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Pensamento Político Moderno - Slides de Aula - Unidade II

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Unidade II 
 
 
PENSAMENTO POLÍTICO MODERNO 
 
 
Profa. Neusa Meirelles 
Os fundamentos econômicos e políticos do 
pensamento liberal burguês 
 Há dois sentidos básicos para liberal: o econômico, 
designando o modelo clássico da economia de mercado, 
caracterizado pela lei da oferta e da demanda, descrita por 
Adam Smith no século XVIII, na Escócia. Os agentes 
econômicos interagindo livremente no mercado instauram 
concorrência que equilibra os preços. 
 Essa versão clássica da palavra liberal remete a uma economia 
livre de interferências, sobretudo do governo. Ao mencionar 
interferência de governo, a palavra liberal desliza de seu 
significado estritamente econômico para o difuso campo dos 
conceitos políticos. 
 
Liberal, neoliberal, pós-neoliberal 
 Deve-se ter claro que o modelo de mercado que inspirou a 
economia clássica não existe mais: há muito a economia 
capitalista é gerida por agentes corporativos, preços 
administrados, não obstante continuar capitalista. O Estado 
interfere na economia como suporte das atividades 
econômicas, mesmo que o governo se intitule liberal. 
 Na dinâmica econômica neoliberal dos anos 90, movida 
pelo capital financeiro e pela tecnologia de gestão, foram 
exigidas estratégias governativas adequadas, referidas como 
sendo “política neoliberal”. Seguiu-se uma fase de adaptações 
e a definição de novas estratégias políticas, caracterizando a 
tendência contemporânea, denominada por política 
“pós-neoliberal”. 
 
Pensamento liberal burguês 
 O pensamento liberal burguês abrange um conjunto 
diversificado de ideias que dizem respeito à dimensão 
econômica das políticas dos Estados Nacionais, para as 
quais, a burguesia não somente forneceu recursos de 
sustentação, como participou de sua elaboração. 
 Há variantes desse processo na história dos estados europeus 
e, por conseguinte, na história das colônias desses estados. 
 Na medida em que a burguesia se constituiu como classe 
social, sua atuação política se fez no âmbito da sociedade civil, 
instância a que ela mesma deu origem, mas essa formação nas 
colônias foi diversa. 
 
A ordem social burguesa 
 Na ordem burguesa capitalista, a terra passa a integrar o 
conjunto de bens passíveis de negociação no mercado, 
adquirindo outro sentido: além de ser um bem familiar 
(herança), ela possui valor associado ao seu potencial de 
exploração produtiva. 
 O proprietário da terra deixa de exercer dominação sobre as 
pessoas que nela habitavam e produziam, dividindo com ele 
o produto, as relações passam a contratuais remuneradas, 
e regidas por legislação específica, inclusive fiscal. 
 Outra situação acontece, mesmo na economia capitalista, 
quando são restritas as possibilidade de acesso à terra, como 
se passou no Brasil, nos seringais, engenhos e mesmo em 
fazendas modernas. 
Quais as bases do pensamento burguês? 
Iluminismo, cuja origem se encontra no Renascimento, 
(expansão mercantil, ascensão da burguesia e consolidação 
dos estados nacionais), compreendendo: 
 o iluminismo francês, cujas raízes mais profundas se vão 
encontrar no racionalismo cartesiano, presente nos 
enciclopedistas (Diderot, Rousseau, Voltaire, Montesquieu, 
e outros); 
 o iluminismo escocês, cujas raízes mais profundas se 
encontram em Bacon e Newton, Adam Smith, John Locke e 
David Hume. Os dois movimentos mantêm estreita relação, 
emergindo em meio às mudanças sociais em processo, tanto 
no Reino Unido quanto na França. 
 
Estado e Governo: Locke (1632-1704) o filósofo da 
revolução inglesa, pai do pensamento liberal 
 Filósofo empirista, individualista, conservador, Locke é, 
filósofo da classe privilegiada, da burguesia que assumira o 
controle da política por meio do Parlamento. 
 Autor de obras fundamentais em política, ambas de 1690: “O 
Ensaio sobre o Entendimento Humano”, em filosofia, e “Dois 
Tratados sobre o Governo Civil”. 
 Concebe o ser humano como racional, em busca da felicidade, 
alcançada com a paz, harmonia e segurança; no estado 
original, ou estado da natureza, não havia o contrato social 
nem o estado civil, contudo, já havia a propriedade. 
 Locke concebe esse estado da natureza como um momento 
pelo qual passou toda a sociedade humana e admite que 
alguns povos ainda estejam nele. 
 
