Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
1 Alexandre Luiz Alves de Oliveira Revista Fonte Universitária, Juatuba - MG, v. 3, n. 4, jan./jul. 2012 DESENVOLVIMENTO E SUSTENTABILIDADE DEVELOPMENT AND SUSTAINABILITY Alexandre Luiz Alves de Oliveira 1 RESUMO: O artigo pretende trabalhar, observada a obra Desenvolvimento Sustentável: o desafio do século XXI, de José Eli da Veiga, a problemática do desenvolvimento e sustentabilidade. Longe de querer exaurir o tema, o texto procura tão somente despertar o leitor para a questão da dificuldade de se estabelecer uma junção dos dois institutos, que numa verificação apressada, se excluem. Em um primeiro momento são relatadas algumas concepções do que vem a ser desenvolvimento e como pode ser auferido. Logo em seguida são traçadas as idéias ou formulações do que seria sustentabilidade e como constatá-la. Diante dessas duas premissas é feita uma breve junção entre dois termos, ou seja, uma tentativa de relatar o que seria o desenvolvimento sustentável. Após essa tarefa são apresentadas algumas legislações ambientais, pátrias e estrangeiras, que refletem a problemática do meio ambiente equilibrado. Importante relatar que, além do supracitado livro, são trazidas contribuições de outros autores e menções a algumas legislações no desejo de enriquecer o tema relatado. Palavras-chave: Direito Ambiental; Desenvolvimento; Sustentabilidade; meio ambiente equilibrado ABSTRACT: The article intends to work from the book Sustainable Development: the challenge of the century, José Eli da Veiga, the issue of development and sustainability. Far from exhausting the subject, the text seeks only to awaken the reader to the issue of the difficulty of establishing a junction of the two institutes, which a cursory check, are excluded. At first reports some conceptions of what is to be development and how it can be earned. Shortly thereafter are drawn from the ideas or formulations that would be sustainable and how it witnessed this. Given these two assumptions is a brief joint between two terms, ie an attempt to report what would be sustainable development. After this task are some environmental laws, and foreign homelands, which reflect the problem of balanced environment. Important to report that in addition to the above book are theoretical contributions of other authors and references to some laws in the desire to enrich the subject reported. Keywords: Environmental Law, Development, Sustainability, balanced environment 1 INTRODUÇÃO 1 Alexandre Luiz Alves de Oliveira é advogado, especialista em Temas Filosóficos pela UFMG e mestrando em Direito Ambiental e Sustentabilidade pela ESDHC. 2 DESENVOLVIMENTO E SUSTENTABILIDADE Revista Fonte Universitária, Juatuba - MG, v. 3, n. 4, jan./jul. 2012 Questão que vem chamando a atenção de todos, principalmente nas últimas décadas é o problema ambiental. Se no início do século passado a preocupação com o meio ambiente era algo praticamente circunscrito a uns poucos intelectuais, hoje, até mesmo nas classes menos abastadas, o tema surge de forma recorrente. A encruzilhada do tempo presente se encontra no choque de duas aspirações humanas atuais: crescimento/desenvolvimento e preservação ambiental. É possível a consecução destes dois fins? Um exclui o outro? São compatíveis? Em qual medida? Como promover o tão decantado desenvolvimento sustentável que, em tese, seria a fusão dos dois? Desta maneira, este artigo procura conceituar e trabalhar o desenvolvimento sustentável tendo como ponto de referência a obra Desenvolvimento Sustentável: o desafio do século XXI de José Eli da Veiga. Apesar de ter como diretriz o livro supracitado serão, também, incluídas contribuições de outros autores para procurar explicitar e acrescentar a discussão sobre tema. Destarte procura-se primeiramente conceituar o que vem a ser desenvolvimento e suas formas de medição. Em um momento posterior, verifica-se o que pode ser entendido como sustentabilidade e, também suas formas de aferição. Por fim, é necessário reunir os dois conceitos e apresentar, mesmo que de forma inconclusa, uma ideia ou uma noção do que poderia ser entendido como desenvolvimento sustentável. Em outro momento serão feitas algumas breves considerações sobre como é disciplinada a questão ambiental, tanto na ordem externa como na interna, ou seja, como o ordenamento jurídico “encara” a questão de um meio ambiente sustentável ou equilibrado. 2 DESENVOLVIMENTO Pode-se observar que existem três perspectivas para a conceituação do que seria desenvolvimento. A primeira identifica desenvolvimento com crescimento econômico. Desenvolvimento e crescimento econômico seriam termos que representariam o mesmo fenômeno e poderiam ser mensurados, simplesmente, por indicadores como o Produto Interno Bruto per capita. A segunda linha de pensamento visualiza o desenvolvimento como mera quimera, ilusão. Seria artifício utilizado como meio de justificação para uma exploração, Impossível de ser atingido por todas as nações. Por fim, superando esta dicotomia simplória, a terceira corrente procura demonstrar que o desenvolvimento não pode ser reduzido ao simples crescimento da economia e, também, não é algo impossível. Esse 3 Alexandre Luiz Alves de Oliveira Revista Fonte Universitária, Juatuba - MG, v. 3, n. 4, jan./jul. 2012 caminho do meio que amplia o conceito de desenvolvimento é bem mais complicado, entretanto traz novos indicadores que destacam outros aspectos que não meramente econômicos. Até poucas décadas atrás não havia necessidade de fazer distinção entre desenvolvimento e crescimento econômico. A identificação entre os dois institutos era precisa, bastava verificar que as nações ricas eram as desenvolvidas e as pobres as subdesenvolvidas. A partir de 1950, com o forte crescimento econômico dos países em fase de industrialização, verificou-se que crescimento econômico e desenvolvimento não caminhavam juntos. Países que tiveram grande crescimento de sua economia não proporcionaram simultaneamente acesso das populações mais carentes a itens básicos como saúde, educação, moradia, etc. Diante de evidência tão incontestável não seria mais possível, simplesmente, fundir os dois conceitos. Era necessário um novo índice ou uma nova maneira para verificar o desenvolvimento. A renda per capita não mais responderia as complexidades inerentes ao desenvolvimento. Surge o IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) em 1990 procurando ampliar os indicadores para aferição. 