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Elementos Práticos e Teóricos 
para a Realização do Estado de Direito 
 
Por Dr Augusto Zimmermann, PhD* 
 
 
1. Considerações Iniciais 
 
Embora o conceito de Estado de Direito esteja aberto a discussões, há, no 
entanto, um amplo reconhecimento de que este significa muito mais que uma 
mera coação por meio de lei positiva para cada ação governamental. 
Freqüentemente contraposto ao “governo dos homens”, o conceito de Estado de 
Direito implica em certa delimitação de funções governamentais. Ele implica, por 
exemplo, que autoridades exerçam seu poder de acordo com leis claras, 
imparciais e gerais, as quais sejam promulgadas antecipadamente e cuja 
execução possa ser impingida por um tribunal independente. 
 
O Estado de Direito já foi descrito como uma das maiores realizações da 
história humana no sentido do progresso da liberdade individual.1 Ele não 
concede ao Estado o direito de destruir, escravizar ou voluntariamente pauperizar 
os sujeitos.2 Ao invés disso, o ideal do Estado de Direito busca promover uma 
sociedade livre e na qual a supremacia da lei é observada como uma questão de 
significância moral. Tal significância, comenta o prominente jusfilósofo norte-
americano Jeremy Waldron, vai além de qualquer preocupação técnica com a 
lógica e procedimentos da legalidade.3 Assim sendo, ele relaciona o Estado de 
Direito (‘rule of law’) com a postulação extralegal pela qual as questões de 
liberdade pessoal são consideradas como a única e verdadeira jurisdição do 
Estado de Direito. 
 
2. Origem da Expressão Estado de Direito 
 
No tocante à sua origem, a filósofa francesa Simone Goyard-Fabre constata 
que certos autores procuram associar o Estado de Direito com as teses clássicas 
jusnaturalistas, segundo as quais o direito do Estado é submetido a um direito 
superior ou, em sua figura “clássica”, desejado por Deus e derivado da natureza 
das coisas ou, na sua versão “moderna”, ligado essencialmente à natureza do 
homem. 4 
 
Por outro lado, não é raro encontrar aqueles que confundem o Estado de 
Direito com o mero Estado legal, ou meramente legislador, porque procuram as 
origens do Estado de Direito num sistema como o de Licurgo ou de Sólon, 
segundo o qual, é o próprio Estado que enuncia os preceitos jurídicos que todo 
governante, longe de ser solutus legibus, deve observar.5 
 
 
* Bacharel e mestre em Direito (com louvor) pela PUC-Rio. Doutor (PhD) em 
Filosofia do Direito por Monash University (Austrália). Professor de Direito Constitucional e 
Sistema Jurídico Australiano em Murdoch University School of Law (Austrália). Ex-
professor de Direito Constitucional, Teoria Geral do Estado e Direito Internacional da 
Universidade Estácio de Sá. 
1 Dahrendorf, Ralf, Law and Order, p.142. 
2 Locke, John, Second Treatise on Civil Government. Sec.135. 
3 Does Law Promise Justice?, p.778. 
4 Os Princípios Filosóficos do Direito Político Moderno, p. 314. 
5 Idem 
Entendido em seu sentido moderno, contudo, o Estado de Direito que nós 
conhecemos é na realidade herdeiro das lutas revolucionárias dos séculos XVII e 
XVIII, quando foram consagrados os direitos naturais da pessoa humana. Por 
isso, muito embora represente um conceito jurídico, o Estado de Direito é 
primordialmente um postulado político-filosófico. 
 
A locução foi cunhada em 1813, quando o jurista alemão Welcker distinguiu 
três tipos distintos de governo: despotismo, teocracia e, finalmente, o Estado de 
Direito (Rechtsstaat). Somente em 1822, contudo, o conceito adquiriu uma certa 
forma científica, quando Robert von Mohl publicou Die Polizei-Wissenschaft nach 
den Grundsätzen des Rechtsstaates.6 Neste trabalho, o jurista alemão podera que 
o Estado de Direito perfaz uma autêntica contraposição ao Estado policial 
(Polizeistaat), como protetor e encorajador do desenvolvimento das forças 
naturais, mediante uma garantia para a liberdade dos indivíduos.7 
 
Desde então, o ideal do Estado de Direito (Rechtsstaat) seria evocado para a 
caracterização do Estado onde o governo se limita por leis genéricas e protetoras 
dos direitos fundamentais. Segundo Norberto Bobbio, o surgimento desta visão 
de Estado de Direito permitiu o cambio do poder do príncipe para a ótica do 
cidadão, quando nascem os chamados direitos públicos subjetivos. Se no Estado 
despótico o indivíduo só teria deveres e não direitos, com o Estado de Direito o 
mesmo passava a adquirir, em face do Estado, não só direitos privados, mas 
também direitos públicos.8 
 
 
3. O Rule of Law do Direito Anglo-Saxão 
 
Em equivalência ao Estado de Direito, os anglo-saxões cunharam o rule of 
law, que pode-se traduzir como o Estado onde o império da lei prevalece.9 Em 
1885, A. V. Dicey definiu-o como uma concepção de absoluta supremacia ou 
predominância da lei ordinária sobre o poder governamental arbitrário, 
salientando que as regras gerais do Direito Constitucional inglês resultavam de 
decisões judiciais garantidoras de direitos individuais em casos particulares.10 
Desse modo, de acordo com Dicey, a expressão adquire três significados 
distintos: a) a ausência de poder arbitrário por parte do governo para punir 
cidadãos ou cometer atos contra a vida e a propriedade; b) a sujeição de todo 
homem, independentemente de sua classe ou condição, à lei comum do reino e à 
jurisdição dos tribunais ordinários; e c) uma predominância do espírito legal nas 
 
6 Em língua portuguesa: “A Ciência Policial segundo os Princípios do Estado de 
Direito”. 
7 Goyard-Fabre, Simona, op. cit., p. 314. 
8 A Era dos Direitos, p. 61. 
9 Caenengem, R.C. van, An Historical Introduction to Western Constitutional Law, p. 
16. 
10 São palavras de Albert Venn Dicey: We mean, in the first place, that no man is 
punishable or can be lawfully made to suffer in body or goods except for a distinct breach 
of law established in the ordinary legal manner before the ordinary Courts of the land. In 
this sense the rule of law is contrasted with every system of government based on the 
exercise by persons in authority of wide, arbitrary, or discretionary powers of constraint… 
There remains yet a third and a different sense in which the rule of law or the 
predominance of the legal spirit may be described as a special attribute of English 
institutions. We may say that the constitution is pervaded by the rule of law on the ground 
that the general principles of the constitution (as for example the right for personal liberty, 
or the right of public meeting) are with us the result of judicial decisions determining the 
rights of private persons in particular cases brought before the Courts (The Law of the 
Constitution, pp. 110 e 115). 
instituições inglesas, em razão da qual os princípios gerais da Constituição inglesa 
são o resultado de decisões judiciais.11 
 
 
4. Concepções Formais e Substantivas do Estado de Direito 
 
O debate contemporâneo acerca do Estado de Direito tem sido realizado por 
proponentes de concepções formais e substantivas. Enquanto defensores da 
concepção formal crêem que o Estado de Direito abarca unicamente atributos 
relativos à questão da legalidade formal – tais como que as normas legais 
normalmente sejam claras, gerais e de conhecimento público – proponentes da 
concepção substantiva vão além desta descrição formal de modo a incluir em sua 
análise do Estado de Direito uma discussão mais específica à proteção jurídica 
dos direitos fundamentais. 
 
4.1. Concepções Formais 
 
Aqueles que sustentam a concepção formal associam o Estado de Direito a 
certos requisitos processuais e institucionais para a concretização de uma 
condição de governo sujeito à lei. Eles postulam, desta forma, um sentido mais 
literal para a expressão, referindo-se, por exemplo, à maneira segundo a qual asleis positivas são promulgadas, bem como outros aspectos formais das normas 
jurídicas. Porém, como Paul Craig explica, concepções formais do Estado de 
Direito não pretendem expressar-se sobre o conteúdo substantivo da norma legal 
em si. Eles não estão preocupados se a lei positiva seria, em última instância, 
uma lei boa ou má, desde que os preceitos formais do Estado de Direito sejam 
satisfeitos.12 
 
Joseph Raz, um famoso propositor da concepção formal, é da opinião que o 
Estado de Direito abarca uma consideração exclusivamente processual da 
legalidade. Ele argumenta que o Estado de Direito refere-se à existência de um 
ordenamento jurídico em que as normas legais que sejam gerais, pré-
estabelecidas, claras e relativamente estáveis. Ele também argumenta que em 
todos os sistemas caracterizados pelo Estado de Direito, juízes são independentes 
e devem promover princípios gerais de justiça natural, tais como prestações 
jurisdicionais justas e imparciais. Por fim, Raz postula que um sistema 
caracterizado pelo Estado de Direito implica na existência de um jurídico que 
opere a prestação jurisdicional sem grandes delongas, custos judiciais excessivos, 
e que seja acessível a qualquer indivíduo.13 
 
Mas, conforme o anteriormente mencionado, concepções formais não 
realizam nenhuma associação entre o Estado de Direito e resultados substantivos. 
Aqueles que defendem uma concepção formal não levam em conta qualquer 
expectativa de justiça substantiva. Sendo assim, com exceção do fato elementar 
de que regras formais do Estado de Direito podem resultar em determinados 
princípios de imparcialidade procedimental, elevando a possibilidade de realização 
da autonomia individual, nenhuma promessa de justiça substantiva é feita. 
 