Por que o contrato social e a passagem para o estado 
civil, se o estado natural é pacífico? 
 Contrato: a propriedade de uma parte da terra e comércio da 
produção acarretam aumento de riqueza de uns em detrimento 
de outros, acentuando diferenças e lutas entre os mais ricos e 
os demais. 
 O contrato social foi o meio racional de resolver essa situação, 
mas, com ele, aquele grupo sai do estado natural para se 
constituir como estado civil ou, mais precisamente, como 
uma sociedade política. 
 O estado civil preserva os direitos já existentes no estado 
natural (liberdade, vida e propriedade) e institui princípios 
normativos (leis, juízes) que não somente resguardam os 
direitos como obrigam seu cumprimento e obediência. 
 
O corpo governativo 
 É a segunda etapa no processo de constituição da sociedade 
civil, ele deve ser eleito por uma maioria, mas respeitando o 
direito da minoria. Em sequência, dá-se a constituição de um 
Poder Legislativo. 
 A sociedade civil ou sociedade política não é uma abstração 
teórica, mas resulta de uma trajetória constitutiva em que se 
firmam os vínculos sociais em um “corpo político” (expressão 
usual em Locke) constituído por homens racionais, 
proprietários de seu trabalho, riquezas e liberdade. 
 A liberdade natural implica direitos individuais e, por extensão, 
no reconhecimento dos direitos dos demais homens, criando 
vínculos imperativos, obrigatoriedades que se formam ao 
longo dessa convivência ou sociabilidade. 
 
O estado de natureza, em Locke, é distinto do 
concebido por Hobbes e por Rousseau 
 Na medida em que todos detêm liberdade, todos são racionais 
e todos buscam a felicidade, a sociedade se forma em uma teia 
de relações em que todos têm obrigações para com os demais. 
 No estado natural, os homens não são perfeitos, eles têm 
interesses, fraquezas, desejos e necessidades, buscam a 
felicidade, mas são racionais, exercendo a liberdade de seus 
direitos com consciência, como o direito à propriedade. 
 A começar pela propriedade de si, da terra e das riquezas 
produzidas pelo trabalho (mas não do trabalho expropriado de 
outro homem). Esses direitos são preservados no estado civil, 
assegurados por lei e juízes aptos a obrigar sua aplicação e a 
sentenciar os casos de desobediência. 
 
Corpo político e a vontade geral 
 Cabe ao corpo político, cuja força resulta da união de todos, 
expressar uma vontade ou a vontade geral, que se constituiu 
por um pacto, o governo civil e nele o Poder Legislativo. 
 Aqueles que vão exercer esse governo o fazem por “delegação” 
de todos, com a finalidade de assegurar o bem-estar de todos 
e a propriedade, por meio de leis e da política. 
 A escravidão é uma face da guerra e desarticula a 
sociabilidade humana ou a humanidade, mas Locke foi 
acionista de uma companhia de comércio inglesa cuja principal 
atividade era o comércio de escravos. 
 
Interatividade 
Qual das proposições abaixo sobre estado de natureza em 
Hobbes e Locke está correta? 
a) Em Locke, o estado de natureza corresponde ao bom 
selvagem, à inocência gentil, feliz como no paraíso. 
b) Só em Hobbes o estado de natureza antecede a ideia de 
normatização jurídica. 
c) Em Hobbes, o estado de natureza é irracional, porque o 
homem é irracional, movido apenas pela paixão. 
d) As duas concepçõessão radicalmente distintas, não há 
termo de comparação possível. 
e) As duas concepções se aproximam porque referidas a um 
mesmo conceito, mas diferem na concepção de homem. 
 
Locke, consentimento e representação 
 Enquanto o consentimento submete a todos às leis e normas 
autorizadas, a representação institui (pela presença daquele 
indivíduo que está ausente) a maioria ou a vontade geral. Na 
verdade, a representação implica em autorização para que 
alguém legisle, tome decisões em nome do outro. 
 Nesse sentido, os representantes têm seu tempo limitado 
(duração de mandato), mas eles não falam em nome dos 
indivíduos que os escolheram e sim se submetem à maioria, 
admitindo que ela seja a expressão da “vontade geral” ou 
“do povo”. 
 
