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Preconceito lingüístico e coitadismo lingüístico _ Flavio Morgenstern Implicante -

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28/06/2015 Preconceito lingüístico e coitadismo lingüístico | Implicante
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Preconceito lingüístico e coitadismo lingüístico
Kindle
O livro do MEC não é novidade no reino das Letras – é até fichinha perto da subserviência à ignorância
que as faculdades obrigam seus alunos a aceitarem. O objetivo do plano tem, sim, a assinatura do PT.
„Gelernt habe ich dort nur Latein und Lügen.”
(Lá [na escola] aprendi apenas duas coisas: latim e mentiras.)
– Hermann Hesse (com a diferença de
que no Brasil não aprendemos latim.)
Neste  momento  já  é  consabido  que  o  MEC  aprovou  o  livro  “Por  uma  Vida  Melhor”,  da  professora
Heloísa  Ramos,  que  defende  a  idéia  revolucionária  de  ser  fisicamente  possível  falar  “nós  pega  o
peixe”,  sem  punição  divina  imediata  com  um  raio  nos  fundilhos.  O  argumento  é  que  o  maior  dos
problemas  em usar  tal  sentença  nas CNTP é  sofrer  “preconceito  lingüístico”.  Em  outras  palavras,  o
maior problema está em quem ouve, não em quem profere.
Pela primeira vez o Brasil secular descobriu o que se estuda porta adentro das ignotas faculdades de
Letras (visto que nenhum letrando parece dominar muito bem a gramática normativa) – por lá o que se
faz são discussões bizantinas como o “preconceito lingüístico”, além de outras patranhas a respeito da
“sociedade  de  classes”.  Muitos  “especialistas”  em  algo  indefinido  (especialistas  em  preconceito?)
vieram a público explicar  seu ponto de  vista. Sendo uma área do  saber  humano em que há  teorias
rivais  terçando  armas  entre  si  pela  propriedade  da  verdade,  é  hora  de  um  especialista  no  assunto
mostrar o lado inverso dessa patacoada.
O preconceito lingüístico é um conceito marxista criada pelo sociólogo Nildo Viana como demonstração
de  outra  forma  de  opressão  e  luta  de  classes.  Seu  maior  defensor,  calcado  em  escritos  de  Pierre
Bordieu, é o professor da UnB Marcos Bagno. Seu opúsculo “Preconceito Lingüístico – O que é, como
se faz”vendeu feito pão quente e colonizou mentes pós­púberes em todo o Brasil. Outro monumento à
sabedoria simiesca de sua autoria é “A Norma Oculta – Língua & Poder na Sociedade Brasileira”. É um
interessante exercício de antropologia escatológica descer às minudências malcheirosas destes livros.
19 DE MAIO DE 2011
Por Flávio Morgenstern
28/06/2015 Preconceito lingüístico e coitadismo lingüístico | Implicante
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Ciência petista
Após a publicação na  imprensa do  livro aprovado pelo MEC ensinando o molusquês (que angariou a
bagatela de R$700 mil para a autora operária e R$5 milhões para a editora, num país famoso por sua
incultura),  que muitos  afirmaram  ser mais  uma  obra  do  petismo  barbarizando  o  país.  Não  foi  outro
senão o próprio Marcos Bagno que veio a público defender a autora. Segundo o esbulho, quem está
comentando  o  caso  são  jornalistas  que  não  têm  conhecimento  sobre  lingüística,  que  apenas
confirmam mais preconceito. Lingüisticamente falando, não há certo e errado. E nada tinha a ver com
o PT.
Conheço  mais  pessoas  que  entendem  de  psicologia  evolucionista  e  álgebra  abstrata  do  que  bem
versadas nos capilares ramos inquietos da Lingüística. Esta é uma ciência que analisa as línguas sob
diversos pontos de vista, muitas vezes sanguinarimente conflitantes. Como se preocupa com a língua,
e não apenas  com documentos escritos  sob gramática escorreita,  está  preocupada em entender  se
uma sentença é possível em uma língua ou não.
Assim, “os menino pega o peixe” é claramente uma sentença possível em português, mas não é em
inglês nem em  finlandês. Também “os pega menino peixe o” não  é possível  em português,  por  não
produzir comunicação de significado, apesar de as palavras serem nitidamente do léxico da língua.
Tais exemplos seriam o Básico  I do estudo da Sintaxe. Entender um  livro de sintaxe exige profundo
entendimento  de  orações  subordinadas  assindéticas  e  vastas  leituras.  O  que  só  é  possível  ser
realizado a contento com esmerado estudo da gramática normativa.
