Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
GGÊÊNNEERROO CCAAMMPPYYLLOOBBAACCTTEERR O gênero Campylobacter é composto por bacilos Gram negativos, curvos, espiralados ou em forma de “S”. Em culturas de vários dias, principalmente as espécies C. jejuni e C. coli, podem ainda se apresentar como formas esféricas, ovaladas ou cocóides, consideradas inviáveis. As células variam de 0,5 a 5 m de comprimento por 0,2 a 0,5 m de largura, formando por vezes pequenas cadeias de células duas a duas, lembrando asas de gaivota ou, em raras ocasiões, cadeias mais longas (Ursing et al. 1994). São extremamente móveis por flagelo monotríquio ou anfitríquio, o que lhes confere uma motilidade característica em torno do próprio eixo (movimento em saca-rolha). As espécies deste gênero bacteriano não produzem endosporos. São quimiorganotróficas, não metabolizam carboidratos e obtêm energia de aminoácidos ou de compostos intermediários do ciclo dos ácidos tricarboxílicos, que não sejam hidratos de carbono. Apresentam percentual de citosina/guanina em torno de 30 mol%, rico em adenina e timina, sendo seu metabolismo estritamente respiratório. São tipicamente microaerófilas, requerendo uma tensão de oxigênio de 3 a 15% e de 3 a 5% de CO2 para seu desenvolvimento (Smibert 1984). Algumas estirpes podem crescer sob condições anaeróbicas e ocasionalmente algumas podem desenvolver-se em aerobiose. Todas produzem a enzima oxidase e são urease negativas, com exceção de algumas cepas de Campylobacter lari (Anônimo 1994). Em função de serem catalase positiva ou negativa, podem ser divididas em dois grandes grupos. Dentre as espécies produtoras de catalase encontram-se cepas que crescem bem entre 25 e 37oC, mas não a 43oC, e ainda aquelas (conhecidas como termofílicas ou termotolerantes) que não apresentam crescimento a 25oC, crescem a 37oC, porém, preferencialmente a 43oC (Butzler 1984). HHIISSTTÓÓRRIICCOO Campylobacter sp. começou a ser conhecido no início do século, quando Mc Faydean & Stockmann (1913) e Smith (1918) demonstraram a etiologia do aborto em bovinos e ovinos. Segundo estes autores o aborto era causado por um microrganismo, morfologicamente similar às espécies do gênero Vibrio. Posteriormente, em 1919, Smith & Taylor isolaram uma bactéria semelhante a partir de fetos abortados, denominando-a Vibrio fetus por apresentar também morfologia muito similar ao Vibrio cholerae e de produzir aborto nos animais. Jones et al. (1931) isolaram um vibrião microaerófilo a partir de bovinos com alterações intestinais, que pela sua capacidade de reproduzir experimentalmente a doença foi considerado o agente da disenteria de inverno do gado e recebeu o nome de Vibrio jejuni. Doyle (1944) descreveu um outro vibrião, também microaerófilo, isolado de porcos com diarréia, denominando-o Vibrio coli. Como primeira observação do agente no Homem é considerada a descrição realizada por Levy (1946), que no decorrer de uma epidemia de gastrenterite observou, microscopicamente, formas espiraladas de vibriões em 20% das amostras fecais examinadas, não conseguindo o seu isolamento pelas técnicas habituais. Entretanto em um estudo realizado Kist (1986), uma série de dados foram levantados na literatura científica alemã do século XIX (1884,1886,1892,1894) e outros do século XX, porém anteriores a Levy (1946), que descrevem a observação de espirilos, morfologicamente semelhantes a Campylobacter, em secreções humanas. Estas informações revelam que, em relação ao descobrimento e a primeira descrição do microrganismo, não se poderá esquecer o nome de Theodor Escherich, embora nem o próprio tenha tido conhecimento do verdadeiro significado de suas observações. A primeira infecção humana em que se estabeleceu como agente causal uma bactéria com aquelas características foi descrita em 