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Di ag ra m aç ão : F áb io - 1 7/ 01 /0 8 Co rr eç ão : S ar ah - p ar a 2ª r ev is ão - R ev is or a: S yl vi a 25 /0 1/ 20 08 24 Unidade III 5 A MEDIAÇÃO SOCIAL DA PRÁTICA EDUCATIVA SUSTENTADA PELOS CONHECIMENTOS 5.1 Os conhecimentos prévios dos alunos como ponto de partida para a aprendizagem Quando você estiver atuando como professor, sentirá que seus alunos possuem vários conhecimentos adquiridos antes de serem seus alunos e mesmo antes de serem alunos. “...e a concepção construtivista assume este fato como elemento central na explicação dos processos de aprendizagem e ensino na sala de aula.” (Miras, 1996) Mesmo quando inicia sua escolaridade, os alunos constroem pessoalmente um significado ou o reconstroem do ponto de vista social com base no que conheceram previamente. Chamamos este momento de estado inicial do aluno, determinado por três elementos básicos. Em primeiro lugar, a apresentação de uma determinada disposição para realizar a aprendizagem (não é inexplicável ou imprevisível, mas advém de inúmeros fatores pessoais e interpessoais). Por exemplo: sua auto-imagem e auto-estima, experiências anteriores de aprendizagem, capacidade de assumir riscos e esforços, de pedir, de receber, suas representações sobre as tarefas que vão realizar, sobre o professor e os colegas, bem como seus interesses por essas tarefas. Em segundo lugar, em qualquer situação de aprendizagem, os alunos dispõem de capacidades, instrumentos, estratégias 5 10 15 20 Unidade III Di ag ra m aç ão : F áb io - 1 7/ 01 /0 8 Co rr eç ão : S ar ah - p ar a 2ª r ev is ão - R ev is or a: S yl vi a 25 /0 1/ 20 08 25 CORRENTES DO PENSAMENTO DIDÁTICO: NOVAS MEDIAÇÕES e habilidades gerais para completar o processo. Possuem capacidades cognitivas (com mais ou menos níveis de inteligência, raciocínio e memória), motoras, de equilíbrio pessoal e de relação interpessoal. Dispõem, ainda, de um conjunto de instrumentos, estratégias e habilidades gerais que adquiriram em diferentes contextos durante seu desenvolvimento e, em especial, no contexto escolar. Por exemplo: a linguagem (oral e escrita), a representação gráfica e numérica, habilidade para sublinhar, anotar, resumir, pesquisar, organizar informação, ler com compreensão ou escrever reflexivamente. E, como último elemento, podemos pensar que, nessa “radiografia” do estado inicial do aluno, é possível “ver” conhecimentos que estes já possuem quando diante da aprendizagem de um novo conteúdo. São os conhecimentos que chamamos de prévios, ou seja, há sempre uma maior ou menor aproximação com o conteúdo a ser aprendido, presente na “bagagem” - escolar ou não – do aluno. Pelo contrário: “Como se justifica a necessidade de considerar esses conhecimentos prévios como elemento fundamental do estado inicial do aluno? [...]... entendemos que a aprendizagem de um novo conteúdo é, em última instância, produto de uma atividade mental construtivista realizada pelo aluno, atividade mediante a qual constrói e incorpora à sua estrutura mental os significados e representações relativos ao novo conteúdo.” (Miras, 1996) Mas, há sempre, para qualquer aluno, de qualquer série, conhecimentos prévios a respeito de um novo conteúdo? Segundo Miras (1996), de uma perspectiva externa ao aluno, esses conhecimentos prévios podem não ser verificados, mas da perspectiva do próprio aluno e da concepção construtivista sempre o são, pois se não, como seria possível que este aluno fizesse uma primeira leitura sobre o novo conhecimento? Há, porém, que se levar em consideração condições como: distância maior ou menor entre estes conhecimentos (os prévios e os novos), significatividade e apresentação adequada do conteúdo pelo professor. 