O Poder Legislativo 
 Na medida em que o Legislativo faz as leis necessárias para 
atingir as finalidades, ele é o maior poder no Estado; quanto 
ao Executivo, confiado ao príncipe, tem por finalidade zelar 
pela segurança e bem-estar de todos. 
 O Poder Legislativo é limitado pelos direitos naturais, portanto, 
o poder político deve ser justo, ou seja, moral. 
 Locke introduz o direito de resistência ao poder, ou o direito 
dos governados se insurgirem, porém, não se trata de 
reconhecer as aspirações populares, mas de defender ou 
restaurar a ordem estabelecida. 
 
O povo 
 É dotado de razão e instaurado como mandatário da lei 
natural e como regulador moral das relações entre 
governantes e governados. 
 O pensamento liberal de Locke influenciou decisivamente 
autores como Montesquieu e Rousseau, embora suas 
concepções possam apresentar diferenças significativas 
em relação a esses autores. Além disso, influenciou 
decididamente as lutas da independência americana. 
 Na leitura da Declaração de Direitos Universais é possível 
perceber a influência das posições de Locke ou do liberalismo 
em vários dos direitos apontados, às vezes diretamente. 
Outras vezes, as posições do inglês aparecem mescladas às 
de Rousseau. 
 
No rastro do pensamento de Locke, a Revolução 
Americana 
 Além do pensamento de Locke, que ofereceu elementos 
teóricos importantes para a Constituição Inglesa, as ideias 
francesas e a maçonaria constituíram apoio fundamental para 
as negociações. 
 A revolução acenava com a possibilidade de ampliação dos 
negócios para o capital europeu sem a incômoda mediação da 
Inglaterra e não se tratava de uma revolução contra a ordem 
burguesa estabelecida, mas de uma revolução para instituir a 
ordem burguesa em uma região de enorme potencial. 
 A figura exemplar da Revolução Americana foi o “bom 
burguês” Benjamim Franklin, um articulador do que se 
mostrava útil para os interesses que representava e para 
os interesses de quem o ouvia. 
 
Franklin e Paine, Utilitarismo e Senso Comum 
 Sem que as conversações pudessem ser consideradas 
negociações, era a isso que resultavam os “pontos em 
comum”, habilmente identificados por Franklin. Na verdade, 
o Utilitarismo americano incorpora o pragmatismo, postura 
central à política burguesa. 
 Outro arquiteto da revolução foi Thomas Paine. Mais inflamado 
e teórico do que Franklin, publicou um panfleto, “Senso 
Comum”, no qual advogava a república e criticava a monarquia 
inglesa. 
 Na verdade, trata-se de um compromisso entre interesses 
contraditórios, entre os grandes proprietários de lavouras no 
sul e os industriais e manufaturas do norte, entre os pequenos 
estados e os grandes. 
 
Federalistas 
 Das contradições forma-se o “movimento” federalista, na 
verdade, artigos publicados e assinados por Publios, um 
pseudônimo para Hamilton, Madison e Jay. O debate reside 
na necessidade ou não de um governo forte e centralizador 
para as treze colônias. 
 Nos artigos, duas filosofias apareciam, em certo sentido, 
articuladas: Locke e Montesquieu. Contudo, as negociações 
acabaram por conduzir a um modelo de compromisso, tendo 
ao centro um governo que coordena interesses contraditórios 
em nome do bem-estar comum. 
 
O contrato social francês, cidadania e revolução: 
de Rousseau a Tocqueville 
 Os dois autores estão situados em um período dos mais 
significativos na história: a Revolução Francesa e a Revolução 
Americana. Rousseau deixou sua obra para a Revolução 
Francesa, embora não fosse o único, enquanto Tocqueville 
viaja da França, reconduzida a uma monarquia, para analisar a 
sociedade que emergiu da outra Revolução, a Americana. 
 Condorcet: Marie-Jean Antoine Nicolas Caritat, Marquês 
de Condorcet (1743-1794). Por que ele? Porque fez uma 
espécie de síntese do pensamento do período, da paixão de 
Rousseau, do racionalismo crítico de Voltaire e contou com 
a admiração de D’Alembert, portanto, dos enciclopedistas, 
mas também sistematiza o Utilitarismo que se forma a partir 
dos enciclopedistas. 
 