4.2. Concepções Substantivas 
 
Propositores de concepções substantivas sustentam que a proteção de 
determinados direitos humanos seria fundamental para a concretização do Estado 
 
11 Cf. Leone, Bruno, Liberdade e a Lei, p. 77. 
12 Formal and Substantive Conceptions of the Rule of Law: An Analytical Framework. 
Public Law, p.467. 
13 The Authority of Law – Essays on Law and Morality, p.228. 
de Direito. Uma concepção substantiva procurará distinguir entre as leis “boas”, 
que observem a proteção de tais direitos, e as leis “más”, que assim não o fazem. 
 
Ronald Dworkin, um proeminente defensor da concepção substantiva, 
qualifica o Estado de Direito como um ideal de “lei boa”, associando-o com 
direitos e deveres morais do indivíduo, assim como à proteção de seus direitos 
políticos contra o Estado de modo geral.14 Mesmo que não mencionados 
explicitamente pela lei positiva, Dworkin sugere que estes direitos e deveres 
morais ainda assim fazem parte do ideal do Estado de Direito, constituindo o 
esforço comunitário para captar os direitos morais. Como tal, ele conclui, o 
Estado de Direito pode ser definido como “o ideal de governo por meio de uma 
precisa concepção pública de direitos individuais”.15 
 
A maioria daqueles que sustentam uma concepção substantiva do Estado de 
Direito baseiam seus argumentos na tradição liberal do constitucionalismo 
moderno. Esta tradição, tal como observa Samuel Huntington, é a mesma que 
forneceu as bases para a proteção dos direitos humanos contra o exercício de 
poder arbitrário.16 Assim sendo, alguém poderia então especular se tais direitos 
básicos poderiam ser efetivamente protegidos a menos que tal compreensão 
substantiva do Estado de Direito seja primeiramente alcançada. 
 
Segundo Brian Z. Tamanaha, a mera legalidade formal vai de encontro não 
apenas à tradição do constitucionalismo moderno, bem como a aspiração 
histórica pertencente à qual foi objetivada a redução da tirania por parte do poder 
governamental. Tal redução vai além da idéia de que o governo deve decretar e 
agir de acordo com leis que imponham regras corretas de direito formal, para 
assim incluir a compreensão de que existem determinadas coisas que o governo 
ou o soberano não podem fazer. A legalidade formal descarta esta orientação. De 
acordo com a legalidade formal, o governo poderá atuar como quiser, conquanto 
que seja capaz de agir em conformidade com regras formais (normas gerais, 
claras, precisas e públicas). Com isto em mente é correto concluir que a idéia de 
legalidade formal tem mais a ver com a concepão do ‘Estado legal’ do que com a 
verdadeira tradição histórica do Estado de Direito.17 
 
5. Elementos Formais do Estado de Direito 
 
Em 1959, a cidade de Nova Deli foi sede de um Congresso Internacional de 
Juristas. Naquela ocasião, os juristas que compareceram a este importante 
congresso interpretaram o conceito do Estado de Direito de acordo com certos 
elementos, instituições e procedimentos nem sempre idênticos, embora 
geralmente similares. Para eles, a experiência constitucional de numerosos países 
haveriam de apontar para a necessidade de certos elementos, instituições e 
procedimentos para a realização do Estado de Direito. 
 
. O Estado de Direito implica que as leis forneçam uma determinada 
igualdade de tratamento entre os indivíduos. É afinal uma compreensão comum 
de que o sistema jurídico baseado no Estado de Direito não gera privilégios 
incabíveis. Privilégios são incabíveis se contradizem o postulado geral de que as 
pessoas devem, tanto quanto o possível, ser tratadas como (formalmente) iguais 
perante a lei. Em um sistema baseado no Estado de Direito, qualquer 
discriminação legal somente é aceitável se for amparada pela maioria dos 
indivíduos tanto interna quanto externamente ao grupo discriminado. Assim 
 
14 Political Judges and the Rule of Law, p.262. 
15 Idem 
16 The Clash of Civilizations and the Remaking of World Order, p.70. 
17 On the Rule of Law: History, Politics, Theory, p.96. 
sendo, a discriminação serviria ao melhor interesse da comunidade como um 
todo. 
 
Como regra geral, contudo, o ideal do Estado de Direito determina que a lei 
positiva trate a todos da mesma forma, independente de classe, raça, gênero e 
etc. Obviamente, o Estado de Direito não implica que as leis do Estado sejam 
sempre as mesmas para todos. “Discriminações positivas” devem ser sempre 
evitadas, mas podem eventualmente ser conduzidas de modo aceitável com a 
condição de que isto seja racionalmente compreendida como uma possibilidade 
de avanço do bem comum. Segundo o professor australiano Suri Ratnapala, o 
conceito de generalidade implícito no Estado de Direito não requer que todas as 
leis tenham aplicação universal. Ele não requer que crianças e adultos tenham a 
mesma capacidade contratual ou o mesmo nível de responsabilidade criminal, por 
exemplo.. Todavia, o Estado de Direito de fato requer um fundamento racional e 
não-arbitrário para tratamento diferencial de indivíduos e grupos.18 
 
. Leis devem ser claras, precisas, tornadas públicas de forma adequada e, 
geralmente, prospectivas. Se as leis forem pouco claras, imprecisas, ou não 
forem tornadas públicas de maneira adequada, as pessoas não estarão aptas a 
conduzir os seus assuntos particulares com a devida liberdade e segurança, por 
não saberem o verdadeiro conteúdo de tais leis. Deste modo, o Estado de Direito 
também não aceita o poder do Estado de lidar arbitrariamente com o cidadão. 
Deste modo, não se deve admitir dentro das regras básicas do Estado de Direito 
a promulgação de leis demasiadamente vagas, que deleguem um excessivo poder 
discricionário à autoridades públicas, inclusive magistrados. Ademais, um sistema 
alicerçado no Estado de Direito proíbe legislação ex post facto, a não ser que a 
retroatividade em questão venha a ser aplicada para o benefício do sujeito 
atingido pela mesma. 
 
. As leis devem ser tão relativamente estáveis quanto o possível. O Estadode 
Direito não prospera se as leis positivas forem constantemente alteradas ou 
substancialmente modificadas. A multiplicação de leis resulta no automático 
descrédito do Estado de Direito, pois que alterações contínuas do ordenamento 
jurídico tornam muito difícil, quando não impossível, o reconhecimento de quais 
normas legais são válidas hoje, e quais amanhã assim continuarão a existir. 
Deste modo, a estabilidade jurídica é fundamental para que os cidadãos 
conheçam as leis sob as quais eles terão de agir, por que a multiplicação de leis 
inibe a habilidade de cada um para planejar sua vida pessoal. Por isso, apontou 
certa vez Sir Edward Coke, é uma servidão e escravidão desprezível quando a lei 
tem rumo incerto ou é imprecisa.19 
 
. Os indivíduos devem ser protegidos pelo devido processo legal. Embora 
nunca se tenha chegado a um consenso definitivo entre os juristas sobre o 
significado da expressão “devido processo legal”, a maioria deles concorda que o 
termo envolve mecanismos procedimentais associados à proteção de indivíduos 
contra a arbitrariedade governamental. O fato de “devido processo legal” ser 
principio tão vago é na realidade a mais forte evidência de que a proteção 
assegurada é a mais ampla possível. A despeito de discordâncias em torno de 
variados elementos do devido processo legal, e de quando eles são requeridos, 
não há polêmica, contudo, no que se refere ao fato de que o devido processo 
legal, em essência, requer notificações adequadas das acusações ou denúncias 
feitas contra os indivíduos e uma oportunidade deste ser escutado para a defesa 
própria, em audiência que seja justa e não uma mera dissimulação. 
 
18 Securing Constitutional Government, p.9. 
19 I Institutes, p.212a. 
 
 
A primeira menção feita ao termo “devido processo legal” remete-nos ao ano 
1344, quando o Parlamento Inglês compeliu o Rei Eduardo III a aceitar 
determinados estatutos que limitavam constitucionalmente o seu poder 
monárquico. O trecho é digno de menção: “Nenhum homem, qualquer que seja 
seu status ou condição, deverá ser alienado da lei ou vivenda, nem capturado ou 
aprisionado, nem deserdado ou condenado à morte sem ser trazido a responder 
em um devido processo legal”. 
 
A expressão também está devidamente consagrada na Quinta Emenda da 
Constituição dos EUA. Ela declara que ninguém “deverá ser privado da vida, 
liberdade ou propriedade sem responder a um devido processo legal”. 
Finalmente, disposição similar é encontrada na Décima Quarta Emenda desta 
mesma constituição, a qual se proíbe qualquer Estado-membro da Federação 
Norte-Americana de “privar qualquer pessoa da vida, liberdade ou propriedade 
sem um devido processo legal, nem negar a qualquer pessoa dentro de sua 
jurisdição uma igualitária proteção das leis”. 
 
. As Cortes devem ser acessíveis a qualquer um. Em um sistema baseado no 
Estado de Direito, todos devem ter o direito básico de submeter as suas 
reclamações legais perante um judiciário independente e imparcial. Isto envolve a 
proibição explícita da adoção de medidas tais como a prisão sem julgamento, o 
confisco de propriedade sem indenização, e a perseguição de adversários 
políticos. Obviamente, o acesso ao judiciário independente deve ser 
proporcionado sem longos atrasos judiciais, corrupção ou mesmo custos legais 
excessivos. 
 
A convicção de que a independência judicial é uma medida institucional 
necessária ao combate contra o poder exercido de modo arbitrário é central para 
o conceito de Estado de Direito. Se o poder é concentrado nas mãos de um 
indivíduo ou entidade política, o risco de arbitrariedade naturalmente se elevará. 
Um judiciário independente, em contrapartida, pode compelir um governo 
recalcitante a devidamente respeitar determinados limites de uma ordem 
constitucional baseada em princípios democráticos e de proteção dos direitos 
fundamentais. 
 
