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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO CENTRO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO A MATEMÁTICA NA ENGENHARIA MECÂNICA NA UFES LUANA POLTRONIERI DE SOUZA VITÓRIA 2008 LUANA POLTRONIERI DE SOUZA A MATEMÁTICA NA ENGENHARIA MECÂNICA NA UFES Dissertação apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Educação do Centro de Educação da Universidade Federal do Espírito Santo, como requisito para a obtenção do grau de Mestre em Educação na linha de pesquisa Educação e Linguagens, sublinha Linguagem Matemática vinculada ao campo científico de Educação Matemática. Orientadora: Profª. .Drª. Circe Mary Silva da Silva Dynnikov VITÓRIA MAIO/2008 3 AGRADECIMENTOS A Deus, por essa vida e por todas as oportunidades de aprendizado. Á Diana e Lara que suportaram tantas ausências e nervosismos, com aquele olharzinho de “o que foi que eu fiz mamãe?”, mas com um enorme sorriso quando olhava para elas e dizia, “mamãe está ocupada, mas ama muito vocês”. À querida Professora Circe Mary Silva da Silva Dynnikov, que foi mais mãe que orientadora. Ao meu primo Eduardo Vianna Gaudio, pois sem seu incentivo eu não estaria aqui escrevendo estas linhas. Aos colegas de mestrado Hélio, Eliane, Cláudia e Ritinha, que engravidaram comigo e suportaram todas as minhas queixas sempre com palavras e abraços carinhosos. Aos colegas da UFES Bohland, Geraldo Bull, Laudicéia e Sandra, companheiros de viagens, que com sua alegria sempre minimizaram a saudade de casa. Aos meus amigos Amarildo e Aloísio Sfalsin que receberam inúmeros e-mails e telefonemas ora desesperados, ora efusivos, que relataram os altos e baixos de uma pesquisa e sempre retornaram palavras de incentivo. Aos queridos engenheiros da Aracruz, que me receberam de braços abertos e contaram suas histórias. Aos professores e amigos depoentes, pela sua atenção e alegria. À Coordenadoria de Aperfeiçoamentos Pessoal de Nível Superior – CAPES pela bolsa de estudo concedida. “A arte de interrogar não é tão fácil como se pensa. É mais uma arte de mestres do que de discípulos; é preciso ter aprendido muitas coisas para saber perguntar o que não se sabe.” Jean Jacques Rousseau RESUMO É sabido que para ser um engenheiro precisa-se saber matemática. O que se discute é qual matemática é necessária para a engenharia e como esta matemática está sendo trabalhada. Esta é a questão principal desta pesquisa que investiga as modificações e/ou permanências nas disciplinas matemáticas no curso de engenharia mecânica desde a criação do mesmo em 1966 até 2006, ano da última reforma curricular. Entrevistas, análises de documentos e revisão de literatura, foram metodologias utilizadas para a investigação. Poucas e pouco significativas foram as mudanças ocorridas no período analisado. A matemática dos engenheiros é ministrada por matemáticos, os livros ainda são dos da década de 60, poucos sendo acrescentados às ementas, a prática de sala de aula ainda não absorve as novas tecnologias disponíveis, enfim, isto é uma questão séria que envolve a formação dos docentes e o modelo seguido pela universidade. Palavras-chave: Ensino Superior da Matemática, Engenharia Mecânica, Educação Matemática. ABSTRACT It is known that to become an engineer you must know mathematics. The discussion here is that if mathematics is needed in engineering and how it has been wordked . This is the main issue in this research that investigates the changings and/or the staying of this matters in the course of mechanical engeneering in UFS since its creation – from 1966 – to 2006 the last year of the curricular changes. Interviews, document analysis, literary reviews where methods used to answer the questions. They were few and less meaning the changings that happened during the period. Mathematics of engineers is taught by mathematicians. The books are from the 1960’s being few of them added to the amendments, and the practice in the classrooms does not absorb the new available technologies being few of them added to the amendments, and the practice in the classrooms does not absorb the new available technologies. This is a serious question that involves teacher’s a graduation and the model followed by the university. Key Words: Teaching of mathematical in higher education, mechanic engineering, mathematical education. RÉSUMÉ On sait que pour être un ingénieur on doît savoir mathématique. Ce qui est en discussion, c’est quel est la mathématique nécessaire pour l’ingénierie et comme on travaille cette mathématique. Ceci c’est la principal question de ce recherché qui fait l’vestigation des changements et/ou permanences des disciplines mathématiques dans le cours d’ingénierie mécanique dans l’Universidade Federal do Espírito Santo, aux période de 1966, l’année de création du cours, jusqu’a 2006, l’année de la dernière modification de la grille curriculaire. J’ai évaluée les pendent le période étudié, dans ce que se rapporte au contenu curriculaire. Des entrevues avec quelques professeurs du secteur Ingénierie Mécanique et du secteur Mathématique et aussi avec quelques ex-élèves de divers périodes; analyses des documents de l’École Politechnique du Espírito Santo, du secteur Ingénierie Mécanique et du secteur Mathématique; révision de litérature; était des méthodes utilizées dans cette recherche. Les permanences sont plus grandes que les changements, dans le période analysé. la mathématique des ingénieurs, est donnée par des mathématiciens; les livres sont encores ceux des années 1960; la pratique des salles de classes n’absorbe pas les nouveaux technologies, enfin, c’est ça, une question très serieuse parce qu’elle embrasse la formation des professeurs et le modèle suivi par l’université. Mots clé: Enseignement supérieur de mathématique, Ingénierie Mécanique, Education Mathématique. LISTA DE ILUSTRAÇÕES Ilustração 1. Academia Real Militar............................................................... 46 Ilustração 2. Eng. Áureo Machado Neto ....................................................... 50 Ilustração 3. Eng. Ângelo Wellington Giacomim ........................................... 51 Ilustração 4. Eng. Fabrício Luis Stange ........................................................ 52 Ilustração 5. Prof. Geraldo Rossoni Sisquini................................................. 53 Ilustração 6. Eng. José Guilherme de Carvalho............................................ 54 Ilustração 7. Profa. Lígia Arantes Sad ........................................................... 55 Ilustração 8. Ementa da disciplina de Estatística da Escola Politécnica de 1971............................................................................................................. 65 Ilustração 9. Currículo de Engenharia Mecânica de 1970 ............................ 70 Ilustração 10. Ementa da disciplina de Geometria Analítica e Álgebra Linear de 1970............................................................................................................. 71 Ilustração 11. Programa da década de 80 com cálculo da média................... 73 Ilustração 12. Plano de Curso de Cálculo de 1988 com metodologia ............ 74 Ilustração 13. Registro em ata de uma prova deMecânica dos Fluidos de 1967............................................................................................................. 75 Ilustração 14. Registro em ata de uma prova de Mecânica dos Fluidos de 1967............................................................................................................. 76 Ilustração 15. Prova de Cálculo Diferencial e Integral da Escola Politécnica em 1971............................................................................................................ 78 Ilustração 16. Prova de Cálculo Diferencial da Profª. Mirtha Fayet em 1967.. 79 Ilustração 17. Prova de Cálculo Integral da Profª. Fayet de 1966................... 81 Ilustração 18. Prova de Cálculo Diferencial de 1966 ...................................... 84 Ilustração 19. Prova de Cálculo Diferencial de 1966 ...................................... 85 Ilustração 20. Lista de Exercícios de Álgebra Linear I da Profa. Sad de 1980.................................................................................................................. 86 Ilustração 21. Prova de Cálculo de 1957 ........................................................ 90 Ilustração 22. Caderno de Aluno da Profª. Fayet década de 60 ..................... 91 Ilustração 23. Caderno de Aluno da Profª. Fayet década de 60 ..................... 