O que é o Terceiro Estado? Perguntou um padre, 
Sieyès, bispo de Chartres 
 Seu texto sobre o Terceiro Estado tem efeito explosivo, é uma 
crítica radical aos privilégios. 
 Para ele, a soberania da nação supera a soberania do Estado, 
associada à pessoa do rei. Em sua análise, ele constrói a 
Nação pela lei, princípio formal (Juridicismo) e 
 pelo Racionalismo, porque não se ocupa da história, a 
razão aparece como suporte necessário e suficiente para 
suas conclusões; 
 pelo Utilitarismo, porque focaliza o Terceiro Estado e os 
demais sob o foco da serventia de cada estrato para a nação; 
 pelo Individualismo, porque admite que a nação seja a 
reunião de indivíduos e vontades individuais. 
 
Jean-Jacques Rousseau (1712-1778) 
Personalidade complexa, irascível, mas apaixonado; há 
diferenças irreconciliáveis entre as posições de Rousseau e 
as dos demais integrantes do “enciclopedismo”: 
 Ele não parte de uma razão sofisticada e da filosofia para 
entender e discutir o mundo, mas da consciência do homem 
comum, simples e inocente. 
 Para ele, o homem fino e educado representava uma forma 
pervertida do humano; ao contrário, no homem simples, os 
sentimentos e as emoções são mais puros e permitem uma 
vida mais harmoniosa. 
 Essa “natureza do homem”, presente no estado natural de pura 
inocência é desarticulada quando a propriedade privada 
introduz desigualdades nessa harmonia. 
Estado natural de inocência, liberdade e igualdade 
 
 Rousseau considera a inteligência perigosa, porque instala a 
dúvida, destruindo a veneração, papel semelhante ao da 
ciência e da razão. 
 Duas obras de Rousseau são fundamentais para a 
compreensão de sua teoria política: o “Contrato Social” e o 
“Discurso sobre a Origem e os Fundamentos da Desigualdade 
entre os Homens”. Na verdade, o Discurso antecede o 
Contrato, conforme ele mesmo afirma. 
 A questão de base no discurso consiste em: o que é o homem 
verdadeiramente natural? A resposta surpreende: praticamente 
um animal, que não conhece a liberdade nem a escravidão; não 
conhece a propriedade nem a miséria; não é infeliz, mas 
também não é feliz. 
 
A construção do contrato social 
 Para Rousseau, o contrato não se estabelece só pela razão, 
mas pelo sentimento ou sensibilidade recíproca, que permite 
a realização de um pacto social. Essa idealização dos 
sentimentos morais encantou tanto a Kant... 
 Desse modo, todo conjunto de indivíduos (comunidade) 
goza de uma identidade coletiva, constituindo não uma 
racionalidade, mas o sentimento de um “eu comum”. 
 Em face desse “comum partilhado”, cada indivíduo 
participante está em igualdade com os demais, o que lhes 
permite realizar o pacto legitimado pela própria vontade de 
todos ou pela vontade geral. 
 
Vontade geral em Lockee Rousseau 
A expressão “vontade geral” também aparece em Locke, convém 
apontar a diferença, por assim dizer, profunda, de significado: 
 em Locke já existe uma sociedade política que expressa a 
vontade de todos, ou melhor, da maioria, respeitados os 
direitos das minorias; 
 em Rousseau, a vontade geral emerge de uma situação 
de igualdade natural entre os integrantes do grupo ou da 
comunidade, a vontade geral, nesse sentido, é uma instância 
agregadora, um corpo coletivo. 
 
Rousseau e a soberania do povo 
 Ela é inalienável, indivisível e infalível porque expressa a 
vontade geral, portanto, a frase “soberania do povo” remete 
à base do governo, ao povo, um corpo político, enquanto o 
governo é mais um órgão administrativo. 
 A frase remete à constituição de um Poder Legislativo e de 
leis que controlem as vontades individuais, implicando a 
distribuição de papéis (e de poderes específicos), ou seja, a 
instalação de um corpo político permanente ao qual Rousseau 
caracteriza como governo. 
 O corpo intermediário é constituído de magistrados e 
pode tomar formas distintas em torno das três principais, 
democracia, aristocracia e monarquia, mas ele preferia 
a aristocracia. 
 