Embora a função julgadora dos magistrados venha sendo exercida desde a 
formação das primeiras coletividades humanas, este poder de julgar tem sido, na 
maior parte das vezes, submetido à interferência governamental. A sujeição de 
juizes aos governantes poderá muito facilmente minar as expectativas de uma 
administração imparcial da justiça. 
 
Somente no século dezoito, no Reino Unido, que juizes começariam a adquirir 
algumas poucas, muito embora extremamente importantes, garantias de 
independência em relação ao governante. Desta forma, em 1701, o Ato de 
Estabelecimento conferiu aos juizes ingleses o direito de permanecerem em seus 
cargos públicos quam diu se bene gesserint (enquanto agindo com diligência). 
Desde então, a remoção do cargo de juiz através do instrumento de 
impeachment requer o devido aval de ambas as Casas do Parlamento de 
Westminster. 
 
A compreensão do governo como um “mal necessário” justificou o 
estabelecimento de uma divisão de poderes entre os ramos legislativo, executivo 
e judiciário. O propósito desta divisão é exatamente a garantia de direitos e 
liberdades fundamentais do indivíduo. Segundo Brian. Z. Tamanaha, a liberdade 
individual é de fato aprimorada quando os poderes do governo são divididos em 
compartimentos separados – tipicamente o legislativo, o executivo e o judiciário 
(versão horizontal), e algumas vezes o municipal, o estadual ou regional, e o 
nacional (divisão vertical). Esta divisão de poderes promove a liberdade por 
prevenir a acumulação do poder total em uma única instituição (qualquer que 
seja), instalando uma forma de interdependência competitiva dentro do 
governo.20 
 
A necessidade de se dividir o poder político estatal se mantêm como um 
elemento central em todo regime baseado no ideal do Estado de Direito, uma vez 
que, nas palavras de M.J.C. Vile, o exercício controlado deste poder é considerado 
“um aspecto crucial de um sistema de governo que aspire a combinar eficiência e 
o máximo exercício possível da liberdade pessoal”.21 
 
Sem dúvida, a história veio a demonstrar que a instauração de eficientes 
mecanismos constitucionais de separação de poderes constitui elemento mais 
vantajoso à proteção dos direitos humanos do que uma mera declaração de 
direitos abstratos. De acordo com Sir Harry Gibbs, ex-presidente da Suprema 
Corte da Austrália, o modo mais efetivo para conter o poder político é dividi-lo. 
Uma Constituição Federal que produza uma divisão do poder de forma efetiva é, 
indubitavelmente, uma proteção muito mais vantajosa às liberdades políticas 
essenciais do que uma mera declaração abstrata de direitos, em que aqueles que 
têm poder de interpretá-la dizem o que ela realmente significa.22 
 
De fato, um país como a Austrália, que muitos consideram extremamente 
avançado na proteção de direitos fundamentais, sequer possui uma declaração de 
direitos, muito embora alguns dos mais brutais violadores de direitos 
fundamentais, como Cuba, China, Ruanda e o Sudão, possuem lustrosas 
declarações de direitos fundamentais. Até mesmo a antiga União Soviética sob o 
domínio tirânico de Joseph Stalin possuía uma interessante declaração de direitos 
humanos. Conforme observa Gibbs, qualquer um que tenha visto o filme Os 
Gritos do Silêncio saberá que a República do Khmer (Camboja) tinha adotado 
uma declaração de direitos que não ajudou muito os habitantes daquele infeliz 
país. Estamos todos familiarizados com os abusos que ocorreram em Uganda, um 
país que tinha uma bela declaração de direitos nos moldes europeus, e juizes, 
que tentavam corajosamente fazê-la valer, mas que foram incapazes de resistir 
às forças do caos e da anarquia.23 
 
6. Fundamentos Substantivos do Estado de Direito 
 
Como afirmamos anteriormente, o Estado de Direito não deve ser confundido 
com o mero Estado Legal. Se o Estado de Direito visa a impedir o abuso de 
poder, este último pode transformar a legislaçãoem mero instrumento de 
ambição pessoal ou coletiva, ao invés de ser usada como freio para reprimi-la.24 
Nesse caso, a lei, sob a restrita ótica do Estado Legal, não mais serviria para 
garantir a liberdade ou a propriedade, mas apenas para reproduzir a fonte 
arbitrária do poder governamental. 
 
O Estado de Direito representa o impedimento ao governante de exercer o 
seu poder de maneira contrária ao “espírito da lei”, que exigiria a proteção 
judicial dos direitos fundamentais. Cônscio deste fato, Ralf Dahrendorf avalia a 
 
20 Tamanaha, op. cit., p.35. 
21 Vile, M.J.C., Constitutionalism and the Separation of Powers. p.261. 
22 Gibbs, Harry, Courage in Constitutional Interpretation and its Consequences: One 
Example, p.325. 
23 Gibbs, Harry, A Constitutional Bill of Rights?, p.40. 
24 Conforme observou Fréderic Bastiat, legislador e economista francês do século XIX 
(Cf. A Lei, p. 10). 
grande importância do Poder Judiciário, para que o Estado de Direito seja mais do 
que o império de leis de todos os tipos. Segundo o pensador político, Estado de 
Direito não significa apenas possuir textos legais aos quais se referir, mas a 
substância efetiva desses textos. Em última análise, isto só pode ser garantido 
por um judiciário independente, considerado incorruptível e justo, e que inclui 
aqueles que são os guardiões da própria Constituição e seus princípios.25 
 
Michel Miaille, aguçando ainda mais a questão, ao observar o sentido 
finalístico do Estado de Direito constata uma maior importância da palavra Direito 
sobre a palavra Estado. Ele assim enquadraria a expressão em uma dupla 
garantia de hierarquização jurídica e subordinação governamental às normas 
legalmente organizadas, assim como às suas sanções específicas. Sob esta 
perspectiva, a transcendência imperativa do Estado de Direito submete o poder 
político ao respeito às regras jurídicas não apenas compreendidas sob um aspecto 
meramente técnico, mas sobretudo moral.26 
 
Se toda lei, conforme atestou Friederich von Hayek, restringe até certo ponto 
a liberdade individual, alterando os meios que cada um pode empregar na busca 
dos seus objetivos, sob o Estado de Direito impede-se que o governo anule os 
esforços individuais mediante ação “ad hoc”. Desde que aja em conformidade 
com as leis, que são as regras minimamente necessárias para a convivência 
harmônica dos membros da sociedade, o cidadão é livre para perseguir suas 
metas e desejos pessoais, tendo a certeza de que os poderes do governo não 
serão empregados no propósito deliberado de fazer malograr os seus esforços.27 
 
Vê-se então que a liberdade surge, de início e essencialmente, como uma 
ausência de restrições à conduta pessoal. Afinal, é impossível forçar os homens a 
serem livres, conforme desejou Rousseau. Mesmo porque, em última análise, a 
liberdade de cada ser humano simplesmente representa o reconhecimento final 
do seu inegável direito à procura de uma experiência peculiar de vida. Nesse 
ponto, exporia Harold Lasky, sendo a experiência de cada homem, em última 
análise, única, somente ele pode apreciar, por si mesmo, a significação desta 
experiência. Jamais pode ele ser livre, se não estiver em condições de agir de 
acordo com o sentimento íntimo e pessoal que esta interpretação lhe inspira; 
para ele, opressão é a impossibilidade de realizar esta experiência, é a recusa, 
por parte da sociedade organizada, de lhe permitir que faça aquilo que ele 
considera como o ensinamento de sua vida.28 
 
7. O Pós-Positivismo e Estado de Direito 
 
Compreende-se por pós-positivismo um movimento contemporâneo de crítica 
ao juspositivismo e o retorno à teoria racionalista kantiana, através do qual 
critica-se a pretensa objetividade científica do positivismo jurídico e sua ênfase na 
realidade observável e supostamente apartada de sua valoração moral.29 São 
 
25 Reflexões sobre a Revolução na Europa, pp. 114-115. 
26 Cf. “Le Retour de L’État de Droit”, in L’État de Droit – Travaux de la Mission sur la 
Modernasation de l’État, p. 242. 
27 O Caminho da Servidão, p. 86. 
28 A Liberdade, p. 121. 
29 Observa-se, por outro lado, a existência de uma corrente doutrinária pós-
modernista, que é anti-kantiana muito embora igualmente crítica do positivismo jurídico. 
Podemos qualificar o pensamento pós-positivista como anti-metafísico e profundamente 
subjetivista. Este movimento, alicerçado na doutrina de pensadores como Heiddeger e 
Derrida, propõe uma ‘re-fundamentação jurídica’ que alcance a ‘libertação’ do intérprete 
legal do ‘predomínio imposto pelos limites da razão’. Como exemplo de postulação teórica 
pós-modernista aplicada ao Direito, reproduzimos abaixo um trecho extraído de 
interessante livro do professor Cleyson de Moraes Mello, sobre hermenêutica ontológica-
observados como famosos expoentes desta nova corrente teórica os jusfilósofos 
Chaim Perelman, John Rawls, Robert Alexy e Ronald Dworkin. 
 