92 LISTA DOS QUADROS Quadro 1. Ciclo Básico (disciplinas do ciclo básico do currículo de engenharia mecânica da UFES em 1966)................................................................64 Quadro 2. Ciclo de Formação Profissional (disciplinas técnicas do currículo de engenharia mecânica da UFES em 1966).............................................64 Quadro 3. Evolução das Disciplinas (disciplinas matemáticas ao longo do período de pesquisa) ..........................................................................................66 Quadro 4. Disciplinas e Pré-Requisitos ..................................................................68 Quadro 5. Ciclo Básico do Currículo Atual .............................................................72 Quadro 6. Ciclo de Formação Profissional do Currículo Atual ...............................72 Quadro 7. Disciplinas das décadas de 1960 e 1970 e bibliografia sugerida ..........98 Quadro 8. Disciplinas das décadas de 1980 e bibliografia sugerida ......................98 Quadro 9. Disciplinas das décadas de 1990 e 2000 e bibliografia sugerida ..........99 Quadro 10. Referências sobre a aplicação da matemática nos livros pesquisados ........................................................................................101 LISTA DE SIGLAS ABMES – Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior ANDES – Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições Superiores ANUP – Associação Nacional das Universidades Particulares ARBED - Aciéries Réunies Burbach-Eich-Dudelange CNE – Conselho Nacional de Educação CONAES – Comissão Nacional de Avaliação da Educação Superior CT – Centro Tecnológico DEM – Departamento de Engenharia Mecânica ES – Espírito Santo GBS – Guilherme Batista da Silva IMPA – Instituto de Matemática Pura e Aplicada INEP – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais IP – Instituto Polytechnico MEC - Ministério da Educação e Cultura QI – Quociente de Inteligência SESu – Secretaria de Ensino Superior UCP – Universidade Católica de Petrópolis UFES – Universidade Federal do Espírito Santo UNESCO – Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e a Cultura VPL – Valor Presente Líquido SUMÁRIO RESUMO.................................................................................................................... 5 LISTA DE ILUSTRAÇÕES......................................................................................... 8 LISTA DOS QUADROS ............................................................................................. 9 LISTA DE SIGLAS................................................................................................... 10 INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 14 RELEVÂNCIA ....................................................................................................................................... 14 OBJETIVOS .......................................................................................................................................... 14 JUSTIFICATIVA .................................................................................................................................... 15 ESTRUTURA DA PESQUISA............................................................................................................... 15 REVISÃO DE LITERATURA................................................................................................................. 17 1. EMBASAMENTO TEÓRICO E PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS........... 32 1.1 HISTÓRIA........................................................................................................................................ 32 1.2 CURRÍCULO ................................................................................................................................... 36 1.3 BREVE HISTÓRICO ....................................................................................................................... 38 1.3.1 Livros utilizados nos cursos de Engenharia no Brasil Colônia.............................................40 1.3.2 A República..........................................................................................................................................40 1.3.3 As Escolas de Engenharia no Brasil.............................................................................................41 1.3.4 A Engenharia no Brasil .....................................................................................................................42 1.4. MATEMÁTICA............................................................................................................................... 45 1.4.1 A Matemática no currículo de engenharia no Brasil Colônia ...............................................46 2. PROCEDIMENTOS E INSTRUMENTOS UTILIZADOS NA COLETA DE DADOS ................................................................................................................................. 48 2.1 O ACERVO...................................................................................................................................... 48 2.2 – OS SUJEITOS.............................................................................................................................. 49 2.3 – RECURSOS DE OBSERVAÇÃO: ............................................................................................... 56 2.4 PROCEDIMENTOS UTILIZADOS .................................................................................................. 57 3. A MATEMÁTICA NA ENGENHARIA MECÂNICA............................................... 60 3.1 COMENTÁRIOS SOBRE O CURRÍCULO ..................................................................................... 60 3.2 AS DISCIPLINAS MATEMÁTICAS NA ENGENHARIA MECÂNICA ............................................ 63 4. A EVOLUÇÃO DAS DISCIPLINAS MATEMÁTICAS .......................................... 65 5. ALTERAÇÕES CURRICULARES ....................................................................... 70 6. AVALIAÇÕES ...................................................................................................... 75 7. A PRÁTICA DE SALA DEAULA......................................................................... 91 8. MATERIAL DIDÁTICO......................................................................................... 96 9. CONCLUSÕES .................................................................................................. 102 9.1 – CURRÍCULO .............................................................................................................................. 102 9.2 – AVALIAÇÃO .............................................................................................................................. 103 2.3 – PRÁTICA DE SALA DE AULA.................................................................................................. 104 9.4 – MATERIAL DIDÁTICO............................................................................................................... 105 9.5 – CONCLUSÕES FINAIS.............................................................................................................. 105 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...................................................................... 107 BIBLIOGRAFIA CONSULTADA............................................................................ 111 ANEXO I: ROTEIRO DE PERGUNTAS UTILIZADO PARA REALIZAÇÃO DAS ENTREVISTAS COM OS PROFESSORES DO DEPARTAMENTO DE MATEMÁTICA DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO.............. 113 ANEXO II: ROTEIRO DE PERGUNTAS UTILIZADO PARA REALIZAÇÃO DAS ENTREVISTAS COM OS PROFESSORES DO DEPARTAMENTO DE ENGENHARIA MECÂNICA DA UFES................................................................... 114 ANEXO III: ROTEIRO DE PERGUNTAS UTILIZADO PARA REALIZAÇÃO DAS ENTREVISTAS COM ALUNOS JÁ FORMADOS EM ENGENHARIA MECÂNICA NA UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO ....................................... 116 ANEXO IV: CESSÃO DE DIREITOS SOBRE DEPOIMENTO ORAL.................... 117 ANEXO V - QUADRO DE SIGNIFICADOS PARA ANÁLISE DOS LIVROS -....... 118 ANEXO VI - ENTREVISTA COM ENGENHEIROS EX-ALUNOS DA UFES ......... 119 ANEXO VII - LIVROS DO ACERVO DA BIBLIOTECA CENTRAL DA UFES ANALISADOS COMO MATERIAL DIDÁTICO ...................................................... 213 INTRODUÇÃO RELEVÂNCIA As disciplinas matemáticas têm sido, ao longo da história, consideradas como difíceis, elitistas e tantos outros adjetivos cabíveis. Mas também reconhecidas como necessárias, imprescindíveis mesmo para tantas outras disciplinas se desenvolverem. Nas engenharias de forma geral e particularmente na engenharia mecânica, que é o meu objeto de pesquisa, a matemática se faz presente com grande força, seja servindo de base para as físicas, seja em aplicações diretas ou indiretas nas disciplinas técnicas. Ao longo de minha trajetória seja enquanto estudante de engenharia mecânica ou como docente de matemática e informática, algumas questões que hoje investigo nesta pesquisa estiveram presentes. Uma questão que me retira da zona de conforto refere-se à forma como as disciplinas de matemática são ministradas nos cursos de engenharia e por quem. Como o currículo foi construído e para quê? Algo mudou ao longo de quarenta anos? Se sim, o que terá sido? O que terá motivado a mudança ou não? Que matemática é esta que se ensinava em 1966 e qual se ensina hoje? Como era e como é a prática de sala de aula? E as avaliações? E o material didático? E o desenvolvimento tecnológico, o que trouxe para as matemáticas? Tantas são as questões motivadoras de uma pesquisa. Trago aqui algumas destas respostas, as possíveis, dentro de um prazo de pesquisa de mestrado. E deixo outras tantas, para mais tarde ou para outros, que assim como eu procuram alcançar a mestria da arte de saber perguntar o que não se sabe. OBJETIVOS O objetivo desta pesquisa é investigar a ocorrência de mudanças ou