3 DESENVOLVIMENTO/CRESCIMENTO ECONÔMICO/ILUSÃO Giovanni Arrighi, economista e sociólogo italiano, através da publicação de A Ilusão do Desenvolvimento, exerceu grande influência na divulgação da ideia de desenvolvimento como quimera. Existiriam três grupos de nações. Um núcleo orgânico formado pelos países ricos, uma grande periferia formada por países pobres e uma semiperiferia constituída por nações “emergentes”. A questão central para o autor é que estes grupos seriam estáticos, ou seja, era muito improvável que países que pertencessem à categoria de “baixo” pudessem ascender. Seriam raros os casos onde nações quebrassem as amarras do mercado e mudassem de categoria. Observa-se claramente a identificação de desenvolvimento com acúmulo de riquezas monetárias e seu uso para classificar e mensurar as nações. Como bem observa José Eli da Veiga, o pensador italiano estaria coberto de razão se desenvolvimento fosse somente isso, mas tal constatação não observa outras diretrizes importantes como alfabetização, expectativa de vida, mortalidade infantil,distribuição de renda, moradia, etc. Outro importante pensador que, também, visualiza o desenvolvimento como mera ilusão foi o diplomata peruano Oswaldo de Rivero. Destaca, em suas ideias, que o subdesenvolvimento dos países pobres não pode ser evitado. Estes países são caracterizados 4 DESENVOLVIMENTO E SUSTENTABILIDADE Revista Fonte Universitária, Juatuba - MG, v. 3, n. 4, jan./jul. 2012 não só por uma pobreza econômica, mas, principalmente, por uma pobreza científico- tecnológica. E quando se fundem a miséria tecnológico-científica com a explosão demográfica surge o subdesenvolvimento insuperável. Para este diplomata peruano é necessário superar o mito do desenvolvimento e realizar um verdadeiro “Pacto de Sobrevivência”. Este pacto consistiria num controle populacional, investimento maciço em tecnologia e, principalmente, preservação de recursos hídricos, energéticos e alimentares. Esta deveria ser a verdadeira e imediata preocupação dos países pobres e, não um padrão de vida semelhante aos países do “norte”. 4 DESENVOLVIMENTO/NOVAS PERSPECTIVAS Uma mudança de perspectiva da ideia de desenvolvimento foi trazida por Celso Furtado. Furtado observou que o desenvolvimento não poderia ser traduzido, apenas, pelo crescimento econômico. Para ele existem duas perspectivas sobre o processo da invenção cultural: uma ligada à técnica e outra vinculada aos valores. Como os últimos duzentos anos foram destinados ao aprimoramento da técnica, buscando um aumento de produtividade, natural tornou-se identificar apenas este prisma na valoração do desenvolvimento. A racionalidade substantiva foi deixada em segundo plano ou, até mesmo, esquecida. O desenvolvimento seria algo mais amplo, não poderia mais ser resumido a um apêndice da elevação da economia e da técnica. Fundem-se novos valores... Amartya Sen, ganhador do Prêmio Nobel de Economia em 1998, trouxe outra concepção do que seria desenvolvimento. Identificou o instituto como um comprometimento de ampliação das liberdades individuais. O crescimento econômico é um meio importante para tal fim, entretanto, não é o único. A promoção da educação, dos direitos civis, da saúde, ou seja, de todos os instrumentos que possibilitem a expansão da liberdade devem ser buscados. O que o desenvolvimento promove é o “crescimento’ do ser humano sobres todas as suas perspectivas. Com tal ideal, Amartya Sen destaca que o que deve ser almejado é a eliminação de tudo que vem a ser um obstáculo à expansão da liberdade. O que tem que ser combatido são “as fontes de privação de liberdade: pobreza e tirania, carência de oportunidades econômicas e destituição social sistemática, negligência dos serviços públicos e intolerância ou interferência de Estados repressivos.” (VEIGA, 2010, p.34). Uma importante observação realizada por Sen foi à constatação que a simples acumulação de riquezas não gera necessariamente um amplo desenvolvimento em todas as 5 Alexandre Luiz Alves de Oliveira Revista Fonte Universitária, Juatuba - MG, v. 3, n. 4, jan./jul. 2012 perspectivas. Cite-se o exemplo dos negros americanos de Nova Iorque, que apesar de terem rendas maiores, tem uma expectativa de vida menor dos que os homens da China e do Kerala, que são bem mais pobres. O pensador indiano percebe que existem dois “modos” de promoção do desenvolvimento: um realizado com o crescimento das riquezas e outro conduzido por políticas públicas. Estes dois processos possibilitam o desenvolvimento dos países, mas o que Amartya Sen procura destacar é que não é necessário esperar que um país seja rico para que medidas redutoras do subdesenvolvimento sejam implantadas. Países, como acima citado, podem ter índices melhores mesmo não tendo uma alta quantidade de riqueza. Para isso, o segundo processo, ou seja, o custeio público exerce papel fundamental. Pensadora que também deve ser citada é Jane Jacobs. Em suas constatações percebemos o distanciamento da ideia de desenvolvimento do aspecto mecanicista para uma perspectiva mais ligada aos processos evolucionistas. O desenvolvimento econômico, assim como todos os outros, surge de um processo natural: Diferenciações que surgem de generalidades. Com o tempo estas diferenciações se tornam generalidades e, assim, temos a continuidade do processo. Deve-se, ainda, fazer uma observação que não é um caminho linear existindo o que se pode chamar de um co-desenvolvimento. Tal constatação é importante, pois destaca que o desenvolvimento é um processo e não um simples acúmulo de riquezas. O que deve ser promovido são as liberdades, as faculdades de criação, as iniciativas e as diligências. Servem de exemplo os países dotados de imensas riquezas materiais e, entretanto, “pobres”. A falta dessa visão faz crer que o simples aumento do PNB produz o desenvolvimento do país. Jane Jacobs trouxe, também, uma analogia interessante. Compara o crescimento e desenvolvimento de uma sociedade com o uso ou não uso da energia por um ecossistema. Relata que em ecossistemas simples, como um deserto, a energia do sol recebida, apesar de abundante é pouco aproveitada. A energia recebida é liberada sem deixar vestígios. Em ecossistemas complexos, como as florestas, o fluxo da energia é utilizado por uma infinidade de agentes, sendo transformada e recombinada antes de ser liberado. A energia percorre todo sistema deixando diversas “contribuições”. Com as comunidades humanas o fenômeno se repetiria. Para o desenvolvimento e a expansão de uma localidade, necessário é um melhor aproveitamento da “energia” recebida. É através do trabalho humano, da diversidade de atividades, do aprimoramento técnico, ou seja, na transformação em uma comunidade complexa que a “energia” recebida é melhor aproveitada. Como nos desertos, as comunidades simples, mesmo sendo grandes, tendem a ser pobres pelo pouco aproveitamento 6 DESENVOLVIMENTO E SUSTENTABILIDADE Revista Fonte Universitária, Juatuba - MG, v. 3, n. 4, jan./jul. 2012 do fluxo de energia recebido. A energia recebida é dispersa facilmente, pouco resultado é produzido. Como concluiu Jacobs, a diversidade é a raiz do desenvolvimento e do crescimento econômico. Por fim, dentre estas várias ideias apresentadas, José Eli da Veiga, através dos relatórios anuais da PNUD, apresenta uma ideia do que deveria ser entendido sobre desenvolvimento: O desenvolvimento tem a ver, primeiro e acima de tudo, com a possibilidade de as pessoas viverem o tipo de vida que escolheram, e com a provisão dos instrumentos e das oportunidades para fazerem as suas escolhas. E, ultimamente, o Relatório do Desenvolvimento Humano tem insistido que essa é uma ideia tão política quanto econômica. Vai desde a proteção dos direitos humanos até o aprofundamento da democracia.