1947 por Vinzent et al. em sangue de três mulheres grávidas com problemas entéricos. Nos dez anos seguintes Campylobacter foi isolado ocasionalmente do sangue, líquor, outros fluidos e também de abscessos. A maioria dos pacientes era idosa ou debilitada, quer seja pelo consumo do álcool, por doenças malignas, diabetes mellitus ou distúrbios cardiovasculares. Por esse motivo, admitiu-se que o microrganismo era oportunista. Entretanto, Elizabeth King (1957) foi a primeira pesquisadora a associar esses microrganismos espiralados com gastrenterite, ao isolar em hemoculturas de crianças com diarréia germes de morfologia similar aos vibriões, porém capazes de crescer em temperaturas mais elevadas (42ºC). Visto que os espécimes isolados não correspondiam totalmente àqueles descritos por Vinzent, King denominou-os "Related vibrios". Posteriormente, em 1962, King verificou que os "Related vibrios" correspondiam ao Vibrio jejuni de Jones e ao V. coli de Doyle, os quais diferiam do V. fetus quanto ao crescimento em condições diferentes de temperatura e incubação. Em 1963, Sebald e Véron estabeleceram que tanto o V. fetus de Smith e Taylor como os outros germes similares isolados do homem e de animais apresentavam expressões fenotípicas e uma relação citosina-guanina fundamentalmente diferente das do gênero Vibrio. Propuseram, por este motivo, a criação do gênero Campylobacter (do grego Campylo = curvo e bacter = bactéria) para agrupar estes microrganismos, tendo C. fetus como a espécie tipo. Os esporádicos isolamentos subseqüentes sempre foram obtidos a partir de sangue e líquor e ainda que muitos autores suspeitassem da existência desta bactéria no trato intestinal, todas as tentativas realizadas para isolá-la das fezes foram infrutíferas, pela inexistência de meios seletivos capazes de impedir o crescimento da flora comensal (Lauria-Filgueiras 1992). Os primeiros isolamentos de fezes foram realizados por Cooper & Slee (1971). A seguir, Dekeyser et al. (1972), na Bélgica, utilizaram a técnica de filtração da suspensão fecal em membranas filtrantes de 0,65μm de porosidade e semeadura em meio de cultivo contendo bacitracina, polimixina B, novobiocina e actidione. A partir de 1977, quando Skirrow isolou C. jejuni de fezes, utilizando meio seletivo com antibióticos e descreveu a enterite causada por esses microrganismos como uma "nova doença", Campylobacter tornou-se mundialmente conhecido. Posteriormente, Butzler & Skirrow (1979) e Blaser et al. (1979) desenvolveram outros meios seletivos que permitiram o isolamento desses microrganismos com relativa facilidade. Desta forma possibilitaram reconhecer sua existência em praticamente todo o mundo, assim como sua participação em diferentes quadros infecciosos no homem (Lauria-Filgueiras 1992). DDAADDOOSS TTAAXXOONNÔÔMMIICCOOSS DDEE CCAAMMPPYYLLOOBBAACCTTEERR Véron (1966) propôs a inclusão do gênero Campylobacter na família Spirillaceae, ao correlacionar os resultados da taxonomia numérica e composição de bases do DNA. Surgiram então duas correntes taxonômicas descritas na literatura da época: uma, de origem francesa, proposta por Véron e Chatelain (1973) dividindo a espécie tipo em C. fetus subsp. fetus e C. fetus subsp. veneralis, esta ainda com o biotipo intermedius, havendo também o reconhecimento de C. jejuni e C. coli como possíveis novas espécies. A outra corrente era da escola americana, proposta por Smibert (1974), que dividiu a espécie tipo em três subespécies: fetus, intestinalis e jejuni. Skirrow & Benjamin (1980a), com base em estudo taxonômico, propuseram a existência de duas espécies diferentes: Campylobacter jejuni e C. coli, separando definitivamente o então grupo C. jejuni/coli. Estes autores propuseram ainda a sub-divisão do C.jejuni em 2 biotipos (I e II) e a incorporação ao grupo de