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( 2 ) Teorias psicológicas Cláudia Vaz Torres Nesta unidade, refletiremos sobre algu- mas Teorias psicológicas como o Behaviorismo, a Gestalt, a Psicanálise e a Psicologia Sócio-histórica, seus conceitos, fundamentos e contribuições para os estudos sobre o ser humano. Em razão d à complexidade da temática, apresen- taremos, apenas, de modo resumido, alguns conceitos con- cernentes às Teorias psicológicas. 40 P si co lo gi a e co m po rt am en to (2.1) Behaviorismo O Behaviorismo é considerado uma das principais teo- rias da Psicologia do século XX. Propõe um modelo de ciência que enfatiza a observação e a interação organismo-contexto na análise do comportamento humano. Termos como Com- portamentalismo e Comportamentismo são encontrados na literatura para denominar esta tendência. O termo inglês behavior significa comportamento, e o projeto de uma psicologia, cujo objeto era o comportamento, foi originalmente elaborado por John Watson (1878-1958). Em 1913, John B. Watson (1878-1958) escreveu um ma- nifesto que enfatizou o comportamento como objeto de estu- do da psicologia e o interesse sobre o modo como o ser hu- mano responde a diversas situações em um dado ambiente. O manifesto “A psicologia como o behaviorista a vê” criticava a utilização dos processos e conteúdos mentais que estives- sem envolvidos na percepção, memória, imaginação, racio- cínio, etc., como objeto de estudo da Psicologia. Para Watson, o método para detectar e analisar comportamentos observá- veis deveria ser,unicamente, a observação e a experimentação (método de qualquer ciência). Te or ia s p si co ló gi ca s 41 (2.2) Psicologia como “ciência do comportamento” Para Figueiredo e Santi (2006), Watson redefiniu a psicologia como “ciência do comportamento” e livrou-se do método da auto-observação para estudar o comportamento humano. Nos seus estudos, teve influencia de Ivan Pavlov (1849-1936), fisiologista que criou o conceito de reflexo condi- cionado, a partir de uma pesquisa sobre as glândulas diges- tivas dos cães, e estudou a formação das respostas condicio- nadas e outros fenômenos como o reforço (elemento essencial para que a aprendizagem ocorra), a extinção de resposta, a generalização, a discriminação, entre outros. O método do reflexo condicionado foi adotado por Watson em razão de ser um método objetivo de análise do comportamento, ou seja, de redução do comportamento às suas unidades elementares, os vínculos estímulo-resposta. Para Watson, todo comportamento podia ser reduzi- do às unidades de estímulo-resposta (SR), o que permitia a investigação do comportamento humano em laboratório. Fi- gueiredo e Santi (2006) analisam a importância dos estudos sobre o comportamento: Com o comportamentalismo, pela pri- meira vez, os estudos psicológicos “de- ram as costas” à experiência imediata. Tudo aquilo que faz parte da experiên- 42 P si co lo gi a e co m po rt am en to cia subjetiva individualizada deixa de ter lugar na ciência, seja porque não tem importância seja porque não é acessível aos métodos objetivos da ciên- cia. Nessa medida, o “sujeito” do com- portamento não é um sujeito que sente, pensa, decide, deseja e é responsável por seus atos: é apenas um organismo. Enquanto organismo, o ser humano se assemelha a qualquer outro animal, e é por isto que essa forma de conceber a psicologia científica dedica uma grande atenção aos estudos com seres não hu- manos, como ratos, pombos e macacos, entre outros. Esses sujeitos não falam, mas isto não representa um obstáculo para o comportamentalismo de Watson, já que ele não tem o mínimo interesse na “vivencia” do sujeito, na sua experi- ência imediata. O comportamentalismo watsoniano interessa-se exclusivamen- te pelo comportamento observável, com o objetivo muito prático de provê-lo e controlá-lo de forma mais eficaz. (FI- GUEIREDO; SANTI, 2006, p. 66-67) Depreendemos, com base nos autores, que Watson interessava-se pelo estudo do comportamento observável, mensurável e que pudesse ser reproduzido em outras cir- cunstâncias. Tecia críticas ao que não poderia ser verificado por uma observação independente e os relatos introspectivos Te or ia s p si co ló gi ca s 43 como instrumentos metodológicos de pesquisa. Posteriormente, Skinner (1981), utilizando procedi- mentos experimentais nas suas pesquisas sobre o comporta- mento, trouxe contribuições ao estudo das interações entre organismos vivos e seus ambientes. Skinner (1981) analisava o comportamento como uma maté- ria difícil, que exige do cientista grandes técnicas de engenhosidade. Queremos saber por que os homens se comportam da maneira como fazem. Qualquer condição ou evento que te- nha algum efeito demonstrável sobre o comportamento deve ser considerado. Descobrindo e analisando estas causas poderemos prever o comportamento, poderemos controlar o comportamento na medida em que o possamos manipu- lar. (SKINNER, 1981, p. 34) Skinner procurou analisar as causas do comportamen- to, criticava a tendência na Psicologia de explicar o compor- tamento em termos de um agente inferior, sem dimensões fí- sicas, chamado “mental” ou “psíquico”. Para o autor, o hábito de buscar uma explicação do comportamento dentro do orga- nismo tende a obscurecer as variáveis que estão fora do orga- nismo, no seu ambiente e em sua história ambiental. Assim, é possível prever o comportamento se conhecermos o máximo possível sobre as variáveis e suas relações com o comporta- mento. Para tanto, é necessário investigar quantitativamente os efeitos de cada variável com os métodos e as técnicas de uma ciência de laboratório. 