Interatividade 
Qual dessas proposições sobre o pensamento de Rousseau não 
está correta? 
a) A construção do contrato social se dá por um ato de razão, 
permitindo a elaboração de um pacto social. 
b) Todo conjunto de indivíduos que goza de uma identidade 
coletiva, partilha o sentimento de um “eu comum”. 
c) Cada indivíduo participante de uma coletividade está em 
igualdade com os demais. 
d) A expressão “soberania do povo” remete à base do governo, 
ao povo como um corpo político. 
e) Ao pacto legitimado pela própria vontade de todos, 
denomina-se vontade geral, uma instância agregadora, um 
corpo coletivo. 
 
Montesquieu (1689-1755) 
 Em Montesquieu, duas forças se contrapõem no ambiente 
político: a nobreza, centrada no rei, e o povo, ou seja, a 
burguesia, já que, para ele, o “baixo povo” não tem condições 
de participação, mas, sem dúvida que a reflexão de 
Montesquieu é contemporânea, dada a presença de 
dispositivos institucionais que asseguram a participação 
sem comprometer a estabilidade. 
 Ele investigou o funcionamento dos regimes políticos ao longo 
da história sob uma ótica racionalista, cartesiana e positivista. 
 Sua linha de investigação era dirigida a buscar as causas 
explicativas dos fatos, das leis positivas, para explicá-las à luz 
de fatores sociais e históricos. 
 
As leis que presidem a política 
 Montesquieu conceitua lei como “relações que derivam da 
natureza das coisas”, desse modo, deveria haver leis que 
explicassem a diversidade de formas de governo, de situações 
políticas e de Estados. 
 Mas leis que regem relações políticas têm fundamento e 
origem em situações sociais e históricas. 
 Essas leis não são necessariamente racionais se examinadas 
à luz de uma razão investigativa, porque elas são práticas 
cristalizadas, escritas, dizem respeito às instituições e existem 
para reger o comportamento dos homens em relação aos 
homens, em instituições e situações. 
 
O espírito das leis 
 Ao colocar seu objetivo em esclarecer o “espírito das leis”, 
Montesquieu vai buscar esclarecer a presença de condições 
ou “coisas” que expliquem o aparecimento das leis positivas 
e sua transformação. 
 Essas “coisas” são, grosso modo, fatores sociais, ambientais, 
geográficos, clima, religião, as leis, as máximas de governo, 
os exemplos das coisas passadas, os meios e as maneiras de 
onde se forma um espírito geral resultante. 
 Portanto, a dinâmica de poder em uma sociedade remete 
às formas de governo, não às instituições, mas ao seu 
funcionamento, logo, é fundamental esclarecer quem detém 
o poder e como ele está dividido. 
 
Montesquieu e formas de governo 
 Ele chega a três formas de governo: na monarquia, um 
só governa, mas as instituições e leis estabelecem como 
esse governo deve ser exercido; na república, quem governa 
é o povo, 
 mas o povo não tem condições de exercer o poder na 
continuidade da escolha, pois falta-lhe a racionalidade 
necessária, logo, 
 será necessário identificar como se dão as divisões de 
classe para estabelecer qual a fonte de poder; o 
despotismo não consiste propriamente em uma forma de 
governo, uma vez que quem exerce o poder é uma só 
pessoa, ao sabor de sua vontade e desígnio. 
 
Traço constitutivo de um governo e seu caráter 
político: o espírito da lei 
 Na monarquia, há o governo constitucional de um monarca, 
sendo a ambição e a avareza os traços negativos da 
monarquia (daí a necessidade de corpos intermediários). 
 Na democracia, o governo do povo é exercido indiretamente, 
por isso, o amor à igualdade e à simplicidade seriam os traços 
da república. O despotismo, o traço negativo, caracterizado 
pelo poder arbitrário de um indivíduo, 
 mas não há uma melhor forma de governo, visto que fatores 
vários intervêm: o tamanho do estado, a economia, o clima e 
a geografia (esses considerados hoje a manifestação mais 
clara de eurocentrismo, ou seja, do preconceito europeu em 
relação às demais áreas do planeta). 
 
