a saída de navio do porto, etc. Os efeitos do caso fortuito e da força maior são idênticos: isentar o devedor da responsabilidade pelo descumprimento da obrigação. Salvo se o devedor houver assumido por cláusula expressa a responsabilidade pelo descumprimento, mesmo ocorrendo caso fortuito ou força maior.”
Porém, Carlos Roberto Gonçalves�, esclarece a indistinção legal para após reconhecer o antigo critério de distinção nas delimitações conceituais: 
“O parágrafo único supratranscrito, como se observa, não faz distinção entre um e outro. Em geral, a expressão caso fortuito é empregada para designar fato ou ato alheio à vontade das partes, ligado ao comportamento humano ou ao funcionamento de máquinas ou ao risco da atividade ou da empresa, como greve, motim, guerra (...). E força maior para os acontecimentos externos ou fenômenos naturais, como raio, tempestade, terremoto, fato do príncipe (fait du prince) etc” 
Acerca dos institutosora referenciados, preleciona Fabrício Zamprogna Matiello�: 
“Caso fortuito e força maior traduzem-se em episódios que, embora admitam diferenciação conceitual, são tratados praticamente como sinônimos pelo legislador e produzem os mesmos efeitos liberatórios do devedor, afastando-se deste a responsabilidade pela inexecução da obrigação assumida. A rigor, força maior é evento humano alheio à vontade do devedor e por esta incontornável , como por exemplo a guerra e a insurreição. Já o caso fortuito decorre de acontecimentos naturais que fogem ao controle do devedor, como são as enchentes, as tempestades e os raios.”
O mais indicado é agrupar a força maior e o caso fortuito como fatos imprevisíveis, também chamados de acaso, porque são idênticos os seus efeitos.
No mesmo sentido da equiparação entre o caso fortuito ou de força maior, preleciona Sílvio de Salvo Venosa�:
“O parágrafo único do artigo em questão conceitua o caso fortuito e a força maior como o fato necessário, cujos efeitos não era possível evitar ou impedir. A lei equipara, portanto, os dois fenômenos. Para o Código, caso fortuito e força maior são situações invencíveis, que refogem às forças humanas, ou às forças do devedor em geral, impedindo e impossibilitando o cumprimento da obrigação. É devedor faltoso, o inadimplente que deve provar a ocorrência desses fatos. Há dois elementos a serem provados, um de índole objetiva, que é a inevitabilidade do evento, e outro de índole subjetiva, isto é, ausência de culpa. Deve o devedor provar que o evento surpreendente não poderia ter sido previsto ou evitado. Muito se discutiu em doutrina sobre a distinção entre caso fortuito e força maior”. 
Para que haja a tipificação do caso fortuito ou de força maior, devem restar caracterizados os seguintes elementos: a) o fato deve ser necessário, não determinado por culpa do devedor, pois, se resta verificada a culpa, não há caso fortuito; reciprocamente, se há caso fortuito, não pode haver culpa, na medida em que ambos são excludentes; b) de viés objetivo: o fato deve ser superveniente e inevitável; c) sob o aspecto subjetivo tem-se que o fato deve ser irresistível e alheio à vontade humana. 
		A importância desses fatos no que concerne à responsabilidade do Estado, pode ser traduzida da seguinte forma:
imprevisibilidade de que ambos se revestem : sua ocorrência estava fora do âmbito da norma prevenção que podem ter as pessoas. Tais fatos são imprevisíveis e irresistíveis. 
Exclusão da responsabilidade civil (inclusive do Estado) no caso da ocorrência desses fatos imprevisíveis: os pressupostos da responsabilidade objetiva são o fato administrativo, o dano e o nexo de causalidade entre o dano e o fato. Ora, na hipótese de caso fortuito ou força maior nem ocorreu fato imputável ao Estado, nem fato cometido por agente estatal. E, se assim é, não existe nexo de causalidade entre qualquer atuação do Estado e o dano sofrido pelo lesado. A consequência, pois não pode ser outra que não a de que tais fatos imprevisíveis não ensejam a responsabilidade do Estado. Em outras palavras, são eles excludentes da responsabilidade.
Concausas: É preciso, porém, verificar, caso a caso, os elementos que cercam a ocorrência do fato e os danos causados. Se estes forem resultantes, em conjunto do fato previsível e de ação ou omissão culposa do Estado, não terá havido uma só causa, mas concausas, não se podendo, nessa hipótese, falar em excludente de responsabilidade. Como o Estado deu causa ao resultado, segue-se que a ele será imputada a responsabilidade civil. Por respeito à equidade, porém, a indenização será mitigada, cabendo à outra parte reparar o dano de forma proporcional à sua participação no evento lesivo e ao lesado arcar com o prejuízo correspondente à sua própria conduta.