44 P si co lo gi a e co m po rt am en to O Behaviorismo de Skinner ficou conhecido como Behaviorismo Radical. Esta designação foi feita pelo pró- prio Skinner para se referir à filosofia da análise experi- mental do comportamento. O termo radical vem de raiz, no sentido em que se designaria uma proposta que se atém ao estudo do comportamento a partir do próprio comportamento, sem o recurso ex- plicativo a qualquer outra entidade. (CAN- ÇADO; SOARES; CIRINO, 2006, p. 188) O Behaviorismo formula importantes conceitos para compreensão das nossas interações com o ambiente, como o comportamento operante. Vamos conhecê-los: • Comportamento operante - abrange as atividades hu- manas. Descreve a ação do organismo sobre o meio do qual emergem as consequências do comportamento. As respostas são definidas por sua relação com a consequência. Para Skin- ner (1981), então, o que propicia a aprendizagem dos compor- tamentos é ação do organismo sobre o meio e o efeito que resulta desta ação. O comportamento operante faz referência à interação sujeito-ambiente e é fundamental a relação entre a ação do organismo e as consequências que, por produzir uma alteração ambiental, age sobre o sujeito, alterando a probabili- dade futura da resposta. • Comportamento respondente ou reflexo - abrange os comportamentos não voluntários. Para Bock, Furtado e Tei- xeira (2008), os comportamentos respondentes são interações estímulo-resposta incondicionadas. Os estímulos eliciam certas Te or ia s p si co ló gi ca s 45 Fonte:UNIFACS A maioria das nossas ações evidenciam comportamentos operantes, pois referem-se à interação sujeito-ambiente. Segundo Skinner (1981), operamos sobre o mundo em função das conse- quências criadas pela nossa ação. Os reforçadores estão presentes quando alteram a probabilidade futura da ocorrência desta res- posta. O reforço pode ser positivo, queconsiste em todo evento que aumenta a probabilidade da resposta que o produz, ou nega- tivo, que diz respeito a todo evento que aumenta a probabilidade futura da resposta que o remove ou atenua. Segundo Skinner (1981): No condicionamento operante fortalece- mos um operante, no sentido de tornar a respostas do organismo que independem da aprendizagem. Os autores acrescentam que essas interações também podem ser provocadas por estímulos que não provocavam esse tipo de resposta, para tanto, é preciso parear temporalmente esses estí- mulos com estímulos eliciadores, em situações bem específicas. Essas novas interações, chamadas de reflexos, são condiciona- das (aprendidas) devido ao pareamento. 46 P si co lo gi a e co m po rt am en to resposta mais provável ou, de fato mais frequente. No condicionamento pavlo- viano ou respondente o que se faz é au- mentar a magnitude da resposta eliciada pelo estímulo condicionado e diminuir o tempo que decorre entre o estímulo e a resposta. (SKINNER, 1981, p. 74) Compreende-se, com o autor, que, através do condi- cionamento operante, o meio ambiente modela o repertório básico com o qual andamos, trabalhamos, praticamos espor- tes, tocamos instrumentos, falamos, escrevemos, dirigimos, entre outros. A presença dos reforços modela o repertório comportamental e aumenta a eficiência do comportamento e o mantém fortalecido por muito tempo, mesmo depois que a aquisição ou a eficiência já tenha perdido o interesse. Os conceitos do Behaviorismo têm aplicação na edu- cação, clínicas psicológicas, treinamento nas empresas, pu- blicidade, entre outros. Vamos conhecer uma outra importante teoria da Psicologia. (2.3) Gestalt “[...] é no campo da experiência, da- quilo que nós percebemos tal e como Te or ia s p si co ló gi ca s 47 percebemos, que nós nos comporta- mos, agimos e nos emocionamos.” (MORAES, 2006, p.308) Você sabe o que significa Gestalt? Já ouviu falar? A Teoria da Gestalt nasceu na Europa e postulava a ne- cessidade de compreensão do ser humano como uma totalida- de, aceitava o valor da consciência e criticava a tentativa de ana- lisá-la em elementos, como também fazia oposição às tendências psicológicas do século XIX que fragmentavam as ações humanas. A palavra alemã Gestalt, explicam Schultz e Schultz (1981), causou dificuldades na compreensão do movimento porque não tem um equivalente exato em outras línguas. O emprego da palavra em alemão refere-se à forma como pro- priedade dos objetos e, também, como um todo ou entidade concreta que tem, como um dos seus atributos, uma forma ou configuração específica. Bock, Furtado e Teixeira (2008) analisam que embora a Teoria da Gestalt tenha sido importante e complexa, não prosperou como as outras teorias. Porém, muitos estudos e pesquisas iniciaram-se a partir dos conceitos de forma e da noção de totalidade, como as pesquisas de Kurt Lewin sobre a dinâmica dos grupos e sobre o conceito de campo social, que é formado tanto pelas características da pessoa quanto pelas características do meio onde a pessoa está inserida. Kurt Lewin analisou a partir da teoria de campo da física que as atividades psicológicas da pessoa ocorrem numa espécie de campo psicológico, denominado de espaço vital. O campo compreende os eventos passados, presentes e futuros 48 P si co lo gi a e co m po rt am en to que possam influenciar uma pessoa. Do ponto de vista psico- lógico, cada um desses eventos pode determinar o compor- tamento a partir das interações das necessidades da pessoa com o ambiente psicológico (SCHULTZ; SCHULTZ, 1981). Vamos conhecer mais sobre os fundamentos desta teoria, que tem como orientação filosófica a fenomenologia. A partir desses fundamentos filosóficos, a preocupação incidia na per- cepção, no modo como as pessoas compreendiam o seu entorno. Moraes (2006) analisa que um dos desafios da psico- logia do século XIX era encontrar parâmetros que permi- tissem uma investigação experimental da sensação como experiência psicológica. A sensação, importante conceito para compreender a relação entre a experiência e o mundo físico, era compreen- dida como um acontecimento fisiológico, provocado pelo es- tímulo físico que causava uma modificação no corpo, e um acontecimento psicológico, porque essa experiência tinha na sensação seu fundamento. No final do século XX, com os avanços das pesquisas em psicologia, ocorreu o reconhecimento dos limites da sen- sação para definição da experiência psicológica. A psicologia passou a investigar não o conteúdo da experiência, mas sim o ato de representar. A distinção entre