Montesquieu, alguns aspectos gerais de 
seu pensamento 
 Ele estava preocupado com o risco do despotismo e 
quase como recurso preventivo recomenda a separação 
dos poderes, não exatamente nos termos atuais, mas uma 
divisão de poder para não concentrá-lo nas mesmas mãos. 
 Propõe os corpos intermediários, que seriam os parlamentos 
e a nobreza, que atuariam como contrapesos ao poder 
Executivo, uma proposta que decorre de sua idealização do 
sistema inglês, de viés aristocrático e sua moral burguesa. 
 A moderação de Montesquieu é conservadora e elitista, não 
concebe a participação política de todos, não reconhece no 
“baixo povo” condição para tanto, mas cabe ao Estado 
assegurar a esse contingente condições adequadas de 
sobrevivência por meio de instituições públicas. 
 
Alexis Tocqueville (1805-1859): 
Democracia na América, em 1835 
 Um jovem de ascendência nobre, educado, que rapidamente 
se tornara juiz e mais rápido ainda sentiu ameaça por parte 
da política do governo de Luis Felipe. 
 Ele e seu amigo Baumont, também advogado, conseguiram, 
por influências familiares, uma providencial viagem de 
estudos aos EUA a pretexto de estudar o sistema prisional 
norte-americano. 
 A viagem durou oito meses e foi financiada pelo Ministério 
do Interior, da França. Alexis concentrou seus estudos 
na dimensão política, Baumont, na situação dos negros 
na América. 
 
Assegurar a democracia seria um caminho acessível 
a todos os povos? 
 Quais características teriam os países que caminharam nessa 
direção? Como assegurar a liberdade e a igualdade dentro da 
ordem ou no Estado? 
 Essas são as questões discutidas na obra de Alexis 
Tocqueville, porém, ele fala de defesa da liberdade, mas não 
apenas da liberdade econômica (essa discutida em Locke), 
mas da liberdade política, de manifestação, portanto, 
associada à representação política (uma preocupação em 
Rousseau). 
 O balanço entre liberdade e igualdade constitui um 
tema fundamental em Tocqueville e, por consequência, 
a compreensão das finalidades e funções do Estado 
(liberal) democrático. 
 
Para Tocqueville, a democracia é uma lei universal 
 Todos os povos e países seguirão por esse caminho inelutável, 
mas cada um ao seu modo, não existindo uma “democracia 
imposta” para um povo, ou por um Estado para o outro. Esse 
aspecto traz o que pensar sobre a política de “democratização 
do OrienteMédio”, adotada hoje pelos EUA. 
 Quando a esfera pública passa a ser comandada pelo Estado 
e não pelo “público” e o Estado acaba por intervir na esfera 
privada, há um risco para a democracia, na medida em que 
implica restrição à liberdade. 
 A democracia não pode ser concebida como “governo da 
maioria” quando não respeita os direitos das minorias. 
 
Quanto à relação economia e democracia 
 Embora um liberal, Tocqueville via riscos no liberalismo. O 
individualismo e a concorrência, implícitos na economia 
de mercado, tenderiam a levar os cidadãos a uma postura 
individualista, deixando as preocupações políticas a cargo 
do Estado. 
 Além disso, na economia capitalista, a livre iniciativa, 
que conduz ao enriquecimento de poucos, mantém muitos 
na pobreza, amplia a diferença entre ricos e pobres e 
consequentemente compromete a ideia de igualdade, 
ou seja, a própria ideia de democracia. 
 Por consequência, a sociedade de massas não seria 
democrática, mas estaria muito próxima do modelo de uma 
sociedade autoritária ou de uma “tirania democrática”. 
 
Qual a conclusão a que chega Tocqueville, 
considerando esses riscos da democracia? 
 Democracia é um processo, portanto, repousa na 
atividade política dos cidadãos e não na ação de um 
governo onisciente. 
 A soberania popular se torna eixo da dinâmica democrática 
quando articulada em associações que deveriam ser 
respeitadas e resguardadas pelo Direito, sendo uma 
prevenção contra a “onipotência da maioria”. 
 Não basta dizer que o povo é ignorante se não há um processo 
de formação democrática ou dizer que ele não sabe participar 
da política ou da democracia se não há formação de costumes 
democráticos; é preciso dar condições para que o povo possa 
participar e exercer a democracia em igualdade com os demais 
agentes (atores) do jogo político. 
 
