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Unidade II PENSAMENTO POLÍTICO MODERNO Profa. Neusa Meirelles Os fundamentos econômicos e políticos do pensamento liberal burguês Há dois sentidos básicos para liberal: o econômico, designando o modelo clássico da economia de mercado, caracterizado pela lei da oferta e da demanda, descrita por Adam Smith no século XVIII, na Escócia. Os agentes econômicos interagindo livremente no mercado instauram concorrência que equilibra os preços. Essa versão clássica da palavra liberal remete a uma economia livre de interferências, sobretudo do governo. Ao mencionar interferência de governo, a palavra liberal desliza de seu significado estritamente econômico para o difuso campo dos conceitos políticos. Liberal, neoliberal, pós-neoliberal Deve-se ter claro que o modelo de mercado que inspirou a economia clássica não existe mais: há muito a economia capitalista é gerida por agentes corporativos, preços administrados, não obstante continuar capitalista. O Estado interfere na economia como suporte das atividades econômicas, mesmo que o governo se intitule liberal. Na dinâmica econômica neoliberal dos anos 90, movida pelo capital financeiro e pela tecnologia de gestão, foram exigidas estratégias governativas adequadas, referidas como sendo “política neoliberal”. Seguiu-se uma fase de adaptações e a definição de novas estratégias políticas, caracterizando a tendência contemporânea, denominada por política “pós-neoliberal”. Pensamento liberal burguês O pensamento liberal burguês abrange um conjunto diversificado de ideias que dizem respeito à dimensão econômica das políticas dos Estados Nacionais, para as quais, a burguesia não somente forneceu recursos de sustentação, como participou de sua elaboração. Há variantes desse processo na história dos estados europeus e, por conseguinte, na história das colônias desses estados. Na medida em que a burguesia se constituiu como classe social, sua atuação política se fez no âmbito da sociedade civil, instância a que ela mesma deu origem, mas essa formação nas colônias foi diversa. A ordem social burguesa Na ordem burguesa capitalista, a terra passa a integrar o conjunto de bens passíveis de negociação no mercado, adquirindo outro sentido: além de ser um bem familiar (herança), ela possui valor associado ao seu potencial de exploração produtiva. O proprietário da terra deixa de exercer dominação sobre as pessoas que nela habitavam e produziam, dividindo com ele o produto, as relações passam a contratuais remuneradas, e regidas por legislação específica, inclusive fiscal. Outra situação acontece, mesmo na economia capitalista, quando são restritas as possibilidade de acesso à terra, como se passou no Brasil, nos seringais, engenhos e mesmo em fazendas modernas. Quais as bases do pensamento burguês? Iluminismo, cuja origem se encontra no Renascimento, (expansão mercantil, ascensão da burguesia e consolidação dos estados nacionais), compreendendo: o iluminismo francês, cujas raízes mais profundas se vão encontrar no racionalismo cartesiano, presente nos enciclopedistas (Diderot, Rousseau, Voltaire, Montesquieu, e outros); o iluminismo escocês, cujas raízes mais profundas se encontram em Bacon e Newton, Adam Smith, John Locke e David Hume. Os dois movimentos mantêm estreita relação, emergindo em meio às mudanças sociais em processo, tanto no Reino Unido quanto na França. Estado e Governo: Locke (1632-1704) o filósofo da revolução inglesa, pai do pensamento liberal Filósofo empirista, individualista, conservador, Locke é, filósofo da classe privilegiada, da burguesia que assumira o controle da política por meio do Parlamento. Autor de obras fundamentais em política, ambas de 1690: “O Ensaio sobre o Entendimento Humano”, em filosofia, e “Dois Tratados sobre o Governo Civil”. Concebe o ser humano como racional, em busca da felicidade, alcançada com a paz, harmonia e segurança; no estado original, ou estado da natureza, não havia o contrato social nem o estado civil, contudo, já havia a propriedade. Locke concebe esse estado da natureza como um momento pelo qual passou toda a sociedade humana e admite que alguns povos ainda estejam nele. Por que o contrato social e a passagem para o estado civil, se o estado natural é pacífico? Contrato: a propriedade de uma parte da terra e comércio da produção acarretam aumento de riqueza de uns em detrimento de outros, acentuando diferenças e lutas entre os mais ricos e os demais. O contrato social foi o meio racional de resolver essa situação, mas, com