permanências das disciplinas de matemática constantes do currículo de engenharia mecânica da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) desde a criação do curso em 1966 até 2006, quando houve a última modificação curricular. JUSTIFICATIVA O interesse pelo tema vem do misto da vivência como estudante de engenharia e da prática de professora de matemática, em busca do sentido das disciplinas matemáticas no futuro escolar e profissional. A pesquisa histórica tornou- se atraente no momento em que se completa quarenta anos de existência do curso de Engenharia Mecânica na UFES, conjugado a uma mudança curricular. Unindo a oportunidade do momento histórico que se apresenta com a vontade de aprimorar o fazer didático, trazemos a lume esta pesquisa. Não se faz uma pesquisa histórica sem procurar conhecer história e não se trabalha com várias fontes sem conhecer sobre suas possibilidades. Assim foi necessário leitura, ainda que básica de Jacques Le Goff, com a História Nova para adquirir o mínimo de compreensão acerca deste assunto. Também para compreender como “ler” corretamente o depoimento dos entrevistados nesta pesquisa, busquei dialogar com Verena Alberti e Paul Richard Thompson, acerca da História Oral. Por se tratar de um currículo, recorri a J. Gimeno Sacristán e Tomaz Tadeu da Silva, para compreender como se dá a formação dos mesmos. Assim como fui buscar em Pedro C. da Silva Telles, as origens da engenharia no Brasil. Em Cipriano C. Luckesi e Helena Noronha Cury, pude obter suporte para analisar as avaliações e as práticas atuais no ensino superior. Fiz também uma revisão de literatura com os trabalhos que forneceram uma base acerca do que foi investigado a respeito do ensino da matemática nos cursos de engenharia e temas afins ao meu objeto de pesquisa. ESTRUTURA DA PESQUISA No Capítulo 1, encontra-se o embasamento teórico e os procedimentos metodológicos, onde procuro definir como vejo a história, o currículo, a matemática e a engenharia mecânica, através de pesquisa sobre esses assuntos na literatura a que tive acesso. No Capítulo 2, apresento os procedimentos e instrumentos utilizados na coleta de dados, detalho como realizei a pesquisa no acervo, como foram feitas as entrevistas, os critérios de análise adotados e como fiz o tratamento das informações obtidas. No Capítulo 3, analiso as disciplinas matemáticas no currículo do curso de engenharia mecânica, verificando qual a matemática considerada importante para o currículo. No Capítulo 4, apresento as relações da Matemática com as disciplinas técnicas no período delimitado, analiso a grade curricular do curso ao longo dos 40 anos pesquisados, verificando as modificações e/ou permanências ocorridas. No Capítulo 5, abordo as alterações curriculares e analiso as modificações macro ocorridas no currículo e procurando identificar o que motivou estas modificações. No Capítulo 6, analiso as avaliações no período estudado e se elas visavam a aprendizagem do aluno ou eram mais classificatórias. No Capítulo 7, analiso como era a prática de sala de aula, a relação professor-aluno e como isso evoluiu ao longo do período analisado. No Capítulo 8, descrevo o material didático utilizado pelos professores e faço a análise de alguns livros sugeridos como bibliografia ou livro-texto nas ementas de algumas disciplinas. No Capítulo 9 trago minhas conclusões. Pontuo as que pude extrair deste trabalho de pesquisa. REVISÃO DE LITERATURA Ao iniciar essa pesquisa histórica utilizando fontes documentais de primeira ordem (Le Goff, 1998) e depoimentos orais, pus-me em busca de leituras que pudessem fornecer embasamento e que viessem a auxiliar na análise dessas informações. Assim, procureiartigos, dissertações e textos que se relacionassem com o assunto estudado e trago aqui o resumo daqueles que considerei mais pertinentes ao meu trabalho. Soares, Lima e Sauer (2004) em seu artigo “Discutindo alternativas para ambientes de aprendizagem de matemática para cursos de engenharia”, propõem atividades que possam ser aplicadas às disciplinas de matemática nos cursos de engenharia, visando promover uma atitude mais crítica e analítica dos educandos, superando a prática ainda dominante de que aula de matemática é feita de explicação e exercícios exaustivos, ou seja, uma mera busca de modelos para resolução de problemas. As autoras relatam sua prática que traz como recursos metodológicos: trabalho em grupo; valorização da comunicação através de explanação dos recursos e métodos utilizados para resolução de problemas; análise de erros; auto-avaliação e incentivo à reflexão, uma vez que os alunos são instigados a embasarem-se na teoria discutida em sala para justificar sua resolução. As análises feitas concluem que os educandos estão acostumados com o modelo tradicional de “aula” e avaliação do tipo exame1, e que apresentam “dificuldades em habilidades como: tomada de decisão, reflexão, exploração e dedução” (Soares, Lima e Sauer, p. 3). Apesar destas dificuldades, as atividades têm sido bem sucedidas no sentido de despertar nos educandos a atenção para a auto-gestão de seu processo de aprendizagem. Destacam alguns outros pontos positivos, como o: [...] desenvolvimento da capacidade de interpretar, explorar, decidir; seguir de acordo com ritmo próprio de 1 Conceituado segundo Luckesi (2005). trabalho; gerenciar sua aprendizagem, desenvolver "auto- estudo", esperar menos do professor pois pode descobrir sozinho algumas alternativas para resolver problemas; o professor não é a única fonte de informação e de orientação. (id. p. 3). As autoras apontam como desafios aos professores de matemática que atuam em cursos de engenharia a construção de estratégias de aprendizagem que promovam o desenvolvimento autônomo dos educandos e do seu próprio, na medida em que deverão aprender como lidar com a matemática sem se restringirem somente à linguagem matemática. Mas que também passem a desenvolver saberes pesquisando sobre o seu próprio fazer, examinando, pesquisando e refletindo sobre a sua atuação. Cury (2001) em seu artigo “Diretrizes curriculares para os cursos de engenharia e disciplinas matemáticas” aponta o alto índice de reprovações nas disciplinas matemáticas dos cursos de engenharia e busca nas novas tecnologias e na modelagem matemática, maneiras alternativas para se trabalhar com essas disciplinas. Propõe mudanças que atendam em sentido amplo as diretrizes curriculares propostas que ela analisa, tais como MEC, ABENGE, e algumas outras no mundo como a ABET (EUA)2 e na Escócia, citadas por Wilkinson3. A formação dos engenheiros hoje ainda é tradicional, baseada principalmente na reprodução de conhecimentos, onde as disciplinas de matemática são tratadas como ferramentas para resolução de problemas; segundo Cury se exige dos engenheiros não somente a resolução dos problemas, mas também “menos domínio de conteúdos e mais capacidade de resolver problemas, tomar decisões, trabalhar em equipe e comunicar-se” (id. p. 2), é necessário cada vez mais uma atitude crítica e o verbo relacionar fica cada vez mais forte. O estudante assim como o engenheiro deve aprender a relacionar os conteúdos matemáticos com as 2 Confome citado em sua revisão de literature: CRITERIA for accrediting engineering programs. Disponivel em <http://www.abet.org/ images/eac_criteria_b.pdf >. Acesso em: 27 out. 2001. 3 Conforme citado em sua revisão de literatura: WILKINSON, J.; MATTHEW, B.; EARNSHAW, H. Engineers need mathematics but can we make it interesting? In: INTERNATIONAL CONFERENCE ON ENGINEERING EDUCATION, 2001, Oslo. Proceedings...Oslo, Noruega, Aug. 2001. CD. situações reais que se apresentam. É preciso relacionar-se com aqueles com os quais estuda, trabalha ou gerencia e também relacionar as novas tecnologias com os conteúdos matemáticos e com a solução dos problemas reais. As disciplinas matemáticas assumem um papel mais crítico, como apontado por Cury quando comenta a matemática crítica de Skovsmose, e aponta para a relação dos conteúdos matemáticos com a realidade, com os problemas que serão enfrentados na prática do engenheiro. Como opção ela analisa experiências realizadas por educadores da área de ciências exatas, cita pesquisas feitas visando à melhoria da qualidade do ensino de matemática para engenharias como o trabalho de Passos, Silveira e Wilkinson4 e destaca como itens inovadores: [...] emprego da modelagem matemática para solução de problemas específicos da área; uso de computadores no ensino; disciplinas ministradas em conjunto por professores de Unidades diversas; distribuição de disciplinas introdutórias ao curso em questão desde os primeiros semestres; turmas únicas para as disciplinas específicas de cada curso; diminuição do número de alunos por disciplina. (id. p. 2) Conclui dizendo que a aplicação destas alternativas nas propostas curriculares, permitem ao professor “investir na busca de problemas da vida real, trazidos pelo professor ou pelos estudantes, e que lhes permitam fazer frente às necessidades de criar modelos para formulação e solução dos mesmos” (id. p. 8). Eliana Soares (1997), em sua tese de doutorado intitulada “Comportamentos matemáticos e o ensino de matemática para cursos de engenharia”, investiga os comportamentos matemáticos necessários aos engenheiros mecânicos e o ensino desses comportamentos nos cursos de engenharia. 