uma espécie conhecida na época como NARTC (Campylobacter termofílico resistente ao ácido nalidíxico). A denominação de Campylobacter laridis para esta espécie bacteriana foi proposta por Benjamin et al. (1983). Ainda na década de 80 diversas mudanças ocorreram neste gênero bacteriano, decorrentes da atenção atribuída ao seu envolvimento com enterites, gastrites e outras doenças humanas e de animais (Lauria-Filgueiras 1992). Novas espécies foram descritas (Fennell et al. 1984, Marshall & Warren 1984, Gebhart et al. 1985, Neill et al. 1985, Roop et al. 1985, Steele et al. 1985, Totten et al. 1985, Steele & Owen 1988), assim como foi criado o gênero Helicobacter como resultado das diferenças fenotípicas e genotípicas apresentadas pela espécie Campylobacter pyloridis (Goodwin et al. 1989). Em 1990, von Graevenitz, baseando-se no Código Internacional de Nomenclatura Bacteriana, considerou incorreta a espécie Campylobacter laridis, pois levando em consideração o nome em latim (nom. Larus) para o gênero das gaivotas das quais esta bactéria foi isolada do trato digestivo, o nome correto seria Campylobacter lari. Kiehlbauch et al. (1991) descreveram o Campylobacter butzleri, como uma espécie fracamente produtora de catalase, porém aerotolerante, com pouca sensibilidade ao ácido nalidíxico (30 µg) e que não cresce a 42oC. Também em 1991, Vandamme et al., em uma revisão sobre a taxonomia dos gêneros Campylobacter, Helicobacter e Wolinella, mudaram as espécies C. cinaedi e C. fennelliae para o gênero Helicobacter. As espécies Wolinella recta e W. curva foram inseridas no gênero Campylobacter, passando a se chamar Campylobacter recta e C. curva. Os autores ainda realizaram nesta revisão uma nova descrição do gênero Campylobacter Sebald & Véron 1963, mantendo a espécie tipo C. fetus (Smith & Taylor, Sebald & Véron 1963) e constando das seguintes espécies: Campylobacter fetus, C. hyointestinalis, C. mucosalis, C. concisus, C. sputorum, C. jejuni, C. coli, C. lari, C. upsaliensis, C. curvus e C. rectus. A criação da família Campylobacteraceae foi proposta por Vandamme & de Ley (1991), agrupando os gêneros Campylobacter e Arcobacter por suas semelhanças fenotípicas e genotípicas, e separando-as dos gêneros Helicobacter, Wolinella e "Flexispira", que continuaram na super-família RNAr VI, na classe Proteobacteria, subdivisão Épsilon. Em uma revisão sobre a taxonomia dos gêneros Campylobacter, Arcobacter e Helicobacter, Vandamme & Goossens (1992) reafirmam a estreita relação genotípica de Campylobacter e Arcobacter, sendo este último composto da espécie-tipo Arcobacter nitrofigilis, de Arcobacter cryaerophila e de "Arcobacter butzleri". No mesmo trabalho eles afirmam a proximidade filogenética dos gêneros "Flexispira", Wolinella e Helicobacter. Stanley et al. (1992) descreveram uma nova espécie, Campylobacter helveticus, fenotipicamente similar a Campylobacter upsaliensis, podendo também ser isolada de cães e gatos, porém sem envolvimento da espécie humana. Este fato a diferencia de C. upsaliensis, espécie envolvida em problemas gastrentéricos e bacteremia no homem (Patton et al. 1989, Goossens et al. 1990). Em 1993, Etoh et al. propuseram o nome de Campylobacter showae sp. nov. para um grupo de cepas bacterianas isoladas de material gengival de gengivites humanas, com comportamento bioquímico similar as das espécies C. curvus and C. rectus, mas diferenciadas morfologicamente destas pela presença de dois a cinco flagelos em uma das extremidades da célula, assim como por outras características como: produção de enzima catalase, composição protéica da membrana externa e homologia do DNA (DNA-DNA). Ursing et al. (1994) estabeleceram como critérios mínimos para apreciação de possíveis novas espécies para a família Campylobacteraceae: 1) estudos baseados em