(VEIGA, 2010, p. 81). 5 A MEDIÇÃO DO DESENVOLVIMENTO A grande questão para aferição ou medição do desenvolvimento e, consequentemente, para comparações posteriores é um indicador sintético que represente a amplitude do termo desenvolvimento. Se desenvolvimento fosse sinônimo apenas de desenvolvimento econômico o problema seria bastante simples. Bastaria somente comparar a renda per capita ano a ano. Foi observado, porém que desenvolvimento não se traduz, apenas, pelo viés econômico. Várias perspectivas devem ser verificadas não se permitindo uma análise tão simplória. Assim, devem ser verificados como elementos básicos do desenvolvimento quatro fatores: longevidade, escolaridade, acesso a bens mínimos para uma vida digna e possibilidade de participação na vida da comunidade. Diante de tal constatação, várias tentativas de encontrar um indicador sintético foramtentadas. José Eli da Veiga destaca algumas que serão apresentadas a seguir. A primeira medida utilizada para aferição do desenvolvimento foi o PIB per capita. Era uma simples divisão da “riqueza” produzida pelo contingente populacional. Pela sua fragilidade e pela já mencionada amplitude do termo desenvolvimento já pode ser considerado um índice plenamente superado. Assim, buscando uma complementação que incluísse outros aspectos, surge o IDH. O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) é constituído da média aritmética de outros três índices que verificam a renda, a longevidade e a escolaridade. 7 Alexandre Luiz Alves de Oliveira Revista Fonte Universitária, Juatuba - MG, v. 3, n. 4, jan./jul. 2012 O problema do IDH é que este índice pode desvirtuar ou não apresentar se uma comunidade é ou não desenvolvida. José Eli da Veiga apresenta um exemplo muito elucidativo: Um município muito rico e que apresenta péssimas condições de vida e escolaridade pode apresentar um IDH maior que outro, que apesar de não gerar tanta riqueza, apresenta melhores indicadores de longevidade e escolaridade. O IDH como derivado dessa média aritmética pode apresentar estas distorções. Outro exemplo possível seria o de um país que detivesse enormes reservas de petróleo, ou seja, um PIB alto e péssimas condições sociais derivadas da concentração de renda. Este país poderia atingir um IDH mais alto do que outro mais pobre, todavia com bons índices de sociais. Desejando solucionar esta disparidade do IDH, o Estado de São Paulo procurou aperfeiçoar seus indicadores de desenvolvimento. Seria um índice de terceira geração denominado Índice Paulista de Responsabilidade Social (IPRS). Apesar de tal nome trata-se mais de uma tipologia dos municípios paulistas. Em vez do ranqueamento promovido pelo IDH, observando as médias aritméticas, os municípios são classificados em grupos de acordo com suas características de renda, longevidade e escolaridade. O primeiro grupo são o dos municípios desenvolvidos. Estes possuem bons índices nas três dimensões. Os que têm muita de riqueza e sofríveis indicadores nas outras duas dimensões formariam o segundo grupo: atrasados apesar de ricos e, assim injustos. O terceiro grupo é constituído pela perspectiva oposta, ou seja, possuem bons indicadores sociais apesar de não serem ricos. São os municípios saudáveis. E, por fim, os municípios que não possuem bons indicadores seriam os de relativo subdesenvolvimento. Essa classificação em grupos procura solucionar as distorções da simples média promovida pelo IDH e, de tal maneira, promover uma melhor classificação e percepção do grau de desenvolvimento. Na busca de uma melhor clarificação da medição do desenvolvimento surgem os índices de quarta geração. Da Veiga menciona dois que merecem atenção: o DNA-Brasil e o IDS (Índice de Desenvolvimento Social). O DNA-Brasil não é propriamente um índice. É uma compilação de 24 indicadores referente a sete dimensões. Estas seriam: bem-estar econômico, competitividade econômica, condições socioambientais, educação, saúde, proteção social básica e coesão social. Reunidos estes dados, eles configurariam os ângulos de uma estrela numa comparação com os dados espanhóis. A comparação com a Espanha não foi aleatória. Este país apresenta grande disponibilidade de informações que permitem um cotejamento e, ademais, atingiu um alto nível de desenvolvimento em pequeno tempo. Desta forma, quanto mais próximos dos índices espanhóis, mais próximo à figura geométrica 8 DESENVOLVIMENTO E SUSTENTABILIDADE Revista Fonte Universitária, Juatuba - MG, v. 3, n. 4, jan./jul. 2012 representativa do Brasil estaria da Espanha. Já o IDS é um índice que se caracteriza por analisar cinco componentes de igual valor de mensuração: saúde, educação, trabalho, rendimento e habitação. O que deve ser ressaltado nessas mudanças de gerações entre os índices que procuram quantificar o desenvolvimento é a tentativa de incluir mais componentes que visam melhor caracterizar o desenvolvimento. São anexados índices referentes à desigualdade, à habitação, à proteção ambiental, etc., contudo, como já bem observado por Amartya Sen, nenhum índice resumirá com perfeição o desenvolvimento. Desta forma, a principal função dos índices deve ser a orientação para uma pesquisa mais pormenorizada da situação. É como bem sintetiza José Eli da Veiga: “Os vários índices sintéticos apresentados poderão ser muito úteis se servirem apenas de isca para cada uma das dimensões do desenvolvimento seja examinada sem paralelo, de forma que as principais discrepâncias sejam enfatizadas.” (VEIGA, 2010, p. 105) 6 SUSTENTABILIDADE De maneira análoga a ideia de desenvolvimento, José Eli da Veiga menciona que a sustentabilidade pode ser encarada por três primas. Duas proposições antagônicas sobre a possibilidade de os meios tecnológicos e científicos possibilitarem a comunhão entre crescimento e conservação ambiental e um “caminho do meio”. Os defensores da primeira corrente acreditam que não existe nenhuma incompatibilidade entre crescimento econômico e preservação do meio ambiente e, ao contrário, defendem que depois de certo patamar de renda per capita a poluição tende a diminuir. Os pensadores do lado oposto, por sua vez, relatam justamente o contrário sobre a falácia da possibilidade deste crescimento e a conservação ambiental. E, por fim, alguns autores propõem uma nova perspectiva não tão otimista sobre a evolução tecnológica, entretanto não tão céticas também. Representantes da hipótese panglossiana, Grossman e Krueger foram os que expuseram a ideia de que a partir de uma renda per capita de mais ou menos oito mil dólares o crescimento econômico, em vez de prejudicar o meio ambiente, iria ajudar a preservá-lo. Alegam que no início do crescimento econômico de uma comunidade, realmente haveria poluição, entretanto, quando o patamar de renda se elevasse a preservação ambiental encontraria alicerce e seria promovida. O crescimento das riquezas permite o aperfeiçoamento tecnológico e provoca uma demanda, por parte das pessoas instruídas, de proteção ambiental. 