5 10 15 20 25 30 35 Di ag ra m aç ão : F áb io - 1 7/ 01 /0 8 Co rr eç ão : S ar ah - p ar a 2ª r ev is ão - R ev is or a: S yl vi a 25 /0 1/ 20 08 26 Unidade III Você está tendo algumas informações sobre este nosso conteúdo, mas, antes, você já tinha conhecimentos a respeito do mesmo. Vamos “enfrentar” um desafio? Neste momento, tente estabelecer uma relação entre seus conhecimentos prévios de um lado e, de outro, os conhecimentos novos a respeito da mediação que o professor pode realizar com seus alunos entre o que eles já sabem e o que é novo para eles. No final desta discussão, retome esta relação pensando na sua própria aprendizagem. Estamos falando, neste momento, dos esquemas de conhecimento que segundo Coll (1983), citado por Miras (1996) são definidos como “a representação que uma pessoa possui em um determinado momento de sua história sobre uma parcela da realidade.” Os esquemas de conhecimento incluem as representações da realidade que cada aluno possui por informações sobre fatos e acontecimentos, experiências e casos pessoais, atitudes, normas, valores, conceitos, explicações, teorias e procedimentos relacionados com essa realidade. De onde provêm esses esquemas? Do meio familiar, de convivências diversas, de leituras, dos meios de comunicação, mas também da vivência escolar anterior. Possuir esquemas de conhecimento não implica que estes sejam coerentes e estejam organizados da mesma forma em relação aos mesmos alunos. Os esquemas que estes possuem caracterizam-se não apenas pela quantidade de conhecimentos, mas também pelo nível de organização interna de cada um desses alunos e de como os manejam. 5 10 15 Di ag ra m aç ão : F áb io - 1 7/ 01 /0 8 Co rr eç ão : S ar ah - p ar a 2ª r ev is ão - R ev is or a: S yl vi a 25 /0 1/ 20 08 27 CORRENTES DO PENSAMENTO DIDÁTICO: NOVAS MEDIAÇÕES A validade dos esquemas de conhecimento apresenta-se atrelada às atitudes, valores e normas de uma determinada cultura ou grupo social. Aqueles que são válidos para, por exemplo, o grupo familiar, podem não ser válidos para um grupo com critérios de avaliação científicos. 5.2 A exploração dos conhecimentos prévios no desenvolvimento do processo ensino- aprendizagem O interesse por parte da concepção construtivista pelos conhecimentos prévios não se dá apenas para estudo e análise das questões relativas ao processo ensino-aprendizagem (teoria), mas principalmente pela repercussão que estes têm nesse processo. O que isso quer dizer? Que o sucesso referente ao ensinar e ao aprender depende muito de se ensinar o que o aluno ainda não sabe ou a partir do que este já sabe. Ao planejar seu curso ou sua aula, é importante que o professor se dedique a detectar os conhecimentos prévios de seus alunos. Cabe aqui destacar que esse conhecimento por parte de um professor no início de um processo educativo é uma tarefa bastante difícil, mas primordial, ao pensarmos na organização e no planejamento desse processo. O primeiro critério nesta “busca” realizada pelo professor, dos conhecimentos prévios dos alunos, pauta-se na seleção de quais desses conhecimentos devem ser explorados, ou seja, quais questões são importantes para que se descubra quanto os alunos já sabem sobre determinado assunto. Um segundo critério a ser considerado são os objetivos concretos do professor em relação aos conteúdos e ao tipo de aprendizagem pretendida. Se esses objetivos encontram-se na superficialidade ou na profundidade do conteúdo em questão. “A consideração simultânea e relacionada de ambos os fatores, o conteúdo e nossos objetivos, deveria levar-nos a 5 10 15 20 25 Diag ra m aç ão : F áb io - 1 7/ 01 /0 8 Co rr eç ão : S ar ah - p ar a 2ª r ev is ão - R ev is or a: S yl vi a 25 /0 1/ 20 08 28 Unidade III fazer perguntas como: o que pretendo que os alunos aprendam concretamente sobre os conteúdos? Como pretendo que o aprendam? O que precisam saber para poder entrar em contato e atribuir um significado inicial a estes aspectos do conteúdo que pretendo que aprendam? Que coisas já podem saber que tenham alguma relação ou que possam chegar a relacionar-se com esses aspectos do conteúdo?” (Miras, 1996). Responder a essas perguntas ajuda-nos a ter “em mãos” os aspectos básicos que devem ser explorados e conhecidos quanto àquilo que nossos alunos já sabem. Mas, e se detectamos que nossos alunos nada sabem? Ou que não possuem nenhuma noção a respeito