pelo menos dez cepas; 2) padronização dos procedimentos para diferenciação da "nova espécie" de outras já existentes, através de testes que visem tanto uma caracterização fenotípica quanto genotípica; 3) dados ecológicos e epidemiológicos do microrganismo e 4) sugestão do seu mecanismo de agressão ao hospedeiro, se possível. Esse trabalho deu início a uma série de estudos sobre a taxonomia desses organismos com a participação de todos os membros do "Subcommittee on the Taxonomy of Campylobacter and Related Bacteria" (Patton & Ursing 1996). Atendendo em parte aos quesitos necessários, Alderton et al. descreveram em 1995 uma espécie de Campylobacter associada com enterite invasiva em suínos, propondo o nome de Campylobacter hyoilei sp. nov.. Ainda em 1995, On et al., através de estudos fenotípicos, de ultra- estrutura e genotípicos, sugeriram a denominação de Campylobacter hyointestinalis subsp. lawsonii subsp. nov. para o grupo de bactérias isoladas de estômago de suínos e anteriormente, conhecidas como grupo "CHY", por terem sido em primeira instância identificadas como "Campylobacter hyointestinalis- like". Como contribuição à taxonomia destes microrganismos, On (1996) descreveu métodos para identificação de campylobacters, helicobacters e microrganismos similares, abrangendo testes fenotípicos, sorológicos, aglutinação da lecitina, análise dos ácidos graxos celulares, espectrometria de massa, análise de proteínas, provas com ácidos nucléicos, PCR e outros testes genômicos. Vandamme et al. (1997) reavaliaram a posição taxonômica de Campylobacter hyoilei Alderton et al. 1995, baseados em dados fenotípicos e genotípicos e concluiram ser essa espécie indistingüível de C. coli Véron and Chatelain 1973, sugerindo que C. hyoilei seja considerado como uma sinonímia de C. coli. Arcobacter cryaerophila (Campylobacter cryaerophila) foi corrigido gramaticalmente para A. cryoaerophilus, por Euzeby (1997), pelo fato do nome específico anterior tratar-se de um adjetivo e não um substantivo. O "Subcommittee on Taxonomy of Campylobacter and Related Bacteria" reunido na cidade do Cabo, África do Sul, em setembro de 1997, durante o "9th International Workshop on Campylobacter, Helicobacter and Related Organisms" reconheceu a importância de ser realizada uma padronização dos esquemas de tipificação, principalmente em relação a Campylobacter jejuni e C. coli. Destacou-se a realização de projetos de pesquisa em colaboração, visando obter uma chave, ou melhor, um protocolo padrão para sua identificação através dos diferentes métodos de tipagem já descritos. Foi ressaltada a importância da seqüência RNAr 16S para os estudos taxonômicos dos microrganismos com características semelhantes àqueles pertencentes a família Campylobacteraceae (Lastovica et al. 1998, On et al. 1998a). Sob o aspecto formal, os membros deste subcomitê acataram a denominação de Campylobacter gracilis para Bacteroides gracilis e reconheceram as duas sub-espécies de Campylobacter hyointestinalis: C. hyointestinalis subsp. hyointestinalis e C. hyointestinalis subsp. lawsonii. Em um estudo realizado com pesquisadores do Reino Unido, Dinamarca e da Bélgica (On et al. 1998b), é proposta uma revisão para os três biotipos (ou infra-subespécies) de Campylobacter sputorum (sputorum, bubulus e fecalis), que ficariam caracterizados como: biotipo sputorum, as cepas catalase negativa; biotipo fecalis, aquelas catalase positivas e biotipo paraureolyticus para estirpes urease positivas. As cepas previamente caracterizadas como biotipo bubulus, poderiam ser re-classificadas como biotipo sputorum, uma vez que as provas diferenciais que separavam os biotipos bubulus de sputorum não foram reproduzíveis.A espécie tipo, C. sputorum, conseqüentemente, foi revista neste estudo taxonômico. Lawson et