ele, aquele grupo sai do estado natural para se constituir como estado civil ou, mais precisamente, como uma sociedade política. O estado civil preserva os direitos já existentes no estado natural (liberdade, vida e propriedade) e institui princípios normativos (leis, juízes) que não somente resguardam os direitos como obrigam seu cumprimento e obediência. O corpo governativo É a segunda etapa no processo de constituição da sociedade civil, ele deve ser eleito por uma maioria, mas respeitando o direito da minoria. Em sequência, dá-se a constituição de um Poder Legislativo. A sociedade civil ou sociedade política não é uma abstração teórica, mas resulta de uma trajetória constitutiva em que se firmam os vínculos sociais em um “corpo político” (expressão usual em Locke) constituído por homens racionais, proprietários de seu trabalho, riquezas e liberdade. A liberdade natural implica direitos individuais e, por extensão, no reconhecimento dos direitos dos demais homens, criando vínculos imperativos, obrigatoriedades que se formam ao longo dessa convivência ou sociabilidade. O estado de natureza, em Locke, é distinto do concebido por Hobbes e por Rousseau Na medida em que todos detêm liberdade, todos são racionais e todos buscam a felicidade, a sociedade se forma em uma teia de relações em que todos têm obrigações para com os demais. No estado natural, os homens não são perfeitos, eles têm interesses, fraquezas, desejos e necessidades, buscam a felicidade, mas são racionais, exercendo a liberdade de seus direitos com consciência, como o direito à propriedade. A começar pela propriedade de si, da terra e das riquezas produzidas pelo trabalho (mas não do trabalho expropriado de outro homem). Esses direitos são preservados no estado civil, assegurados por lei e juízes aptos a obrigar sua aplicação e a sentenciar os casos de desobediência. Corpo político e a vontade geral Cabe ao corpo político, cuja força resulta da união de todos, expressar uma vontade ou a vontade geral, que se constituiu por um pacto, o governo civil e nele o Poder Legislativo. Aqueles que vão exercer esse governo o fazem por “delegação” de todos, com a finalidade de assegurar o bem-estar de todos e a propriedade, por meio de leis e da política. A escravidão é uma face da guerra e desarticula a sociabilidade humana ou a humanidade, mas Locke foi acionista de uma companhia de comércio inglesa cuja principal atividade era o comércio de escravos. Interatividade Qual das proposições abaixo sobre estado de natureza em Hobbes e Locke está correta? a) Em Locke, o estado de natureza corresponde ao bom selvagem, à inocência gentil, feliz como no paraíso. b) Só em Hobbes o estado de natureza antecede a ideia de normatização jurídica. c) Em Hobbes, o estado de natureza é irracional, porque o homem é irracional, movido apenas pela paixão. d) As duas concepçõessão radicalmente distintas, não há termo de comparação possível. e) As duas concepções se aproximam porque referidas a um mesmo conceito, mas diferem na concepção de homem. Locke, consentimento e representação Enquanto o consentimento submete a todos às leis e normas autorizadas, a representação institui (pela presença daquele indivíduo que está ausente) a maioria ou a vontade geral. Na verdade, a representação implica em autorização para que alguém legisle, tome decisões em nome do outro. Nesse sentido, os representantes têm seu tempo limitado (duração de mandato), mas eles não falam em nome dos indivíduos que os escolheram e sim se submetem à maioria, admitindo que ela seja a expressão da “vontade geral” ou “do povo”. O Poder Legislativo Na medida em que o Legislativo faz as leis necessárias para atingir as finalidades, ele é o maior poder no Estado; quanto ao Executivo, confiado ao príncipe, tem por finalidade zelar pela segurança e bem-estar de todos. O Poder Legislativo é limitado pelos direitos naturais, portanto, o poder político deve ser justo, ou seja, moral. Locke introduz o direito de resistência ao poder, ou o direito dos governados se insurgirem, porém, não se trata de reconhecer as aspirações populares, mas de defender ou restaurar a ordem estabelecida. O povo É dotado de razão e instaurado como mandatário da lei natural e como regulador moral das relações entre governantes e governados. O pensamento liberal de Locke influenciou decisivamente autores como Montesquieu e Rousseau, embora suas concepções possam apresentar diferenças significativas em relação a esses autores. Além disso, influenciou decididamente as lutas da independência