Os horrores da 2ª Guerra Mundial inspiraram o pós-positivismo como 
movimento de reflexão ética acerca do Direito, mediante a discussão ético-
jurídica de princípios e regras de Direito a serem aplicados para a proteção de 
direitos fundamentais. Daí volta-se o pós-positivismo para a normatividade dos 
princípios, com o retorno ao ‘mundo do Direito’ da discussão meta-jurídica acerca 
dos valores éticos e sócio-políticos. O intérprete da lei deve assim transcender a 
suposta legalidade formal e perfazer a leitura moral do Direito, sem contudo 
recorrer a quaisquer das categorias metafísicas do jusnaturalismo. Busca-se, 
portanto, a proteção jurídica de direitos fundamentais exclusivamente e o 
controle da discricionariedade legislativa e administrativa através de princípios 
abstratos como o princípio da razoabilidade.30 
 
Outro princípio muito mencionado por pós-positivistas é o da 
proporcionalidade. Robert Alexy, por exemplo, argumenta que interpretar direitos 
fundamentais à luz do princípio da proporcionalidade é tratar tais direitos como 
mandados de otimização, ou seja, como princípios, não simplesmente como 
regras. Enquanto mandados de otimização, princípios são normas que exigem 
que algo seja realizado na máxima medida possível, diante das possibilidade 
fáticas e jurídicas.31 Por outro lado, a valorização excessiva de tal princípio, 
argumenta Daniel Sarmento, jamais deveria ser realizar ao preço do menoscabo 
 
existencialista: “O pensamento jurídico não pode ficar adstrito a um sistema de pretensão 
absoluta, isto é, à pretensão da lei de bastar à si mesma, de ser completa, fechada, de ter 
tudo. Isso quer dizer que o direito não pode ser explicado a partir de uma relação sujeito-
objeto, em que se instaura a subjetividade do subjeito com a objetividade do objeto... 
Hoje em dia, o dizer o Direito nos chega por meio de um pensamento jurídico alienante e 
silente, pautado em um positivismo legalista... 
“Por isso, ao escutar no silêncio da inautenticidade do direito (reificação jurídica), o pensar 
originário açula o não saber. Sente-se, então, toda a sede e necessidade de procurar uma 
(re)fundamentação do pensamento jurídico... O ordenamento jurídico não pode ser visto 
como um objeto cognoscível, da mesmo forma que o julgador não será como um sujeito 
cognoscente passivo e desinteressado. 
“Angustiante por natureza, a busca desenfreada pela segurança jurídica torna-se cada vez 
mais limitadora da criatividade judicial e sufoca o pensar original. No momento da 
prestação jurisdicional, o homem, a sociedade, o mundo, os valores, a cultura, a 
historicidade e temporalidade não podem ser desconsiderados. 
“Um sistema jurídico axiologicamente neutro, a-temporal, a-históricojá representa um 
perigo a ser evitado e uma ameaça a ser controlada pelos juristas. Caso contrário, 
imperar-se-á por toda a parte uma atitude de subserviência ao texto legal, representando, 
assim, a inautenticidade do Direito, isto é, a reificação do direito, Isso representa uma 
prestação jurisdicional restrita às atividades lógicas, científicas, cuja visão objetivista dos 
entes está em distonia com o mais digno de ser pensado, qual seja: o pensar o ser e a 
verdade da faticidade do ser-aí”. (Hermenêutica e Direito, pp.168 e 172) 
30 Luís Roberto Barroso: A superação histórica do jusnaturalismo e o fracasso político do 
positivismo abriram caminho para um conjunto amplo e ainda inacabado de reflexões 
acerca do Direito, sua função social e sua interpretação. O pós-positivismo busca ir além 
da legalidade estrita, mas não despreza o direito posto; procura empreender uma leitura 
moral do Direito, mas sem recorrer a categorias metafísicas. A interpretação e aplicação 
do ordenamento jurídico hão de ser inspiradas por uma teoria de justiça, mas não podem 
comportar voluntarismos ou personalismos, sobretudo os judiciais. No conjunto de idéias 
ricas e heterogêneas que procuram abrigo neste paradigma em construção incluem-se a 
atribuição de normatividade aos princípios e a definição de suas relações com valores e 
regras; a reabilitação da razão prática e da argumentação jurídica; a formação de uma 
nova hermenêutica constitucional; e o desenvolvimento de uma teoria dos direitos 
fundamentais edificada sobre o fundamento da dignidade humana. (Neoconstitucionalismo 
e a Constitucionalização do Direito. Texto do livro A Constitucionalização do Direito, p.208) 
31 A Theory of Constitutional Rights, p.47. 
em relação às regras. Por definirem com maior precisão tanto o seu campo de 
incidência como as conseqüências jurídicas de sua aplicação, princípios são 
extremamente importantes, não só porque salvaguardam a segurança jurídica do 
cidadão e coíbem o arbítrio do aplicador, como também porque permitem o 
funcionamento mais ágil e eficiente da ordem jurídica.32 
 
De acordo com Sarmento, um grave problema para o Estado de Direito é que, 
em nome de uma suposta hermêutica pós-positivista, não são hoje incomuns as 
decisões judiciais que resolvem controvérsias apelando exclusivamente a 
princípios abstratos, ignorando solenemente as regras específicas incidentes. De 
fato, todo juiz tem o ônus argumentativo do juiz de muito claramente demonstrar 
o porquê de uma determinada regra ditada por legisladores democraticamente 
eleitos pelo povo não ser aplicada ao caso levado à sua apreciação judicial. Do 
contrário, abre-se uma perigosa porta ao arbítrio individual e decisionismo de 
certos juízes, obviamente em prejuízo da segurança jurídica e da democracia 
constitucional.33 
 
8. Estado de Direito e Cultura de Legalidade 
 
Em termos práticos, um governo pode elaborar uma “excelente” declaração 
de direitos, mas essa por si só jamais assegurará que estes mesmos direitos 
sejam verdadeiramente respeitados. Na prática, tal declaração poderá valer não 
mais do que a folha de papel em que esses direitos estão mencionados. Parece-
nos, portanto, que a efetiva garantia de direitos não requer apenas a introdução 
de uma declaração de direitos, mas que a mesma seja devidamente apoiada por 
um contexto sócio-político de respeito aos direitos básicos da pessoa humana; 
até porque, conforme observou Anthony P. Butcher, o bem-estar dos indivíduos 
depende menos da variedade de direitos embutidos dentro da lei estatal e muito 
mais do devido reconhecimento geral de conceitos básicos de justiça e 
tolerância.34 
 
A história constitucional inglesa indica que o Estado de Direito (rule of law) 
depende não tanto de um determinado modelo de controle judicial de 
constitucionalidade, mas, acima de tudo, do próprio esforço da comunidade no 
sentido de se fornecer um ambiente sócio-político que seja propício para a 
supremacia constitucional e protetora de direitos e garantias fundamentais. 
Segundo a tradição jurídica inglesa, os direitos básicos do cidadão não são 
derivados de uma lista formal de direitos abstratamente enumerados pelo 
governo, mas, ao invés disso, eles são historicamente considerados como direitos 
inalienáveis do cidadão, e, portanto, colocados acima do poder estatal. Antes da 
entrada na União Européia e conseqüente incorporação da Convenção Européia 
dos Direitos Humanos ao Direito interno, o Reino Unido possuía o Estado de 
Direito apesar da completa ausência de uma separação rígida de poderes e 
controle judicial de consticionalidade. De fato, observa Brian Z. Tamanaha, o 
Estado de Direito existia naquela nação devido a uma crença difundida e não 
questionada na inviolabilidade de determinadas limitações legais fundamentais 
sobre o governo, e não no respeito a qualquer mecanismo formal específico. A 
resposta ao problema ancestral de como a lei pode limitar o poder arbitrário é de 
que ela, por si mesma, jamais o limitará: atitudes de respeito à legalidade é que 
fornecem tais limites. 
 
 
32 Ubiqüidade Constitucional: Os Dois lados da Moeda. Texto do livro A 
Constitucionalização do Direito, p.146. 
33 ob. cit., p.147. 
34 Butcher, Anthony P., On a Proposed Bill of Rights, p.40. 
 
Por outro lado, declarações muito abstratas de direitos concedem ao 
judiciário o poder de imperativamente decidir sobre as mais importantes questões 
relativas à comunidade. Todavia, a experiência em países como os Estados 
Unidos revela-nos que a expectativa de moderação do judiciário é muitas vezes 
uma expectativa meramente ilusória. Ao invés disso, tal experiência revela-nos 
que o controle judicial sobre atos do legislador pode eventualmente agravar 
situações de arbitrariedade. 
 
Neste sentido, o professor Gabriël A. Moens observa que a possibilidade de 
atribuição de diferentes significados para os dispositivos de uma declaração 
abstrata de direitos cria a possibilidade dos juizes atribuírem um novo significado 
influenciado por seus próprios vieses e filosofias a tal documento, especialmente 
se os procedentes relevantes são, eles mesmos, mutuamente excludentes. De 
fato, na maioria das questões relativas aos direitos, as decisões relevantes são 
contraditórias. Por exemplo, sentenças sobre ações afirmativas, pornografia, 
“crimes de ódio”, sodomia homossexual, aborto, e a retirada de suporte a 
tratamento médico intensivo variam consideravelmente. Estas sentenças indicam 
que os juizes, ao interpretarem direitos abstratos, estão aptos a seleciona-los de 
uma maneira um tanto quanto arbitrária. Visto que uma declaração abstrata 
consiste normalmente de dispositivos ambíguos, os juizes podem, deliberada e 
cinicamente, atribuir-lhes significados que sejam completamente diferentes das 
intenções dos representantes do povo que aprovaram o projeto de lei.35 
 
De fato, a interpretação judicial de uma declaração muito abstrata de direitos 
pode eventualmente tornar-se inconsistente com o direito democrático dos 
cidadãos de participar do processo de tomada de decisões da comunidade 
política. Segundo Jeremy Waldron, caso venhamos a defender a idéia de uma 
declaração constitucional de direitos, além de sua revisão por juizes, devemos 
também pensar que mesmo que o eleitor orquestre o apoio de uma grande 
quantidade de homens e mulheres com idéias afins e consiga a prevalência de 
sua idéia no legislativo, esta medida poderá ser eventualmente contestada e 
derrubada pelo judiciário, porque sua visão de quais direitos nós deveríamos 
possuir poderá não estar de acordo com o ponto de vista dos juizes.36 
 
Independentemente de qual concepção – formal ou substantiva – do Estado 
de Direito que nós venhamos a pessoalmente adotar, parece bastante claro que 
este requer o auxílio de uma determinada culturade legalidade. Entendemos por 
tal cultura o desenvolvimento de um razoável nível de respeito à legalidade. A 
mera existência de uma “boa” estrutura constitucional, contudo, não será o 
suficiente para que se produza o Estado de Direito. Tal cultura de legalidade é 
fundamental para a sua adequada concretização. 
 