do que é nossa proposta ensinar-lhes? É necessário refletir se NADA sabem ou se SABEM POUCO. Ainda assim, precisamos enfrentar o desafio de descobrirmos “de onde partir” para que o processo educativo ocorra EFETIVAMENTE. Se, por exemplo, nossos alunos não estão alfabetizados, é IMPOSSÍVEL planejar um ensino de determinada regra ortográfica. Então, diante deste exemplo, você poderá estar pensando: tenho primeiro que alfabetizá-los? E a resposta é SIM. Da mesma maneira, é importante que detectemos como ocorreram as aprendizagens anteriores de nossos alunos. Superficialmente? Memorizadas? Há aqui outra tarefa para nós, professores, talvez ainda mais árdua: a de transformar a maneira como nosso aluno pode aprender. Mas, NÃO DESANIME! Essas ações não são impossíveis. Os referenciais teóricos e a nossa própria prática apontarão alternativas e, também desafios possíveis de serem vencidos por nós. 5 10 15 20 Di ag ra m aç ão : F áb io - 1 7/ 01 /0 8 Co rr eç ão : S ar ah - p ar a 2ª r ev is ão - R ev is or a: S yl vi a 25 /0 1/ 20 08 29 CORRENTES DO PENSAMENTO DIDÁTICO: NOVAS MEDIAÇÕES A ação do professor depende de constantes atualizações reflexivas sobre o processo educativo. O que isso quer dizer? É fundamental que constantemente analisemos: - a disponibilidade dos nossos alunos para a aprendizagem; - a possibilidade da falta de sentido que atribuem à atividade; - a escassa motivação deles; - a forma como organizamos nosso ensino na relação direta com os alunos ou no contexto (de currículo, da falta de relação entre as áreas etc.). Nossas observações acerca desses fatores permitem-nos saber se nossos alunos atualizam ou não os seus conhecimentos prévios e, na negativa, nossa ajuda é imprescindível. Como? Tendo sempre presentes os conhecimentos deles, necessários para a atribuição de sentido e significado ao novo conteúdo; orientando-os a utilizá-los nos momentos em que devem atualizá-los; explicando as relações entre seus conhecimentos prévios e os novos, no processo educativo. Em quais situações? Nas apresentações e introduções aos novos conteúdos, nas sínteses e nas recapitulações. Vamos então discutir a exploração desses conhecimentos prévios de nossos alunos utilizando três questões: 1) O que explorar? A experiência da prática é importante para responder a esta questão, pois o que devemos explorar enquanto conhecimentos prévios de nossos alunos está atrelado aos objetivos (tão mais claros quanto maior nossa experiência) que temos para a aprendizagem de um novo conteúdo. Além disso, também nossa experiência nos fornece elementos que nos permitem, por exemplo, saber quais as dificuldades mais habituais de determinados conteúdos. Ainda, é preciso levar em consideração aspectos, além de uma lista de fatos, conceitos, procedimentos ou atitudes, mas necessariamente a relação ou relações estabelecidas entre esses elementos. 5 10 15 20 25 30 Di ag ra m aç ão : F áb io - 1 7/ 01 /0 8 Co rr eç ão : S ar ah - p ar a 2ª r ev is ão - R ev is or a: S yl vi a 25 /0 1/ 20 08 30 Unidade III 2) Quando? Sempre. É natural que, no início do processo educativo, exploremos os conhecimentos prévios de nossos alunos para que saibamos “de onde partir”, mas é necessário que isso ocorra constantemente. Porém, a principal questão é o que fazermos com isso. Se detectamos os conhecimentos prévios e as relações que nossos alunos estabelecem entre estes e os novos conteúdos, mas não replanejamos nossa prática, não reformulamos estratégias, não buscamos diferentes recursos, enfim, não refletimos sobre os resultados detectados por nós, de nada terá adiantado nosso “esforço”. 