Quais as conclusões de Tocqueville sobre o Estado? 
 As finalidades do Estado seriam: assegurar a segurança dos 
cidadãos (interna e externa) e a soberania, preservando o 
território; garantir educação e saúde (essa finalidade foi 
acrescida posteriormente). 
 A finalidade do Estado democrático de assegurar igualdade e 
liberdade aos cidadãos fica estabelecida, a partir da lei, como 
princípio normativo. 
 No entanto, a igualdade não é a encontrável nas condições 
concretas da existência social, em que pese ser a existência 
social a garantia da democracia. 
 Lembrando que quando Tocqueville fala da Democracia, 
a América era escravagista. Ele, crítico da escravidão, 
considerava importante manter as colônias francesas. 
 
O Estado 
 É preciso, então, pensar o Estado como construção (construto 
teórico) e locus de exercício de poder, que reflete os interesses 
hegemônicos naquela sociedade e naquele momento histórico. 
Logo, as características dessa construção refletem “quem” 
a construiu: a burguesia, na formação do capitalismo 
manufatureiro e industrial. 
 Todavia, os interesses da burguesia não são os mesmos: 
eles divergem, por exemplo, entre urbana e rural, industrial, 
comercial e financeira. A lei, o direito, mais precisamente a 
Constituição, é a garantia maior desses interesses e a garantia 
da burguesia contra os privilégios da nobreza e mesmo do 
clero, categorias cujo poder foi superado pela história. 
 
Como responder às mudanças? 
 A sociedade formada no capitalismo industrial passou por 
mudanças profundas na economia e na tecnologia ao longo 
dos séculos XVIII e XIX, mas, no plano político, uma questão 
que permaneceu sendo discutida consistiu na configuração 
teórica e política de um modelo de estado adequado ou 
consistente com as mudanças sociais e econômicas 
emergentes, compreendendo dois aspectos principais: a 
configuração do governo e sua dinâmica e as relações, 
sobretudo econômicas, entre estados ou entre “nações”. 
 Na base dessas discussões encontrava-se a preocupação das 
elites com a preservação da ordem. 
 
Interatividade 
Qual das proposições abaixo sobre o pensamento de Tocqueville 
está equivocada? 
a) Todos os povos e países seguirão para a democracia, mas 
não é possível impor a democracia para um povo ou país. 
b) Quando a esfera pública passa a ser comandada pelo Estado 
e não pelo “público” há um risco para a democracia. 
c) A democracia não pode ser concebida como “governo da 
maioria” quando não respeita os direitos das minorias. 
d) A sociedade de massas seria uma sociedade democrática 
ou muito próxima desse modelo. 
e) Economia capitalista conduz ao enriquecimento de poucos, 
compromete a ideia de igualdade, a ideia de democracia. 
 
O conservadorismo: Edmund Burke (1729-1797) 
 
 Um irlandês culto, advogado e parlamentar, homem do 
partido político Whig, é considerado um dos fundadores do 
conservadorismo, tendência que se expande pela Europa 
após a Revolução Francesa, em paralelo a tendências que a 
elogiavam, vendo mesmo na experiência francesa um modelo 
para outros países. 
 Burke foi um crítico sistemático e violento da Revolução 
Francesa, mas se engana aquele que suponha em suas 
palavras apenas um conservadorismo oportunista, “de 
palanque”. Suas ideias não eram desprovidas de suporte 
filosófico teórico coerente, embora ele não fosse partidário 
das especulações filosóficas e teóricas como suporte da 
ação política. Mas, então, qual a base de suas críticas? 
 
O questionamento de Hume 
 Para ele, as convenções apenas parecem verdadeiras, porque 
são úteis, fundamentam regras, mas elas se apoiam mais na 
imaginação do que na razão, portanto, a obediência ao 
soberano, no passado, se apoiava no consentimento em 
interesses em comum e não em verdades racionais imutáveis. 
 Essa tendência de pensamento sofre o impacto da Revolução 
Francesa leva ao idealismo kantiano e ao idealismo dialético de 
Hegel, porque ambos os sistemas recuperam a tradição e 
o costume. 
 Essa revivescência da tradição cultural e da história serve 
a Burke em seu apelo persistente pela tradição. 
 