4 Citadas na revisão bibliográfica em seu artigo. Soares procurou delimitar os objetos de pesquisa a partir de critérios que pudessem abranger uma amostra significativa considerando quatro pontos: a) empresas representativas da região; b) engenheiros que além de atuarem no mercado, lecionaram/lecionam no curso de engenharia mecânica; c) engenheiros recém-formados já atuando no mercado e d) alunos concludentes que atuaram em estágios. Ela realizou entrevistas com vinte e dois engenheiros atuantes em várias áreas como, por exemplo: mercado de trabalho regional, pesquisa/formação de engenheiros e engenheiros formandos. Foi feito um roteiro de entrevista e a partir da transcrição das mesmas, foram montadas tabelas com os significados extraídos da fala dos entrevistados. Analisando os dados coletados, Soares mapeou as atividades que os engenheiros relacionam com a matemática na sua atuação, as dificuldades relacionadas com a matemática, os conceitos matemáticos utilizados por eles e as situações nas quais eles indicam ser necessário o conhecimento de matemática. Com base neste mapeamento, ela conclui que [...] para planejar um programa de ensino de matemática, no âmbito dos cursos de engenharia, é preciso que seja definido com clareza e precisão que comportamentos, no âmbito da matemática, são necessários ensinar para capacitar engenheiros a se comportarem diante de seu contexto profissional construindo modificações relevantes e de valor do ponto de vista profissional, tecnológico e social, considerando as modificações rápidas pelas quais está passando a sociedade no final do século XX. Esses comportamentos são descritos e caracterizados a partir da análise e exame de informações acercadas situações com as quais os engenheiros lidam ou se defrontam em seu ambiente profissional, permitindo derivar ‘comportamentos- objetivo’ para um programa ou plano de ensino de matemática. (Soares, 1997, p. 200) Soares fala da avaliação deste programa, sem, entretanto detalhar como ela deve ser feita dizendo que é “[...] preciso avaliar o comportamento do aprendiz após o processo de ensinar; essa avaliação não é objeto de exame, nesse trabalho, mas constitui importante etapa no processo de ensinar a aprender.” (id. p. 201) O trabalho enfatiza as mudanças, principalmente no que se refere ao foco do ensino-aprendizagem, retirando o mesmo do ‘ensinar’, para ‘o ensinar a aprender’ e neste caso, o professor também deve mudar o seu comportamento de “[...] comportamento de quem resolve problemas [..]”, para “[...] comportamento de quem capacita alguém a resolver problemas [...].” (id. p. 203) Soares ao contrário de encerrar o assunto, termina provocando um sentimento de quero mais, instigando as tantas possibilidades de pesquisa e trabalho. André Luis Mattedi Dias (2002) nos apresenta em sua tese sob o título “Engenheiros, mulheres, matemáticos”, a construção da história da matemática na Bahia desde a Escola Polytechnica da Bahia em 1896 até a criação da Universidade da Bahia em 1968. Como ele mesmo diz no resumo, esta pesquisa dedica-se aos “[...] problemas da difusão, recepção, apropriação e institucionalização da matemática moderna de raízes européias no contexto sócio-cultural brasileiro [...]”(resumo) e levanta perguntas como “Quando e como os matemáticos ocuparam o lugar dos engenheiros no exercício da matemática? Quais estratégias, quais alianças, quais interesses foram mobilizados para que conseguissem ocupar um território até então exclusivo dos engenheiros?” (resumo). Salientando os fatores determinantes para a fundação da Escola Polytechnica da Bahia, Dias fala dos interesses da elite e dos engenheiros da época; os professores que lá atuaram, citando alguns dos catedráticos e ressaltando a importância desses professores que atuavam também como engenheiros. Considero este fato importante pois, verifiquei também em Telles (1984-1993) e Montenegro (1995), que os professores que lecionaram para as primeiras escolas de engenharia no Brasil, o faziam com dificuldade e orgulho, às vezes até sem remuneração, o que hoje creio não mais existir. Quanto às disciplinas matemáticas, Dias faz um comentário que confirma o que tenho verificado na minha pesquisa: as ciências matemáticas, físicas e naturais ocupavam lugar destacado dentre as especialidades que eram consideradas como parte da competência dos engenheiros na época da fundação do IP e da EP. (Dias, 2002, p. 61) Dias salienta ainda a criação da Faculdade de Filosofia da Bahia e a presença das mulheres no corpo docente desta faculdade e posteriormente no Instituto de Matemática e Física e conclui respondendo de forma resumida as perguntas principais feitas, quando diz que [...] é possível agora pensar num lugar para os discursos e práticas de ‘modernização científica’ – ao menos no que se refere à matemática – ao lado daqueles discursos e práticas de modernização cultural, social e econômica que fizeram dos anos 50-60 um dos mais movimentados e dinâmicos da história recente da Bahia. (id. p. 230) A contribuição de Dias para minha pesquisa está na consistência que dá às informações que tenho levantado quanto à criação das Escolas Politécnicas no Brasil, quanto à formação dos professores que atuavam nas cadeiras de matemática dos cursos de engenharia, e mais ainda, quando fala sobre os momentos político- sociais que permeiam a educação, pois que estes, como tenho verificado, são causadores de grandes impactos. Ana Teresa Colenci (2000) em sua dissertação de mestrado intitulada “O ensino de engenharia como uma atividade de serviços”, trata no seu projeto de pesquisa do ensino de engenharia voltado para a produção. Ela inicia sua dissertação traçando um histórico da engenharia e do ensino de engenharia no Brasil e levanta como problema de investigação as perguntas: “Que instrumentos de análise seriam adequados para apontar as deficiências do atual modelo de ensino de engenharia e o que pode ser feito para melhorá-lo qualitativamente?” e traz também como objetivo “[...] propor uma estrutura de referência, a partir da ótica de serviços [...].” (Colenci, 2000, p. 6) Ela inicia sua discussão com algumas definições: o termo engenharia, engenheiro, o perfil do engenheiro e diz que “[...] as preocupações se estendem além do aspecto cognitivo, abrangendo os aspectos comportamentais e atitudinais [...]” (id. p. 14), preocupação esta que também encontramos em Soares (1997). Traça também um histórico do ensino da engenharia no Brasil e aborda a situação atual do ensino da engenharia, apontando o que também percebi nas entrevistas, que “uma primeira avaliação exploratória mostra que em muitos casos, a universidade não acompanha as mudanças do mercado de trabalho, principalmente no mercado brasileiro, onde se verifica um alto nível de dependência tecnológica” (Colenci, 2000, p. 24). Discute ainda sobre a engenharia de produção (manufatura) e as exigências que o mercado traz com relação à atuação acadêmica a partir da globalização. Aponta para mudanças de paradigma que introduz novo foco do ensino, trazendo-o para dentro das organizações. Ela expressa a contribuição de Senge5 dizendo que a aprendizagem dentro das organizações é de grande importância e é “[...] a única forma a partir da qual as pessoas ampliam continuamente a sua capacidade de criar em direção aos resultados que realmente desejam [...].” (id. p. 44) Considera o momento atual como um período de mudanças e enfatiza a pesquisa e o aprender a aprender como comportamentos fundamentais nesse processo de mudança como Soares. Conceitua serviços apontando suas características; fala de qualidade de serviços e de modelos de qualidade; relaciona estes conceitos e depois traça um paralelo entre o ensino de engenharia e o conceito de serviço, apontando esse enfoque como eixo principal de sua proposta de estrutura. Colenci relaciona os conceitos discutidos anteriormente propondo uma “estrutura de referência para investigar a qualidade no ensino de engenharia sob a ótica de serviços” (id. p. 92), onde aborda a qualidade do ensino de engenharia, projeto pedagógico e a estrutura de referência proposta. Diz que 5 Peter Senge estudioso no assunto a partir de 1990. o desafio em termos de qualidade do ensino de engenharia está baseado em buscar um novo modelo que incorpore as mudanças tecnológicas e sociais e ofereça alternativas que valorizem o processo de ensino-aprendizagem. (id. p. 3) Conclui discutindo perspectivas para o futuro, no que diz respeito à qualidade do ensino de engenharia, dizendo que o trabalho desenvolvido traz uma contribuição ao tema uma vez que propõe a sistematização de um modelo que permite analisar a qualidade do ensino de engenharia de forma global e não apenas propor ações fragmentadas, afastadas da realidade vista como um todo. (id. p. 119) A contribuição de Colenci para a minha pesquisa está principalmente na categorização que faz das abordagens do ensino e no histórico que traz sobre as origens da engenharia no Brasil. Giselle Cristina Martins Real (2006) em sua tese “A qualidade revelada na educação superior” investiga os impactos que a política de avaliação do ensino superior adotada a partir de 1995 teve na concepçãode qualidade do ensino junto às instituições de ensino superior. A metodologia utilizada é a análise documental de documentos