9 Alexandre Luiz Alves de Oliveira Revista Fonte Universitária, Juatuba - MG, v. 3, n. 4, jan./jul. 2012 De tal forma, diante do avanço científico e econômico, o crescimento em nada teria de incompatível com a promoção da natureza. Importante contribuição para o debate sobre a sustentabilidade foi trazida por Nicholas Georgescu-Roegen. Sua principal afirmação e que causou grande celeuma a época (década de 70) foi defender que a economia seria absorvida pela ecologia. Georgescu percebeu que a economia não poderia ser traduzida por um processo mecânico e que estaria adstrita a leis da termodinâmica. A segunda lei da termodinâmica limitaria a produtividade humana, ou seja, os recursos disponíveis são finitos. Sua explicação sobre a Lei da Entropia merece ser reproduzia: No limite, trata-se de algo relativamente simples: todas as formas de energia são gradualmente transformadas em calor, sendo que o calor acaba se tornando algo tão difuso que o homem não pode mais utilizá-lo. Para ser utilizável, a energia precisa ser repartida de forma desigual. Energia completamente dissipada não é mais utilizável. A ilustração clássica evoca a grande quantidade de calor dissipada na água dos mares que nenhum navio pode utilizar. (GEORGESCU-ROEGEN, 1973, p. 39) De tal forma, Georgescu relata que não é uma questão de se impor uma inexistência de crescimento ou do seu decrescimento. O que ele destaca é que dentro dessas perspectivas e conclusões, a espécie humana não apresenta compromissocom as gerações vindouras. Será uma vida excitante, porém breve. Diante dessa constatação, Georgescu propõe em seu programa bioeconômico mínimo oito pontos para uma tentativa de sustentabilidade: Primeiro, proibir totalmente não somente a própria guerra, mas a produção de todos os instrumentos de guerra. Segundo, ajudar os países subdesenvolvidos a ascender, com a maior rapidez possível, a uma existência digna de ser vivida, mas em nada luxuosa. Terceiro, diminuir progressivamente a população até um nível no qual uma agricultura orgânica bastasse à sua conveniente nutrição. Quarto, evitar todo e qualquer desperdício de energia – enquanto se espera que se viabilize a utilização direta da energia solar, ou que se consiga controlar a fusão termonuclear. Quinto, curar a sede mórbida por gadgets extravagantes para que os fabricantes parem de produzir esse tipo de bens. Sexto, acabar também com essa doença do espírito humano que é a moda, para que os produtores se concentrem na durabilidade. Sétimo, as mercadorias mais duráveis devem passar a ser concebidas para que sejam conservadas. Oitavo, reduzir o tempo de trabalho e redescobrir a importância do lazer para uma existência digna. (VEIGA, 2010, p.162) Defendendo posição contrária ao fatalismo, merece destaque o ganhador do prêmio Nobel de economia de 1987, Robert M. Solow. Solow é um entusiasta do desenvolvimento científico e tecnológico da humanidade. Prescreve que o processo produtivo é composto de três elementos básicos: trabalho humano, capital produzido e recursos naturais. O que pode 10 DESENVOLVIMENTO E SUSTENTABILIDADE Revista Fonte Universitária, Juatuba - MG, v. 3, n. 4, jan./jul. 2012 ocorrer no futuro, no máximo, são entraves temporários proporcionados pela ausência de algum recurso natural. Em tal caso, os outros dois elementos realizarão uma substituição do elemento natural findo. A expansão será sempre proporcionada pelas invenções. O crescimento não é limitado pela finitude dos recursos naturais frente à infinitude das inovações. Diante destas constatações, a sustentabilidade é mera capacidade de produção e reprodução, mesmo que somente alicerçada no trabalho humano e capital produzido. Se a produção funciona mesmo findo aquele recurso natural, ainda sim haveria sustentabilidade. Seria, como foi batizada, uma sustentabilidade fraca, baseada apenas no seu viés econômico. Outros economistas, não compactuando com esse exacerbado otimismo de Solow, apregoam a denominada sustentabilidade forte. Não acreditam nessa plena substituição dos recursos naturais pelo trabalho e capital humano. Visualizam a responsabilidade entre as gerações justamente nesses recursos que não podem ser renovados e não tão somente na manutenção da produção de bens. Prescrevem uma valorização pelo mercado desses recursos escassos, ou seja, uma administração responsável e comprometida com as gerações futuras. Estes economistas neoclássicos propõem, assim, uma precificação dos recursos naturais e uma negociação destes “bens” dentro de um sistema de mercado. Além de observar o valor econômico propriamente dito do recurso (valor de troca e uso), deveria entrar no valor total um novo componente chamado de custo-benefício da alteração do bem-estar. Esse adicional seria auferido pela sua disposição de pagar por esse ganho de bem-estar ou pela sua disposição em aceitar algo em compensação em caso de perda. José Eli da Veiga critica esta proposição neoclássica com uma afirmação que merece destaque: O problema é que os adultos também não acreditam em estórias da carochinha. Sabem que os preços são determinados simultaneamente pela utilidade e pelo custo de produção... Só podem ter valor econômico e, portanto, preço, bens que sejam produtíveis e apropriáveis. (VEIGA, 2010, p.128) E complementa: A noção usual de sistema econômico consolidou-se justamente pelo crescente distanciamento da natureza. Por isso, toda tentativa de incorporar variáveis ambientais nas contabilidades esbarra em obstáculos conceituais e práticos que acabam tornando os resultados muito suspeitos. (VEIGA, 2010, p. 129) 11 Alexandre Luiz Alves de Oliveira Revista Fonte Universitária, Juatuba - MG, v. 3, n. 4, jan./jul. 2012 Uma concepção interessante sobre desenvolvimento sustentável é a apresentada por Herman