Em certas circunstâncias, a situação decorrente de danos provocados por fatos de terceiros assemelha-se à relativa aos fatos imprevisíveis no que concerne à análise da responsabilidade civil da Administração. Sem que se possa imputar atuação omissiva direta ao Estado, não há como responsabilizá-lo civilmente por atos de terceiros. Somente mediante a constatação de que a omissão foi a responsável conjunta pela ocorrência do dano é que se pode atribuir a responsabilidade estatal. São os casos, lamentavelmente freqüentes de furtos e assaltos à mão armada em transportes coletivos ou na via pública. Sem a prova da culpa, não há como responsabilizar a empresa concessionária de transporte, já que ela própria assume a condição de lesada juntamente com os passageiros. Neste sentido têm se pronunciado os nossos Sodalícios, senão vejamos a opinião do STJ que pacificou-se por se tratar de excludente de responsabilidade, ora enquadrando a situação em comento como de força maior: 
“CIVIL. INDENIZAÇÃO. TRANSPORTE COLETIVO (ÔNIBUS). ASSALTO À MÃO ARMADA SEGUIDO DE MORTE DE PASSAGEIRO. FORÇA MAIOR. EXCLUSÃO DA RESPONSABILIDADE DA TRANSPORTADORA. 1. A morte decorrente de assalto à mão armada, dentro de ônibus, por se apresentar como fato totalmente estranho ao serviço de transporte (força maior), constitui-se em causa excludente da responsabilidade da empresa concessionária do serviço público. 2. Entendimento pacificado pela Segunda Seção. 3. Recurso especial conhecido e provido.” (REsp 783743 / RJ, Relator: Min. Fernando Gonçalves, julgamento: 12/12/2.005).
Idêntica casuística, no entanto, foi enquadrada pelo mesmo Sodalício como de caso fortuito: 
“PROCESSO CIVIL - RECURSO ESPECIAL -- INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E ESTÉTICOS - ASSALTO À MÃO ARMADA NO INTERIOR DE ÔNIBUS COLETIVO - FORÇA MAIOR. CASO FORTUITO - EXCLUSÃO DE RESPONSABILIDADE DA EMPRESA TRANSPORTADORA - CONFIGURAÇÃO. 1 - Este Tribunal já proclamou o entendimento de que, fato inteiramente estranho ao transporte (assalto à mão armada no interior de ônibus coletivo), constitui caso fortuito, excludente de responsabilidade da empresa transportadora. 2 - Entendimento pacificado pela eg. Segunda Seção desta Corte. Precedentes: REsp. 435.865/RJ; REsp. 402.227/RJ; REsp.331.801/RJ; REsp. 468.900/RJ; REsp. 268.110/RJ. 3. - Recurso conhecido e provido.” (REsp 714728 / MT, Relator: Min. Jorge Scartezzini, julgamento:12/12/2.005).
Para Otávio Luiz Rodrigues Júnior� convém distinguir-se a teoria da imprevisão com os institutos do caso fortuito e da força maior:
“A teoria da imprevisão foi, e de certa forma ainda o é, confundida com diversos institutos ou princípios afins, como o caso fortuito e a força maior, o erro, a lesão e o abuso de direito. Torna-se indispensável uma análise dos pontos distintivos entre esses conceitos...”
	À luz da orientação jurisprudencial do STJ, apesar de não prevista expressamente no Código de Defesa do Consumidor, a eximente de caso fortuito possui força liberatória e exclui a responsabilidade do cirurgião plástico, pois rompe o nexo de causalidade entre o dano apontado pelo paciente e o serviço prestado pelo profissional:
“RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL. ERRO MÉDICO. ART. 14 DO CDC. CIRURGIA PLÁSTICA. OBRIGAÇÃO DE RESULTADO. CASO FORTUITO. EXCLUDENTE DE RESPONSABILIDADE. 1. Os procedimentos cirúrgicos de fins meramente estéticos caracterizam verdadeira obrigação de resultado, pois neles o cirurgião assume verdadeiro compromisso pelo efeito embelezador prometido. 2. Nas obrigações de resultado, a responsabilidade do profissional da medicina permanece subjetiva. Cumpre ao médico, contudo, demonstrar que os eventos danosos decorreram de fatores externos e alheios à sua atuação durante a cirurgia. 3. Apesar de não prevista expressamente no CDC, a eximente de caso fortuito possui força liberatória e exclui a responsabilidade do cirurgião plástico, pois rompe o nexo de causalidade entre o dano apontado pelo paciente e o serviço prestado pelo profissional. 4. Age com cautela e conforme os ditames da boa-fé objetiva o médico que colhe a assinatura do paciente em “termo de consentimento informado”, de maneira a alertá-lo acerca de eventuais problemas que possam surgir durante o pós-operatório.RECURSO ESPECIAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO”. (REsp 1180815 / MG, Relatora: Min. Nancy Andrighi, julgamento: 19/08/2.010).
No plano legislativo, observe-se que o art. 734 do Código Civil de 2.002 vaticina que a força maior é elemento excludente da responsabilidade civil do transportador: “Art. 734. O transportador responde pelos danos causados às pessoas transportadas e suas bagagens, salvo motivo de força maior, sendo nula qualquer cláusula excludente da responsabilidade. Parágrafo único. É lícito ao transportador exigir a declaração do valor da bagagem a fim de fixar o limite da indenização”.