oficiais divulgados pelo MEC, tais como: • legislação e normas sancionadas e publicadas no período em tela; • material gráfico produzido para divulgação da política de avaliação; • informações constantes em sites dos órgãos gestores da política de educação superior, tanto públicos como privados, nacionais e internacionais, como: MEC, CNE, CONAES, SESu, INEP, ABMES, ANDES, ANUP, Banco Mundial, e UNESCO; • artigos de jornais e revistas impressos e on-line que focavam as temáticas da educação superior e avaliação; • livros e artigos que expressam discursos dos agentes da política de educação superior. (Real, 2006, p. 19) Observa como resultados de sua pesquisa que de 1968 a 1995, a concepção de qualidade de ensino estava ligada à relação entre quantidade e qualidade; a avaliação era utilizada “como um mecanismo de restrição da qualidade” (id. p. 6). Ela verifica também que houve um impacto positivo, mas que apesar dele, as evidências encontradas apontam para um “esgotamento do poder indutor da avaliação na melhoria da qualidade do ensino” (id. p. 7). Salienta que ainda não foi atingido o tratamento da avaliação como forma de garantir qualidade de ensino. Célia Peitl Miller (2003) em sua dissertação de mestrado intitulada “O doutorado em matemática no Brasil” realiza uma pesquisa histórica, a partir do início do doutorado em matemática no Brasil em 1842 e sua trajetória atravessa a história da engenharia, daí a importância desta leitura para a minha pesquisa. A pesquisa de Miller baseia-se em quatro pilares por ela descritos: “[...] as origens do ensino da Matemática; o ambiente acadêmico em que o doutorado se firmou; a documentação da época (Decretos e Teses) e a biografia dos autores [...]” (Miller, 2003, p. V). Pesquisou documentos originais, muitas vezes dispersos, fez extensa pesquisa bibliográfica em busca de fontes primárias. Esteve em várias cidades, deparou-se com dificuldades e até impossibilidade de acesso a alguns documentos e organizou os dados o melhor que pode. Miller fala da evolução histórica do ensino e pesquisa da matemática e da engenharia em Portugal, onde pesquisa o ensino da matemática em Portugal iniciando com a Companhia de Jesus; a expulsão dos Jesuítas de Portugal pelo Marquês de Pombal, o que determinou novos rumos para o ensino da matemática; o início do ensino da engenharia na França e a disseminação do mesmo pela Europa e em Portugal. Em seguida a evolução histórica do ensino e pesquisa da matemática e da engenharia no Brasil, onde investiga a origem do ensino da matemática no Brasil; a vinda dos Jesuítas, os reflexos da reforma de Pombal; a origem do ensino da engenharia e as academias. Depois se ocupa com a criação do doutorado no Brasil e das teses que vão de 1848 a 1937, passando pela Academia Real Militar, Escola Militar, Escola Central e Escolas Politécnicas. Conclui constatando que “[...] o doutorado em Matemática no Brasil foi instituído em 1842, sendo regulamentado em 1846, quando foram titulados os primeiros doutores por meio de decreto [...]” (id. p. 439), sendo somente em 1848 que as titulações passaram a exigir apresentação de defesa de tese. Jorge R. V. Domingos e José Antonio S. Bordeira (2003) em seu artigo “Novas abordagens para o ensino de equações diferenciais em cursos básicos de engenharia” avaliam as dificuldades encontradas nas disciplinas de Cálculo, especificamente no ensino das equações diferenciais e as dificuldades encontradas nas disciplinas técnicas, tais como Mecânica dos Fluidos e Transferência de Calor que utilizam as equações diferenciais. A proposta do trabalho é relatar a experiência dos autores na construção de um processo que “[...] pudesse construir uma ‘ponte’ entre as aulas de equações diferenciais e sua utilização nas cadeiras fundamentais das várias especialidades dos cursos de engenharia” (Domingos e Bordeira, 2003, p. 2) da Escola de Engenharia da Universidade Católica de Petrópolis. Em sua fundamentação teórica, os autores conceituam o professor tradicional que centraliza a aprendizagem na sua pessoa, no seu conhecimento, e o professor cooperativo que atua como incentivador da auto-produção de conhecimento dos educandos. O projeto construído pelos autores baseia-se no conceito de professor cooperativo: os educandos da disciplina de Equações Diferenciais, divididos em grupos estudavam as aplicações das equações diferenciais na resolução dos problemas propostos. Esses problemas faziam parte das cadeiras de Mecânica dos Fluidos, Transferência de Calor, Circuitos e Vibrações. O objetivo do trabalho era minimizar a distância entre as disciplinas de matemática das disciplinas técnicas e os autores colocam como principais questões as grandes dificuldades do ensino e do aprendizado das cadeira básicas; a busca de motivação para os alunos dos cursos de Engenharia, ainda em fase inicial de seus cursos; e, não menos importante, a visualização do encadeamento global e da implicação dos conteúdos básicos para a compreensão e solidez dos conteúdos específicos que serão ministrados nas fases mais adiantadas dos cursos. (id. p. 4) No início do semestre os alunos eram apresentados aos professores de todas as disciplinas pelo professor de Equações Diferenciais, organizavam-se em grupos e escolhiam o tema. A partir do tema, eram orientados pelo professor da disciplina correspondente ao mesmo e juntos traçavam o programa de trabalho. Era estabelecido um cronograma de três apresentações intermediárias e os educandos eram encorajados a utilizar técnicas modernas de apresentação. O programa de trabalho ia se transformando no problema prático à medida que o semestre avançava, quando a teoria ia sendo discutida e as apresentações intermediárias iam sendo feitas. Quando publicado, o projeto já estava em prática há três anos e os autores relatam algumas conclusões: - alguns educandos ao finalizarem a disciplina de Equações Diferenciais concluíram que a mesma apresenta poderosas ferramentas para a solução de problemas de engenharia; - foram minimizadas as reclamações dos professores das disciplinas técnicas quanto à utilização das equações diferenciais na solução dos problemas pertinentes à sua disciplina; - o trabalho em laboratório em paralelo com a teoria na solução de questões cotidianas de engenharia, desperta no educando maior interesse em se aprofundar no estudo; - ao construir a solução e apresentação do trabalho, houve um aumento de interesse dos educandos pela pesquisa científica. Considero este trabalho de grande relevância para o meu projeto, pois vem confirmar algumas dificuldades no ensino de engenharia que verifiquei nas entrevistas e na minha prática enquanto estudante. Maria Salett Biembengut (1997), em sua tese “Qualidade no ensino de matemática na engenharia”, deixa à mostra toda a sua experiência enquanto professora e pesquisadora, preocupada com o ensino da matemática. Ela nos conta a trajetória percorrida até o seu projeto e as várias direções tomadas em busca de respostas. O objetivo principal deste trabalho é segundo suas próprias palavras, “(...) fornecer meios para melhorar o ensino de matemática dos Cursos de Engenharia, com o fim de torná-lo um instrumento eficiente para formação de engenheiros” (Biembengut, 1997, p. 12). Para isso ela busca conhecer e fundamentar-se teoricamente nos modelos matemáticos clássicos e analisa sua utilização como método de ensino e aprendizagemde matemática. Pesquisa também as origens da engenharia e da matemática na engenharia e realiza trabalhos experimentais com educandos, ora atuando como orientadora diretamente, ora indiretamente com o auxílio de professores favoráveis à sua proposta. Biembengut relata um trabalho que fez com cerca de trinta professores de oito estados onde realizou trabalhos experimentais e propôs um método que denominou Modelação Matemática, trabalho este que lhe rendeu o título de Mestre em Educação. Segue breve descrição do método conforme ela mesma relata: [...] o método propõe que os alunos escolham um tema de interesse (tema único por turma), levantem questões, façam pesquisa e o professor desenvolva o conteúdo programático, à medida em que vão (alunos e professor) elaborando um modelo matemático para responderem questões levantadas no tema original. (id. p. 2) A autora aponta questões já vistas em outros trabalhos e na minha pesquisa acerca das dificuldades do ensino da matemática nos cursos de engenharia, relativas à: aplicabilidade das disciplinas de matemática nas disciplinas técnicas, altos índices de reprovação; alta rotatividade dos professores; falta de conexão entre as próprias disciplinas de matemática, como Cálculo, Álgebra e Geometria; bibliografia deficiente na aplicação da matemática para engenharia, entre outros. Ela analisa também a reforma universitária decorrente da lei 5.540/68 e sua relação com a qualidade do ensino, apontando a opinião de vários autores como sendo esta reforma uma das causadoras da baixa qualidade do ensino superior hoje em dia. Como resultados, Biembengut salienta os benefícios que a utilização do recurso da Modelação trouxe em relação ao ensino tradicional de Cálculo: • provocou um maior interesse, por parte dos alunos, frente à aplicação da matemática no desenvolvimento dos seus próprios cursos; • estimulou um sensível aumento na participação em sala de aula (perguntas e