Mas  o  incível  Bagno  diz  que  pode  demonstrar  “cientificamente”  seu  ponto  de  vista:  “de  nada  serve
combater preconceito com preconceito: vamos, isto sim, tentar analisar os fatos com rigor científico” (A
norma  oculta,  p.  25).  Não  é  de  se  estranhar  que  logo  após  encaixe  bem  e  dê  pra  trás  uns  23
cm: “Embora eu tenha escrito que se trata de uma ‘inegável evidência’, é bom salientar que ela só é
inegável para os lingüístas que, como eu, acreditam que o português brasileiro e o português europeu
são de  fato (sic)  duas  línguas distintas”  (op.  cit.,  p.  49). Os  teólogos  da Universal  invejaram o  rigor
científico.
Afirma  que  o  conceito  não  é  petista  (mas  também  evita  lembrar  ao  público  que  é  rigorosamente
marxista),  enquanto  na  sétima  linha  de  seu  segundo  livro  supracitado  encontramos  o  verbete
científico “Luiz Inácio Lula da Silva”. Também comenta em defesa pro domo sua sobre “o discurso da
candidata azul disfarçada de verde à presidência da República no ano passado”, poucas linhas abaixo
de “Não é coisa de petista, fiquem tranquilas senhoras comentaristas políticas da televisão brasileira e
seus  colegas  explanadores  do  óbvio”.  Alguém  precisa  explicar  para  o menino  Bagno  o  conceito  de
“contradição”  enquanto  ele  inventa  a  primeira  “ciência”  em  que  as  conclusões  só  fazem  sentido
votando­se na Dilma.
28/06/2015 Preconceito lingüístico e coitadismo lingüístico | Implicante
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O cacarejador Bagno  combate  posturas  “autoritárias”.  Basta  apenas  votar  em  seus  candidatos  para
cair no  reino da  liberdade e  felicidade – assim como não demora muito para  jogar às  fauces do seu
leitor que a gramática normativa é um produto do comércio!
Não despicienda é a observação de que sua eureka “científica” não se  furta a escrever  frases como
““Usamos ela segundo as nossas concepções”, para mostrar que não tem medo de falar “errado”. De
minha  parte,  ainda  espero  um  livro  do  sr.  Bagno  povoado  de  construções  como  “o  pré  conceito
linguistico é tudo culpa das elite”. Não devemos valorizar a variação língüística?
Marcos Bagno, o metafísico
O  sofisteco  Bagno  se  diverte  apresentando  exemplos  de  erros  gramaticais  em  jornais  e  revistas,
bancando o  esbirro  de  seus desafetos  (a  saber,  qualquer  jornalista  que não declara  voto  no PT). A
despeito de tarefa mais útil à humanidade ser procurar palavras que ainda não entraram no léxico de
corretores ortográficos digitais (como “gramaticais”), não é preciso viajar com LSD para imaginar que
esses jornalistas corrigiriam seus erros facilmente (mesmo que, por terem mais o que fazer, como as
unhas,  não  percam  seu  tempo  estapeando­se  com Marcos Bagno),  em  vez  de  tentarem  convencer
seus leitores a “prestigiar falares variados”.
Diz o pacóvio: “acusar alguém de não saber falar a sua própria língua materna é tão absurdo quanto
acusar  essa  pessoa  de  não  saber  ‘usar’  corretamente  a  visão”  (op.  cit.,  p.  17).  Todo  o  busílis  que
instiga  Bagno  a  apoucar  a  inteligência  letranda  e  vomitar  seu  ódio  à  ensinança  das  crianças  foi  ter
faltado às aulas de figuras de linguagem e, indouto no assunto, não saber identificar uma metonímia, a
figura  de  linguagem  que  troca  um  termo  por  outro  por  relação  de  parecença!    A mesma  figura  de
linguagem que permite construções ricas e econômicas como “Eu tenho um Picasso” (além da soberbae  da  mentira).  Ora,  algum  lingüista  precisa  envidar  muito  esforço  sináptico  para  perceber  que
dizer “não sabe  falar português” é oração  reduzida de  “não  tem  capacidade  de  sempre  que  profere
sentenças,  seguir  pari  passu  as  complexas  regras  da  gramática  normativa  atualizadas  da  língua
portuguesa, última flor do Lácio, bela e inculta, e cada vez mais inculta”?!
Para o Bagno, portanto, a língua é suficiente quando o falante é nativo e consegue se fazer entendido.
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Apesar de  lingüisticamente correto,  tal parecer produz uma nova azáfama que passa  longe do olhar
“científico” do  lingüistateenager:  se um menino na  favela da Rocinha diz “daê,  jão,  colé as nova  cos
alemão?”, estará falando português. Se um estrangeiro em visita ao Brasil tentar balbuciar:  “Voltei da
peruqueiro, mas onde ficar azogue?”, sendo da mesma  forma compreendido  (com  igual dificuldade),
estará falando português, mesmo com palavras e construções igualmente inexistentes na norma culta?