O caso fortuito e a força maior excluem o nexo causal por constituírem também causa estranha à conduta do aparente agente, ensejadora direta do evento. Eis a razão pela qual a jurisprudência tem entendido que o defeito mecânico em veículo, salvo em caso de total imprevisibilidade, não caracteriza o caso fortuito, por ser possível prevê-lo e evitá-lo através de periódica e adequada manutenção. O mesmo entendimento tem sido adotado no caso de derrapagem em dia de chuva, porquanto, além de imprevisível, pode ser evitada pelo cuidadoso dirigir do motorista�.
Neste mesmo jaez manifesta-se o STJ ao dispor que a ocorrência de problemas técnicos não é considerada hipótese de caso fortuito ou de força maior, mas sim fato inerente aos próprios riscos da atividade empresarial de transporte aéreo (fortuito interno), não sendo possível, pois, afastar a responsabilidade da empresa de aviação e, consequentemente, o dever de indenizar: 
“AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. PROCESSUAL CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL. TRANSPORTE AÉREO. PROBLEMAS TÉCNICOS. FORTUITO INTERNO. RISCO DA ATIVIDADE. VALOR DA INDENIZAÇÃO. MODERAÇÃO. REVISÃO. SÚMULA N. 7/STJ. 1. A ocorrência de problemas técnicos não é considerada hipótese de caso fortuito ou de força maior, mas sim fato inerente aos próprios riscos da atividade empresarial de transporte aéreo (fortuito interno), não sendo possível, pois, afastar a responsabilidade da empresa de aviação e, consequentemente, o dever de indenizar. 2. É inviável, por força do óbice previsto na Súmula n. 7 do STJ, a revisão do quantum indenizatório em sede de recurso especial, exceto nas hipóteses em que o valor fixado seja irrisório ou exorbitante. 3. Agravo regimental desprovido por novos fundamentos”. (AgRg no Ag 1310356 / RJ, Relator: Min. João Otávio de Noronha, julgamento: 14/04/2.011). 
	
	
	
	
	
	
	
	
	
	
10.3. Mora. 
Em sua delimitação conceitual, tem-se que a mora é representada pelo retardamento ou o imperfeito cumprimento da obrigação. Neste sentido dispõe o art. 394 do Código Civil: “Art. 394. Considera-se em mora o devedor que não efetuar o pagamento e o credor que não quiser recebê-lo no tempo, lugar e forma que a lei ou a convenção estabelecer”.
Sobre os pressupostos da mora preleciona Orlando Gomes� que os mesmos são: a) o vencimento da dívida; b) culpa do devedor; c) viabilidade do cumprimento tardio. 
Tem-se que a mora, portanto, verifica-se, não só quando há retardamento (atraso) no cumprimento da obrigação, mas também quando este se dá na data estipulada, mas de modo imperfeito (lugar ou forma diversa da estipulada). Nem sempre a mora deriva de descumprimento de convenção. Pode ocorrer também de infração à lei, como na prática de um ato ilícito (art. 398 do CC�). 
Em 2.009, o STJ editou a Súmula No.:480, consoante a qual: “A simples propositura da ação de revisão de contrato não inibe a caracterização da mora do autor”. 
Sobre os requisitos da mora do devedor e da mora do credor, dispõe Washington de Barros Monteiro� que são requisitos da mora debitoris: a) a existência de dívida positiva e líquida; b) vencimento dela; c) inexecução culposa por parte do devedor; d) interpelação judicial ou extrajudicial deste, se a dívida não é a termo, com data certa. A mora creditoris depende dos elementos seguintes: a) existência de dívida positiva e líquida; b) que o devedor se ache em situação de efetuar o pagamento; c) que se ofereça realmente para efetuá-lo; d) que haja recusa por parte do credor. 
A mora pode ser caracterizada como o imperfeito cumprimento de uma obrigação, tendo pelo devedor (mora solvendi) como pelo credor (mora accipinedi), apenar da falha no cumprimento da obrigação, ela ainda pode ser adimplida de maneira proveitosa.
            Segundo o Código Civil (art.394), a mora não se caracteriza apenas pelo pagamento extemporâneo pelo devedor ou pela recusa injustificada de receber no prazo devido pelo credor. Também dará ensejo a mora o pagamento que tenha falha no tocante ao lugar ou à forma previamente estabelecidos. Isso significa que a mora não é apenas sinônimo de demora no pagamento, mas de qualquer situação em que a prestação não é cumprida de forma exata.
            Observe-se como ocorre a mora no exemplo esclarecedor de Nelson Rosenvald (2008, p.401):
“O contrato estabelecido por A e B dispõe que incumbe ao devedor A efetuar o pagamento da quantia de R$ 100,00 em determinada data, no domicílio do credor. Certamente A estará em mora se não adimplir no dia determinado. Da mesma maneira, incorre em mora se pretender esperar a vinda do credor B a seu domicílio ou, mesmo, se resolver pagar no lugar e tempo estipulados no contrato, mas através de entrega de determinados bens, e não em pecúnia, conforme o avençado. Nos três exemplos consecutivamente o devedor frustrou o tempo, local e forma convencionados”. 