E. Daly. O ideal da sustentabilidade somente teria chance de obter êxito se a economia mudasse de paradigma. Em vez de uma economia do crescimento ele propõe uma economia estável. Estável, no entanto, não inerte. Em vez de crescimento quantitativo, qualitativo. Claro que tal proposição, apenas, seria possível em comunidades mais desenvolvidas onde o nível econômico poderia dar suporte aos custos ambientais. Tal processo iniciaria nos países do “norte” e no futuro caminharia para os países mais pobres na medida da sua elevação econômica. Daly relata quatro políticas para a consecução desse objetivo: a) Nas contabilidades nacionais, o capital natural não renovável não mais seria considerado renda. Pertenceria ao ativo destes países e sua utilização seria um verdadeiro saque. Assim, supostos balanços superavitários deixariam de existir; b) Afastar a base dos impostos da renda e do trabalho e elevar os tributos dos recursos naturais. Além de retirar os subsídios explícitos da utilização da água, energia, agricultura, pecuária, mineração, etc. aumentar o custo das mercadorias desestimulando o consumo exacerbado; c) Maximizar a produtividade dos capitais naturais e investir no aumento de sua oferta no futuro; d) Promover uma economia voltada ao consumo interno evitando o comércio exterior. A globalização provoca imensas competições entre os países o que, afinal, abaixa o preço dos produtos e dos salários. Cristiane Derani, em seu livro Direito Ambiental Econômico, faz a mesma ressalva de Daly. Relata que este paradigma da economia capitalista, que apregoa a necessidade sempre presente do crescimento quantitativo, não se coaduna com uma ideia de preservação ambiental. A lógica capitalista insiste num aumento constante dos lucros para consecução de mais lucros futuros. Nos dizeres da autora: Crescimento zero, como é apregoado por muitos ideólogos da proteção do meio ambiente, é totalmente incoerente com a lógica apresentada. A simples paralisação do crescimento implica a queda do valor do capital. Uma renúncia ao crescimento conduziria, pela manutenção da taxa de lucro, a uma queda do capital. [...] O ser do dinheiro é sua multiplicação. (DERANI, 2008, p. 85) 12 DESENVOLVIMENTO E SUSTENTABILIDADE Revista Fonte Universitária, Juatuba - MG, v. 3, n. 4, jan./jul. 2012 Assim para a existência de uma sustentabilidade ambiental necessário é uma renúncia a este capitalismo selvagem que impõe a perspectiva do lucro sobre todas as demais. Uma crítica que não pode ser ignorada é que o conceito de sustentabilidade é impreciso. O termo passou a ser utilizado nas mais diversas acepções inclusive por correntes ideológicas antagônicas. Guardando semelhança com a ideia geral de desenvolvimento no passado, quando se fala em sustentabilidade verifica-se sempre um forte viés econômico. Destarte nota-se sempre um ideal de sustentabilidade vinculado com a economia neoclássica impregnado por seus ideais e aspirações. A economia neoclássica que, para muitos, já reflete a teoria econômica presente, vem tentando também traçar as delimitações da sustentabilidade. E a grande questão que se impõe é que esta corrente de pensamento baseada no utilitarismo e no individualismo, ou seja, na maximização dos lucros individuais, tem uma forte contradiçãocom o ideal de solidariedade com as gerações futuras. É dentro de uma perspectiva mais abrangente que deve ser encarada a sustentabilidade. Limitar ao aspecto econômico e encarar com miopia uma situação que detém fortes determinações éticas. Assim a ideia de sustentabilidade não pode perder de vista, principalmente, a responsabilidade com as presentes gerações, mas sem olvidar com as futuras. Nítido é que os recursos naturais são limitados diante da sempre crescente ampliação das necessidades humanas marcadas pelo consumismo. É essa solidariedade entre as gerações, não a próxima, mas as que estão bem distantes que caracterizam a necessidade de adoção de medidas sustentáveis. Nesta necessidade encontra-se o problema que a ciência econômica não pode explicar. Seu objeto é a análise de administrações de recursos em uma única geração e no máximo de algumas mais próximas. Não tem compromisso a economia com o que irá ocorrer daqui a 400, 600, mil anos... Assim na busca da consecução desse objetivo, José Eli da Veiga, menciona um conjunto de transições propostos por Gell-Mann para uma sustentabilidade que merecem ser citados. Em primeiro lugar, uma sustentabilidade maior, se puder ser alcançada, significaria uma estabilização da população, globalmente e na maioria das regiões. Em segundo, práticas econômicas que encorajem a cobrança de custos reais, crescimento em qualidade em vez de quantidade, e a vida a partir dos dividendos da natureza e não do seu capital. Terceiro, uma tecnologia que tenha comparativamente um baixo impacto ambiental. Quarto, é preciso que a riqueza seja de alguma forma mais equitativamente distribuída, especialmente para que a pobreza deixe de ser comum. Em quinto, são imprescindíveis instituições globais e transnacionais mais fortes para lidar com os problemas globais urgentes. Sexto, é fundamental um público mais bem informado sobre os desafios múltiplos e interligados do futuro. E sétimo – e talvez o mais importante e mais difícil de tudo – o predomínio de atitudes que favoreçam a unidade na diversidade, isto é, cooperação e competição não violenta entre tradições 13 Alexandre Luiz Alves de Oliveira Revista Fonte Universitária, Juatuba - MG, v. 3, n. 4, jan./jul. 2012 culturais diferentes e nações-Estados, assim como a coexistência com os organismos que compartilham a biosfera com os seres humanos. (VEIGA, 2010, p. 169) 7 MEDIÇÃO DA SUSTENTABILIDADE De forma análoga com a dificuldade de se estabelecer um índice único para aferir o desenvolvimento, encontra-se diversas dificuldades para sintetizar a sustentabilidade em apenas um único valor. Apesar dessa dificuldade, o importante é tentar apresentar pelo menos um índice que sirva de norte sobre a sustentabilidade ambiental para que possa ser cotejado com os índices econômicos do crescimento. Merece, em um primeiro momento, destaque a tentativa realizada pela Comissão para o Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas de traduzir este índice. Em 1996, através do que ficou conhecido como Livro Azul, foi publicado um documento constituído de 143 indicadores, depois reduzido para 57, que buscou representar os aspectos da sustentabilidade. Este documento, além das contribuições de suas próprias informações, foi importante devido a sua influência para que o IBGE em 2002 e 2004 realizasse os primeiros indicadores brasileiros de desenvolvimento sustentável. O projeto brasileiro observou 17 indicadores contemplando as seguintes perspectivas: atmosfera, terra, oceano, biodiversidade e saneamento. Importantes contribuições também são auferidas pelo ESI-2002 que contemplou 142 países na busca da apreensão de uma determinação da sustentabilidade. Este índice de sustentabilidade ambiental formulado por pesquisadores de Yale e Columbia analisa cinco pontos fundamentais: a) Sistemas ambientais que compreendem a análise do solo, ar, água e ecossistemas; b) Estresses, entendida como um nível elevado de poluição ou consumo exorbitante de um recurso natural; c) Vulnerabilidade humana que verifica doenças e situações nutricionais da população; d) Capacidade social que pode ser traduzida na possibilidade de solução de um problema ambiental pela população; e) Responsabilidade global, ou seja, cooperação entre os países para resolver as questões ambientais. 