 
David Hume e Edmund Burke, afinidades 
insuspeitadas 
 Um filósofo escocês, David Hume, de pensamento claro, frio 
e levemente sardônico e Burke, o apaixonado e imaginativo 
parlamentar irlandês. Os dois concebem a sociedade como 
artificial, resultante de convenções e mesmo de preconceitos. 
 Contudo, o arranjo que se entende por tradições de uma nação 
tem uma utilidade que ultrapassa a convivência harmônica ou 
a crença em direitos autoevidentes. 
 Na verdade, a tradição (as convenções) é o repositório da 
história, da religião, da moralidade e da própria razão. 
 
Facetas do pensamento de Burke 
 Para ele, a tradição (as convenções) é o repositório da 
história, da religião, moralidade e da própria razão, por isso, a 
tradição tem uma utilidade que ultrapassa a crença de direitos 
autoevidentes, porque esse sentimento de comunidade, de 
partilhar de uma história idealizada em comum, substitui o 
culto ao indivíduo. 
 Assim, a sociedade constrói, na história, o conjunto de 
convenções sociais que expressa valores morais, expectativas, 
padrões de sociabilidade, portanto, direitos e deveres que 
resultam ser a natureza da sociedade, consequentemente, 
os homens são sociais. 
 
 
Burke, crítico da Revolução Francesa 
 Como crítico da Revolução, Burke alerta para o poder das 
ideias filosóficas teóricas, como a igualdade, os direitos do 
homem e a soberania popular da democracia abstrata, a 
maioria numérica. 
 A crítica se apoia no valor da tradição cultural que os 
franceses revolucionários pareciam ignorar. 
 Para o filósofo escocês, a sociedade natural não se 
fundamenta noprincípio da igualdade, mas na desigualdade, 
assim como a propriedade. Admitir a igualdade, como afirma 
Burke, seria “uma monstruosa ficção”. 
 Evidentemente que a biodiversidade confirma a posição de 
Burke, porém... 
 
A natureza tem por fundamento a igualdade? 
 o argumento de Burke não se baseava nesse aspecto e sim 
no respeito, ao sistema britânico, à articulação e 
acomodação entre normas e práticas consuetudinárias e à 
história das relações entre estado e sociedade na Inglaterra. 
 Outro aspecto importante nessa referência reside na 
associação entre Estado e religião, que marcou a tradição 
política do Estado na Inglaterra. 
 
Burke parlamentar 
 Como parlamentar, os temas tratados foram a natureza da 
constituição, representação parlamentar e valor dos partidos. 
 A contribuição de Burke, como homem de partido, talvez seja 
mais significativa para a teoria política que seu debate sobre 
os efeitos da Revolução Francesa. 
 Ele caracteriza partido político pelo esforço conjunto de seus 
integrantes, baseados em princípios de mútuo acordo, 
voltados para a promoção do interesse nacional. 
 
 
Burke parlamentar 
 Burke defendeu as liberdades conquistadas pelos britânicos e 
sabendo da necessidade de reformas, alertava o Parlamento 
para que elas fossem conduzidas como aperfeiçoamentos e 
não como na França, com o furor de ideias vazias e o terror 
do sangue. 
 Para ele, homem e sociedade são criações divinas, portanto, 
o Estado, criação humana, deve ter sustentação ou suporte 
religioso, o que se reflete na dimensão de sagrado que ele 
reconhecia no Estado e no exercício das funções públicas. 
 Burke tem inspirado o pensamento conservador nas suas 
variantes britânicas e nos EUA. 
Interatividade 
Sabe-se que Burke se valeu do pensamento de David Hume 
para fundamentar seu próprio pensamento. Mas, quais pontos 
de convergência existiriam entre o pensamento de um filósofo e 
o de um parlamentar liberal? Aponte a alternativa correta dentre 
as abaixo indicadas: 
a) Ambos eram iluministas empiristas. 
b) Burke empresta sentido pragmático ao pensamento teórico. 
c) Para ambos, a sociedade é artificial, uma criação social 
humana, fundamentada em convenções com sentido 
pragmático. 
d) O racionalismo constituiu o elo de ligação entre os dois. 
e) Não possuem nada em comum, mas ambos eram irlandeses. 
 
 
 
 
 
ATÉ A PRÓXIMA! 
 
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