o ato e o conteúdo tornou-se fundamental para a compreensão da experiência psicológica (MORAES, 2006). Tratava-se, então, de analisar a importância das rela- ções entre as sensações e, não apenas definir a experiência através das sensações. Imagine que você esteja escutando a famosa música “Ga- Te or ia s p si co ló gi ca s 49 rota de Ipanema”, de Vinícius de Moraes e Antônio Carlos Jobim. Agora, imagine a mesma música sendo cantada por João Gilberto e, depois, por Gal Costa. A melodia é a mesma, no entanto, o tom no qual a música é executada por cada um é bem diferente. Para escutar as diferentes interpretações da música, indicamos os vídeos: http://www.youtube.com/watch?v=6LrUHQky71Y http://www.youtube.com/watch?v=ITsKmGfiStY&feature=related Por que somos capazes de reconhecer a identidade da música em diferentes tons? Vamos ler um pequeno texto que permitirá a compre- ensão da razão do reconhecimento da melodia em um tom diferente do habitual e provocará a reflexão sobre a impor- tância do deslocamento das pesquisas em psicologia da no- ção de sensação para as relações entre as sensações. Tomemos, por exemplo, uma melodia (A). Nós podemos transpô-la para outro tom, formando uma melodia (B). Nes- sa transposição de (A) para (B), todas as notas se alteram. No entanto, somos perfeitamente capazes de perceber a se- melhança entre (A) e (B). Ora, se todos os elementos variam quando fazemos a transposição da melodia, por que so- mos capazes de reconhecer a semelhança entre (A) e (B)? Podemos, por exemplo, reconhecer a música Garota de Ipanema, de tom Jobim e Vinicius de Moraes, em qualquer tom que a executemos. Por que 50 P si co lo gi a e co m po rt am en to somos capazes de reconhecer a identida- de da música mesmo quando alteramos o tom no qual a música é executada? A semelhança percebida não pode advir das sensações, dos elementos, já que to- dos os elementos se modificam quando ocorre a transposição de um tom para outro. (MORAES, 2006, p. 303) Então, qual a sua ideia? O reconhecimento da identidade da música em dife- rentes tons evidencia que reconhecemos as relações entre os elementos, e não os elementos isoladamente. Percebe- mos, então, a importância da qualidade estrutural, que diz respeito às relações entre os elementos. Então, esta análise da melodia em diferentes tons expressa o limite da sensa- ção, explica que há algo que não se reduz ao campo das sensações consideradas isoladamente. Assim, entendemos que o campo da sensibilidade é formado por sensações e qualidades estruturais. O conceito de qualidade estrutural diz respeito à forma ou estrutura. Para que possamos compreender uma situação, não podemos limitar a nossa análise aos elementos que constituem a situa- ção, mas devemos analisar as relações entre esses elementos. No início do século XX, Wertheimer, Koffka e Kohler, no- mes integrantes da Escola de Berlim, investigaram a experiência psicológica tomandocomo referência a percepção tal como é vi- venciada por cada um de nós, com a compreensão de que a expe- riência perceptiva é marcada por relações de sentido e de valor e não apenas por um acúmulo de sensações. (MORAES, 2006). Te or ia s p si co ló gi ca s 51 Fonte: Banco de dados ThinkStock 1- Proximidade: partes que estão próximas no tempo ou no espaço parecem formar uma unidade e tendem a ser percebidas juntas. 2- Continuidade: na percepção, há uma tendência de se- guir uma direção, de vincular os elementos de uma maneira que os faça parecer contínuos ou seguindo uma direção particular. Em 1923, os princípios da organização da percepção foram apresentados. A proposta era que os objetos deveriam ser percebidos como totalidades unificadas, e não como aglo- merados de sensações individuais. A organização da percep- ção ocorre de modo instantâneo, assim que entramos em con- tato com os elementos que estão ao nosso redor. A partir dos exemplos da organização da per- cepção, analisaremos os princípios da organização perceptiva. (MORAES, 2006). 52 P si co lo gi a e co m po rt am en to Fonte: Banco de dados ThinkStock 3- Semelhança: partes semelhantes tendem a ser vistas juntas como se formassem um grupo. 4- Complementação: tendemos a completar figuras incompletas e preencher lacunas. 5- Simplicidade: de acordo com as condições do estí- mulo, tendemos a ver uma figura completa e organizada, sig- nificando que há uma boa gestalt, simétrica, simples e estável. 6- Figura e fundo: a figura destaca-se do fundo, assim ten- demos a organizar as percepções no objeto observado, a figura. Fonte: Banco de dados ThinkStock Te or ia s p si co ló gi ca s 53 (2.4) Psicanálise “Palavras suscitam afetos e são, de modo geral, o meio de mútua influência entre os homens.” (FREUD, 1915, p. 29) A Teoria Psicanalítica, concebida por Sigmund Freud, representou um grande avanço na teoria social e nas ciências humanas ao abrir um caminho para uma diferente orientação no mundo e na ciência. Freud (1913), médico vienense, propôs, na última década do século XIX, conceitos que alicerçaram a psicanálise como o inconsciente, a repressão, a sexualidade in- fantil, a relação entre sintomas neuróticos e fenômenos da vida Para a Gestalt, esses princípios estão presentes nos diver- sos estímulos. Contribuições da teoria: A Gestalt tem inspirado diversas pesquisas e, conforme analisam Schultz e Schultz (1981), ao contrário da teoria do com- portamentalismo, a psicologia da Gestalt conserva sua identida- de distinta ao enfatizar a experiência consciente como problema legítimo da psicologia e admite que não é possível investigá-la com a mesma precisão e objetividade, como o comportamento manifesto é estudado. Analisaremos uma outra importante teoria, a Psicanálise. 