Em seu clássico Considerações Sobre o Governo Representativo (1861), John 
Stuart Mill especula se determinadas sociedades haveriam de ser culturalmente 
desqualificadas para aceitar todas as implicações morais de um governo de leis. 
Ele desenvolve o argumento de acordo com a pressuposição de que a realidade 
do governo representativo e sujeito à lei é invariavelmente determinada por 
circunstancias sociais. Mill explica que tais circunstâncias são maleáveis e 
eventualmente poderiam ser modificadas para melhor ou para pior. 
 
Mill acreditava que um povo poderia aprender a se comportar de maneira 
democrática e respeitosa às leis. Contudo, ele aqui insistirá que modelos de 
comportamento cultural são cruciais para o estabelecimento da democracia e do 
 
35 Moens, Gabriël A., The Wrongs of a Constitutionally Entrenched Bill of Rights, 
p.236. 
36 Waldron, Jeremy, A Rights-Based Critique of Constitutional Rights, pp.50-51. 
Estado de Direito., porque, conforme observa Mill, o povo para quem a forma de 
governo é planejada deve estar disposto a aceitá-la; ou ao menos não tão 
indisposto a ponto de contrapor um obstáculo insuperável ao seu 
estabelecimento... Um povo rude pode ser inapto a praticar o autocontrole que o 
governo representativo demanda: suas paixões podem ser demasiadamente 
violentas, ou seu orgulho pessoal muito aflorado para abrir mão de conflitos 
privados e deixar para a lei a tarefa de punir os crimes reais ou hipotéticos.37 
 
Neste sentido, o professor australiano Martin Krygier merece ser 
congratulado por chamar a nossa atenção para correlações intrínsecas entre as 
condições sociológicas de uma determinada nação e a concretização pela mesma 
de princípios básicos do Estado de Direito. Assim sendo, ele postula que a 
concretização do Estado de Direito depende tanto das características de uma 
sociedade quanto da lei, assim como de suas interações.38 Para ele o Estado de 
Direito configura-se em um ideal de legalidade que vem a aceitar diferentes 
formas de configuração institucional, pois, como ele aponta, o objetivo maior de 
se consolidar um governo de lei de modo algum forneceria uma receita fechada 
em termos de delineamentos institucionais detalhados. 
 
Isso se daria porque a efetiva realização do Estado de Direito, nas palavras 
de outro eminente professor australiano, Geoffrey de Q. Walker, importa em uma 
atitude de moderação, conquanto ausência de coerção arbitrária por parte do 
governante ou outros indivíduos e grupos sociais.39 Este fato, por outro lado, 
ajudaria a explicar o insucesso de determinados povos em resistir ao exercício 
arbitrário do poder estatal sobre a vida, a liberdade e a propriedade do cidadão. 
 
Para concluir, o Estado de Direito configura-se como princípio dependente de 
realização tanto cultural (sócio-político) quanto jurídico-institucional. Nas palavras 
de Noel Reynolds, o Estado de Direito pouco fez em culturas onde ele não consta 
como a expectativa fundamental que um povo tem em relação a seu governo 
constitucional... Caso o povo não almeje a realização do Estado de Direito, ele é 
logo corrompido dentro de um curto espaço de tempo e substituído por um 
governo arbitrário. O Estado de Direito parece exigir esta capacidade de um povo 
de saber desfrutar de seus benefícios.40 
 
9. Estado Democrático de Direito 
 
A expressão Estado Democrático de Direito foi criada pela Constituição 
Brasileira de 1988, estando inserida em seu Título I, referente aos Princípios 
Constitucionais Fundamentais. Desta forma, o seu sentido será detalhadamente 
analisado em unidade própria referente à temática. 
 
Trata-se da fusão de dois conceitos, o do Estado Democrático e o do Estado 
de Direito. Com o primeiro, nós temos o ideal de governo da maioria, ao passo 
que pelo segundo nós objetivamos a limitação do poder estatal. Assim sendo, a 
expressão Estado Democrático de Direito, almeja tanto o governo da maioria 
quanto a garantia dos direitos fundamentais e a preservação da separação dos 
poderes. Neste sentido, enfim, os direitos da minoria também hão de ser 
respeitados pelo Estado Democrático de Direito. 
 
 
37 Mill, John Stuart, Considerations on Representative Government, p.29. 
38 Krygier, Martin, False Dichotomies, True Perplexities, and the Rule of Law, p.11. 
39 Walker, Geoffrey de Q., The Rule of Law: Foundations of Constitutional Democracy, 
p.2. 
40 Reynolds, Noel B., Grounding the Rule of Law, p.7. 
Carlos Ari Sundfeld, buscando desvendar o significado desta nova expressão 
Estado Democrático de Direito, observa que superada a fase inicial, o Estado de 
Direito foi paulatinamente incorporando instrumentos democráticos, com a 
finalidade de permitir a participação do povo no exercício do poder – segundo ele 
de modo muito coerente, aliás, com o projeto inicial de controlar o Estado.41 No 
mesmo sentido, acrescenta Sundfeld, não há democracia sem normas jurídicas 
regulando o processo político. 
 
Correlacionando-se os ideais de democracia e limitação do poder estatal, a 
expressão Estado Democrático de Direito tem as seguintes características 
básicas: a) soberania popular, manifestada através de representantes políticos; 
b) sociedade política baseada numa Constituição escrita refletidora do contrato 
social estabelecido entre todos os membros da coletividade; c) respeito ao 
princípio da separação dos poderes, como instrumento de limitação do poder 
governamental; d) reconhecimento dos direitos fundamentais, que devem ser 
tratados como inalienáveis da pessoa humana; e) preocupação com o respeito 
aos direitos das minorias; f) igualdade de todos perante à lei, no que implica em 
completa ausência de privilégios de qualquer espécie; g) responsabilidade do 
governante, bem como temporalidade e eletividade deste cargo público; h) 
garantia de pluralidade partidária; i) “império da lei”, no sentido da legalidade 
que se sobrepõe à própria vontade governamental. 
 
Costuma-se alegar que o Estado de Direito, por si só, é o único princípio 
capaz de garantir e preservar as liberdades inerentes à verdadeira democracia 
moderna. Afinal, a experiência dos regimes totalitários, comunistas ou fascistas, 
demonstram a impossibilidade de haver um regime democrático onde não se 
promova a separação harmônica dos poderes, a limitação jurídica de atos 
governamentais, e, enfim, quando não existe uma segura proteção dos direitos 
fundamentais e inalienáveis da pessoa humana. 
 
Por isso, Manoel Gonçalves Ferreira Filho refuta prontamente este conceito 
de Estado Democrático de Direito, concebendo-o como um mero “jargão 
marxista-leninista” que não significa outra coisa que transição para o socialismo. 
Aqui, o ilustre constitucionalista observa que a expressão foi primeiramente 
concebida pelo espanhol Elias Diaz, que no seu livro sobre a temática empregou-a 
num sentido de transição para o socialismo. Além disso, a Constituição 
Portuguesa de 1976, que criou a expressão Estado de Direito Democrático, 
postulava, na sua versão original já devidamente alterada, precisamente a 
transformação daquele país em “sociedade sem classes” (art. 1o), bem como a 
sua “transição para o socialismo” (art. 2o).42 
 
Por outro lado, Celso Ribeiro Bastos, não tão inflexível, prefere ponderar a 
validade do acolhimento pela nossa Constituição Federal desta fusão de termos, 
democracia e direito, numa única expressão. Até porque, segundo ele, o princípio 
republicano, por si só,não tem demonstrado ser capaz de resguardar a soberania 
popular, a submissão do legislador à vontade da lei, em resumo, não tem 
conseguido preservar o princípio democrático nem o do Estado de Direito.43 
 
41 Fundamentos de Direito Público, p. 50. 
42 Constituição e Governabilidade – Ensaio sobre a (in)governabilidade brasileira, p. 
19. Em outro trabalho, Manoel G. Ferreira Filho observa que, de acordo com o 
ensinamento de J.J. Canotilho, deputado na Constituinte Portuguesa pelo Partido 
Comunista local, o Estado Democrático de Direito é aquele que prende o Poder político à 
realização do socialismo. Por isso, segundo Ferreira Filho, isto é, sem dúvida, uma 
concepção que repudia o formalismo do Estado Legal; está ela, no entanto, muito distante 
da idéia de Direito que inspirou o Estado de Direito clássico e que ainda prevalece nas 
democracias de derivação liberal (Estado de Direito e Constituição, p. 65). 
43 Curso de Direito Constitucional, p. 146. 
 
Para J. J. Canotilho e Vital Moreira, na medida em que os direitos 
fundamentais devem estar necessariamente ligados ao Estado de direito 
democrático, o Estado de direito democrático pressupõe e garante os direitos 
fundamentais.44 Informam, ainda, a complexidade deste conceito, e as suas duas 
componentes – Estado de Direito e Estado democrático – que não podem ser 
separadas uma da outra. O Estado de direito é democrático e só sendo-o é que é 
de direito; o Estado democrático é de direito e só sendo-o é que é Estado de 
direito.45 
 
Toda e qualquer forma de poder, inclusive o da maioria, para que não se 
torne arbitrário, necessita de estar submetido aos limites específicos e 
racionalmente expressos pela lei. Neste caso, é de mera sobrevivência a relação 
da realidade democrática com o Estado de Direito, porque a democracia somente 
pode ser efetivada através de um conjunto de regras gerais que exijam de todos 
o respeito às opiniões divergentes e a conseqüente liberdade de participação 
política. 
 