3) Como realizar a exploração? Há vários instrumentos, os mais padronizados ou fechados e os de caráter mais aberto ou flexível. A inter-relação professor/aluno, o nível de escolaridade e também os conteúdos indicarão os melhores instrumentos. Por exemplo, instrumentos mais fechados (questionários, mapas etc.) são úteis para a exploração de conteúdos conceituais; já a exploração dos conteúdos procedimentais exige observações constantes durante a realização de atividades, e parece mais adequado que se explorem conteúdos atitudinais, utilizando instrumentos mais abertos como observação e diálogos entre professor e alunos. Obviamente o início e desenvolvimento do processo educativo não incluem apenas a exploração dos conhecimentos prévios de nossos alunos. Outras questões estão em jogo como a disposição deles para a aprendizagem, seus recursos e capacidades gerais. Mas é importante que possamos contar com uma contribuição que nos dê referências do ponto de partida para a organização da nossa atuação em sala de aula. Convém agora retomarmos aquele conceito que VOCÊ escreveu (sugerido na página 26) como sendo SEU conhecimento prévio sobre este nosso conteúdo trabalhado. Compare-o com o que você aprendeu, estabelecendo uma relação entre sua concepção ANTES e DEPOIS do processo. 5 10 15 20 25 Di ag ra m aç ão : F áb io - 1 7/ 01 /0 8 Co rr eç ão : S ar ah - p ar a 2ª r ev is ão - R ev is or a: S yl vi a 25 /0 1/ 20 08 31 CORRENTES DO PENSAMENTO DIDÁTICO: NOVAS MEDIAÇÕES 6 COMPETÊNCIAS PROFISSIONAIS DO PROFESSOR 6.1 A organização e a direção de situações de aprendizagem O professor tradicional sempre foi, e em alguns casos ainda é, o detentor de conhecimentos; dele emergem os saberes. Transmitir seus conhecimentos, “dar lições”, corrigi-las e instruir alunos foram, ou são, competências desse modelo de profissional. O destaque, porém, nesta unidade, será para competências novas num novo conceito de professor. O conceito de conceptor e dirigente de situações de aprendizagem. Para tal, é preciso MUDAR a partir do entendimento do processo educativo atual e com coragem para trabalhar muito e de forma diferente. Há várias dificuldades presentes nesse processo e em seus diferentes níveis. Por exemplo, a interação que um professor tem com seus alunos nas séries iniciais de escolaridade é bastante diversa da que tem com alunos adolescentes ou adultos. Pela diferente quantidade de aprendizes por classes, pela forma como se organizam os currículos, pela distribuição de tempo e de espaço etc. A nossa intenção, aqui, é destacar um ensino-aprendizagem mais centrado nos alunos (com suas representações, suas atividades, as situações concretas nas quais são mergulhados e seus efeitos didáticos) do que no professor, que acredita estar fazendo sua parte, ensinando pela opção de transmitir seus conhecimentos. Trata-se sim de um professor com VONTADE de CONCEBERSITUAÇÕES DIDÁTICAS ÓTIMAS. Situações amplas, abertas, carregadas de sentido e de regulação com pesquisas, identificação e resolução de problemas. Para a concepção, organização e animação de situações de aprendizagem, o professor competente precisa: 5 10 15 20 25 Di ag ra m aç ão : F áb io - 1 7/ 01 /0 8 Co rr eç ão : S ar ah - p ar a 2ª r ev is ão - R ev is or a: S yl vi a 25 /0 1/ 20 08 32 Unidade III 6.1.1 Conhecer, para determinada disciplina, os conteúdos a serem ensinados e sua tradução em objetivos de aprendizagem O eixo, aqui, está na tradução dos conteúdos em objetivos de aprendizagem. É mais para que se pretende determinada aprendizagem de um conteúdo do que o conteúdo propriamente dito. Não sejamos ingênuos em pensar que basta, então, listar objetivos. O ensino obviamente persegue objetivos, mas não mecânica e obsessivamente. Eles intervêm no planejamento didático, na análise das situações e das atividades para delimitar ou ampliar o que realmente foi desenvolvido e na avaliação para o controle dos conhecimentos que os alunos adquiriram. A tradução dos programas em objetivos de aprendizagem tem sua importância na transposição destes para as situações e atividades de aprendizagem. Para que trabalharei um e não outro conteúdo e, portanto, para que utilizarei esta situação ou atividade e não outra? Isso valoriza e destaca o que é para ser valorizado e destacado no processo ensino-aprendizagem: a ação propriamente dita. Mas, as ações educativas são dinâmicas e envolvem mais de um objetivo e mais de uma disciplina pela multiplicidade e complexidade das situações. A competência do professor