americana. Na leitura da Declaração de Direitos Universais é possível perceber a influência das posições de Locke ou do liberalismo em vários dos direitos apontados, às vezes diretamente. Outras vezes, as posições do inglês aparecem mescladas às de Rousseau. No rastro do pensamento de Locke, a Revolução Americana Além do pensamento de Locke, que ofereceu elementos teóricos importantes para a Constituição Inglesa, as ideias francesas e a maçonaria constituíram apoio fundamental para as negociações. A revolução acenava com a possibilidade de ampliação dos negócios para o capital europeu sem a incômoda mediação da Inglaterra e não se tratava de uma revolução contra a ordem burguesa estabelecida, mas de uma revolução para instituir a ordem burguesa em uma região de enorme potencial. A figura exemplar da Revolução Americana foi o “bom burguês” Benjamim Franklin, um articulador do que se mostrava útil para os interesses que representava e para os interesses de quem o ouvia. Franklin e Paine, Utilitarismo e Senso Comum Sem que as conversações pudessem ser consideradas negociações, era a isso que resultavam os “pontos em comum”, habilmente identificados por Franklin. Na verdade, o Utilitarismo americano incorpora o pragmatismo, postura central à política burguesa. Outro arquiteto da revolução foi Thomas Paine. Mais inflamado e teórico do que Franklin, publicou um panfleto, “Senso Comum”, no qual advogava a república e criticava a monarquia inglesa. Na verdade, trata-se de um compromisso entre interesses contraditórios, entre os grandes proprietários de lavouras no sul e os industriais e manufaturas do norte, entre os pequenos estados e os grandes. Federalistas Das contradições forma-se o “movimento” federalista, na verdade, artigos publicados e assinados por Publios, um pseudônimo para Hamilton, Madison e Jay. O debate reside na necessidade ou não de um governo forte e centralizador para as treze colônias. Nos artigos, duas filosofias apareciam, em certo sentido, articuladas: Locke e Montesquieu. Contudo, as negociações acabaram por conduzir a um modelo de compromisso, tendo ao centro um governo que coordena interesses contraditórios em nome do bem-estar comum. O contrato social francês, cidadania e revolução: de Rousseau a Tocqueville Os dois autores estão situados em um período dos mais significativos na história: a Revolução Francesa e a Revolução Americana. Rousseau deixou sua obra para a Revolução Francesa, embora não fosse o único, enquanto Tocqueville viaja da França, reconduzida a uma monarquia, para analisar a sociedade que emergiu da outra Revolução, a Americana. Condorcet: Marie-Jean Antoine Nicolas Caritat, Marquês de Condorcet (1743-1794). Por que ele? Porque fez uma espécie de síntese do pensamento do período, da paixão de Rousseau, do racionalismo crítico de Voltaire e contou com a admiração de D’Alembert, portanto, dos enciclopedistas, mas também sistematiza o Utilitarismo que se forma a partir dos enciclopedistas. O que é o Terceiro Estado? Perguntou um padre, Sieyès, bispo de Chartres Seu texto sobre o Terceiro Estado tem efeito explosivo, é uma crítica radical aos privilégios. Para ele, a soberania da nação supera a soberania do Estado, associada à pessoa do rei. Em sua análise, ele constrói a Nação pela lei, princípio formal (Juridicismo) e pelo Racionalismo, porque não se ocupa da história, a razão aparece como suporte necessário e suficiente para suas conclusões; pelo Utilitarismo, porque focaliza o Terceiro Estado e os demais sob o foco da serventia de cada estrato para a nação; pelo Individualismo, porque admite que a nação seja a reunião de indivíduos e vontades individuais. Jean-Jacques Rousseau (1712-1778) Personalidade complexa, irascível, mas apaixonado; há diferenças irreconciliáveis entre as posições de Rousseau e as dos demais integrantes do “enciclopedismo”: Ele não parte de uma razão sofisticada e da filosofia para entender e discutir o mundo, mas da consciência do homem comum, simples e inocente. Para ele, o homem fino e educado representava uma forma pervertida do humano; ao contrário, no homem simples, os sentimentos e as emoções são mais puros e permitem uma vida mais harmoniosa. Essa “natureza do homem”, presente no estado natural de pura inocência é desarticulada quando a propriedade privada introduz desigualdades nessa harmonia. Estado natural de inocência, liberdade e igualdade Rousseau considera a inteligência perigosa, porque instala a dúvida, destruindo a veneração, papel semelhante ao da ciência e da razão. Duas obras