É destino inevitável e fatal, demonstrando-nos a simples verificação da 
história recente, que o desrespeito ao Estado de Direito não tarda em criar a 
ditadura das elites arrogantes ou a ditadura da vontade majoritária, quando neste 
último caso as minorias passam a não ser mais toleradas e o corpo social, 
homogêneo e intolerante, se lança ferozmente sobre elas, marginalizando-as, 
oprimindo-as, e, enfim, procurando efetivamente destruí-las. 
 
Fundamental à sobrevivência do sistema democrático, o Estado de Direito 
permite assegurar a defesa do cidadão e a efetiva representação popular nas 
diversas instâncias governamentais. Garante, enfim, que a sociedade controle os 
governantes e que os substituam pacificamente, quando isto vier a se tornar 
oportuno. Tanto a democracia quanto o Estado de Direito não permitem, todavia, 
é qualquer tentativa arbitrária de “absolutização” do poder, daqueles que utilizam 
a poderosa máquina estatal em favor de interesses particulares ou 
ideologicamente radicais. 
 
Nestes termos, a doutrina social da Igreja Católica vem, há tempos, 
procurando reafirmar a dignidade transcendente da pessoa humana e o respeito à 
liberdade individual, pronunciando de igual modo a absoluta imprescindibilidade 
do Estado de Direito. Por isso, a encíclica Centesimus Annus, publicada em 1991, 
manifesta-se literalmente pelo princípio da separação dos poderes e a aplicação 
de um princípio do Estado de Direito, no qual é soberana a lei, e não a vontade 
arbitrária dos homens. Ficaria então compreendido, ademais, o fato de que uma 
autêntica democracia só é possível num Estado de Direito e sobre a base de uma 
reta concepção da pessoa humana.46 
 
44 Fundamentos da Constituição, p. 99. 
45 Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. I, p. 73. 
46 Importa-nos, neste caso, reproduzir algumas palavras do papa João Paulo II, em 
sua importante encíclica Centesimus Annus: ...numa passagem da ‘Rerum Novarum’, o 
papa Leão XIII apresenta a organização da sociedade segundo três Poderes – legislativo, 
executivo e judiciário – o que constituía, naquele tempo, uma novidade no ensinamento da 
Igreja, Tal ordenamento reflete uma visão realista da natureza do homem a qual exige 
uma legislação adequada para proteger a liberdade de todos. Para tal fim é preferível que 
cada poder seja equilibrado por outros poderes e outras esferas de competência que o 
mantenham no seu justo limite. Este é o princípio do Estado de Direito, no qual é soberana 
a lei, e não a vontade arbitrária dos homens... A Igreja encara com simpatia o sistema da 
democracia, enquanto assegura a participação dos cidadãos nas opções políticas e garante 
aos governados a possibilidade quer de escolher e controlar os próprios governantes, quer 
de os substituir pacificamente, quando tal se torne oportuno; ela não pode, portanto, 
Basicamente, o que esta nova expressão parece vir a denotar é a formação 
de um Estado de Direito instaurado com base nos valores fundantes da 
comunidade. Ao próprio entender de Miguel Reale, portanto, Estado Democrático 
de Direito equivaleria, em última análise, ao propósito constitucional de passar-se 
de um Estado de Direito, meramente formal, a um Estado de Direito e de Justiça 
Social.47 
 
Neste sentido, em um Estado Democrático de Direito, o ordenamento jurídico 
está vinculado ao poder democrático de transformação da realidade social, muito 
embora a força transformadora do direito seja impedida de perfazer intervenções 
ilegítimas na esfera das liberdades públicas. Afinal, o compromisso da democracia 
com o Estado de Direito está pautado, para a sua própria sobrevivência, no 
respeito aos direitos negativos de primeira geração, onde os indivíduos se 
reconhecem precipuamente como livres e iguais em direitos fundamentais e 
responsabilidades cívicas. 
 
O Estado Democrático de Direito acredita na importância das normas 
jurídicas para a sólida construção de uma democracia legitimamente 
institucionalizada. Apoia-se, ademais, na idéia de autonomia individual e direitos 
sociais, onde os cidadãos exercitam ativamente os seus direitos de participação e 
comunicação. Por conseguinte, conclui-se então que o legislador constituinte 
buscou com esta nova expressão, Estado Democrático de Direito, restaurar a 
força do direito vinculando-o à necessidade de uma efetiva legitimação 
democrática das normas jurídicas. 
 
Fundamentalmente, enfim, a criação desta nova expressão denominada 
Estado Democrático de Direito se deve ao simples fato de nós termos atravessado 
duas décadas de um regime militar autoritário, onde tanto o valor Estado de 
Direito bem como o da democracia foram absolutamente desprezados. Agora, 
mais do nunca, parece que a força do direito associa-se ao processo de 
reconstrução democrática da sociedade política. Por isso, observa Gisele 
Cittadino, após duas décadas de autoritarismo e governos militares, a 
reconstrução do processo político democrático também significava a reconstrução 
do Estado de Direito.48 
 
 
10. Estado Social de Direito 
 
Bastante em voga é a concepção do chamado Estado Social de Direito, 
objetivando um desempenho do governo que não se restrinja apenas aos limites 
da proteção à liberdade individual e à propriedade privada. Nesse caso, o Estado 
também passa a estar comprometido com a idéia do apoio solidário ao indivíduo, 
para que este alcance a maximização do seu livre desenvolvimento pessoal, 
sendo muitas vezes necessário que se possibilite um mínimo de condições 
materiais. 
 
 
favorecer a formação de grupos restritos de dirigentes, que usurpam o poder do Estado a 
favor dos seus interesses particularesou dos objetivos ideológicos. Uma autêntica 
democracia só é possível num Estado de Direito e sobre a base de um reta concepção da 
pessoa humana. Aquela exige que se verifiquem as condições necessárias à promoção 
quer dos indivíduos através da educação e da formação nos verdadeiros ideais, quer da 
‘subjetividade’ da sociedade, mediante a criação de estruturas de participação e co-
responsabilidade” (Cap. V, 44). 
47 O Estado Democrático de Direito e o Conflito das Ideologias, p. 2. 
48 Pluralismo, Direito e Justiça Distributiva – Elementos da Filosofia Constitucional 
Contemporânea, p. 234. 
Compromete-se, através do Estado Social de Direito, o Poder Público com 
esta idéia de apoio subsidiário ao indivíduo em seu desenvolvimento físico e 
espiritual. Eis, portanto, a razão maior deste reconhecimento, que nada mais é do 
que o respeito, e até mesmo o auxílio à sua persecução, dos direitos de cada um, 
mas que, por outro lado, exige uma certa dose de responsabilidade social do 
proprietário. 
 
No plano econômico, o Estado Social de Direito defende a economia de 
mercado como o instrumento mais eficaz para a promoção do desenvolvimento 
econômico da sociedade. Entende, contudo, que esta liberdade econômica deve 
se enquadrar num sólido contexto jurídico, donde possa vicejar um grau 
satisfatório de eticidade mínima, tendo-se por finalidade básica a atitude 
responsável do indivíduo diante de seus próprios bens. 
 
O conceito de Estado Social de Direito deve significar o alcance de um grau 
de desenvolvimento social que permita com que todos as pessoas tenham uma 
capacidade própria de decisão acerca de suas próprias concepções acerca da vida 
digna. É isto, aliás, o que procura afirmar John Rawls, ao formular este seguinte 
princípio básico de justiça: Cada pessoa tem igual direito a um esquema 
plenamente adequado de direitos e liberdades básicas iguais que seja compatível 
com um esquema semelhante de direitos e liberdades para todos; e neste 
esquema, as liberdades políticas iguais, e somente estas liberdades, têm que ser 
garantidas por seu justo valor. As desigualdades sociais e econômicas têm de 
satisfazer duas condições: primeira, devem se relacionar com postos e posições 
abertos para todos em condições de plena eqüidade e de igualdade de 
oportunidades; e segunda, devem redundar no maior benefício dos membros 
menos privilegiados da sociedade.49 
 
11. Estado de Direito e o Espaço Público Democrático 
 
Esquecer que o Estado de Direito e a democracia não são conceitos 
antitéticos ou dissociáveis significa o mesmo que mascarar com o crivo da 
jurisdicidade casos extremos de perversão declarada do direito pelo Estado.50 
Através do vínculo desses dois importantes valores políticos, o do Estado de 
Direito com o da democracia, nós verificamos o fato de ambos estarem 
enraizados em um ideal mais fundamental: o de que qualquer governo aceitável 
deve tratar as pessoas como iguais. Afinal, atesta-nos Ronald Dworkin, o Estado 
de Direito enriquece a democracia ao acrescentar um fórum independente, um 
fórum do princípio, e isso é importante, não apenas porque a justiça pode ser 
feita ali, mas porque o fórum confirma que a justiça, no fim, é uma questão de 
direito individual, não, isoladamente, uma questão de bem público.51 
 
Assim sendo, a correlação entre democracia e Estado de Direito corresponde 
à fundamentação teórica quanto às regras e o processo de elaboração do 
ordenamento jurídico positivo, sobre “quem” e “como” se deve decidir num 
governo efetivamente democrático. Por isso, e perfazendo-se as condições 
substanciais de validade do sistema democrático, Sérgio Cadermatori afirma que, 
com o Estado de Direito, nenhuma maioria pode decidir a supressão (ou não 
decidir a proteção) de uma minoria ou tão sequer de um só cidadão. O Estado de 
Direito, entendido como sistema de limites substanciais impostos legalmente aos 
poderes públicos, visando à garantia dos direitos fundamentais, contrapõe-se ao 
estado absoluto, seja ele autocrático ou democrático. Nem sequer por 
 