está em organizar e dirigir essas situações. É necessário, então, que ele conheça os conteúdos que as envolvam, mas não apenas para torná-los inteligíveis aos seus alunos. “A competência requerida, hoje em dia, é o domínio dos conteúdos com suficiente fluência e distância para construí-los em situações abertas e tarefas complexas, aproveitando ocasiões, partindo dos interesses dos alunos, explorando acontecimentos, em suma, favorecendo a apropriação ativa e a 5 10 15 20 25 Di ag ra m aç ão : F áb io - 1 7/ 01 /0 8 Co rr eç ão : S ar ah - p ar a 2ª r ev is ão - R ev is or a: S yl vi a 25 /0 1/ 20 08 33 CORRENTES DO PENSAMENTO DIDÁTICO: NOVAS MEDIAÇÕES transferência dos saberes, sem passar necessariamente por sua exposição metódica, na ordem prescrita por um sumário.” (Perrenoud, 2000). O gráfico da página seguinte pode ilustrar melhor esta competência do professor. Objetivos Ações Conteúdos Situações 6.1.2 Trabalhar a partir das representações dos alunos Já discutimos bastante esta questão, mas é importante que a retomemos, aqui, num sentido de competência para ensinar. É preciso que o professor se coloque no lugar do aluno, para conseguir ajudá-lo a fundamentar-se nas suas representações prévias. Em seguida, encorajá-lo a encontrar um ponto de entrada em seu sistema cognitivo. Enfim, conseguir uma maneira de desestabilizá-lo apenas o suficiente para, novamente, restabelecer o equilíbrio, incorporando novos elementos às representações existentes, reorganizando-as se necessário. 6.1.3 Trabalhar a partir dos erros e dos obstáculos à aprendizagem Você consegue imaginar um trabalho assim? Pense um pouco: o que você já aprendeu até este momento na sua vida a partir de erros e obstáculos? Certamente sua resposta terá vários itens. 5 10 Di ag ra m aç ão : F áb io - 1 7/ 01 /0 8 Co rr eç ão : S ar ah - p ar a 2ª r ev is ão - R ev is or a: S yl vi a 25 /0 1/ 20 08 34 Unidade III Aprender não é memorizar, mas reestruturar o sistema de compreensão de mundo. Isso requer um importante trabalho cognitivo para restabelecer-se um equilíbrio rompido. A partir de um problema diante da aprendizagem de um determinado conteúdo, o aluno como que “procura”, dentre os conhecimentos construídos, alternativas para resolvê-lo, mas nem sempre as tem ou as tem com conceitos e procedimentos errôneos do ponto de vista científico. Aproveitar esses erros requer uma competência do professor para “caminhar” junto com seus alunos nas suas buscas de soluções. Ensinar dessa forma é bastante diferente de “dar” uma fórmula pronta para que se resolva um problema. Por exemplo, para resolver a situação de ter saído de casa com certa quantia de dinheiro, ter gasto 70 reais, primeiramente, e depois 40, e querer saber quanto era a quantia quando saiu de casa, o aluno que “recebeu”, como fórmula para resolver problemas de subtração, “dicas” de palavras como “gastar”, tentará resolver este problema subtraindo 40 de 70. Mas a solução não é coerente, pois 30 como resultado é um valor inferior a cada uma das quantias gastas. Desse “erro”, pode-se solucionar o problema pela soma dos gastos. “Deparar-se com o obstáculo é, em um primeiro momento, enfrentar o vazio, a ausência de qualquer solução, até mesmo de qualquer pista ou método, sendo levado à impressão de que jamais se conseguirá alcançar soluções. Se ocorre a devolução do problema, ou seja, se os alunos apropriam-se dele, sua mente põe-se em movimento, constrói hipóteses, procede a explorações, propõe tentativas “para ver”. Em um trabalho coletivo, inicia-se a discussão, o choque das representações obriga cada um a precisar seu pensamento e a levar em conta o dos outros.” (Perrenoud, 2000). 