Em uma análise do artigo 394 do CC, não se pode negar que a fonte imediata da mora é o atraso em seu cumprimento. Com efeito, só haverá sanção da norma àquele que se furtar a cumprir no local e forma ajustados, se a falta importar em atraso no cumprimento da prestação.
            Em suma, o pressuposto básico da mora é a viabilidade do cumprimento da obrigação, pois, apesar dos transtornos, a prestação ainda é possível e útil. Verifica-se apenas a impossibilidade transitória de satisfazer a obrigação. Em qualquer caso, da imperfeição culposa no pagamento decorre o inadimplemento relativo em solver a obrigação.
Considerando a doutrina da substancial performance ou adimplemento substancial das obrigações, o credor, diante de um adimplemento satisfatório, porém incompleto do devedor, sem prejuízo de vir a ser indenizado por perdas e danos, tem limitado o direito de resolução do contrato e dado o conceito de obrigação como processo e de acordo com os princípios da boa-fé objetiva e da função social dos negócios jurídicos, incumbe ao credor colaborar para um adimplemento menos gravoso do devedor.
De acordo com o STJ� a boa-fé sob o prisma de limite ao exercício de direitos subjetivos aplica-se à teoria do adimplemento substancial das obrigações e a teoria dos atos próprios, como meio de rever a amplitude e o alcance dos deveres contratuais, daí derivando os seguintes institutos: tu quoque, venire contra facutm proprium, surrectio e supressio.
 - MORA DO CREDOR
Ao comentar a mora do credor disposta no art. 394 do Código Civil de 2002� averba Fabrício Zamprogna Matiello�:
“A mora do credor é conhecida como credendi ou accipiendi, consistindo em obstáculo colocado pelo credor ao recebimento no tempo, lugar e forma definidos na lei ou pela vontade dos contraentes. Tem como pressupostos: a) vencimento da dívida – ninguém pode ser forçado a receber a prestação antes do tempo certo; b) culpa do credor- a ausência de culpa, salvo previsão normativa em contrário, afasta a incidência da mora; c) constituição em mora- porque desta depende a produção dos efeitos próprios da inexecução”. 
O caso de construtora que se nega a receber o pagamento do restante das parcelas financiadas sob a desculpa de não aceitação de escritura pública de determinado Cartório indicado pela parte devedora revela a culpa da Parte Credora, bem como tipifica a mora. 
Para Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho� mesmo a ausência de culpa do credor pode vir a configurar a mora creditoris:
“Em nosso entendimento,a mora do credor prescinde, de fato, da aferição de culpa. Desde que não queira receber a coisa injustificadamente, isto é, no tempo, lugar e forma que a lei ou a convenção estabelecer, sem razão plausível, o credor estará em mora, não sendo necessário que o devedor demonstre a sua atuação dolosa ou culposa”. 
À luz da jurisprudência do STJ� uma vez caracterizada a mora da parte credora (mora "creditoris"), estava desobrigada a devedora, enquanto não houvesse a regularização, de consignar a quantia e de pagar juros de mora.
Consoante decidido pelo STJ� uma vez verificada a mora do credor por se recusar a receber o pagamento da forma que lhe é ofertado, para ele é transferida a responsabilidade pelo inadimplemento. Dessa forma, ainda que esteja em mora, ao devedor é licita a propositura de ação de consignação em pagamento para eximir-se da obrigação avençada entre as partes.
Na configuração da mora do credor deve-se observar o disposto no art. 396 do Código Civil: “Art. 396. Não havendo fato ou omissão imputável ao devedor, não incorre este em mora”. Acerca do aludido dispositivo preleciona Paulo Nader�:
“As legislações, de um modo geral, exigem o elemento culpa tanto na mora solvendi quanto na accipiendi. O Código Civil de 2002, embora no art. 394 situe as duas modalidades em igual nível – a mora do devedor estaria no fato de não efetuar o pagamento e a do credor, no de recusar o recebimento – no art. 396 coloca uma nota diferencial entre ambos, exigindo apenas para a mora solvendi o elemento culpa. Ora, a interpretação a contrario sensu leva-nos a concluir que o legislador pátrio dispensa o elemento culpa na caracterização da mora accipiendi”. 
Quanto aos efeitos decorrentes da mora do credor, deve-se observar o disposto no art. 400 do Código Civil de 2002:
“Art. 400. A mora do credor subtrai o devedor isento de dolo à responsabilidade pela conservação da coisa, obriga o credor a ressarcir as despesas empregadas em conservá-la, e sujeita-o a recebê-la pela estimação mais favorável ao devedor, se o seu valor oscilar entre o dia estabelecido para o pagamento e o da sua efetivação”.