49 Idem, pp. 146-147. 
50 Queiroz, Cristina, Os Atos Políticos no Estado de Direito – O Problema do Controle 
Jurídico do Poder, p. 57. 
51 Uma Questão de Princípio, p. 39. 
unanimidade pode um povo decidir – ou consentir que se decida – que um 
homem morra ou seja privado de sua liberdade, que pense ou escreva, que se 
associe ou não a outros.52 
 
Em sociedades democráticas, as liberdades públicas são consideradas 
fundamentais ao entendimento de uma vida adequada. Por isso, a democracia e o 
Estado de Direito se fundem no instante em que a lei confere a devida segurança 
ao indivíduo e sua propriedade. Mas, para além disso, observaria Dennis Lloyd, o 
indivíduo deve ter liberdade de expressar suas opiniões sem constrangimentos e 
associar-se a seus concidadãos; deve ter liberdade para ir e vir como lhe agrade 
e procurar emprego do tipo que quiser; deve ter o direito a usufruir dos 
benefícios do que passou a ser conhecido como o Império da Lei; e deve estar 
livre das inseguranças básicas decorrentes de privações e infortúnios.53 
 
Ao que nos parece, ademais, a hodierna questão do espaço público, exige a 
presença do Estado de Direito, porque a participação autônoma dos membros da 
sociedade civil é dependente de um sistema político ao mesmo tempo 
democrático e preservador de direitos fundamentais. E, para tal fim, somente em 
um poder estatal definido por sólidas regras jurídicas será permitida a realização 
do anseio de plena participação política do cidadão comum. 
 
A postulação da presença de regras jurídicas mínimas, que são 
operacionalizáveis pelo Estado de Direito, tem por objetivo uma maior eficácia do 
controle social dos atos estatais, bem como a própria construção procedimental 
das regras de participação política mais direta de todos os indivíduos e grupos 
sociais. Por controle social, segundo as lições de Antônio C. Wolkmer, nós 
entenderíamos esta concreta participação dos cidadãos em poderes políticos 
autônomos em relação ao Estado, de forma a se impedir o vicejar de 
comportamentos autoritários ou meramente ilícitos dos governantes, e a ficar 
restabelecida a conformação destes últimos às leis gerais representantes dos 
legítimos interesses da maioria.54 
 
A liberação das forças sociais proporcionadas pelo controle dos atos 
governamentais redunda no esforço teórico de constructo procedimental da 
soberania popular, de modo a serem repensadas as próprias fundamentações da 
teoria democrática. Neste ponto, Jürgen Habermas é quem postula a constituição 
de uma nova arena de discussão deliberativa, entre o Estado e a sociedade, onde 
a opinião pública se organize como livre portadora de opiniões racionais e 
diversificadas.55 E, uma vez compreendido o enorme esforço da empreitada 
teórica, nós acabamos por perceber que o Estado de Direito se constitui em um 
princípio basilar na defesa irrestrita dos direitos humanos e sua indivisibilidade, 
aqui considerados como universalmente reconhecidos no intercâmbio civil dos 
povos entre si. 
 
 
52 Estado de Direito e Legitimidade, p. 159. 
53 A Idéia de Lei, p. XI. 
54 Neste sentido, Antônio Carlos Wolkmer observa que a implementação e o 
alargamento da sociedade democrática descentralizadora só se completa com a efetiva 
participação e controle por parte dos movimentos e grupos comunitários (Pluralismo 
Jurídico – Fundamentos de uma Nova Cultura no Direito, p. 226). 
55 Habermas, podemos sustentar, defende o Estado de Direito, considerando-o como 
parte valiosa do projeto racionalista operado a partir do Iluminismo. Segundo ele, o Estado 
de Direito deve ser preservado e desenvolvido, por sê-lo ainda significativo para a nossa 
época, desde que entendido democraticamente, paraa formação de um ambiente livre e 
igualitário propício ao chamado agir comunicativo; isto é, o uso da linguagem livre de 
distorção e de censura, como fundamento de uma nova racionalidade comunicativa de 
operacionalidade democrática. 
Entendemos, portanto, que a categoria de espaço público destaca-se como 
ponto importante ao questionamento dos fundamentos democráticos do 
fenômeno jurídico. Contudo, José Ribas Vieira acrescenta que, no campo do 
Direito, tal quadro está materializado através do conceito de constituição aberta e 
das formas de interpretação dos direitos fundamentais.56 Neste caso, é que 
emerge a grande importância da consolidação jurídica do Estado de Direito. No 
tocante à “constituição aberta”, trata-se da visão de seu entendimento de 
procedimentos de discussão vinculados à sociedade civil. 
 
Dentro da própria dimensão do Estado de Direito, a teoria habermasiana 
identifica o papel emancipatório do espaço público, proporcionando esta abertura 
para uma maior intensificação da vida sócio-política, mediante a 
institucionalização de uma formação radical democrática da vontade, através do 
respeito às normas do discurso racional.57 Por outro lado, conforme vem a atestar 
Antonio Maia, dentro da ótica habermasiana, a emergência do Estado de bem-
estar social, em fins do século XIX, foi quem acelerou o processo de degeneração 
do espaço público. Em síntese, a intervenção paternalista do Estado desmobilizou 
os cidadãos, que passaram a se relacionar em face do aparelho estatal mais como 
clientes, na busca da atenção de suas necessidades materiais mínimas, do que 
como cidadãos – no sentido de ativos partícipes na formação da vontade 
coletiva.58 
 
Ademais, a busca do espaço público se fundamenta na teoria do agir 
comunicativo, razão pela qual Habermas adota uma base de fundamentação 
teórica alicerçada em autênticos pilares de eticidade kantiana, almejando a 
construção teórica do seu paradigma racionalista de modernidade. Tudo para 
que, conforme arguta observação de Ricardo Lobo Torres, este teórico da Escola 
de Frankfurt passe a explorar o conceito de “mundo da vida” (“Lebenswelt”), 
onde se dá a comunicação intersubjetiva sob as regras éticas do discurso, muito 
embora o Lebenswelt defronte-se com determinados subsistemas reguladores da 
economia e do Estado.59 
 
De todo modo, o reconhecimento da importância da tomada de decisões pela 
sociedade civil acaba por limitar o escopo da autoridade estatal, ressaltando as 
inúmeras vantagens de se proporcionar uma miríade de fóruns para a discussão 
pública. Segundo Richard Bellamy, o processo de incremento da participação 
popular na política somente poderia advir através da descentralização das 
decisões políticas, bem como da participação e controle populares. Daí a 
necessidade de novas fiscalizações e controles efetivamente democráticos e 
processualmente mais realistas, para que a participação política possa educar os 
cidadãos em uma percepção da dependência de suas relações sociais e de sua 
autonomia grupal e individual às regras e às disposições coletivas, além de 
desencorajar o oportunismo de alguns e as formas destrutivas do interesse 
próprio.60 
 
Entre nós, desafortunadamente, a associação do Estado de Direito com a 
ampliação do espaço público democrático é ainda um ideal a ser alcançado. 
Porque, conforme atesta Antônio Carlos Wolkmer, mais do que nunca, em 
 
56 “A Perspectiva do Espaço Público na Compreensão Democrática do Direito”, in 
Direito, Estado e Sociedade, revista do Departamento de Direito da PUC-Rio no 7. 
57 Antônio C. Maia “Espaço Público e Direitos Humanos: Considerações Acerca da 
Perspectiva Habermasiana”, in Direito, Estado e Sociedade, revista do Departamento de 
Direito da PUC-Rio no 11, p. 18. 
58 Idem, p. 20. 
59 “O Espaço Público e os Intérpretes da Constituição”, in Direito, Estado e Sociedade, 
revista do Departamento de Direito da PUC-Rio, no 7, p. 119. 
60 Liberalismo e Sociedade Moderna, pp. 453-455. 
estruturas periféricas como a brasileira, marcadas por uma cultura autoritária, 
centralizadora e excludente, impõe-se identificar, como indissociável no processo 
de reordenação do espaço comunitário, a construção de uma verdadeira 
cidadania aliada ao desenvolvimento de uma democracia participativa de base 
que tenha como meta a descentralização administrativa, o controle comunitário 
do poder e dos recursos, o exercício dos mecanismos de co-gestão e autogestão 
local/setorial/municipal e o incremento das práticas de conselhos ou juntas 
consultivas, deliberativas e executivas.61 
 
Em linhas gerais, os fundamentos do Estado de Direito, quando atrelados à 
perspectiva do espaço público democrático, significam a possibilidade de um alto 
grau de desenvolvimento social, permitindo-se que todos os indivíduos tenham 
capacidade de decisão política comunitária, assim como de igual modo acerca de 
suas próprias concepções de vida digna, sem a ocorrência abusiva e castradora 
de interferências governamentais. 
 
Trata-se, enfim, do esforço de legitimação da resistência à opressão 
governamental. Interligados, Estado de Direito e espaço público democrático 
fazem com que o poder político fique concebido de acordo com o prisma de uma 
soberania popular efetivamente autônoma, em que mesmo poderia se opor ao 
Estado quando isto se torne necessário. 
 
 
 
12. Estado de Direito e Marxismo 
 
Por confrontar a idéia de liberdade e direitos individuais, a teoria marxista 
encontra-se em posição antagônica ao ideal do Estado de Direito.62 Na realidade, 
o uso sistemático da violência por regimes comunistas representa uma projeção 
natural da concepção marxista de Estado e de Direito, e, mais especificamente, 
da repulsa de Karl Marx em reconhecer a importânica da proteção constitucional 
de direitos individuais, por ele mesmo observados como mera ‘invenção 
burguesa’. Como qualquer cientista político conhecedor do pensamento de Marx 
seria capaz de confirmar, o que ele advogou não foi o Estado Democrático de 
Direito, mas a ‘ditadura do proletariado’. 
 