al. (1998) detectaram uma espécie de Campylobacter no intestino e cavidade oral de pessoas saudáveis, que, embora não seja cultivável, foi estudada por testes de PCR. Por não apresentar a seqüência de genes RNAr 16S similar à de nenhuma das espécies conhecidas, foi denominada como "Candidatus Campylobacter hominis". AA IIMMPPOORRTTÂÂNNCCIIAA DDOO GGÊÊNNEERROO CCAAMMPPYYLLOOBBAACCTTEERR Nos últimos trinta anos, os membros termofílicos deste gênero bacteriano têm se mostrado como enteropatógenos de grande importância para a Saúde Pública, principalmente nos países do primeiro mundo (On 1996, Ketley 1997, Allos & Taylor 1998). A campilobacteriose se propaga na maioria das vezes pela via fecal-oral, através do contato direto com fezes de animais infectados (incluindo de seres humanos), ingestão de alimentos de origem animal contaminados e, ainda, pela veiculação hídrica, principalmente com água não tratada, contaminada com fezes humanas e/ou de outros animais. Portanto, o Homem e os demais animais homotérmicos são considerados as fontes de infecção (doente, portador e reservatório), o que lhes atribui um caráter ubíquo e enquadra a campilobacteriose como uma zoonose bastante comum (Allos & Taylor 1998). Dados atuais (Altekruse 1999) nos mostram que nos Estados Unidos da América, 46% dos casos das gastroenterites provocadas por agentes bacterianos são causados por Campylobacter sp., prevalecendo sobre as infecções causadas por Salmonella sp. (28%), Shigella sp. (17%) e Escherichia coli O157 (5%). Segundo Tauxe (1992), em vinte e um estudos sobre a incidência de Salmonella sp. e Campylobacter sp. em casos de gastroenterites ocorridos no Reino Unido, França, Holanda, Itália, Suíça, Estados Unidos e Austrália, doze apresentaram maior incidência nas infecções por espécies de Campylobacter sp.. Ressalta-se, porém, que a mesma situação epidemiológica não é observada no Brasil, pois são poucos os laboratórios que desenvolvem estudos envolvendo essa bactéria. Por conseguinte, poucos são os relatos descritos na literatura nacional e/ou internacional com dados sobre isolamentos ou caracterizações de cepas brasileiras (Lauria-Filgueiras et al. 1999). As enterites por este microrganismos são autolimitadas. A eritromicina continua sendo a droga de escolha para os casos de doenças diarréicas suficientemente graves, que exigem tratamento antimicrobiano, recorrendo-se nas infecções invasivas aos aminoglicosídeos (Mims et al. 1995). Os sintomas da campilobacteriose são indistingüíveis da diarréia causada, por exemplo, por salmonelas, embora a doença possa ter um período de incubação maior e a duração mais prolongada (Mims et al. 1995). A dor abdominal pode ser intensa, a ponto de o paciente ser hospitalizado com suspeita de apendicite e chegar a um procedimento cirúrgico desnecessário (Skirrow & Blaser 1992). Em algumas situações, segundo Altekruse et al. (1999), sete a dez dias após o aparecimento da infecção entérica cerca de 1% ou mais dos pacientes tem como conseqüência a Síndrome de Reiter (artrite reativa), que mesmo sendo benigna, implica na incapacitação dos portadores por várias semanas ou mesmo meses (Skirrow & Blaser 1992). Outro dado importante a assinalar consiste no crescimento lento, mas já perceptível, principalmente no Japão, na China e no México, da ocorrência de casos da Síndrome de Guillain-Barré (GBS), dias ou semanas após uma infecção intestinal causada por Campylobacter jejuni (Mishu & Blaser 1993, Nachamkin et al. 1998). Essa doença, depois do declínio dos casos de poliomielite, representa a causa mais comum de paralisias neuro-musculares flácidas, podendo se apresentar sob a forma branda ou até mesmo como casos fatais. A patogenia de Campylobacter sp. na síndrome vem sendo aos poucos esclarecida (Gregson & Appelmelk 1999, Nachamkin & Moran 