Acerca da não fluência de juros no caso de mora do credor no recebimento de obrigação em dinheiro, colhe-se o escólio de Fabrício Zamprogna Matiello�:
“Embora o legislador não tenha feito referência à cessação da fluência de juros no caso de mora do credor de obrigação em dinheiro, é lógico que o devedor, a partir da constituição da parte adversa em mora, não terá de arcar com os juros, salvo os até aquele momento incidentes. Ninguém pode invocar a própria mora em proveito próprio, e dessa forma cessará a contagem de juros desde quando o credor deixou de receber a prestação como avençada”.
No mesmo sentido da não fluência de juros tem-se a lição de Sílvio de Salvo Venosa�: “O Código nada fala a respeito dos juros na mora do credor. No entanto, é absolutamente lógico que deve cessar a contagem de juros contra o devedor, quando está em mora o credor. Não há, na verdade, necessidade de disposição expressa em lei”. 
Tal solução é idêntica à proposta por Washington de Barros Monteiro� e Clóvis Beviláqua:
“O Código não alude à cessação do pagamento de juros pendente a mora creditoris. Todavia, como observa Clóvis, parece tão lógico, tão racional, essa cessação que se pode considerá-la como norma incorporada ao nosso direito positivo, independentemente de qualquer disposição expressa a respeito”. 
Caso se admitisse a possibilidade de o credor em mora exigir o cumprimento da obrigação principal em dinheiro junto com os juros, estar-se-ia a legitimar que se alegasse a própria torpeza (nemo turpitudinem suam allegans non auditur).
Para o STJ� caracterizada a cobrança, de parcela abusiva, somente restam autorizados os efeitos da mora depois de apurado o valor exato do débito, afastada, no caso, a multa moratória.
-CONSTITUIÇÃO EM MORA 
De acordo com o artigo 397 do CC� existem duas formas de constituição em mora do devedor. Quando a obrigação é projetada com a inclusão de um termo final, o próprio fato do descumprimento impõe a mora de forma automática, sendo dispensada qualquer interpelação mediante provocação do credor. Trata-se de mora ex re, que opera de pleno direito.
            No caso de não haver prazo previsto contratualmente, tem-se a mora ex persona, que apenas se aperfeiçoa por provocação do credor, mediante interpelação judicial ou extrajudicial (art. 397, parágrafo único, do CC). Vale dizer, pelo fato de as partes não terem prefixado um termo, será necessário que o credor formalmente estabeleça um momento para o cumprimento da obrigação.
            Os efeitos da mora na interpelação somente serão produzidos após o transcurso do prazo concedido ao devedor. Não existe um prazo genérico para a interpelação do devedor. Cabe ao credor conceder ao devedor prazo que seja adequado às circunstâncias, ou seja, um razoável período de tempo, de acordo com a maior ou menor dificuldade de cumprimento da prestação. Daí ser lícito ao magistrado aferir eventual ofensa ao principio da proporcionalidade na determinação da mora ex persona, ao examinar o caso concreto.
 
-PURGAÇÃO DA MORA
Caso a prestação ainda puder ser útil a uma das partes e, portanto, não se tenha dado o inadimplemento absoluto, faculta a lei à outra parte o recurso de purgação da mora. Purgar significa purificar, limpar, fazer desaparecer o estado de atraso no cumprimento da obrigação. Conforme Silvio Rodrigues (2002, p.250): “a purga da mora é o procedimento espontâneo do contratante moroso, pelo qual ele se pontifica a remediar a situação a que deu causa, sujeitando-se aos efeitos dela decorrente”.
            Purgar a mora não significa que ocorreu o cumprimento da obrigação propriamente dito, mas com a oferta da prestação; seja pelo devedor moroso, quanto pelo credor, ao aceitar o seu recebimento.
            O Código Civil refere-se às duas hipóteses de mora, segundo Nelson Rosenvald (2008, p.414):
“a) Quando a mora for do devedor, oferecerá ao credor prestação originária acrescida de eventual importância das perdas e danos, consistente nos prejuízos verificados até a data da oferta, a teor do art. 401, I do Código Civil. Não se deve esquecer a possibilidade de prefixação das perdas e danos pela prévia imposição de pena convencional moratória, cláusula acessória que evita o processo de liquidação de prejuízos e dispensa a discussão acerca da real verificação dos danos (art. 411 do CC). Ademais, hão de acrescer-se ao montante final os juros moratórios (legais ou contratuais), na acepção do art. 404 do Código Civil. b) Quando a mora for do credor, a purgação dar-se-á no momento em que ele se oferecer para receber o pagamento. Certamente, deverá sujeitar-se aos efeitos da mora até tal data (art.401, II, do CC), além de reembolsar eventuais despesas da outra parte com a conservação da coisa. Ao contrário do devedor – que responde por perdas e danos pelos prejuízos que provocou com a mora o credor não indeniza prejuízos, a não ser aqueles ligados ao custo da conservação da coisa pelo devedor”.