54 P si co lo gi a e co m po rt am en to psíquica normal, entre outros conceitos do tratamento analíti- co. Freud (1913), ao afirmar que somos determinados por pro- cessos psíquicos inconscientes, descentrou o pensamento car- tesiano que concebia o homem como um ser racional, pensante e consciente, situado no centro do conhecimento. Para Freud, a psicanálise, como um importante campo de saber, reivindicou o seu estatuto de ciências naturais, ou seja, sujeita à metodologia rigorosa, domínio de fenômenos físicos e ou naturais e, também, reivindicou um lugar nas ci- ências humanas pela sua dimensão interpretativa de um tipo de fenômeno psíquico que é o inconsciente. A história do desenvolvimento da psicanálise é mar- cada pelo interesse de Freud pelo estudo do inconsciente, as- sunto ignorado pelas outras Teorias psicológicas no período. O relato de Freud (1914, p. 31-32) esclarece a sua participação na história do desenvolvimento da psicanálise: De inicio não percebi a natureza pecu- liar do que descobrira. Sem hesitar, sa- crifiquei minha crescente popularidade como médico, e restringi o número de clientes nas minhas horas de consulta, para poder proceder a uma investiga- ção sistemática dos fatores sexuais em jogo na causação das neuroses de meus pacientes; e isso me trouxe um grande número de fatos novos que finalmente confirmaram minha convicção quanto à importância prática do fator sexual. In- genuamente, dirigi-me a uma reunião da Sociedade de Psiquiatria e Neurolo- Te or ia s p si co ló gi ca s 55 gia de Viena [...] na esperança de que as perdas materiais que voluntariamente sofri fossem compensadas pelo interes- se e reconhecimento dos meus colegas. Considerava minhas descobertas con- tribuições normais à ciência e esperava que fossem recebidas com esse mesmo espírito. Mas o silêncio provocado pe- las minhas comunicações, o vazio que se formou em torno de mim, as insinu- ações que me foram dirigidas, pouco a pouco me fizeram compreender que as afirmações sobre o papel da sexualidade na etiologia das neuroses não podem contar com o mesmo tipo de tratamen- to dado ao comum das comunicações. Compreendi que daquele momento em diante eu passara a fazer parte do gru- po daqueles que “perturbaram o sono do mundo”. [...] Entretanto, desde que minha convicção quanto à exatidão ge- ral de minhas observações e conclusões era cada vez maior, e que a confiança no meu próprio julgamento e minha cora- gem moral não era exatamente o que se pode chamar de pequena, o resultado da situação não poderia ser posto em dú- vida. Dispus-me a acreditar que tinha tido a sorte de descobrir fatos e ligações particularmente importantes, e resolvi aceitar o destino que às vezes acompa- nha essas descobertas. 56 P si co lo gi a e co m po rt am en to Depreendemos que as convicções de Freud (1914, p.31) sobre o papel da sexualidade na etiologia das neu- roses e a influência dos conteúdos inconscientes no com- portamento humano não foram bem aceitas inicialmente pelos contemporâneos, pois como ele próprio escreve “[...] perturbaram o sono do mundo.” A psicanálise constitui uma teoria sobre o funcio- namento da vida psíquica, um método de investigação e pesquisa de natureza interpretativa e de tratamento. Os primórdios da teoria e da técnica são encontrados na pu- blicação Estudos sobre a Histeria (1895) de Breuer e Freud, na qual são relatados os tratamentos conduzidos pelos au- tores com pacientes histéricos. A histeria, para Freud (1895), era uma doença psíquica que apresentava quadros clínicos bem variados e que pode- ria ser tratada através da hipnose. O tratamento psicanalítico foi iniciado com o auxílio da hipnose que, posteriormente, foi abandonado e substituído pelo método da associação livre (ou livre associação) com o paciente em estado normal. O mé- todo da associação livre consiste em deixar o paciente falar sem qualquer censura ou inibição, por quase todo o tempo, sem explicar nada mais que o necessário para fazê-lo prosse- guir no que está dizendo (FREUD, 1913). Freud (1925) verificou que as associações livres emergem de múltiplas redes de sentido que remetem umas às outras, constituindo redes associativas. As associações tinham um sen- tido oculto, estavam relacionadas umas às outras. Freud acre- ditava que havia um determinismo psíquico. O determinismo psíquico, importante pressuposto da teoria, estabelece que todo comportamento tem uma causa (isto é, ele é determinado) e que a causa deve ser encontrada na mente (psyche, em grego). Te or ia s p si co ló gi ca s 57 Freud, inicialmente, parecia acreditar que suas ideias podiam ser reduzidas a princípios fisiológicos. Entretanto, posteriormente,concentrou-se nos constructos mentais (id, ego, superego). Seu trabalho em fisiologia também convergiu com outra influência – o trabalho de Darwin sobre a evolu- ção. O conceito de continuidade biológica entre as espécies convenceu Freud de que a motivação humana tem uma base biológica. Então, um dos pressupostos de Freud, além do determinismo psíquico que estabelece que todo comporta- mento tem uma causa, é o inconsciente. (2.5) O inconsciente O conceito de inconsciente (Ics) é fundamental para a teoria psicanalítica, surgiu da experiência de tratamento de mulheres e homens. Freud (1915), no artigo O inconsciente, afirma que o conceito abrange atos que são meramente laten- tes, temporariamente inconscientes e abrange processos tais como os reprimidos. Em 1912, ao escrever o artigo Uma nota sobre o inconsciente na psicanálise, Freud (1912) analisa que o inconsciente é um sistema que possui conteúdos, mecanis- mos e uma energia específica. Os conteúdos do inconsciente, para Freud (1905), são os representantes da pulsão. Para ele, a pulsão é um desvio do instinto, um desvio de uma função biológica do instin- to. O instinto é uma força biológica motivadora que leva os membros da espécie a agir visando sempre à mesma finalida- de, enquanto que a pulsão não tem um objeto específico, mas 58 P si co lo gi a e co m po rt am en to precisa de um objeto para que possa obter satisfação. Este objeto, que não é específico, está ligado à história do sujeito, suas fantasias, seus desejos. O conceito freudiano de pulsão surgiu na formulação de um modelo de funcionamento psí- quico, no estabelecimento das bases fisiológicas do psiquismo e no momento em que foram situados os