5 10 15 20 25 30 Di ag ra m aç ão : F áb io - 1 7/ 01 /0 8 Co rr eç ão : S ar ah - p ar a 2ª r ev is ão - R ev is or a: S yl vi a 25 /0 1/ 20 08 35 CORRENTES DO PENSAMENTO DIDÁTICO: NOVAS MEDIAÇÕES 6.1.4 Construir e planejar dispositivos e seqüências didáticas A construção do conhecimento é uma trajetória coletiva. O professor orienta, criando situações e dando auxílio, sem ser o guia que transmite o saber e nem o guia que propõe a solução para o problema. É importante o professor conceber situações que estimulem o conflito cognitivo entre os alunos ou na mente de cada um, ou seja, entre o que o aluno antecipa e o que observa. Segundo Piaget (1974), citado por Perrenoud (2000): “Dispositivos e seqüências didáticas buscam, para fazer com que se aprenda, mobilizar os alunos, seja pra compreenderem, seja para terem êxito, se possível os dois.” É competência do professor utilizar um amplo repertório de dispositivos que leve os alunos a construir, efetivamente conhecimentos, refazendo caminhos que levaram às grandes descobertas da humanidade. É preciso planejar, mas também criar possibilidades para replanejamentos e reordenança de movimentos na solução de problemas. 6.1.5 Envolver os alunos em atividades de pesquisa, em projetos de conhecimento O envolvimento e o compromisso do professor com o saber são suas “armas” mais eficazes nesta competência com seus alunos. Trata-se de conseguir desses parceiros que compactuem com o conhecimento compreensivo. Mas não há fórmulas ou listas de estratégias ou recursos que “façam brilhar os olhos dos alunos” diante de um novo conhecimento. Há conteúdos que por sua utilidade ou funcionalidade encantam aprendizes, por si sós, como, por exemplo, a leitura. Mas nem todo novo conhecimento possui essa característica. Assim, o professor é o modelo pela sua relação com o saber e com a pesquisa. A demonstração verdadeira de que ele, professor, 5 10 15 20 25 Di ag ra m aç ão : Fáb io - 1 7/ 01 /0 8 Co rr eç ão : S ar ah - p ar a 2ª r ev is ão - R ev is or a: S yl vi a 25 /0 1/ 20 08 36 Unidade III caminha junto com seus alunos entendendo-os, fazendo as reflexões cabíveis, lançando questões, pesquisando, conhecendo seus “caminhos cognitivos”, é a mais forte e sincera ação para envolver alunos no processo educativo. O professor tem que tornar acessível e desejável sua própria relação com o saber e a pesquisa, encarnando um modelo plausível de aprendiz. A dinâmica de uma pesquisa é simultaneamente intelectual, emocional e relacional. O papel do professor é relacionar os momentos fortes, assegurar a memória coletiva ou confiá-la a certos alunos, fazer buscar materiais requeridos ou encorajá-los a confeccionar o que for necessário para os experimentos. O professor precisa ser capaz de estabelecer uma cumplicidade e uma solidariedade verossímeis na busca do conhecimento. Nem todo conhecimento, como já foi dito, suscita uma utilidade. Fazer “funcionar” um aparelho de DVD, por exemplo, não demanda conhecer toda a tecnologia que envolve este funcionamento. Portanto, nem todo conhecimento é justificável por si só e, por isso, muitas vezes, é necessário que se crie com os alunos uma paixão “desinteressada” pelo saber. “Como tornar o conhecimento apaixonante por si mesmo? Essa não é somente uma questão de competência, mas de identidade e de projeto pessoal do professor. Infelizmente, nem todos os professores apaixonados dão-se o direito de partilhar sua paixão, nem todos os professores curiosos conseguem tornar seu amor pelo conhecimento inteligível e contagioso. A competência aqui visada passa pela arte de comunicar-se, seduzir, encorajar, mobilizar, envolvendo-se como pessoa.” (Perrenoud, 2000). As competências abordadas trazem à tona, principalmente a última, a questão do sentido e da subjetividade não só do aluno, mas também do professor, assim como as relações constituídas entre ambos. 5 10 15 20 25 30 Di ag ra m aç ão : F áb io - 1 7/ 01 /0 8 Co rr eç ão : S ar ah - p ar a 2ª r ev is ão - R ev is or a: S yl vi a 25 /0 1/ 20 08 37 CORRENTES DO PENSAMENTO DIDÁTICO: NOVAS MEDIAÇÕES Pense e responda recorrendo à sua memória: você já conviveu com algum professor que o fizesse apaixonar-se pelo conhecimento? Discuta a respeito com seus colegas e tente extrair desses “modelos” as suas competências profissionais. 