               
            
- VIOLAÇÃO POSITIVA DO CONTRATO
Tendo por base o princípio da boa fé (art. 422 do CCB/2002), alarga-se o conceito de adimplemento. Adimplir significará atender a todos os interesses envolvidos na obrigação, abarcando tanto os deveres ligados à prestação propriamente dita, como àqueles relacionados à proteção dos contratantes em todo desenvolvimento do processo obrigacional (deveres laterais de conduta). O descumprimento dos deveres anexos provocará inadimplemento, com o nascimento da pretensão reparatória ou o direito potestativo à resolução do vínculo.
            Podem-se destacar três categorias de deveres laterais que podem ensejar a violação positiva do contrato: deveres de proteção, informação e cooperação. Então, estes deveres alcançam todos os interesses conexos à execução do contrato. Excluem-se de seu âmbito todos aqueles deveres que não possam ser relacionados como necessários à realizaçãoda prestação.
            Conforme Nelson Ronsenvald (2008, p. 419), pode-se exemplificar a violação positiva do contrato da seguinte maneira:
“a) médico realiza tratamento e alcança a cura do paciente. Porém, a técnica empregada é extremamente dolorosa, quando existiam meios alternativos na ciência para se alcançar idêntico resultado sem que isto implicasse sofrimento para o paciente; b) uma empresa contrata com agência de publicidade a colocação de outdoors pela cidade para a exibição de um novo produto. Todos os anúncios são colocados em locais de difícil acesso e iluminação, em que poucas pessoas tenham a possibilidade de visualizar a propaganda; c) proprietário de haras adquire valioso cavalo e, em razão da falha no transporte, o animal chega a seu novo endereço magro e fragilizado”.
Desta forma a declaração de determinados deveres por contratante implica em assunção de responsabilidade pelo seu cumprimento, ou pelos danos advindos da violação da promessa geradora de confiança, ante a violação positiva do contrato advinda da quebra da boa-fé. 
Bibliografia consultada:
ALVIM, Agostinho. Da inexecução das obrigações e suas conseqüências. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1995.
BEVILÁQUA, Clóvis. Direito das Obrigações. Edição histórica. Rio de Janeiro: Editora Rio, 1.977.
CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de responsabilidade civil. 8ª- edição. São Paulo: Atlas, 2.008.
FARIAS, Cristiano chaves de.; ROSENVALD, Nelson. Direito das obrigações. 3. ed. Rio de Janeiro: Lumem Júris, 2008.
FIÚZA, Ricardo (organizador). Novo código civil comentado. 1ª- edição. 8ª- edição. São Paulo: Saraiva, 2.003. 
GOMES, Orlando. Obrigações. 17ª- edição. Rio de Janeiro: Forense, 2.008. 
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro, volume II: teoria geral das obrigações. 2ª- edição. São Paulo: Saraiva, 2.006. 
MATIELLO, Fabrício Zamprogna. Código Civil Comentado. 2ª- edição. São Paulo: LTR, 2.005.
MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil. Direito das Obrigações. 1ª- parte. São Paulo: Saraiva, 2.007.
PINTO, Agerson Tabosa. Direito Romano. 2ª- edição. Fortaleza: FA7, 2.003.
RODRIGUES JÚNIOR, Otávio Luiz. Revisão Judicial dos Contratos: Autonomia da Vontade e Teoria da Imprevisão. 1. ed. São Paulo: Atlas, 2.002. 
TEPEDINO, Gustavo; BARBOSA, Heloisa Helena; MORAIS, Maria Celina Bodin de, et alii, Código Civil Interpretado conforme a Constituição da República. Rio de Janeiro: Renovar, 2004. 
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: teoria geral das obrigações e dos contratos. 7ª- edição. São Paulo: Atlas, 2.007. 
� Veja-se: “DIREITO DO CONSUMIDOR. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. CLÁUSULA QUE PREVÊ RESPONSABILIDADE DO CONSUMIDOR QUANTO AOS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS CONTRATUAIS DECORRENTES DE INADIMPLEMENTO CONTRATUAL. RECIPROCIDADE. LIMITES. ABUSIVIDADE. NÃO OCORRÊNCIA. 1. Os honorários contratuais decorrentes de contratação de serviços advocatícios extrajudiciais são passíveis de ressarcimento, nos termos do art. 395 do CC/02. 2. Em contratos de consumo, além da existência de cláusula expressa para a responsabilização do consumidor, deve haver reciprocidade, garantindo-se igual direito ao consumidor na hipótese de inadimplemento do fornecedor. 3. A liberdade contratual integrada pela boa-fé objetiva acrescenta ao contrato deveres anexos, entre os quais, o ônus do credor de minorar seu prejuízo buscando soluções amigáveis antes da contratação de serviço especializado. 4. O exercício regular do direito de ressarcimento aos honorários advocatícios, portanto, depende da demonstração de sua imprescindibilidade para solução extrajudicial de impasse entre as partes contratantes ou para adoção de medidas preparatórias ao processo judicial, bem como da prestação efetiva de serviços privativos de advogado e da razoabilidade do valor dos honorários convencionados. 5. Recurso especial provido”. (STJ- REsp 1274629 / AP, Relatora: Min. Nancy Andrighi, julgamento: 16/05/2013). 