fatores biológicos do comportamento. Este conceito, que foi lançado nos Três En- saios da Sexualidade (1905), evidenciou a intenção de Freud de estabelecer a psicanálise como ciência natural. Ainda sobre o inconsciente, Freud (1915, p. 213) analisa: O núcleo do Inconsciente consiste em representantes instintuais que procu- ram descarregar sua catexia; isto é, con- siste em impulsos carregados de desejo. Esses impulsos instintuais são coorde- nados entre si, existem lado a lado sem se influenciarem mutuamente, e estão isentos de contradição mutua. Quan- do dois impulsos carregados de desejo, cujas finalidades são aparentemente incompatíveis, se tornam simultanea- mente ativos, um dos impulsos não re- duz ou cancela o outro, mas os dois se combinam para formar uma finalidade intermediária, um meio-termo. Não há nesse sistema lugar para negação, duvi- da ou quaisquer graus de certeza [...] os processos do sistema inconsciente [...] não são ordenados temporalmente, não se alteram com a passagem do tempo; não tem absolutamente referencia ao Te or ia s p si co ló gi ca s 59 tempo. [...] os processos do Inconsciente dispensam pouca atenção à realidade. Estão sujeitas ao principio do prazer; seu destino depende apenas do grau de sua força e do atendimento às exigên- cias da regulação prazer-desprazer. Com base nas ideias do autor, compreendemos que o inconsciente (Ics) possui como características específicas a ausência de negação, de dúvida, de indiferença em relação à realidade, não havendo relação de tempo. Regido pelo prin- cípio do prazer, há um interjogo livre de cargas, a energia é móvel e busca a gratificação, a expressão e o escoamento. (2.6) A regra fundamental da psicanálise A ausência de inibição, o intercâmbio de palavras e, par- ticularmente, a liberdade para escolher o que falar, constituiu a regra fundamental da psicanálise. Sobre isso, Freud (1913, p. 177) orientava os seus pacientes no início do tratamento: [...] diga tudo o que lhe passa na men- te. Aja como se, por exemplo, você fos- 60 P si co lo gi a e co m po rt am en to se um viajante sentado à janela de um vagão ferroviário, a descrever para al- guém que se encontra dentro as vistas cambiantes que vê lá fora. Finalmente, jamais esqueça que prometeu ser abso- lutamente honesto e nunca deixar nada de fora porque, por uma razão ou outra, é desagradável dizê-lo. Dessas orientações de Freud subtende-se que o con- teúdo a ser tratado através do tratamento analítico depen- deria unicamente do paciente e que todo e qualquer pen- samento, até mesmo os mais desagradáveis, deveria vir à consciência e serem falados. Sobre o tratamento psicanalítico, Freud (1925, p. 29) o caracterizava como: [...] uma forma de executar o tratamen- to médico de pacientes neuróticos [...] quando, porém, tomamos em tratamen- to analítico um paciente neurótico, agi- mos diferentemente. Mostramos-lhe as dificuldades do médico, sua longa dura- ção, os esforços e sacrifícios que exige; e, quanto a seu êxito, lhe dizemos não nos ser possível prometê-lo com certeza, que depende da sua própria conduta, de sua compreensão, de sua adaptabi- lidade e de sua perseverança. [...] Nada acontece em um tratamento analítico Te or ia s p si co ló gi ca s 61 além de um intercâmbio de palavras entre o paciente e o analista. O pacien- te conversa, fala de suas experiências passadas e de suas impressões atuais, queixa-se, reconhece seus desejos e seus impulsos emocionais. Percebemos que Freud (1913), em relação a este assun- to, alertava que a resistência desempenha um importante pa- pel no tratamento, pois, por muitas vezes, impedia que um conteúdo valioso fosse comunicado e tratado na análise. Uma técnica especial de interpretação foi desenvolvida a fim de ti- rar conclusões das ideias expressadas pela pessoa em análise. (2.7) A histeria Freud (1913), ao investigar os processos mentais incons- cientes, constatou que os sintomas histéricos, que as pessoas que o procuravam queixavam-se, eram resíduos (reminiscências) de experiências profundamente comovedoras que foram afastadas da consciência. Nos estudos sobre a Histeria, Freud (1895) escla- rece que, embora a pessoa não lembrasse, havia um nexo causal entre o fator desencadeante (o trauma) que tinha sido reprimido e afastado da consciência e os sintomas que causavam sofrimento. A vida sexual prestava-se, particularmente, como conteúdo para formação dos traumas pelas restrições e repressões do instinto se- xual, impostos pela organização cultural e social da época. 62 P si co lo gi a e co m po rt am en to Sobre isso, analisa: O desenvolvimento cultural imposto à humanidade é o fator que torna inevi- táveis as restrições e repressões do ins- tinto sexual, sendo exigidos sacrifícios maiores ou menores, de acordo com a constituição individual. O desenvol- vimento quase nunca é conseguido de modo suave e podem ocorrer distúrbios (quer por causa da constituição indivi- dual ou de incidentes sexuais prematu- ros) que deixem atrás de si uma disposi- ção a futuras neuroses. Tais disposições podem permanecer inofensivas se a vida do adulto progride de modo satis- fatório e tranqüilo, mas podem tornar- -se patogênicas se as condições da vida madura proíbem a satisfação da libido ou exigem gravemente sua supressão. (FREUD, 1913, p.267-268) Então, se as ideias, quase sempre de natureza sexual, são incompatíveis com as condições de vida, há uma expul- são da consciência, porém estas ideias se mantêm registradas no psiquismo e podem ser resgatas através da Análise. De seus estudos, Freud (1905) concluiu que nem to- das as manifestações histéricas eram provenientes de ex- periências traumáticas, pois constatou que as experiências Te or ia s p si co ló gi ca s 63de sedução relatadas como vivenciadas na infância não ti- nham ocorrido de fato, constituíam-se em fantasias, porém fantasias de natureza sexual. Freud (1905), então, deslocou a ênfase nos traumas infantis para fantasias infantis como responsáveis pela formação dos sintomas histéricos e pas- sou a interrogar-se