de Rousseau são fundamentais para a compreensão de sua teoria política: o “Contrato Social” e o “Discurso sobre a Origem e os Fundamentos da Desigualdade entre os Homens”. Na verdade, o Discurso antecede o Contrato, conforme ele mesmo afirma. A questão de base no discurso consiste em: o que é o homem verdadeiramente natural? A resposta surpreende: praticamente um animal, que não conhece a liberdade nem a escravidão; não conhece a propriedade nem a miséria; não é infeliz, mas também não é feliz. A construção do contrato social Para Rousseau, o contrato não se estabelece só pela razão, mas pelo sentimento ou sensibilidade recíproca, que permite a realização de um pacto social. Essa idealização dos sentimentos morais encantou tanto a Kant... Desse modo, todo conjunto de indivíduos (comunidade) goza de uma identidade coletiva, constituindo não uma racionalidade, mas o sentimento de um “eu comum”. Em face desse “comum partilhado”, cada indivíduo participante está em igualdade com os demais, o que lhes permite realizar o pacto legitimado pela própria vontade de todos ou pela vontade geral. Vontade geral em Lockee Rousseau A expressão “vontade geral” também aparece em Locke, convém apontar a diferença, por assim dizer, profunda, de significado: em Locke já existe uma sociedade política que expressa a vontade de todos, ou melhor, da maioria, respeitados os direitos das minorias; em Rousseau, a vontade geral emerge de uma situação de igualdade natural entre os integrantes do grupo ou da comunidade, a vontade geral, nesse sentido, é uma instância agregadora, um corpo coletivo. Rousseau e a soberania do povo Ela é inalienável, indivisível e infalível porque expressa a vontade geral, portanto, a frase “soberania do povo” remete à base do governo, ao povo, um corpo político, enquanto o governo é mais um órgão administrativo. A frase remete à constituição de um Poder Legislativo e de leis que controlem as vontades individuais, implicando a distribuição de papéis (e de poderes específicos), ou seja, a instalação de um corpo político permanente ao qual Rousseau caracteriza como governo. O corpo intermediário é constituído de magistrados e pode tomar formas distintas em torno das três principais, democracia, aristocracia e monarquia, mas ele preferia a aristocracia. Interatividade Qual dessas proposições sobre o pensamento de Rousseau não está correta? a) A construção do contrato social se dá por um ato de razão, permitindo a elaboração de um pacto social. b) Todo conjunto de indivíduos que goza de uma identidade coletiva, partilha o sentimento de um “eu comum”. c) Cada indivíduo participante de uma coletividade está em igualdade com os demais. d) A expressão “soberania do povo” remete à base do governo, ao povo como um corpo político. e) Ao pacto legitimado pela própria vontade de todos, denomina-se vontade geral, uma instância agregadora, um corpo coletivo. Montesquieu (1689-1755) Em Montesquieu, duas forças se contrapõem no ambiente político: a nobreza, centrada no rei, e o povo, ou seja, a burguesia, já que, para ele, o “baixo povo” não tem condições de participação, mas, sem dúvida que a reflexão de Montesquieu é contemporânea, dada a presença de dispositivos institucionais que asseguram a participação sem comprometer a estabilidade. Ele investigou o funcionamento dos regimes políticos ao longo da história sob uma ótica racionalista, cartesiana e positivista. Sua linha de investigação era dirigida a buscar as causas explicativas dos fatos, das leis positivas, para explicá-las à luz de fatores sociais e históricos. As leis que presidem a política Montesquieu conceitua lei como “relações que derivam da natureza das coisas”, desse modo, deveria haver leis que explicassem a diversidade de formas de governo, de situações políticas e de Estados. Mas leis que regem relações políticas têm fundamento e origem em situações sociais e históricas. Essas leis não são necessariamente racionais se examinadas à luz de uma razão investigativa, porque elas são práticas cristalizadas, escritas, dizem respeito às instituições e existem para reger o comportamento dos homens em relação aos homens, em instituições e situações. O espírito das leis Ao colocar seu objetivo em esclarecer o “espírito das leis”, Montesquieu vai buscar esclarecer a presença de condições ou “coisas” que expliquem o aparecimento das leis positivas e sua transformação. Essas “coisas” são, grosso modo, fatores sociais, ambientais, geográficos, clima, religião, as leis, as máximas de governo, os exemplos das coisas