6.2 A administração e a progressão das aprendizagens Geralmente, a escola é organizada com programas voltados para cada série, ano ou ciclo. Neste tipo de organização, os objetivos que os alunos devem alcançar, bem como os métodos e meios para tais objetivos, estão atrelados ao cumprimento de um período de tempo. Não há, nesse caso, exigência de muita competência por parte do professor, que organiza seu trabalho com determinados conteúdos a serem conhecidos por seus alunos em certo período de tempo. Basta que ele os divida em meses ou semanas e busque estratégias e recursos didáticos que “caibam” nessa divisão, digamos, organizacional. Parece, assim, que estamos nos referindo a um trabalho com objetos ou coisas, um trabalho pautado na sua funcionalidade, ou seja, basta que todos façam a sua parte para que o produto final possa ser obtido com sucesso. No caso da escola, professores parecem ensinar, alunos parecem aprender, diretores parecem administrar etc, tudo durante o período de tempo estabelecido. Os problemas surgidos devem ajustar-se ao cumprimento do programa pré-elaborado. Como? Por exemplo, o aluno que não aprendeu determinado conteúdo durante determinada semana, deverá “estudar” mais, fazer “trabalho extra”, ter aulas particulares. Já o aluno que aprendeu, satisfatoriamente, o mesmo conteúdo, no primeiro dia da semana, ajustar-se-á, “esperando” pelo próximo novo conteúdo ou buscando outros afazeres, inclusive indisciplinando-se. Ora, estamos falando de ambiente escolar, que só existe porque nele existem sujeitos autônomos e diversos. Suas progressões de aprendizagens já se delineiam em ciclos plurianuais em várias 5 10 15 20 Di ag ra m aç ão : F áb io - 1 7/ 01 /0 8 Co rr eç ão : S ar ah - p ar a 2ª r ev is ão - R ev is or a: S yl vi a 25 /0 1/ 20 08 38 Unidade III escolas e se encaminham rumo à individualização dos percursos de formação e à pedagogia diferenciada. Nesse contexto, as decisões de progressão passam a ser assumidas mais pelo professor quanto menos estiver sendo decididas pela escola. Então, novas competências mais específicas precisam ser mobilizadas: 6.2.1 Conceber e administrar situações-problema ajustadas ao nível e às possibilidades dos alunos Primeiramente vamos pensar numa situação-problema e em suas características: • girar em torno da resolução de um obstáculo; • permitir formulações por parte dos alunos; • ser um enigma a ser resolvido; • possibilitar aos alunos apropriarem-se de instrumentos intelectuais; • oportunizar questionamentos e elaboração de novas idéias pelos alunos; • operar em uma zona próxima, propícia ao desafio intelectual (nem muito fácil e nem impossível de ser resolvida); • oportunizar aos alunos assumir riscos quando antecipam os resultados (suas hipóteses); • funcionar como um debate científico dentro da classe (conflitos sociocognitivos potenciais); • possibilitar a sua validação através do próprio modo de como se estrutura; • auxiliar os alunos nos retornos reflexivos durante todo o processo. A competência do professor, para a prática de uma pedagogia das situações-problema, está na administração das progressões das aprendizagens através da otimização da gestão do tempo e do trabalho com os alunos na zona de desenvolvimento proximal. 5 10 15 20 25 Di ag ra m aç ão : F áb io - 1 7/ 01 /0 8 Co rr eç ão : S ar ah - p ar a 2ª r ev is ão - R ev is or a: S yl vi a 25 /0 1/ 20 08 39 CORRENTES DO PENSAMENTO DIDÁTICO: NOVAS MEDIAÇÕES Uma pergunta que naturalmente lhe surgiu: preparamos uma situação- problema diferente para cada aluno, já que estamos buscando a individualização das progressões de aprendizagem? Se você respondeu NÃO, você acertou. Uma mesma situação- problema poderá ser solucionada de diferentes maneiras por diferentes alunos ou grupos e, ainda, suscitar diferentes aprendizagens. 