1999), ocasionando recomendações tanto sobre a notificação de casos quanto aos procedimentos de controle dessa infecção (NIAID Workshop 1996, Lastovica et al. 1998). Sob o enfoque epidemiológico assinala-se que Aldová & Lhotová (1991) encontraram excreção de Campylobacter jejuni nas fezes de pacientes convalescentes por períodos de até 71 dias. Este dado, associado à existência de portadores assintomáticos e à baixa dose infectante necessária para desencadear o quadro infeccioso (cerca de 500 organismos/ml), desempenham importante papel no ciclo da campilobacteriose na espécie humana, nos demais animais e no próprio meio ambiente. No que concerne aos fatores de virulência, os dois mecanismos clássicos de agressão dos enteropatógenos parecem ser utilizados, isto é, por ação de enterotoxinas e pela capacidade invasiva (Skirrow 1994, Ketley 1997). Todavia o que se observa infectando experimentalmente primatas não- humanos com Campylobacter jejuni é que nem sempre existe uma reprodução do quadro agudo apresentado pelo homem. Os animais comportam-se, nestas infecções experimentais, como os portadores assintomáticos dos países tropicais, que são infectados de forma endêmica por diferentes sorotipos de C. jejuni (Richardson et al. 1981, Taylor et al. 1988). Schwartz et al. (1996) sugerem que as proteínas da membrana externa de Campylobacter jejuni/coli possam induzir um aumento da capacidade de invasão dos microrganismos quando há diminuição do teor de íons de ferro, por um mecanismo bastante complexo e diferente daquele desenvolvido pelas shigelas, salmonelas e yersínias. Como várias lacunas ainda persistem no conhecimento da virulência dos campylobacters, torna-se necessário a realização de estudos mais aprofundados para a possível elucidação desses mecanismos envolvidos (Fernández & Trabulsi 1995, Allos & Blaser 1995, Schwartz et al.1996, Ketley 1997). Sob um outro prisma, salienta-se o problema situado nas dificuldades do diagnóstico laboratorial desse enteropatógeno, devido às suas características de microaerofilia e termotolerância, diametralmente diferentes das rotineiramente utilizadas na pesquisa de enterobactérias (Salmonella sp., Shigella sp. ou dos diferentes grupos de E. coli). Dado também importante a ser observado ao se trabalhar com Campylobacter sp. consiste na rápida inviabilidade das cepas, com visível modificação de sua morfologia (de células curvas, em forma de "S" ou lembrando gaivotas para formas arredondadas, cocóides), que, por não mais apresentarem crescimento, impedem a conclusão de sua caracterização (Lauria-Filgueiras & Hofer 1998). Contrastando com esse fato, existem diversos relatos sobre a sobrevivência deste microrganismo sob diferentes condições. Sabe-se da possibilidade de serem detectados em fezes (humanas ou não) por períodos de até quatro semanas (Skirrow & Benjamin 1980b, Blaser et al. 1983, Pazzaglia et al. 1991), porém a sua viabilidade em outros ambientes sofre a influência de alguns fatores. Campylobacter jejuni sobrevive, quando mantido a 4o C, por três semanas em leite, quatro em água e cinco em urina; entretanto a 25o C sua sobrevida cai para poucos dias (Fox 1982, Allos & Taylor 1998). Em pH neutro ou alcalino, especialmente na presença de bile, esta bactéria se multiplica e mantém-se viável por um período maior do que três meses a 37o C, mas sua sobrevivência não passa de 5 minutos em pH menor que 2,3 (Blaser et al. 1980). Assim sendo, deve-se destacar a relevância dessas questões que abordam os mecanismos de transmissão, patogenicidade, epidemiologia e biologia do Campylobacter sp., além de ser importante sinalizar a altafreqüência com que a infecção tem sido observada nos países desenvolvidos confrontando com o número limitado de investigações existentes no território nacional.
Compartilhar