14 DESENVOLVIMENTO E SUSTENTABILIDADE Revista Fonte Universitária, Juatuba - MG, v. 3, n. 4, jan./jul. 2012 Realizadas as pesquisas referentes às dimensões acima mencionadas, de forma diversa do IDH, não é feito uma média aritmética. Os países são reunidos em grupos com características semelhantes. Observando os indicadores auferidos o país receberia uma classificação. Assim, haveria uma divisão em cinco grupos que se diferenciariam de acordo com a vulnerabilidade ambiental. Interessante notar que diante disso, através de uma comparação com o IDH, seria possível verificar quais os países que tem um desenvolvimento sustentável ou não. Casos emblemáticos são países como Alemanha, França, Dinamarca, entre outros, que possuem IDH alto, entretanto, em termos de sustentabilidade são considerados estressados. O ESI-2002, mesmo diante de algumas limitações, ganhou destaque principalmente por ter sido feito para o Fórum Econômico Mundial e ter ampla cobertura da revista The Economist. Guardadas as devidas proporções poderia ser equiparado a representatividade que o IDH tem para o desenvolvimento. José Eli da Veiga relata que merece ainda ser mencionado que antes do ESI-2002, ocorreram três tentativas para o estabelecimento de um índice representativo da sustentabilidade. Seriam elas: O Índice de Bem-estar de Prescott Allen, outro índice elaborado para a Comissão das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável por um grupo de consulta e, finalmente, um índice conhecido como “pegada ecológica” (mede o uso da natureza pelo homem) realizada pela ONG Redefining Progress Institute. 8 O DIREITO AMBIENTAL E A BUSCA DE UM MEIO AMBIENTE EQUILIBRADO De uma forma simplória e redundante, o Direito Ambiental seria o ramo do direito que procuraria traçar as normas de cunho ambiental visando à proteção do meio ambiente. Assim, para a apreensão dessa tarefa, fundamental se faz conhecer o que se pode entender por ambiente. A melhor indicação, a priori, seria a legal. Relata o art.3°, I, da Lei 6938/81: Art. 3º - Para os fins previstos nesta Lei, entende-se por: I - meio ambiente, o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas. (BRASIL, 2011, p. 547) Destarte, nos termos do art. 2° da Lei 6.938/81, o Direito Ambiental e, consequentemente, a Política Nacional do Meio Ambiente tem por objetivo a preservação, 15 Alexandre Luiz Alves de Oliveira Revista Fonte Universitária, Juatuba - MG, v. 3, n. 4, jan./jul. 2012 melhoria e recuperação da qualidade ambiental propícia à vida, visando assegurar, no País, condições ao desenvolvimento socioeconômico, aos interesses da segurança nacional e à proteção da dignidade da vida humana. Nota-se a preocupação do ditame legal em tentar estabelecer uma compatibilidade entre a ideia de desenvolvimento/crescimento com a conservação da natureza. José Afonso da Silva em seu livro Direito Constitucional Ambiental vem ampliar e esclarecer a ideia. Faz questão de também realçar os aspectos culturais, claro sem deixar de citar a proteção da natureza no seu sentido mais comum. Define o autor: O conceito de meio ambiente há de ser, pois, globalizante, abrangente de toda a naturezaoriginal e artificial, bem como os bens culturais correlatos, compreendendo, portanto, o solo, a água, o ar, a flora, as belezas naturais, o patrimônio histórico, artístico, turístico, paisagístico e arqueológico. (SILVA, 2002, p. 20) Sobre o ideal da sustentabilidade, o autor ainda traça um norte que deve ser seguido observando a legislação pátria. De acordo com o constitucionalista, o intérprete na exegese da lei deve procurar conciliar o desenvolvimento econômico-social com a preservação do meio ambiente. O desenvolvimento sustentável somente será possível com uma utilização equilibrada da natureza visando o atendimento das necessidades atuais da população sem descuidar da conservação para a utilização para as futuras gerações. É a tradução do caput do art.225 da Constituição Federal que está, assim, redigido: Art.225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. (BRASIL, 2010, p. 90) Traçadas estas primeiras considerações deve-se relatar que a proteção ambiental é uma questão que remota há tempos mais pretéritos. Levando-se em consideração apenas do século XX para os dias atuais inúmeros instrumentos legais vieram tratar da questão. Legislações internacionais e nacionais dos mais diversos matizes procuraram de uma forma ou de outra regular a problemática ambiental. Longe de querer ser exaustivo serão mencionados alguns. A Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, apesar de não ser um instrumento diretamente direcionado a proteção ambiental, traz valorosos direitos que são plenamente aplicáveis à questão. Na proteção dos direitos mínimos dos homens, está o direito a um meio ambiente equilibrado e sadio. Necessário é estender aquelas determinações abrangendo a proteção ambiental. Nesse sentido destacam-se alguns de seus artigos como: 16 DESENVOLVIMENTO E SUSTENTABILIDADE Revista Fonte Universitária, Juatuba - MG, v. 3, n. 4, jan./jul. 2012 Artigo 3° Todo indivíduo tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal. Artigo 22 Toda a pessoa, como membro da sociedade, tem direito à segurança social; e pode legitimamente exigir a satisfação dos direitos econômicos, sociais e culturais indispensáveis, graças ao esforço nacional e à cooperação internacional, de harmonia com a organização e os recursos de cada país. Artigo 25 1. Toda pessoa tem direito a um nível de vida suficiente para lhe assegurar e à sua família a saúde e o bem-estar, principalmente quanto à alimentação, ao vestuário, ao alojamento, à assistência médica e ainda quanto aos serviços sociais necessários, e tem direito à segurança no desemprego, na doença, na invalidez, na viuvez, na velhice ou noutros casos de perda de meios de subsistência por circunstâncias independentes da sua vontade. 