passadas, os meios e as maneiras de onde se forma um espírito geral resultante. Portanto, a dinâmica de poder em uma sociedade remete às formas de governo, não às instituições, mas ao seu funcionamento, logo, é fundamental esclarecer quem detém o poder e como ele está dividido. Montesquieu e formas de governo Ele chega a três formas de governo: na monarquia, um só governa, mas as instituições e leis estabelecem como esse governo deve ser exercido; na república, quem governa é o povo, mas o povo não tem condições de exercer o poder na continuidade da escolha, pois falta-lhe a racionalidade necessária, logo, será necessário identificar como se dão as divisões de classe para estabelecer qual a fonte de poder; o despotismo não consiste propriamente em uma forma de governo, uma vez que quem exerce o poder é uma só pessoa, ao sabor de sua vontade e desígnio. Traço constitutivo de um governo e seu caráter político: o espírito da lei Na monarquia, há o governo constitucional de um monarca, sendo a ambição e a avareza os traços negativos da monarquia (daí a necessidade de corpos intermediários). Na democracia, o governo do povo é exercido indiretamente, por isso, o amor à igualdade e à simplicidade seriam os traços da república. O despotismo, o traço negativo, caracterizado pelo poder arbitrário de um indivíduo, mas não há uma melhor forma de governo, visto que fatores vários intervêm: o tamanho do estado, a economia, o clima e a geografia (esses considerados hoje a manifestação mais clara de eurocentrismo, ou seja, do preconceito europeu em relação às demais áreas do planeta). Montesquieu, alguns aspectos gerais de seu pensamento Ele estava preocupado com o risco do despotismo e quase como recurso preventivo recomenda a separação dos poderes, não exatamente nos termos atuais, mas uma divisão de poder para não concentrá-lo nas mesmas mãos. Propõe os corpos intermediários, que seriam os parlamentos e a nobreza, que atuariam como contrapesos ao poder Executivo, uma proposta que decorre de sua idealização do sistema inglês, de viés aristocrático e sua moral burguesa. A moderação de Montesquieu é conservadora e elitista, não concebe a participação política de todos, não reconhece no “baixo povo” condição para tanto, mas cabe ao Estado assegurar a esse contingente condições adequadas de sobrevivência por meio de instituições públicas. Alexis Tocqueville (1805-1859): Democracia na América, em 1835 Um jovem de ascendência nobre, educado, que rapidamente se tornara juiz e mais rápido ainda sentiu ameaça por parte da política do governo de Luis Felipe. Ele e seu amigo Baumont, também advogado, conseguiram, por influências familiares, uma providencial viagem de estudos aos EUA a pretexto de estudar o sistema prisional norte-americano. A viagem durou oito meses e foi financiada pelo Ministério do Interior, da França. Alexis concentrou seus estudos na dimensão política, Baumont, na situação dos negros na América. Assegurar a democracia seria um caminho acessível a todos os povos? Quais características teriam os países que caminharam nessa direção? Como assegurar a liberdade e a igualdade dentro da ordem ou no Estado? Essas são as questões discutidas na obra de Alexis Tocqueville, porém, ele fala de defesa da liberdade, mas não apenas da liberdade econômica (essa discutida em Locke), mas da liberdade política, de manifestação, portanto, associada à representação política (uma preocupação em Rousseau). O balanço entre liberdade e igualdade constitui um tema fundamental em Tocqueville e, por consequência, a compreensão das finalidades e funções do Estado (liberal) democrático. Para Tocqueville, a democracia é uma lei universal Todos os povos e países seguirão por esse caminho inelutável, mas cada um ao seu modo, não existindo uma “democracia imposta” para um povo, ou por um Estado para o outro. Esse aspecto traz o que pensar sobre a política de “democratização do OrienteMédio”, adotada hoje pelos EUA. Quando a esfera pública passa a ser comandada pelo Estado e não pelo “público” e o Estado acaba por intervir na esfera privada, há um risco para a democracia, na medida em que implica restrição à liberdade. A democracia não pode ser concebida como “governo da maioria” quando não respeita os direitos das minorias. Quanto à relação economia e democracia Embora um liberal, Tocqueville via riscos no liberalismo. O individualismo e a concorrência, implícitos na economia de mercado, tenderiam a levar os cidadãos a uma postura individualista, deixando as preocupações políticas a cargo do