Marx acreditava que o advento de uma sociedade sem classes demandaria 
um primeiro período no qual o Estado não seja nada além de uma ditadura do 
proletariado.63 Segundo ele, esta seria a única maneira de se alcançar o ideal 
comunista. Isso ocorre, porque, como Lênin observou em palestra na 
Universidade de Moscou, em 1919, Marx considerou o Direito como simples 
instrumento de controle de classes.64 O resultado de tal premissa, sumarizada no 
famoso slogan do antigo regime soviético ‘Todo poder para os Soviets’, está 
igualmente revelada na seguinte passagem de um livro publicado em 1919 por 
comunistas ingleses: O estado comunista é uma organização da classe dominante 
(a classe dominante aqui é a proletária) para o emprego de violência contra a 
 
61 Ob. cit., p. 226. 
62 De fato, um sério problema à realização do Estado de Direito no Brasil é que muitos 
intelectuais e políticos neste país ainda são altamente marxistas. Por exemplo, o ministro e 
professor Marco Aurélio Garcia é um auto-intitulado ‘radical de esquerda’ que chega ao 
ponto de escrever artigos sobre o seu sonho de reconstituir o comunismo na América 
Latina: “A agenda é clara... Se esse novo horizonte buscado ainda se chama comunismo, 
está na hora de sua refundação” – Manifesto e a Refundação do Comunismo, São Paulo, 
Revista Teoria e Debate, n.36, Outubro de 1997 
63 Karl Marx, Critique of the Gotha Programme. Apud: Maureen Cain e Alan Hunt, Marx and 
Egnels on Law, p.163. 
64 Cf.: Hans Kelsen, The Communist Theory of Law. London: Stevens & Sons, 1955. 
burguesia, como meio de eliminação desta classe. Todo aquele teme o emprego 
da violência bruta não é um verdadeiro comunista.65Em todo e qualquer regime comunista a aplicação prática da teoria marxista 
não tolera a divisão de poderes governamentais. Na medida em que Marx 
considera o Direito como mero instrumento de dominação, a função básica de 
juízes comunistas é basicamente o de impor interesses supostamente ‘classistas’, 
perseguindo implacavelmente os inimigos do Estado proletário. Neste caso, a 
independência e a imparcialidade do judiciário são rejeitadas como ‘mitos 
burgueses’. Em seu clássico estudo sobre a Revolução Russa de 1917, Richard 
Pipes faz a seguinte descrição do judiciário daquele país durante os primeiros 
anos de regime soviético: 
 
O primeiro passo na sua introdução do terror em massa for o banimento da lei 
e sua substituição pela consciência revolucionária. Nada semelhante jamais 
existira. As autoridades soviéticas dispunham de qualquer indivíduo que 
estivesse no caminho, na prática, implementando a definição dada por Lênin à 
ditadura do proletariado, como governo não restringido pela lei. 
O decreto de 22 de novembro de 1917 dissolveu quase todas as cortes e 
acabou com as profissões associadas ao sistema judiciário... Em março de 
1918, o regime substitui os tribunais locais por Cortes do Povo, responsáveis 
pelo julgamento de todos os tipos de crime, exceto aqueles de natureza 
política. Uma lei de novembro de 1918 proibia os juízes dessas cortes de se 
referirem a normas anteriores a outubro de 1917, liberando-os da observância 
de procedimentos formais. Seu único critério deveria ser o senso da justiça 
socialista. 
Crimes políticos eram tratados pelos Tribunais Revolucionários, instituídos em 
novembro de 1917... Essa categoria englobava uma ampla variedade de 
atividades econômicas consideradas prejudiciais aos interesses do Estado. Os 
juízes que os presidiam, com o poder de aplicar a pena de morte, precisavam 
apenas saber ler e escrever. 
Desde os primeiros dias do novo regime, milhões de russos vieram-se diante 
de uma situação historicamente sem precedente, já que mesmo nas 
sociedades primitivas os costumes eram reconhecidos e respeitados, 
desempenhando função equivalente à das leis. A Rússia soviética, de 1917 a 
1922, teve cortes distintas, para crimes comuns e crimes contra o Estado, sem 
leis que as guiassem; os cidadãos eram julgados por juízes em qualificação 
profissional e por delitos que não estavam definidos em nenhum código. Os 
princípios orientadores da jurisprudência ocidental (e da Rússia, desde 1864) – 
não há crime sem lei e não há pena sem lei – nullum crimen sine lege e nulla 
poena sine lege – foram abolidos. O judiciário, encarregado da distribuição da 
justiça, transformou-se em uma agência do terror. Não era outra a intenção de 
Lênin; em 1922, quando a Rússia soviética finalmente ganhou o seu código 
penal, o Comissariado de Justiça foi instruído de que a tarefa do judiciário 
comunista consistia na justificativba do terror (...). A corte não é para eliminar 
o terror, mas para substanciá-lo e legitimá-l0 (...).66 
 
Conforme observou Hans Kelsen em seu seminal Teoria Comunista do Direito 
(1955), a visão anti-normativa do fenômeno social é um elemento fundamental 
da teoria marxista em geral, e da teoria marxista do Direito em particular.67 
Kelsen assim interpretou a ‘messiânica’ promessa marxista de constituição de 
sociedade sem leis e sem classes como uma perigosa ‘profecia utópica’. De fato, 
todos os mais destacados juristas da antiga União Soviética consideravam a mera 
existência de legalidade em seu sentido formal como fato teoricamente 
inconveniente.68 Como autênticos marxistas, tais juristas acreditavam no advento 
 
65 N. Boukharin, Programme of the Communists. Apud: Kelsen, ob. cit. 
66 Richard Pipes, História Concisa da Revolução Russa, p.217-218. 
67 ob cit., p.181. 
68 Igor Grazin, The Role of Ideas in Political Change, in G. Moens e S. Ratnapala (orgs.), 
Jurisprudence of Liberty, p.249. 
de uma futura sociedade sem classes na qual o Estado de Direito e todas as leis 
do Estado desapareceriam. 
 
13. Estado de Direito e Democracia no Brasil 
 
No Brasil, conforme se dispôs a atestar José Murilo de Carvalho, nós 
verificamos a existência dos direitos políticos sem o prévio desenvolvimento de 
direitos civis, que é redundante de um exercício falho da cidadania política, assim 
como da falta de convicção cívica da liberdade individual e dos limites do poder 
do Estado.69 
 
É bem verdade que a Constituição de 1988 possui o valoroso mérito de haver 
ampliado o rol dos direitos fundamentais, assim como os entes habilitados à ação 
direta de inconstitucionalidade. Em boa medida, a atual ampliação proporcionou 
uma igual abertura ao espaço público democrático, em nítida atenção dos 
representantes populares, agentes do Poder Constituinte nacional, ao método 
concretista da Constituição aberta. Refiro-me, aqui, à visão constitucional de 
Peter Häberle, jurista alemão que, nitidamente influenciado pela filosofia 
popperiana,70 objetiva a ampliação da interpretação constitucional pela sociedade 
pluralista, no destacar destes três pontos básicos: o alargamento do círculo de 
intérpretes da Constituição; o conceito de interpretação como um processo aberto 
e público; e, enfim, a referência desse conceito à Constituição mesma, conquanto 
realidade concreta e dinâmica.71 
 
Na prática, conforme observa Fernando Machado da Silva Lima a respeito da 
realidade brasileira, a jurisdição constitucional não desempenha corretamente a 
sua missão, porque o nosso regime polítoc não é, na verdade, representativo, 
mas sim cooptativo e conseqüentemente a atuação do Governo é 
extraordinariamente determinada pelo clientelismo e pelo corporativismo, que 
ensejam a corrupção, a inefetividade da Constituição, o exercício discricionário do 
poder, a injustiça e a impunidade.72 Em outras palavras, a realidade do Estado de 
Direito ainda não foi devidamente concretizada no Brasil. 
 
14. Conclusão 
 
 
Nosso principal objetivo com este artigo foi o de fornecer uma definição dos 
elementos práticos e teóricos de formação do Estado de Direito. Neste sentido, 
fornecemos também uma distinção conceitual entre as visões formais e 
substantivas do Estado de Direito. Sugerimos, finalmente, que o objetivo maior 
deste importante ideal de legalidade é a proteção dos direitos individuais. 
 
69 “Pontos e Bordados”, in Escritos de História e Política, p. 281. 
70 Fazemos aqui menção ao filósofo austríaco, naturalizado britânico, sir Karl 
Raimund Popper, autor de A Sociedade Aberta e seus Inimigos. Nesta prestigiosa obra de 
filosofia política, Popper compara a sociedade mágica, tribal ou coletivista, equivalente a 
um organismo denominado sociedade fechada, com a sociedade aberta, que põe em 
liberdade as faculdades críticas do ser humano. 
71 Para Peter Härbele, a Constituição é a sociedade constituída ou a ordenação 
fundamental da sociedade e do Estado. Ela também tem, nesse sentido, a dupla função 
diretiva e reflexiva da realidade social. Muito por isso, a sua interpretação deve ser uma 
operação livre e mantida conservada, conquanto deva ser um processo aberto. Sua 
compreensão, nesta perspectiva, há de ser a mais dilatada possível, visto que esta 
ampliação serve de ponte de ligação entre o cidadão intérprete e o juiz, hermeneuta 
profissional. (cf. Hermenêutica Constitucional – A Sociedade Aberta dos Intérpretes da 
Constituição: Contribuição para a Interpretação Pluralista e “Procedimental” da 
Constituição). 
72 Jurisdição Constitucional e Controle do Poder, p.264. 
 
Embora tenhamos aqui revelado elementos e instituições do Estado de 
Direito, este artigo postula que o Estado de Direito não oferece uma fórmula 
acabada em termos de delineamento jurídico-institucional. Assim sendo, devemos 
concluir com

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