respostas durante a exposição do conteúdo); • aumentou o número de pesquisas, realizadas e apresentadas, periodicamente, em forma de seminário; • levou a um crescimento na média geral das notas das avaliações escritas; e • resultou numa sensível redução no número de desistências ou reprovações. (id. p. 3) Ainda como resultados, ela mostra que a Modelação Matemática sendo utilizada nas disciplinas matemáticas dos cursos de engenharia como método de ensino-aprendizagem: • melhora a apreensão dos conceitos, pelo fato de fazer emergir o conteúdo matemático de modelos matemáticos da Engenharia; • estimula a participação e a criatividade, devido ao processo de questionamentos, de pesquisas e de elaboração de modelos; • aponta ao aluno a importância da Matemática, não apenas para aplicação (instrumento) na Engenharia, como também a teoria que a sustenta; • aproxima o aluno, ainda no ciclo básico, das disciplinas específicas do Curso de Engenharia, propriamente dito; • propicia ao professor de matemática uma interação com os problemas da Engenharia, contribuindo, sobremaneira, para um contínuo aperfeiçoamento; • abre uma perspectiva de interação entre professores do ciclo básico com o ciclo profissionalizante, e • permite um estreitamento entre as novas tecnologias levando a rever, periodicamente, questões relativas ao currículo. (id. p. 229) Sem dúvida a pesquisa de Biembengut é importante para o meu projeto, seja no que se refere à pesquisa feita sobre as origens da matemática na engenharia, seja na própria estruturação da tese. Ana Regina Lanner de Moura e Rute Cristina Domingos da Palma (2006) no artigo intitulado “A avaliação em matemática: lembranças da trajetória escolar de alunos de Pedagogia” estudam avaliação em matemática na pedagogia na Universidade Estadual de Campinas e analisam como a avaliação, através da lembrança dos entrevistados, influenciou a formação matemática destes. A questão de investigação desta pesquisa é “Como a avaliação escolar é lembrada e como pode ter influenciado a formação matemática do aluno e a relação que ele estabelece com este conhecimento?” (Moura e Palma, 2006, p. 1). As autoras investigam os procedimentos, instrumentos e os conteúdos das avaliações e as lembranças que permanecem na memória dos entrevistados acerca desses momentos. Foram entrevistados com questionário 75 alunos de pedagogia e foi solicitado a eles que escrevessem sobre o que lembravam das aulas de matemática destacando: “[...] Concepção de conhecimento matemático e postura do professor, metodologia e material didático, tipo e procedimentos de avaliação [...]” (id. p. 4). Elas discutem sobre o papel político-social da avaliação, baseando-se em Maciel6 e destacam alguns pontos em seus resultados que merecem destaque: - prova como único procedimento de avaliação; - exigência de memorização, pouca reflexão e insignificante estímulo ao raciocínio; - valorização negativa e excessiva do erro; - sentimentos de tensão, sofrimento, apreensão, sensação de fracasso. Considerando esses aspectos citados e outros mais detalhados ao longo da pesquisa, as autoras destacam que mais de 50% dos entrevistados construíram uma 6 Segundo referência bibliográfica das autoras: MACIEL, Domício Magalhães. A avaliação no processo ensino-aprendizagem de matemática, no ensino médio: uma abordagem formativa sócio- cognitivista. 2003. Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade Estadual de Campinas – Campinas, 2003. relação de “rejeição, medo, incapacidade e até mesmo ‘raiva’ da matemática” (id. p. 14). Concluem apontando como necessário a continuidade das pesquisas sobre a avaliação dos conteúdos matemáticos a fim de contribuir para que a mesma seja parte de “[...] uma relação de confiança, autonomia e instigação do aluno” (id. p. 14). A importância desta leitura para a minha pesquisa está na construção do entendimento do papel da avaliação no conhecimento e da herança que os educandos trazem em relação às disciplinas matemáticas. Ao findar estas leituras e outras mais não relacionadas aqui, por não terem uma relação tão estreita com esta pesquisa, concluo que: - não foram encontradas muitas pesquisas referentes às disciplinas de matemática nos cursos de engenharia, no que se refere ao contexto histórico. Dentre as encontradas, os aspectos mais abordados são: o emprego de novas tecnologias e as práticas de sala de aula; - os contextos histórico-políticos dominantes na época de criação dos cursos de engenharia no Brasil e a motivação para sua criação, são abordados de forma superficial e não consegui encontrar muita literatura sobre este assunto, como por exemplo, a criação das escolas Politécnicas, que se espelharam nas de Paris e Zurich. Apesar de saber das dificuldades, é interessante ressaltar a relevância da história oral como fonte de pesquisa, dada a riqueza de informações que ela fornece. Foram realizadas várias reformas visando à melhoria na qualidade do ensino superior, principalmente nas engenharias, mas o discurso que ainda permanece é o de que existe uma lacuna entre as disciplinas matemáticas e as disciplinas técnicas. CAPÍTULO 1 EMBASAMENTO TEÓRICO E PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS Ao pensar na matemática inserida no currículo de engenharia mecânica, surgiram várias possibilidades de investigação que poderiam fazer parte de um projeto de mestrado. Optei por investigar se ocorreram mudanças ou permanências nas disciplinas de matemática, presentes no currículo de engenharia mecânica da Universidade Federaldo Espírito Santo (UFES), ao longo dos seus primeiros quarenta anos de existência. Ainda neste contexto dentro das várias opções, investigo conteúdo, metodologia, prática de sala de aula, avaliação e material didático. Para investigar melhor estes pontos citados, creio ser necessário, inicialmente, relacionar e examinar algumas concepções referentes à história, currículo, matemática e engenharia mecânica a fim de definir com clareza a pesquisa a que me propus. 1.1 HISTÓRIA Nesta pesquisa estou me valendo do conceito de história cultural e me baseio em Jacques Le Goff. Para melhor compreensão do pensamento do autor, traço um panorama do surgimento da História Nova. A Escola dos Annales marca o nascimento da História Nova. Quando Lucien Febvre e Marc Bloch lançaram em Estrasbrugo, em 1929, uma revista chamada Annales d’histoire économique et sociale, tiveram a intenção de questionar a história política tradicional que se preocupava com os fatos, documentos, sem considerar a representação dos personagens que faziam essa história. O comportamento dos historiadores foi criticado por Bloch e Febvre. Encontramos esta evidência em Le Goff (1998) quando diz que o historiador como todo homem de ciência, este, conforme a expressão de Marc Bloch, deve, ‘diante da imensa e confusa realidade’, fazer a ‘sua opção’ – o que, evidentemente, não significa nem arbitrariedade, nem simples coleta, mas sim construção científica do documento cuja análise deve possibilitar a reconstituição ou a explicação do passado. (p. 32) Os Annales vinham então, propor uma modificação na forma de conduzir e produzir a história, passando a considerar e analisar elementos antes desconsiderados, mas considerados por Bloch e Febvre como relevantes. Eles queriam problematizar a história, fazer a história não como algo estático, imóvel, pois a história é instável, o que permite ao analisar o passado compreender o presente na instabilidade que este presente se encontra. O foco dos Annales estava numa história econômica e social que foi chamada de História Nova, que como define Le Goff (1998, p. 27) é “[...] história global, total, e reivindica a renovação de todo o campo da história”. Ela vem mostrar que os grandes acontecimentos (priorizados na história política) são apenas o desfecho de vários pequenos acontecimentos. Estes é que devem ser analisados pela história nova, para se construir uma história mais verossímil, mais próxima da realidade da época. Uma história que leva em conta as diversas histórias individuais que acontecem simultaneamente e não podem ser desprezadas. Histórias estas que formam o contexto em que o acontecimento antes unicamente considerado pela história política acontece. Logo as histórias política, diplomática, militar, econômica, social e cultural são também consideradas, constituindo assim uma “história total”, termo bastante utilizado por Le Goff. O nascimento da história nova não se deu instantaneamente somente com a publicação da revista de Febvre e Bloch, mas como diz Le Goff (1998, p. 28), “a história nova nasceu em grande parte de uma revolta contra a história positivista do século XIX, tal como havia sido definida por algumas obras metodológicas por volta de 1900.” Quando Marc Bloch morre em 1944 e Lucien Febvre em 1956, Fernand Braudel junto com Robert Mandrou, e depois com Marc Ferro, despontam como principais inspiradores dos Annales. Em 1958, Braudel publica o artigo “História e ciências sociais: a longa duração”, que consolida a história nova. Em 1969, assumem novos personagens dessa história: André Burguière, Jacques Le Goff, Emmanuel Le Roy Ladurie e Jacques Revel. E assim, ao assumir junto com os companheiros a bandeira da história nova, Le Goff oferece ao mundo uma extensa obra que continua influenciando os historiadores no mundo. A