sobre a tese de que a sexualidade hu- mana só se constitui na puberdade. Estas investigações e outras descobertas encaminha- ram Freud (1905) a investigar a sexualidade na infância, im- portante aspecto da sua teoria e que trouxe mudanças na concepção do desenvolvimento infantil. A descoberta da se- xualidade infantil foi compreendida, no início do século XX, como uma profanação da inocência da criança. Segundo o autor, a vida sexual das crianças é diferente da do adulto. Os estudos apontaram que, ao longo do nosso desenvolvimento, os objetos que são o foco e o modo da gratificação mudam, mas em determinados períodos da vida a energia da pulsão estará concentrada em determinadas partes do corpo (zonas erógenas). As mudanças no modo de gratificação, associadas com diferentes zonas erógenas, definem as fases do desen- volvimento. Estas fases refletem diferenças na expressão da energia da pulsão (sexual) e são definidas como fases psicos- sexuais do desenvolvimento. Freud (1940) descobriu que es- ses fenômenos que surgem na tenra infância fazem parte de um curso ordenado de desenvolvimento. Vamos ler, a seguir, um trecho da obra de Freud (1940, p. 179-180) em que é analisado o desenvolvimento da função sexual. O primeiro órgão a surgir como zona erógena e a fazer exigências libidinais 64 P si co lo gi a e co m po rt am en to à mente, da época do nascimento em diante, é a boca. Inicialmente, toda a atividade psíquica se concentra em for- necer satisfação às necessidades dessa zona. Primariamente, é natural, essa satisfação está a serviço da autopre- servação, mediante a nutrição; mas a fisiologia não deve ser confundida com a psicologia. A obstinada persistência do bebê em sugar dá prova, em estágio precoce, de uma necessidade de satisfa- ção que, embora se origine da ingestão da nutrição e seja por ela instingada, esforça-se, todavia por obter prazer independentemente da nutrição e, por essa razão, pode e deve ser denominada sexual. Durante essa fase oral, já ocorrem es- poradicamente impulsos sádicos, junta- mente com o aparecimento dos dentes. Sua amplitude é muito maior na segun- da fase, que descrevemos como anal-sá- dica, por ser a satisfação então procura- da na agressão e na função excretória. Nossa justificativa para incluir na libi- do os impulsos agressivos baseia-se na opinião de que o sadismo constitui uma fusão instintiva de impulsos puramen- te libidinais e puramente destrutivos, fusão que, doravante, persiste ininter- ruptamente. Te or ia s p si co ló gi ca s 65 A terceira fase é a conhecida como fáli- ca, que é, por assim dizer, uma precur- sora da forma final assumida pela vida sexual e já assemelha muito a ela. É de se notar que não são os órgãos genitais de ambos os sexos que desempenham papel nessa fase, mas apenas o mascu- lino (o falo). Os órgãos genitais femi- ninos por muito tempo permanecem desconhecidos[...] Com a fase fálica, e ao longo dela, a sexualidade da tenra infância atinge seu apogeu e aproxima- -se da dissolução. A partir daí meninos e meninas têm histórias diferentes. Ambos começaram a colocar sua ativi- dade intelectual a serviço de pesquisas sexuais; ambos partem da premissa da presença universal do pênis. Mas agora os caminhos do sexo divergem. O me- nino ingressa na vida edipiana; começa manipular o pênis e, simultaneamente, tem fantasias de executar algum tipo de atividade com ele em relação à sua mãe, até que, devido ao efeito combinado de uma ameaça de castração e da visão da ausência de pênis nas pessoas do sexo feminino, vivência o maior trauma de sua vida e este dá início ao período de latência, com todas as suas conseqüên- cias. A menina depois de tentar em vão fazer as mesmas coisas que o menino, vem a reconhecer sua falta de pênis ou, antes, a inferioridade de seu clitóris, 66 P si co lo gi a e co m po rt am en to com efeitos permanentes sobre o desen- volvimento do seu caráter; como resul- tante deste primeiro desapontamento em rivalidade, ela com freqüência co- meça a voltar as costas inteiramente à vida sexual. Depreendemos, com o autor, que essas fases do desen- volvimento psicossexual - oral, anal, fálica e período de latên- cia - são importantes para a compreensão da personalidade. Percebemos, com o autor, que a energia das pulsões sexuais (libido) vai se organizando em torno do corpo e em cada mo- mento do desenvolvimento direciona-se a uma zona erógena particular. As inibições, em uma das fases, podem manifes- tar-se como distúrbios na vida adulta, por isso, a etiologia dos distúrbios precisa ser procurada na história do desenvol- vimento do indivíduo. Para Freud (1940), essas fases não se sucedem de forma clara, podem sobrepor-se e podem estar presentes lado a lado. A organização completa só se conclui na puberdade, na fase genital. Autores, como a psicanalista Nancy Chodorow (2002), criticam os conceitos freudianos, como a análise da diferença anatômica entre os sexos a partir de pressupostos culturais patriarcais, que igualam a diferença entre homens e mulhe- res, associando-os a relações de superioridade e inferiorida- de. Expõem, assim, os preconceitos ideológicos da cultura patriarcal, a superior valoração do órgão genital masculino e a construção de explicações científicas a partir de relatos de fantasias dos(as) pacientes. Te or ia s p si co ló gi ca s 67 (2.8) O aparelho psíquico No texto “A Interpretação dos Sonhos” (1900), Freud (1900) analisa que os processos do sonho permitem compre- ender as formações do inconsciente. Nesse texto é apresenta- da a primeira concepção sobre a estrutura e funcionamento do aparelho psíquico, que é constituída por três sistemas: in- consciente, pré-consciente e consciente. O inconsciente é constituído por conteúdos recalca- dos que não têm acesso aos sistemas pré-consciente e consciente. O pré-consciente é formado por conteúdos que não estão acessíveis à consciência. Designa o que está implicitamente presente na ati- vidade mental, sem se situar, por isso, como objeto de consciência. Definido como descritivamente