� RODRIGUES JÚNIOR, Otávio Luiz. Revisão Judicial dos Contratos: Autonomia da Vontade e Teoria da Imprevisão. 1. ed. São Paulo: Atlas, 2.002, pág. 94. 
� PINTO, Agerson Tabosa. Direito Romano. 2ª- edição. Fortaleza: FA7, 2.003, pág. 259. 
� BEVILÁQUA, Clóvis. Direito das Obrigações. Edição histórica. Rio de Janeiro: Editora Rio, 1.977, pág. 109. 
� IN FIÚZA, Ricardo (organizador). Novo código civil comentado. 1ª- edição. 8ª- edição. São Paulo: Saraiva, 2.003, pág. 352. 
� GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro, volume II: teoria geral das obrigações. 2ª- edição. São Paulo: Saraiva, 2.006, pág. 354. 
� MATIELLO, Fabrício Zamprogna. Código Civil Comentado. 2ª- edição. São Paulo: LTR, 2.005, pág. 267. 
� VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: teoria geral das obrigações e dos contratos. 7ª- edição. São Paulo: Atlas, 2.007, págs. 299 e 300. 
� RODRIGUES JÚNIOR, Otávio Luiz. Revisão Judicial dos Contratos: Autonomia da Vontade e Teoria da Imprevisão. 1. ed. São Paulo: Atlas, 2.002, pág. 94. 
� CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de responsabilidade civil. 8ª- edição. São Paulo: Atlas, 2.008, pág. 66. 
� GOMES, Orlando. Obrigações. 17ª- edição. Rio de Janeiro: Forense, 2.008, pág. 203. 
� “Art. 398. Nas obrigações provenientes de ato ilícito, considera-se o devedor em mora, desde que o praticou”. 
� MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil. Direito das Obrigações. 1ª- parte. São Paulo: Saraiva, 2.007, pág. 321. 
� Veja-se: “CIVIL. CONTRATOS. DÍVIDAS DE VALOR. CORREÇÃO MONETÁRIA. OBRIGATORIEDADE. RECOMPOSIÇÃO DO PODER AQUISITIVO DA MOEDA. RENÚNCIA AO DIREITO. POSSIBILIDADE. COBRANÇA RETROATIVA APÓS A RESCISÃO DO CONTRATO. NÃO-CABIMENTO. PRINCÍPIO DA BOA-FÉ OBJETIVA. TEORIA DOS ATOS PRÓPRIOS. SUPRESSIO. 1. Trata-se de situação na qual, mais do que simples renúncia do direito à correção monetária, a recorrente abdicou do reajuste para evitar a majoração da parcela mensal paga pela recorrida,
assegurando, como isso, a manutenção do contrato. Portanto, não se cuidou propriamente de liberalidade da recorrente, mas de uma medida que teve como contrapartida a preservação do vínculo contratual por
06 anos. Diante desse panorama, o princípio da boa-fé objetiva torna inviável a pretensão da recorrente, de exigir retroativamente valores a título de correção monetária, que vinha regularmente dispensado, frustrando uma expectativa legítima, construída e mantida ao longo de toda a relação contratual. 2. A correção monetária nada acrescenta ao valor da moeda, servindo apenas para recompor o seu poder aquisitivo, corroído pelos efeitos da inflação. Cuida-se de fator de reajuste intrínseco às dívidas de valor, aplicável independentemente de previsão expressa. Precedentes. 3. Nada impede o beneficiário de abrir mão da correção monetária como forma de persuadir a parte contrária a manter o vínculo contratual. Dada a natureza disponível desse direito, sua supressão pode perfeitamente ser aceita a qualquer tempo pelo titular. 4. O princípio da boa-fé objetiva exercer três funções: (i) instrumento hermenêutico; (ii) fonte de direitos e deveres jurídicos; e (iii) limite ao exercício de direitos subjetivos. A essa última função aplica-se a teoria do adimplemento substancial das obrigações e a teoria dos atos próprios, como meio de rever a amplitude e o alcance dos deveres contratuais, daí derivando os seguintes institutos: tu quoque, venire contra facutm proprium, surrectio e supressio. 5. A supressio indica a possibilidade de redução do conteúdo obrigacional pela inércia qualificada de uma das partes, ao longo da execução do contrato, em exercer direito ou faculdade, criando para a outra a legítima expectativa de ter havido a renúncia àquela
prerrogativa. 6. Recurso especial a que se nega provimento”. (STJ- REsp 1202514 / RS, Relatora: Min. Nancy Andrighi, julgamento: 21/06/2011). 
� “Art. 394. Considera-se em mora o devedor que não efetuar o pagamento e o credor que não quiser recebê-lo no tempo, lugar e forma que a lei ou a convenção estabelecer”.
� MATIELLO,Fabrício Zamprogna. Código Civil Comentado. 2ª- edição. São Paulo: LTr, 2005, pág. 268. 