Estado. Além disso, na economia capitalista, a livre iniciativa, que conduz ao enriquecimento de poucos, mantém muitos na pobreza, amplia a diferença entre ricos e pobres e consequentemente compromete a ideia de igualdade, ou seja, a própria ideia de democracia. Por consequência, a sociedade de massas não seria democrática, mas estaria muito próxima do modelo de uma sociedade autoritária ou de uma “tirania democrática”. Qual a conclusão a que chega Tocqueville, considerando esses riscos da democracia? Democracia é um processo, portanto, repousa na atividade política dos cidadãos e não na ação de um governo onisciente. A soberania popular se torna eixo da dinâmica democrática quando articulada em associações que deveriam ser respeitadas e resguardadas pelo Direito, sendo uma prevenção contra a “onipotência da maioria”. Não basta dizer que o povo é ignorante se não há um processo de formação democrática ou dizer que ele não sabe participar da política ou da democracia se não há formação de costumes democráticos; é preciso dar condições para que o povo possa participar e exercer a democracia em igualdade com os demais agentes (atores) do jogo político. Quais as conclusões de Tocqueville sobre o Estado? As finalidades do Estado seriam: assegurar a segurança dos cidadãos (interna e externa) e a soberania, preservando o território; garantir educação e saúde (essa finalidade foi acrescida posteriormente). A finalidade do Estado democrático de assegurar igualdade e liberdade aos cidadãos fica estabelecida, a partir da lei, como princípio normativo. No entanto, a igualdade não é a encontrável nas condições concretas da existência social, em que pese ser a existência social a garantia da democracia. Lembrando que quando Tocqueville fala da Democracia, a América era escravagista. Ele, crítico da escravidão, considerava importante manter as colônias francesas. O Estado É preciso, então, pensar o Estado como construção (construto teórico) e locus de exercício de poder, que reflete os interesses hegemônicos naquela sociedade e naquele momento histórico. Logo, as características dessa construção refletem “quem” a construiu: a burguesia, na formação do capitalismo manufatureiro e industrial. Todavia, os interesses da burguesia não são os mesmos: eles divergem, por exemplo, entre urbana e rural, industrial, comercial e financeira. A lei, o direito, mais precisamente a Constituição, é a garantia maior desses interesses e a garantia da burguesia contra os privilégios da nobreza e mesmo do clero, categorias cujo poder foi superado pela história. Como responder às mudanças? A sociedade formada no capitalismo industrial passou por mudanças profundas na economia e na tecnologia ao longo dos séculos XVIII e XIX, mas, no plano político, uma questão que permaneceu sendo discutida consistiu na configuração teórica e política de um modelo de estado adequado ou consistente com as mudanças sociais e econômicas emergentes, compreendendo dois aspectos principais: a configuração do governo e sua dinâmica e as relações, sobretudo econômicas, entre estados ou entre “nações”. Na base dessas discussões encontrava-se a preocupação das elites com a preservação da ordem. Interatividade Qual das proposições abaixo sobre o pensamento de Tocqueville está equivocada? a) Todos os povos e países seguirão para a democracia, mas não é possível impor a democracia para um povo ou país. b) Quando a esfera pública passa a ser comandada pelo Estado e não pelo “público” há um risco para a democracia. c) A democracia não pode ser concebida como “governo da maioria” quando não respeita os direitos das minorias. d) A sociedade de massas seria uma sociedade democrática ou muito próxima desse modelo. e) Economia capitalista conduz ao enriquecimento de poucos, compromete a ideia de igualdade, a ideia de democracia. O conservadorismo: Edmund Burke (1729-1797) Um irlandês culto, advogado e parlamentar, homem do partido político Whig, é considerado um dos fundadores do conservadorismo, tendência que se expande pela Europa após a Revolução Francesa, em paralelo a tendências que a elogiavam, vendo mesmo na experiência francesa um modelo para outros países. Burke foi um crítico sistemático e violento da Revolução Francesa, mas se engana aquele que suponha em suas palavras apenas um conservadorismo oportunista, “de palanque”. Suas ideias não eram desprovidas de suporte filosófico teórico coerente, embora ele não fosse partidário das especulações filosóficas e teóricas como suporte da ação política. Mas, então, qual a base