história nova não aconteceu somente na França, mas houve movimentos em torno do mundo. Como exemplo, podemos citar na Inglaterra, a revista “Past and Present” (desde 1952), a revista anglo-americana “Comparative Studies in Sociology and History” (desde 1957), a historiadora Americana Natalie Zemon Davis, o historiador italiano Carlo Ginzburg, os historiadores poloneses Bronislaw Geremek e Witold Kula. A importância de Le Goff para este projeto se dá inicialmente com relação às fontes. Como analiso a matemática na engenharia mecânica, me deparo com fontes diversas como resoluções, ofícios, atas de conselho departamentais, avaliações, listas de livros sugeridas para a biblioteca, entre outros. Ainda considero o depoimento de professores e ex-alunos para identificar o contexto em que as modificações curriculares referentes às disciplinas de matemática na engenharia mecânica ocorreram, característica marcante na história nova, onde analiso os dados históricos encontrados nos depoimentos dos entrevistados. E encontro apoio para melhor compreender como “ler/ouvir” o que estas fontes falam no pensamento de Le Goff (1998) acerca dos documentos a serem considerados, quando ele diz que a história nova ampliou o campo do documento histórico; ela substituiu a história de Langlois e Seignobos, fundada essencialmente nos textos, no documento escrito, por uma história baseada numa multiplicidade de documentos: escritos de todos os tipos, documentos figurados, produtos de escavações arqueológicas, documentos orais, etc. Uma estatística, uma curva de preços, uma fotografia, um filme, ou, para um passado mais distante, um pólen fóssil, uma ferramenta, um ex-voto são, para a história nova, documentos de primeira ordem. (id. p. 28) Muitas das respostas para os meus questionamentos, se encontram nos documentos e nos fatos que reconstruí a partir do acesso à memória daqueles que entrevistei e que foram os personagens da história que construí, pois me interessava saber, por exemplo, porque a Álgebra não aparece na grade curricular de 1966. Interessava-me saber por que ela não está lá, e a partir de que momento ela passou a fazer parte da grade curricular do curso e por que motivo. Que fatos provocaram esta mudança. Pois [...] há fatos visíveis, como as batalhas, as guerras, os atos oficiais dos governos; há fatos morais, ocultos, que nem por isso são menos reais; há fatos individuais, que têm um nome próprio; há fatos gerais, sem nome, aos quais é impossível atribuir uma data precisa, que é impossível encerrar em limites rigorosos e que nem por isso deixam de ser fatos como os outros. Le Goff (1998, p. 40) Em busca destes porquês, alguns dos quais encontrei nas entrevistas, utilizei como suporte a história nova, no que se considera a história imediata. História esta, segundo Lacouture (1998, p. 216), “ao mesmo tempo rápida na execução e produzida por um ator ou uma testemunha vizinha do acontecimento, da decisão analisada.”, uma história que “quer se elaborar a partir desses arquivos vivos que são os homens”. (id. p. 217) Evoquei, portanto, considerando essas fontes e fatos, esses personagens produtores da história que ainda não findou, tentando construir, utilizando uma expressão de Lacouture (id. p. 222), com “arte e cor, as particularidades do tempo e as singularidades dos seus heróis”. Recorri ao auxílio de Verena Alberti (2005), para compreender e trabalhar com a História Oral. Alberti me auxiliou a compreender como extrair da fala dos entrevistados os significados para análise e como analisar e concluir a partir destas falas. 1.2 CURRÍCULO O termo currículo “implica, pois, a idéia de regular e controlar a distribuição do conhecimento” (Sacristán,1998, p. 125), conhecimento este que é direcionado segundo o contexto em que se encontra inserido e que representa. Como as escolas de engenharia no Brasil foram criadas nos mesmos moldes das existentes na Europa, principalmente as Escolas Politécnicas, e sendo estas baseadas no modelo tecnocrático (Belhoste, 2003), os currículos dos cursos de engenharia, seguiram o modelo tecnocrático. Modelo este discutido por Bobbitt e Taylor no início do século XX, cujo argumento era a cientificidade da educação, o que tornava mais fácil mensurar a aprendizagem. Eles contestavam com sua teoria o modelo humanista, herdado da educação Clássica da Antiguidade. Bobbitt e Taylor consideravam que a escola tinha que funcionar como uma empresa, moldando o trabalhador. A década de 60 foi meio turbulenta no mundo todo, pois houve vários movimentos de independência de colônias européias e no Brasil, com o golpe militar de 1964, outros movimentos civis e movimentações sociais produziram efeitos na educação, que começaram a ser sentidos no final da década de 60, início da década de 70. No Espírito Santo o movimento estudantil foi pouco representativo em relação a outros estados, “pois até 1967, os movimentos eram bastante reduzidos dentro da UFES, destacando-se como centros geradores a Medicina, depois a Filosofia, e finalmente a Engenharia”. (Neto, 1996, p. 147). Mas ainda assim, foram suficientes para iniciar as discussões sobre os objetivos do currículo, e neste aspecto, os cursos de engenharia estão na linha de frente, visto que assim como na França, também no Brasil, os engenheiros estão entre os grupos dominantes das sociedades. A partir dos anos 80, há uma modificação no pensamento científico acerca do currículo (Sacristán, 1998). As discussões no campo sociológico aumentam e a preocupação passa a ser com o tipo de sociedade que se quer formar através do currículo em vigor; o currículo é visto no seu papel de molde e não mais somente de forma técnica (Moreira, 2001). Passa a ser importante considerar também “o contexto social, econômico, político e cultural que o currículo representa, este foi considerado [...] o primeiro referencial em relação a como analisar e avaliar um currículo.” (Sacristán, 1998. p. 129) É esta concepção de currículo que assumo nesta pesquisa. Vejo currículo não somente como o conteúdo, ou a metodologia, ou atividades, mas o conjunto de todos estes elementos e a forma como eles interagem e assumindo essa concepção, analiso as grades curriculares, avaliações, livros-texto e de apoio e prática de sala de aula no que tange às referências feitas nas aulas de matemática com relação às disciplinas técnicas da engenharia. As entrevistas servem como complemento aos documentos encontrados sobre o assunto. Procura-se com a análise das grades curriculares do curso de Engenharia Mecânica do Centro Tecnológico da Universidade Federal do Espírito Santo (CT/UFES) identificar as modificações ocorridas e com as entrevistas entender as motivações, porque quando pensamos em currículo pensamos apenas em conhecimento, esquecendo-nos de que o conhecimento que constitui o currículo está inextricavelmente, centralmente, vitalmente envolvido naquilo que somos, naquilo que nos tornamos: na nossa identidade, na nossa subjetividade. (Silva, 2005, p. 15) Esta pesquisa afina-se com este pensamento uma vez que estou interessada na opinião das pessoas, na forma com que os entrevistados lidaram com o currículo com o qual mantiveram contato. Meu interesse vai além do que está nos papéis, passa pelas “marcas” que ficaram a partir da atuação deste currículo na formação da subjetividade dos entrevistados. 1.3 BREVE HISTÓRICO O motivo de restringir a pesquisa ao curso de engenharia mecânica vem do fato de eu ter sido estudante deste curso na UFES na década de 80, o que me torna mais familiarizada com ele. Para entender a criação dos cursos de engenharia mecânica no Brasil e chegar ao Espírito Santo, fui buscar ajuda em Telles (1984, 1993). Iniciei a busca no séc. XVIII com os primórdios, indo até a segunda guerra mundial, analisando como eram os cursos de formação de engenheiros e a matemática estudada nesses cursos. Verifiquei que a engenharia no Brasil iniciou-se antes da própria denominação “engenharia”, sendo esta utilizada pela primeira vez no Brasil em 1705, na carta régia escrita ao Rei de Portugal pelo Governador da Capitania do Rio de Janeiro. Devido aos riscos que o Brasil corria de ter suas terras invadidas pelos franceses, apesar do Tratado das Tordesilhas, os colonizadores portugueses viram- se obrigados a criar mecanismos de controle da terra. Foram criadas então as Capitanias Hereditárias e neste caso, necessário se fazia que fossem construídas as moradias e as fortificações. O foco era a construção de estradas, pontes e fortificações. A partir do séc. XVIII surgiram cursos nas capitanias mais importantes, como a Aula de Fortificação ministrada pelo Capitão Gregório Gomes Henriques, em Salvador, em 1710, e a Aula de Geometria em 1770, no Convento de São Francisco em São Paulo, ministrada pelo Governador da Capitania. Note-se aqui, um fato curioso, que se repetiu ao longo da história da engenharia e do seu ensino no Brasil: os “professores” das aulas de matemática/engenharia eram muitas vezes os próprios governadores das Capitanias, militares ou padres jesuítas, o que reforça a idéia de que havia necessidade de preservação do patrimônio. Em 1792, no Rio de Janeiro, na então denominada Real Academia de Artilharia, Fortificação e Desenho, havia um Curso Matemático com duração de seis anos, pois os militares necessitavam dos conhecimentos