incons- ciente, mas acessível à consciência. (LAPLANCHE; PONTALIS, 1988) O consciente é o sistema que recebe as informações do mundo exterior e as provenientes do interior. Para Laplanche e Pontalis (1988, p. 135) “é qualidade mo- mentânea que caracteriza as percepções externas e in- ternas no meio do conjunto dos fenômenos psíquicos”. Posteriormente, Freud (1923) elabora uma outra concep- ção sobre o aparelho psíquico, dividindo-o em 3 sistemas: Ego, regido pelo princípio da realidade, é regulador, orientado para o 68 P si co lo gi a e co m po rt am en to mundo externo; Id, reservatório das pulsões e regido pelo “prin- cípio do prazer”, princípio que impulsiona a buscar o prazer mediante a descarga de excitação; e Superego, que representa a consciência social e moral interiorizada pela pessoa. Laplanche e Pontalis (1988) analisam que Freud aponta como funções do superego a consciência moral, formação de ideais, a auto-obser- vação. Herdeiro do complexo de Édipo, o superego constitui-se por interiorização das exigências e interdições parentais. Esses sistemas não são separados,o ego e o superego têm partes inconscientes também, e são constituídos pelas his- tórias de vida, pelas experiências pessoais e particulares; pois, com a Psicanálise, entendemos que o sujeito é um ser singular que participa das relações interpessoais, ocupa um lugar e faz laços sociais. Compreendemos, ainda, que o ser humano cons- titui-se na relação com o outro sujeito que lhe fornece os ele- mentos para que ocorra a inserção no campo da cultura, insti- tuído como lugar de troca, convivência e intercâmbios sociais. Vamos analisar uma outra importante teoria. (2.9) Psicologia sócio-histórica A Psicologia sócio-histórica estuda os fenômenos psi- cológicos (experiência pessoal) como construções históricas e sociais. Bock, Furtado e Teixeira (2008) analisam que a experi- ência pessoal do ser humano não pertence à natureza huma- na, pois a natureza humana, como uma essência pronta, abs- trata, eterna e universal, não existe. O que há é uma condição Te or ia s p si co ló gi ca s 69 que é construída nas relações sociais. Esta psicologia é fundamentada nos estudos de Vi- gotski que enfatizava que o desenvolvimento humano tem sua raiz na sociedade e na cultura. Destacando as origens so- ciais da linguagem e do pensamento, propôs que as funções psicológicas superiores precisariam ser compreendidas à luz da teoria marxista da sociedade humana. Vigotski iniciou sua carreira como psicólogo após a Revolução Russa de 1917. Predominavam, neste período, as produções teóricas de Wilhem Wundt, fundador da Psicolo- gia Experimental, e W. James, representante do pragmatismo americano. Pavlov e Watson, expoentes da Psicologia Com- portamental, e Kohler, Koffka e Kurt Lewin, fundadores do movimento da Gestalt na Psicologia, foram seus contemporâ- neos (VIGOTSKI, 1998). Para o autor, nenhuma das escolas de psicologia for- necia as bases firmes necessárias para o estabelecimento de uma teoria unificada dos processos psicológicos humanos. Ele se referia a uma crise na psicologia, impondo-se a tarefa de elaborar uma síntese das concepções antagônicas, em ba- ses teóricas completamente novas. Cole e Scriber (1998, p. 7) esclarecem que: Para os gestaltistas contemporâneos de Vigotski, a existência da crise devia-se ao fato de que as teorias existentes (fun- damentalmente behavioristas de Wun- dt e Watson) não conseguiram, sob seu ponto de vista, explicar os comporta- 70 P si co lo gi a e co m po rt am en to mentos complexos como a percepção e a solução de problemas. Para Vigotski, no entanto, a raiz da crise era muito mais profunda. Ele partilhava da insatisfa- ção dos psicólogos da Gestalt para com a análise psicológica que começou por reduzir todos os fenômenos a um con- junto de “átomos” psicológicos. Mas, ao mesmo tempo, ele sentia que os ges- taltistas não eram capazes de, a partir da descrição de fenômenos complexos, ir além, no sentido de sua explicação [...]. O que Vigostki procurou foi uma abordagem abrangente que possibilitas- se a descrição e a explicação das fun- ções psicológicas superiores, em termos aceitáveis para as ciências naturais. Vigotski criticou as teorias que afirmam que as fun- ções intelectuais resultam dos processos maturacionais, ou seja, estão pré-formadas na criança. Ele criticou severamente as teorias que postulam que a compreensão das funções psi- cológicas superiores humanas poderia ser feita através dos princípios da Psicologia Comportamental. Vigostki (1998) compreendia a sua teoria como aplicação do materialismo histórico e dialético marxista. A psicologia, para Vigostki, tinha como princípio que todos os fenômenos de- veriam ser estudados como processos em movimento e em mu- dança, pois, de acordo com a teoria marxista, as mudanças his- tóricas da sociedade e na vida material produzem mudanças na natureza humana, ou seja, na consciência e no comportamento. Te or ia s p si co ló gi ca s 71 Vamos, então, conhecer mais sobre Vigostki (1998): Lev Semionovich Vigotski nasceu em Orsha, uma pequena cidade na Bielo Rússia, em 17 de novembro de 1896. Mudou-se para Gomel, outra cidade deste país, onde viveu por um longo tempo. Sua família era de origem judai- ca e o ambiente familiar lhe propiciava grandes condições de desenvolvimen- to intelectual, visto que tanto seu pai como sua mãe eram pessoas cultas, que lhe oportunizaram uma educação am- pla e consistente. Até completar seus 15 anos, a educação de Vigotski processou- -se em casa, mediante os ensinamentos de tutores particulares e desde cedo ele já demonstrava grande interesse e de- dicação aos estudos. Conhecia várias línguas e, portanto, teve acesso preco- cemente a tudo que era produzido em outros países. Aos 17 anos completou o curso secundário e desde já recebeu me- dalha por seu ótimo desempenho. Estu- dou Direito e Literatura em Moscou ao mesmo tempo em que frequentava o curso de História e Filosofia na Univer- sidade Popular de Shanyavskii. Pouco tempo depois, Vigotski