de suas críticas? O questionamento de Hume Para ele, as convenções apenas parecem verdadeiras, porque são úteis, fundamentam regras, mas elas se apoiam mais na imaginação do que na razão, portanto, a obediência ao soberano, no passado, se apoiava no consentimento em interesses em comum e não em verdades racionais imutáveis. Essa tendência de pensamento sofre o impacto da Revolução Francesa leva ao idealismo kantiano e ao idealismo dialético de Hegel, porque ambos os sistemas recuperam a tradição e o costume. Essa revivescência da tradição cultural e da história serve a Burke em seu apelo persistente pela tradição. David Hume e Edmund Burke, afinidades insuspeitadas Um filósofo escocês, David Hume, de pensamento claro, frio e levemente sardônico e Burke, o apaixonado e imaginativo parlamentar irlandês. Os dois concebem a sociedade como artificial, resultante de convenções e mesmo de preconceitos. Contudo, o arranjo que se entende por tradições de uma nação tem uma utilidade que ultrapassa a convivência harmônica ou a crença em direitos autoevidentes. Na verdade, a tradição (as convenções) é o repositório da história, da religião, da moralidade e da própria razão. Facetas do pensamento de Burke Para ele, a tradição (as convenções) é o repositório da história, da religião, moralidade e da própria razão, por isso, a tradição tem uma utilidade que ultrapassa a crença de direitos autoevidentes, porque esse sentimento de comunidade, de partilhar de uma história idealizada em comum, substitui o culto ao indivíduo. Assim, a sociedade constrói, na história, o conjunto de convenções sociais que expressa valores morais, expectativas, padrões de sociabilidade, portanto, direitos e deveres que resultam ser a natureza da sociedade, consequentemente, os homens são sociais. Burke, crítico da Revolução Francesa Como crítico da Revolução, Burke alerta para o poder das ideias filosóficas teóricas, como a igualdade, os direitos do homem e a soberania popular da democracia abstrata, a maioria numérica. A crítica se apoia no valor da tradição cultural que os franceses revolucionários pareciam ignorar. Para o filósofo escocês, a sociedade natural não se fundamenta noprincípio da igualdade, mas na desigualdade, assim como a propriedade. Admitir a igualdade, como afirma Burke, seria “uma monstruosa ficção”. Evidentemente que a biodiversidade confirma a posição de Burke, porém... A natureza tem por fundamento a igualdade? o argumento de Burke não se baseava nesse aspecto e sim no respeito, ao sistema britânico, à articulação e acomodação entre normas e práticas consuetudinárias e à história das relações entre estado e sociedade na Inglaterra. Outro aspecto importante nessa referência reside na associação entre Estado e religião, que marcou a tradição política do Estado na Inglaterra. Burke parlamentar Como parlamentar, os temas tratados foram a natureza da constituição, representação parlamentar e valor dos partidos. A contribuição de Burke, como homem de partido, talvez seja mais significativa para a teoria política que seu debate sobre os efeitos da Revolução Francesa. Ele caracteriza partido político pelo esforço conjunto de seus integrantes, baseados em princípios de mútuo acordo, voltados para a promoção do interesse nacional. Burke parlamentar Burke defendeu as liberdades conquistadas pelos britânicos e sabendo da necessidade de reformas, alertava o Parlamento para que elas fossem conduzidas como aperfeiçoamentos e não como na França, com o furor de ideias vazias e o terror do sangue. Para ele, homem e sociedade são criações divinas, portanto, o Estado, criação humana, deve ter sustentação ou suporte religioso, o que se reflete na dimensão de sagrado que ele reconhecia no Estado e no exercício das funções públicas. Burke tem inspirado o pensamento conservador nas suas variantes britânicas e nos EUA. Interatividade Sabe-se que Burke se valeu do pensamento de David Hume para fundamentar seu próprio pensamento. Mas, quais pontos de convergência existiriam entre o pensamento de um filósofo e o de um parlamentar liberal? Aponte a alternativa correta dentre as abaixo indicadas: a) Ambos eram iluministas empiristas. b) Burke empresta sentido pragmático ao pensamento teórico. c) Para ambos, a sociedade é artificial, uma criação social humana, fundamentada em convenções com sentido pragmático. d) O racionalismo constituiu o elo de ligação entre os dois. e) Não possuem nada em comum, mas ambos eram irlandeses. ATÉ A PRÓXIMA! Untitled
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