� GAGLIANO, Pablo Stolze, PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil, volume 2: obrigações. 13ª- edição. Saõ Paulo: Saraiva, 2012, pág. 322.
� Neste jaez, confira-se: “RECURSO ESPECIAL. CONTRATO INTERNACIONAL DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS PARA A AMPLIAÇÃO DE USINA TERMELÉTRICA NACIONAL. PAGAMENTO EM LIRAS ITALIANAS. REMESSA VIA BANCO CENTRAL. VIOLAÇÃO DO DEVER DE COOPERAÇÃO. MORA DA PRESTADORA DE SERVIÇOS ITALIANA RECONHECIDA (MORA "CREDITORIS"). I - Contratação, por concessionária de energia elétrica nacional, de sociedade italiana para a prestação de serviços relacionados à ampliação de Usina Termelétrica no Estado de Santa Catarina. II - Remuneração convencionada em liras italianas nos termos do art. 2º do Decreto-lei 857/69, remetida via Banco Central do Brasil. III - Não-pagamento, pela concessionária, de notas e faturas de serviço em razão da impossibilidade de remessa dos valores à Itália ante a não-regularização da situação da prestadora dos serviços junto ao Banco Central do Brasil. IV - Rejeição das preliminares da recorrida relativas à Súmula 07 e à não-demonstração, nas razões do recurso especial, do dissídio jurisprudencial. Ausência de violação ao art. 535, II, do CPC. V - Exigidos documentos relativos aos seus funcionários, pertence à prestadora de serviços italiana, em que pese a omissão contratual, a obrigação acessória, derivada do princípio da boa-fé objetiva, de, em cooperação com a concessionária, regularizar a situação, permitindo a remessa dos valores. Doutrina. VI - Caracterizada a mora da sociedade italiana credora (mora "creditoris"), estava desobrigada a devedora, enquanto não houvesse a regularização, de consignar a quantia e de pagar juros de mora. Doutrina. Precedentes. VII - Considerado implícito o pedido de atualização monetária, não há contrariedade, pelo acórdão recorrido, ao art. 128 do CPC. Precedente. VIII - A parte final do art. 958 do CC/16, que disciplina os efeitos da mora do credor, não autoriza a exclusão da correção monetária, cuja função é evitar a depreciação do valor do crédito. Precedente. IX - Inexistindo previsão contratual ou legal que discipline a forma de atualização monetária do crédito e não sendo possível a utilização da variação cambial da lira italiana, já que o pagamento ocorrerá nesta moeda, razoável o seu cálculo por índices oficiais brasileiros. X - Doutrina e jurisprudência acerca do tema. XI - RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE PROVIDO”. (STJ- REsp 857299 / SC, Relator: Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgamento: 03/05/2011. Fonte: DJe 13/06/2011).
� Neste sentido, observe-se: “Civil e Processual Civil. Recurso especial. Ação de consignação em pagamento. Mora do credor. Mora do devedor. Possibilidade de ajuizamento. - É vedado o reexame do acervo fático-probatório constante dos autos em sede de recurso especial. - Verificada a mora do credor por se recusar a receber o pagamento da forma que lhe é ofertado, para ele é transferida a responsabilidade pelo inadimplemento. Dessa forma, ainda que esteja em mora, ao devedor é licita a propositura de ação de consignação em pagamento para eximir-se da obrigação avençada entre as partes. Precedentes”. (REsp 419016 / PR, Relatora: Min. Nancy Andrighi, julgamento: 14/05/2002. Fonte: DJ 24/06/2002 p. 303).
� NADER, Paulo. Curso de Direito Civil, volume 2: obrigações. Rio de Janeiro: Forense, 2005, págs. 533 e 534.
� MATIELLO, Fabrício Zamprogna. Código Civil Comentado. 2ª- edição. São Paulo: LTr, 2005, pág. 271. 
� VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: teoria geral das obrigações e dos contratos. 7ª- edição. São Paulo: Atlas, 2.007, págs. 299 e 300. 
� MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil. Direito das Obrigações. 1ª- parte. São Paulo: Saraiva, 2.007, pág. 321. 
� Confira-se: “Ação revisional de contratos de abertura de crédito em conta-corrente, de desconto de títulos e de refinanciamento. Mora. Encargos ilegais. 1. Caracterizada a cobrança, pela instituição financeira, de parcela abusiva, somente restam autorizados os efeitos da mora depois de apurado o valor exato do débito, afastada, no caso, a multa moratória. 2. Recurso especial do banco provido, por maioria, em menor extensão, e recurso da cliente deste não conhecido”. (STJ- REsp 713329 / RS, Relator: Min. Ari Pargendler, Relator para acórdão: Min. Carlos Alberto Menezes Direito, julgamento: 23/08/2006. Fonte: DJ 07/12/2006 p. 270).
� “Art. 397. O inadimplemento da obrigação, positiva e líquida, no seu termo, constitui de pleno direito em mora o devedor. Parágrafo único. Não havendo termo, a mora se constitui mediante interpelação judicial ou extrajudicial”.
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