2. A maternidade e a infância têm direito a ajuda e a assistência especiais. Todas as crianças, nascidas dentro ou fora do matrimônio, gozam da mesma proteção social. Artigo 27 1. Toda pessoa tem o direito de tomar parte livremente na vida cultural da comunidade, de fruir as artes e de participar no progresso científico e nos benefícios que deste resultam. 2. Todos têm direito à proteção dos interesses morais e materiais ligados a qualquer produção científica, literária ou artística da sua autoria. Artigo 28 Toda pessoa tem direito a que reine, no plano social e no plano internacional, uma ordem capaz de tornar plenamente efetivos os direitos e as liberdades enunciadas na presente Declaração.2 Foi a constatação de Eduardo Gomes e Bettina Bulzico que relatam que “inegável é a constatação do direito humano ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, tutelado não apenas por normas de Direito Internacional Ambiental, como por normas de direitos humanos.” (GOMES; BULZICO, 2010, p.52) Para muitos estudiosos do direito ambiental, o marco inicial para a disciplina seria a Convenção de Estocolmo de 1972. Foram realizadas quatros sessões para a discussão da temática ambiental tratando de assuntos como a poluição dos mares, a preservação do solo, a chuva ácida proveniente da poluição do ar, etc. Interessante destacar dentro dessas discussões, o relatório/teoria chamado “Os limites do crescimento” que, conforme se observa, trouxe a seguinte perspectiva: “A teoria defendia o crescimento zero ou a paralisação do crescimento econômico, resultando em taxas de desenvolvimento menos agressivas para com a natureza e, consequentemente, reduzindo a degradação ambiental.” (GOMES; BULZICO, 2010, p.54). Diante dessa proposição de limitação do crescimento verifica-se a dicotomia dos países em dois grupos: o dos países desenvolvidos que desejavam a conservação dos recursos naturais e 2 Disponivel em: < http://portal.mj.gov.br/sedh/ct/legis_intern/ddh_bib_inter_universal.htm> .Acesso em: 10 jun./ 2012 17 Alexandre Luiz Alves de Oliveira Revista Fonte Universitária, Juatuba - MG, v. 3, n. 4, jan./jul. 2012 o dos países pobres que apregoavam a necessidade de utilização dos mesmos para a promoção do desenvolvimento. O importante, contudo, foi a percepção da necessária discussão sobre o tema e a apresentação de um plano de ação contendo 109 recomendações. Ainda lembra GOMES e BULZICO mencionando José Afonso da Silva: A Conferência de Estocolmo abriu caminho para que as Constituições supervenientes reconhecessem o meio ambiente ecologicamente equilibrado como um direito humano fundamental entre os direitos sociais do homem, com sua característica de direitos a serem realizados e direitos a não serem perturbados. (GOMES; BULZICO, 2010, p. 59) Observação idêntica faz Solange Teles da Silva que constada que o direito ao meio ambiente equilibrado é um direito fundamental. Nos dizeres da autora: “Não há possibilidade de concretização dos demais direitos fundamentais sem o direito ao meio ambiente, que se traduz em última análise como o próprio direito a vida.” (TELES, 2007, p. 230) Transcorridos vinte anos da Convenção de Estocolmo foi realizada outra importante discussão de nível mundial sobre a problemática ambiental. A Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, conhecida como ECO 92, veio ratificar os ideais preservacionistas da Declaração de Estocolmo, entretanto, teve como enfoque principal a discussão do desenvolvimento sustentável. Procura conciliar dois direitos humanos fundamentais, ou seja, o direito ao desenvolvimento e a uma vida e um meio ambiente saudável. Na busca desse objetivo enumera vinte e seis princípios, destacando-se: Princípio primeiro Os seres humanos constituem o centro das preocupações relacionadas como desenvolvimento sustentável. Têm direito a uma vida saudável e produtiva, em harmonia com a natureza. Princípio terceiro O direito ao desenvolvimento deve ser exercido de tal forma que responda equitativamente às necessidades de desenvolvimento e preservação ambiental das gerações presentes e futuras. Princípio quarto A fim de alcançar o estágio do desenvolvimento sustentável, a proteção do meio ambiente deve constituir parte integrante do processo de desenvolvimento e não poderá ser considerada de forma isolada. Princípio oitavo Para alcançar o desenvolvimento sustentável e uma melhor qualidade de vida para todas as pessoas, os Estados devem reduzir e eliminar os sistemas de produção e consumo não sustentados e fomentar políticas demográficas apropriadas.18 DESENVOLVIMENTO E SUSTENTABILIDADE Revista Fonte Universitária, Juatuba - MG, v. 3, n. 4, jan./jul. 2012 Princípio vinte e cinco A paz, o desenvolvimento e a proteção do meio ambiente são interdependentes e inseparáveis. 3 As discussões promovidas na ECO-92 deixaram como legado dois tratados (Convenção sobre Diversidade Biológica e Convenção-Quadro sobre Mudanças Climáticas) e dois outros importantes documentos (Declaração do Rio e a Agenda XXI). Apesar da generalidade de suas determinações, demonstraram a inevitável evolução e conscientização ambiental. Finalizando estes apontamentos internacionais devem ser, pelo menos mencionados os Protocolos de Montreal e de Kyoto. O primeiro versa sobre a proteção da camada de ozônio e o segundo trata do problema do efeito estufa. A origem da questão ambiental no direito brasileiro é ponto controverso entre os autores brasileiros. Alguns citam legislações pretéritas retroagindo a época do descobrimento do Brasil. Citam as proibições de corte de árvores frutíferas nas Ordenações Afonsinas, o Regimento do Pau-Brasil (regras para o uso da madeira) nas Ordenações Filipinas, etc. Outros pensadores destacam a década de 1930, que seria um marco, pela edição do Código Florestal e Código das Águas. Mas a grande maioria dos pesquisadores determina o advento de um direito verdadeiramente ambiental com o surgimento da Lei 6.938/81. Foi neste instante, após a Convenção de Estocolmo, que a questão de um meio ambiente equilibrado e integral tornou-se preocupação legislativa. Cite-se a conclusão de Guilherme Purvin de Figueiredo que esclarece bem este ponto: [...] indicando uma (re)orientação radical de rumo, aparece a Lei da Política Nacional do Meio Ambiente (1981), dando início à fase holística, onde o ambiente passa a ser protegido de maneira integral, vale dizer, como um sistema ecológico integrado (resguardam-se as partes a partir do todo), com autonomia valorativa (é, em si mesmo, bem jurídico) e com garantias de implementação (= facilitação do acesso à justiça). Só com a Lei 6.938/81, portanto, é que verdadeiramente começa a proteção ambiental como tal no Brasil, indo o legislador além da tutela dispersa, que caracterizava o modelo fragmentário até então vigente (assegura-se o todo a partir das partes). (FIGUEIREDO, 2010, p.41) Aperfeiçoando a questão ambiental no direito brasileiro surge em 1985 a Lei 7.347. Esta lei regula a ação civil pública que proporciona a efetivação dos ditames da Política Nacional do Meio Ambiente. Com a Lei 7.347/85 a proteção do meio ambiente passa a ter um 3 Disponível em: <http://www.acpo.org.br/conv_estocolmo.htm>. Acesso em: 10 jun 2012. 