6.2.2 Adquirir uma visão longitudinal dos objetivos do ensino Focalizar o ensino no aluno e na progressão das suas aprendizagens requer do professor a competência para uma visão longitudinal dos objetivos do ensino. Não basta mais possuir objetivos que se encerrem num período letivo ou enquanto se está convivendo com o aluno. É preciso enxergar este aprendiz muito à frente, vivenciando novos conhecimentos e aprofundando os anteriores, além também de conhecer suas conquistas até então. É claro que isso requer, também, concepções diferenciadas por parte dos elementos presentes (às vezes determinantes) no contexto escolar, como, por exemplo, a organização anual ou plurianual ou o incentivo ou não para reflexões conjuntas entre professores de uma mesma escola. Ensinar os alunos a ler, por exemplo, deveria ser objetivo de todos os professores de crianças ou adolescentes. Em momentos diferentes da escolaridade ou em desenvolvimento de diferentes disciplinas há variadas leituras para variados tipos de textos. Pode haver resistências a uma visão longitudinal dos objetivos de ensino,por parte dos professores que têm o SEU arsenal de trabalho construído durante anos para um mesmo nível de escolaridade. 5 10 15 20 Di ag ra m aç ão : F áb io - 1 7/ 01 /0 8 Co rr eç ão : S ar ah - p ar a 2ª r ev is ão - R ev is or a: S yl vi a 25 /0 1/ 20 08 40 Unidade III 6.2.3 Estabelecer laços com as teorias subjacentes às atividades de aprendizagem É necessário, além da competência, ter energia e coragem para se questionar “porque se faz o que faz”. O professor deve dominar a teoria da aprendizagem das atividades trabalhadas, tendo competência para escolhê-la conscientemente por seu valor tático e estratégico na progressão das aprendizagens e não por hábito ou por “falta de algo melhor”. Trata-se de criar/ inventar atividades e seqüências didáticas a partir dos objetivos visados. 6.2.4 Observar e avaliar os alunos em situações de aprendizagem, de acordo com uma abordagem formativa Para gerir a progressão dos alunos, é necessário que se façam balanços periódicos de suas aquisições. A observação contínua tem uma intenção formativa e em uma perspectiva pragmática considera-se tudo o que o aluno tem de melhor: • suas aquisições; • sua maneira de aprender e de raciocinar; • sua relação com o saber; • suas angústias; • seus eventuais bloqueios diante de certo tipo de tarefa; • o que faz sentido para ele e o mobiliza; • seus interesses; • seus projetos; • sua auto-imagem como sujeito mais ou menos capaz de aprender; • seu ambiente escolar e familiar. 5 10 15 Di ag ra m aç ão : F áb io - 1 7/ 01 /0 8 Co rr eç ão : S ar ah - p ar a 2ª r ev is ão - R ev is or a: S yl vi a 25 /0 1/ 20 08 41 CORRENTES DO PENSAMENTO DIDÁTICO: NOVAS MEDIAÇÕES Mas, principalmente, o professor precisa saber o que fazer com o que se detectou como aquisições ou não de aprendizagens. “...em suma, não mais separar avaliação e ensino, considerar cada situação de aprendizagem como fonte de informações ou de hipóteses preciosas, para delimitar melhor os conhecimentos e a atuação dos alunos.” (Perrenoud, 2000). 6.2.5 Fazer balanços periódicos de competências e tomar decisões de progressão Uma série de decisões ou orientações são tomadas no final de cada ano letivo ou de cada ciclo em qualquer formação escolar. Essas decisões são tomadas a partir de um balanço das aquisições e, ao mesmo tempo, de um prognóstico e de uma estratégia de formação que considere recursos e dispositivos disponíveis. Nesse caso, nos encontramos no coração do ofício do professor. Não é tarefa fácil a decisão entre um aluno refazer uma série de escolaridade ou um ano de determinado ciclo. Decidir este “dilema” vai além de preparar e aplicar provas ou optar entre a repetência do aluno, porque não aprendeu conteúdos importantes para a seqüência de sua progressão, ou a não- -interrupção na trajetória de sua escolaridade. Em ambos os casos, a decisão é complicada, porque o aluno pode carregar lacunas nas suas aprendizagens ou tornar-se desmotivado por refazer parte dessa trajetória. 6.2.6 Rumo a ciclos de aprendizagem Evidentemente que a progressão na perspectiva de ciclos requer novos saber/fazer, baseados em novas representações da aprendizagem, da diferenciação dos ciclos e da própria progressão. Assim, os ciclos, segundo Perrenoud (2000), só evoluirão se os professores conseguirem inventar dispositivos de acompanhamento das progressões durante anos seguidos. 5 10 15 20