interessou-se pelo desenvolvimento psicológico, em especial, pelo desenvolvimento humano 72 P si co lo gi a e co m po rt am en to em pessoas que apresentavam algum tipo de deficiência. Este fato lhe fez se aproximar da Medicina, logo, sua pro- dução acadêmica transitava, dentre ou- tros campos do saber, pela arte, antro- pologia, filosofia, psicologia, linguística e até medicina. Vigotski chegou a ser convidado para assumir a direção do departamento de psicologia no Institu- to Soviético de Medicina Experimental (VIGOTSKI, 1998, p.22). Vigostki (1998) viveu até seus 37 anos, pois teve sua vida abreviada pela tuberculose. Para o autor, o indivíduo in- ternaliza elementos da cultura, os quais passam a fazer parte da natureza humana. Vigotski (1998) afirma, no livro A for- mação social da mente, que [...] a internalização das atividades so- cialmente enraizadas e historicamente desenvolvidas constitui o aspecto ca- racterístico da psicologia humana; é a base do salto qualitativo da psicologia animal para a psicologia humana. (VI- GOTSKI, 1998, p. 76) Te or ia s p si co ló gi ca s 73 (2.10) O ser humano é um ser social e histórico Para a Psicologia sócio-histórica, explicam Bock, Fur- tado e Teixeira (2008), sujeito e mundo são criados no mesmo processo, complementam-se e referem-se um ao outro. Desse modo, não há como compreender o ser humano sem conhecer o seu mundo social, que contempla as formas de relação, de produção da sobrevivência, os valores sociais e os diferentes modos de ser de cada um. O acesso que cada pessoa tem à cultura, ou seja, todas as coisas materiais e intelectuais criadas ao longo da história diferem entre os grupos sociais e marcam a construção das subjetividades. O ser humano está em permanente estado de movi- mento e mudança dos processos psicológicos, que estão na dependência do domínio dos meios culturais externos ou pela via do aperfeiçoamento interno das próprias funções psicológicas (atenção voluntária, memória, pensamento abs- trato, entre outros). A atenção aos movimentos da história social e individual é necessária para a compreensão do ser humano (VIGOSTKI, 1998). A psicologia busca, então, compreender o indivíduo nas suas relações e vínculos sociais, como ser determinado histórica e socialmente. Procura conhecer o ser humano na sua inserção social em um dado momento histórico, identifi- 74 P si co lo gi a e co m po rt am en to cando as determinações, o modo como essas experiências são interpretadas pelos sujeitos(BOCK, FURTADO E TEIXEIRA, 2008). A atividade, a consciência, a identidade, a linguagem, o sentido e o significado constituem-se categorias de análise da psicologia para compreender o ser humano. A identidade, a consciência e a atividade constituem aspectos importantes para a compreensão da constituição subjetiva do ser humano. Sobre identidade e subjetividade, importantes conceitos desta teoria, analisaremos de modo mais aprofundado na próxima aula. SÍNTESE Nesta aula, compreendemos que existem diferentes te- orias que, a partir de fundamentos filosóficos, sociais e políti- cos, elaboraram conceitos para compreender o ser humano. A partir de conceitos das Teorias psicológicas como o Behavio- rismo, a Gestalt, a Psicanálise e a Psicologia sócio-histórica, analisamos as suas contribuições para os estudos sobre à complexidade que é o ser humano. QUESTÃO PARA REFLEXÃO Como as teorias percebem o ser humano? Quais os principais conceitos? Te or ia s p si co ló gi ca s 75 LEITURAS INDICADAS BOCK, A. M. B.; FURTADO, O.; TEIXEIRA, M. L. T. Psicologias: uma introdução ao estudo da psicologia. São Paulo: Saraiva, 2008. SITES INDICADOS http://www.mariaritakehl.psc.br/ http://www.jorgeforbes.com.br/br/index.asp http://www.youtube.com/watch?v=2qnBE_8A6Fk http://www.youtube.com/watch?v=QSOBXfcHbHI REFERÊNCIAS BOCK, A. M. B.; FURTADO, O.; TEIXEIRA, M. L. T. Psico- logias: uma introdução ao estudo da psicologia. São Paulo: Saraiva, 2008. CAMBAÚVA, L.G.; SILVA, L.C.; FERREIRA, W. Reflexões so- bre os estudos da psicologia. Disponível em: <http://www. scielo.br/pdf/epsic/v3n2/a03v03n2.pdf>. Acesso em: 25 mai 2012. 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Rio de Janeiro: Imago; Standard Brasileira, 1895. Obras Completas, vol II. A interpretação dos sonhos. Rio de Janeiro: Imago; Standard Brasileira, 1900. Obras Completas, vol IV. Três ensaios sobre a teoria da sexualidade. Rio de janeiro: Imago; Standard Brasileira, 1905. Obras Completas, vol VII. Uma nota sobre o inconsciente na psicanálise. Rio de Janei- ro: Imago; Standard Brasileira, 1912. v. 12 (Obras Completas). Sobre a psicanálise. Rio de Janeiro: Imago; Standard Brasilei- ra, 1913. Obras Completas, vol XII. Te or ia s p si co ló gi ca s 77 A história do movimento psicanalítico. Rio de Janeiro: Ima- go; Standard Brasileira, 1914. Obras Completas, vol XIV. Conferências introdutórias sobre psicanálise. Rio de Janei- ro: Imago; Standard Brasileira, 1915. Obras Completas, vol XV. O Ego e o ID. Rio de Janeiro: Imago; Standard Brasileira, 1923. Obras Completas, vol XIX. Uma breve descrição da psicanálise. Rio de Janeiro: Imago; Standard Brasileira, 1924. Obras Completas, vol XIX. O inconsciente. Rio de Janeiro: mago; Standard Brasileira, 1915. v. 14. (Obras Completas) A questão da análise leiga. Rio de Janeiro: Imago; Standard Brasileira, 1925. Obras Completas, vol XX. Esboço de psicanálise. Rio de Janeiro: Imago; Standard Bra- sileira, 1940. v. 23. (Obras Completas). GLASSMAN, W.; HADAD, M. Psicologia: abordagens atuais. Porto Alegre: Artmed, 2008. LAPALNCHE, J.; PONTALIS, J. Vocabulário de psicanálise. São Paulo: Martins Fontes, 1988. SKINNER, B. F. Ciência e comportamento humano. São Pau- lo: Martins Fontes, 1981 SCHULTZ, D.; SCHULTZ, S. História da psicologia moder- na. São Paulo: Cultix, 1992. 78 P si co lo gi a e co m po rt am en to VIGOTSKI, L. S. A formação social da mente: o desenvolvi- mento dos processos psicológicos superiores. São Paulo: Mar- tins Fontes, 1998.
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