19 Alexandre Luiz Alves de Oliveira Revista Fonte Universitária, Juatuba - MG, v. 3, n. 4, jan./jul. 2012 instrumento processual hábil para consecução de seus fins. O meio ambiente como um todo poderia ser tutelado e não apenas casos particulares como no caso de ações ordinárias em conflitos de vizinhança. O Brasil passa a ter a vanguarda em direito ambiental tendo uma lei “material” e outra “processual” altamente efetivas. Não pode deixar de ser dito também que a Constituição da República de 1998 veio abraçar todos estes ideais e busca promover uma efetiva proteção ambiental. Como já mencionado anteriormente o direito a um meio ambiente sustentável ganha status de direito fundamental estando presente em diversas disposições constitucionais. Todo o capítulo VI, da ordem social, da Constituição Brasileira vem tratar do meio ambiente. Longe de querer ser exaustivo, citem-se, apenas com fins de informação, algumas leis ambientais que merecem destaque: Lei 11.105/05 (Lei da Biotecnologia), Lei 10.257/01 (Estatuto da Cidade), Lei 11.445/07 (Lei de diretrizes do saneamento básico), Lei 6766/79 (Lei de parcelamento do solo urbano), Lei 12.305/10 (Lei sobre os resíduos sólidos), lei 12587/12 (Lei da mobilidade urbana), Lei 12.187/09 (Lei que institui a Política Nacional de Mudanças Climáticas), Lei 11.428/06 (Lei sobre o uso e a proteção do Bioma da Mata Atlântica), Lei 9.985/00 (Lei sobre as unidades de conservação), etc. 9 CONCLUSÃO Constatação óbvia é que o meio ambiente vem atravessando por transformações, que neste momento, são de inconclusas previsões. O aumento da população, a poluição dos rios e mares, a liberação de gases poluentes, o consumo desenfreado de matérias-primas, etc. já vêm demonstrando a incapacidade do planeta de manter este paradigma de civilização. Se num passado não muito distante não havia contradições entre um crescimento econômico e a sustentabilidade ambiental, hoje dúvidas não restam do tamanho do problema de conciliar estas duas aspirações. De um lado os países do “norte” que pregam a conservação dos recursos naturais e de outro os emergentes que desejam utilizar os mesmos para promover o desenvolvimento. Destarte, desde a Convenção de Estocolmo, o problema ambiental se encontra presente nas discussões mais responsáveis referentes ao desenvolvimento. Independentemente da ideia de desenvolvimento apresentada sempre será necessário à utilização da natureza, até porque o homem é um de seus elementos. A questão é como possibilitar aos países mais pobres sua elevação econômica e social sem a consequente degradação da natureza. 20 DESENVOLVIMENTO E SUSTENTABILIDADE Revista Fonte Universitária, Juatuba - MG, v. 3, n. 4, jan./jul. 2012 Rechaçando as teorias que consideram o desenvolvimento como mera quimera, sonho ou ilusão é fundamental promover a elevação do homem, contudo, sem descuidar da preservação do meio ambiente. É inaceitável que uma parcela da população, geralmente as nações do norte, tenha um padrão de vida elevado e aos subdesenvolvidos do “sul” seja imposto todo o ônus da conservação do planeta Imperioso fazer uma mitigação dos ideais de desenvolvimento/crescimento com a promoção do equilíbrio ambiental. Neste instante se impõe as nações desenvolvidas um principio que se pode chamar de solidariedade. Solidariedade no sentido de promover o desenvolvimento (no seu sentido mais amplo) dos países mais pobres e arcar com os custos ambientais. Importante também salientar e concordando com os autores mencionados no texto, que enquanto a atividade de produção e consumo da humanidade for pautada por este sistema capitalista predatório dificilmente pode-se promover um desenvolvimento sustentável. A conservação do meio ambiente para a presente e, principalmente, para as futuras gerações tem uma conotação ética que este modelo não admite. Uma superação desse paradigma é a pedra angular para qualquer forma de desenvolvimento sustentável que busque promover o bem- estar do homem e a conservação da Terra. Por fim, conforme relatado no texto, o Brasil dispõe de uma legislação ambiental que poderia ser qualificada de vanguarda. A grande questão que se impõe é a “vontade política” para sua aplicação. Conseguir impedir as pressões dos mais diversos setores econômicos sobre a implantação de medidas protetoras do meio ambiente tem sido, aliás, o grande desafio dos governos modernos. REFERÊNCIAS BRASIL. Código civil e constituição federal. 61. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. DERANI, Cristiane. Direito ambiental econômico. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. Disponível em: <http://www.acpo.org.br/conv_estocolmo.htm>. Acesso em: 10 jun. 2012. Disponível em: < http://portal.mj.gov.br/sedh/ct/legis_intern/ddh_bib_inter_universal.htm> . Acesso em: 10 jun. 2012. GOMES, Eduardo Biacchi; BULZICO, Bettina Augusta Amorim. Sustentabilidade, desenvolvimentoe democracia. Ijuí: Unijuí, 2010. 21 Alexandre Luiz Alves de Oliveira Revista Fonte Universitária, Juatuba - MG, v. 3, n. 4, jan./jul. 2012 FIGUEIREDO, Guilherme José Purvin de. A propriedade no direito ambiental. 4. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. LEFF, Enrique. Saber ambiental: sustentabilidade, racionalidade, complexidade e poder. Trad. Lúcia Mathilde Endlinch Orth.7. ed. Petrópolis: Vozes, 2009. MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito ambiental brasileiro. 10. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Malheiros, 2002. MILARÉ, Édis. Direito do ambiente: a gestão ambiental em foco. 7. ed. rev., atual. e reform. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. PÁDUA, José Augusto (ORG). Desenvolvimento, justiça e meio ambiente. Belo Horizonte: UFMG, 2009. P.151-169. SILVA, José Afonso da. Direito ambiental constitucional. 4. ed. rev. e ampl. São Paulo: Malheiros, 2002. SILVA, Reinaldo Pereira e. A teoria dos direitos fundamentais e o ambiente natural como prerrogativa humana individual. Revista de direito ambiental, São Paulo: Revista dos Tribunais, v.12, n.46 (abr./jun. 2007), p. 164-190. SILVA, Solange Teles. Direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado: avanços e desafios. Revista de direito ambiental. São Paulo: Revista dos Tribunais, n. 48, 2007. VEIGA, José Eli da. Desenvolvimento sustentável: o desafio do século XXI. Rio de Janeiro: Garamond, 2010.
Compartilhar