matemáticos para as construções, desenhos e confecção dos mapas do território brasileiro. Enquanto isso, em Paris, em 1794, nascia a École Politechnique, fundada no período ainda da Revolução Francesa. Era altamente tecnocrata (Belhoste, 2003) e responsável por formar a elite de engenheiros para serem os dirigentes intelectuais das atividades principais na França, fossem elas técnicas, industriais ou materiais. Esta escola serviu de modelo para inúmeras escolas de engenharia em todo o mundo, inclusive das brasileiras. Lá a matemática, ministrada por matemáticos, era o pilar dos estudos, mais no que se refere às suas aplicações, do que à análise. Sua utilidade se justificava principalmente para os serviços de Marinha, Artilharia e Fortificação, o que confere alta aderência às necessidades do início da engenharia no Brasil (Telles, 1984, 2003). Os avanços culturais ocorridos na Europa não se refletiram imediatamente no Brasil. A primeira Escola Politécnica brasileira, com este nome, foi criada no Rio de Janeiro em 1874; em 1810 ela chamava-se Academia Real Militar e posteriormente foi desmembrada em Escola Central e Escola Militar. A Academia era responsável pela formação dos militares, formação esta voltada para a defesa do território e construção de estradas, pontes e fortificações. Esta escola sofreu várias reformas e trocas de nomes, como Academia Imperial Militar em 1823, Academia Militar e de Marinha, em 1831, Escola Central em 1858, e Escola Politécnica em 1874. No séc. XIX, o Brasil já “produzia” professores para os cursos de engenharia, pois alguns alunos dos primeiros cursos foram estudar na Europa e retornaram para ministrar as aulas, como Joaquim Gomes de Souza e André Rebouças. Aqui no Brasil, diferente da Europa, os professores que ministravam as aulas de matemática eram engenheiros. Na Europa, os matemáticos-engenheiros é que ministravam as aulas.1.3.1 Livros utilizados nos cursos de Engenharia no Brasil Colônia Nos séculos XVIII e XIX conforme Telles (1984) a predominância era de livros franceses. Destaco aqui alguns livros utilizados nos cursos de formação, notadamente aqueles de matemática: Os livros de Bernard Forest de Bélidor foram usados em Geometria Prática em 1793. Bélidor publicou vários livros entre os quais, Nouveau cours de mathématiques (Paris, 1725) e La science des ingénieurs dans la conduite des travaux des fortifications et des bâtiments civils (1729-1734). Ainda em 1793, encontramos os livros de Étienne Bézout. Bézout escreveu algumas obras como, por exemplo, Cours de mathématiques à l'usage de l'artillerie, Cours de mathématiques à l'usage de la marine, e Théorie générale des équations algébriques (Paris, 1779), que tiveram muita repercussão no ensino francês. Já no fim do século XVIII, início do século XIX, aparecem os livros de Sylvestre François Lacroix , que publicou Traité élémentaire de calcul differéntiel et du calcul integral (1802), Traité élémentaire d'arithmétique (1797), Traité élémentaire de trigonométrie (1798), Elémens de géométrie (1799), e Complément des élémens d'algèbre (1800). Estes livros foram muito usados na Real Academia Militar do Rio de Janeiro no início do século XIX, tanto na versão francesa quanto em traduções para o português. Ainda neste período aparecem os livros de Adrien-Marie Legendre, como Eléments de Géometrie, traduzido para o português. No século XIX, temos Jean-Baptiste-Joseph Delambre com o livro Système Métrique Décimal (Paris, 1810) e Gaspard Monge com Géométrie Descriptive (Paris, 1811). 1.3.2 A República No final do século XIX, alguns fatores, tais como a libertação dos escravos, a proclamação da República, a conseqüente descentralização político-administrativa e ainda o aumento do custo da agricultura causando mudanças na mentalidade brasileira, provocam o início da atividade industrial brasileira. Outro fator motivador foi o barateamento do ferro e do aço na Europa e Estados Unidos. Houve então, um movimento de criação de indústrias e em 1889 existiam 636 empresas industriais com 54.000 operários, para uma população de 14.333.915 habitantes no Brasil7 . Aos poucos a força de tração animal foi sendo substituída pelas máquinas a vapor. A expansão da indústria foi significativa neste início de século e em 1901, somente São Paulo já contava com 170 fábricas, mas poucas eram nesta época as indústrias mecânicas e metalúrgicas. E menos ainda as que empregavam engenheiros. Uma que podemos citar é a Companhia Mecânica e Importadora (SP), que possuía oficinas de fundição, mecânica, ferraria e carpintaria, a qual empregava quatro engenheiros. 1.3.3 As Escolas de Engenharia no Brasil O movimento industrial provocou a expansão das escolas de engenharia. Destaco algumas e sua relação com a mecânica, objeto de nosso estudo: Escola Politécnica do Rio de Janeiro, criada em 1874 – nesta escola foi criado o primeiro curso de Engenharia Mecânica no Rio de Janeiro em 1896. Com a reforma imposta pela Lei Rivadávia Corrêa em 1911, o curso passou a denominar-se Engenharia Mecânica-Eletricista. Escola Politécnica de São Paulo, criada em 1893 – esta escola não seguia o modelo da escola francesa, como algumas criadas anteriormente. Antes, seguia o modelo da Escola Politécnica de Zurich, onde estudou o prof. Paula Souza8, primeiro diretor da escola. Desde a sua criação, já possuía o curso de “artes mecânicas” com três anos de duração. O laboratório de Resistência dos Materiais, embrião do Instituto de Pesquisas Tecnológicas, teve importância fundamental no desenvolvimento da engenharia do Brasil, pois ali houve grande desenvolvimento das atividades de engenharia mecânica no Brasil. Existem registros do ensino do 7 Dados de 1890 segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, disponível em <http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/censohistorico/1872_1920.shtm > acesso em abril/2008. 8 Paulista de Itú, ele foi o fundador e primeiro diretor da Escola Politécnica de São Paulo. Estudou na Alemanha e retornou ao Brasil, contribuindo enormemente para a Engenharia. concreto armado em 1908, material este que causou grande avanço na engenharia nacional. Escola de Engenharia de Pernambuco, criada em 1895. Esta foi a quarta escola de engenharia a ser fundada no Brasil. Em 1919, criou o curso de engenheiros mecânicos-eletricistas. Escola de Engenharia Mackenzie, criada em 1896. Até 1927 foi ligada à Universidade de New York, que expedia os diplomas. Foi uma das primeiras a introduzir o ensino do concreto armado no Brasil. Instituto Eletrotécnico de Itajubá, criado em 1913. Formava engenheiros mecânicos-eletricistas. Este instituto contratou professores da Bélgica, como Armand Bertholet, Victor Van Helleputte e Arthur Tolbeck. Na seção de inauguração do Instituto, houve um embate entre o Dr. Theodomiro Santiago e o Eng. Paulo de Frontin9. Esta discussão é vista por alguns como um marco na evolução da tecnologia brasileira, por ter sido um confronto entre o aspecto prático do ensino defendido pelo Dr. Theodomiro e o aspecto científico defendido por Frontin. Escola de Engenharia de São Carlos em São Paulo, criada em 1948. Seu currículo de engenharia mecânica serviu de base para o mesmo curso na UFES. Escola de Engenharia Militar (RJ), criada em 1928, hoje denomina-se Instituto Militar de Engenharia. Teve muitos professores estrangeiros, vindos da Áustria, Thecoeslováquia e Estados Unidos. 1.3.4 A Engenharia no Brasil No início do século XX, predominava a engenharia voltada para as estradas de ferro e o urbanismo, as construções feitas com madeira de lei e alvenaria de 9 grande nome da Engenharia no Brasil, considerado Patrono da Engenharia Brasileira e presidente perpétuo do Clube de Engenharia e o Dr. Theodomiro Santiago (fundador do Instituto Eletrotécnico de Itajubá – MG). pedra. Um dos marcos de construção deste período foi o Teatro Municipal do Rio de Janeiro, concluído em 1909. O número de engenheiros especialistas ainda era pequeno nesta época. O de engenheiros nacionais era ainda menor, pois com a imigração, as indústrias contratavam os técnicos estrangeiros. A formação de mão de obra também era deficiente, sendo deixada em sua maioria a cargo das indústrias. Com a expansão da borracha na Amazônia e o café em várias partes do país, foram construídos vários portos no Brasil. Neste tipo de construção, houve grande aumento da participação dos engenheiros brasileiros, fato que coincide com a utilização em larga escala do concreto armado. A utilização do concreto armado no Brasil provocou de início muita desconfiança por parte dos mestres de obra e também dos engenheiros. Posteriormente, passou a ser utilizado em quase todas as obras. Os cálculos inicialmente não eram feitos no Brasil, pois quase nenhum engenheiro possuía conhecimento necessário para realizá-los. Uma das “escolas” onde se formaram vários engenheiros foi a firma Wayss & Freytag, com o escritório de projeto e cálculo fundado pelo Eng. Emílio Henrique Baumgart10. O uso do concreto causou a valorização do engenheiro e do ensino de engenharia, pois exigia certa complexidade de cálculos matemáticos. Marco na nossa engenharia, a criação da siderúrgica Belgo-Mineira, que se deu em 1918, quando a Companhia Siderúrgica Mineira, foi absorvida pela firma belgo-luxemburguesa ARBED (Aciéries Réunies Burbach-Eich-Dudelange).