Afirma o alquimista: “Por estar sujeita às circunstâncias do momento, às instabilidades psicológicas, às
flutuações  de  sentido,  a  lingua  em  grande  parte  é  opaca,  não  é  transparente”  (op.  cit.,  p.  19).  É
doloroso  ver  um  lingüista  defensor  da  variação  confundir  conceitos  tão  básicos  de  Ferdinand  de
Saussure  (1857­1913),  a  langue  (língua),  unificada,  e  a  parole,  a  fala,  esta  sim  suscetível  a
“instabilidades psicológicas”.
Profere o caranguejo:  “a  língua é uma  ‘coisa’  que  é  vista  como exterior  a  nós  (…):  uma espécie  de
entidade mística  sobrenatural,  que  existe  numa  dimensão  etérea  secreta,  imperceptível  aos  nossos
sentidos, e à qual só uns poucos  iniciados  têm acesso” (op. cit., p. 18). Ao  invés de estar  livrando a
gramática  de  preconceitos  da  época  metafísica  em  que  se  acreditava  que  a  língua  provinha  dos
deuses  (os  egípcios  chegaram  a  trancafiar  recém­nascidos  num  recinto  fechado  para  ver  se  eles
aprenderiam  a  falar  a  língua  divina,  o  egípcio),  o  estraçalho  Bagno  está  metafisizando  a  linha
imaginária que delimita a divisão imaginária dos idiomas e tornando seu interior puro e desprovido de
erros! O alemão, por exemplo, de norte a sul da Alemanha (fora Suíça e Áustria) é mais diferente do
que o português é diferente do espanhol. Como fica a “capacidade lingüística” para o alemão, segundo
Bagno? Só dividindo cada zona limítrofe em outra língua, acreditando assim que consegue esmagar a
realidade  até  ela  caber  em  sua  teoria,  como  ele  pretende  fazer  com  o  português  do  Brasil  e  de
Portugal?
Para tal empresa, argumenta contra moinhos de vento a triste figura do desvairado que a norma culta
da  língua é “venerada como uma verdade eterna e  imutável  (cultuada)” (ibid,  p.  54),  informação  tão
longe da realidade que não há como contra­argumentar sem se sentir meio pirado por isso também.
E toda essa chorumela vem em nome de uma suposta “língua viva”, ao invés da língua dos gramáticos
cujos  exemplos  são,  oh  horror  dos  horrores  e  pecado  mortal!!,  “tirados  ou  de  sua  própria
imaginação  ou,  mais  uma  vez,  de  obras  literárias”  (op.  cit.,  p.  45).  O  Ministério  da  Educação  não
tomará  providências,  açoitando  esses  perversos  gramáticos  até  a morte  e  construindo  uma  estátua
para Marcos Bagno, o homem que conseguiu a utilíssima façanha de separar a gramática e o acesso
dos  brasileiros  aos  livros  de  Camões,  Fernando  Pessoa  e  Camilo  Castelo  Branco,  em  prol  de
monumentos artísticos como Pavilhão 9 e Planet Hemp?!
Prossegue o alesmaido: “Hoje, no século XXI, a opção pela  literatura como  ‘modelo’ de  língua a ser
‘imitado’  é,  no  mínimo,  absurda.  O  impacto  da  linguagem  literária  sobre  uma  sociedade  como  a
brasileira, por exemplo, é ínfimo.” (ibid, p. 48). Pois a contribuição de Bagno, usando a si próprio como
exemplo, é mostrar que temos mais necessidade de papel higiênico do que livros de sociolingüística –
28/06/2015 Preconceito lingüístico e coitadismo lingüístico | Implicante
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embora acabe por confundir o que fazer com cada um deles.
O que o  lusofóbico desconhece é a noção mais elementar e  lógica do saber de Humanas: a norma
gramatical  segue  o  uso,  e  não  o  contrário.  O  parvo­rei  faz  crer  a  seus  parvoetes  discípulos  que  a
norma  gramatical  foi  criação  de  um  bruxo  maligno  que  determinou  regras  complexas  demais  para
alguém que ganha menos de 2 salários mínimos por mês dominar, e dominadas  ipsis litteris por cada
dembargador, cirurgião­geral, engenheiro­chefe,  jogador de  futebol, dupla sertaneja e atriz global de
sucesso,  apenas  com  o  fito  perverso  de  separar  os  ricos  dos  pobres  (BUAHAHAHAHAHA!!!!!),  num
abismo  social  que  só  poderia  ser  trespassado  pelo  mais  hermético,  arcano  e
danbrowniano  instrumento  de  distribuição  de  renda:  a  gramática  de  Napoleão  Mendes  de
Almeida. Queriam Marx e Jesus Cristo que a miséria mundial fosse assim tão fácil de virar fartura!
“Ya no hay clase alta, ni pueblo; sólo hay plebe pobre y plebe rica” – Nicolás Gómez Dávila
Por sinal,  algum gramático ousaria discordar que a  língua é  “viva”? Quantos neologismos há nestas
mesmas linhas, que provam ser a  língua putaqueopariumente mais ampla do que a norma culta? Os
ricos falam certo e os pobres falam errado? E a classe média, fala o quê? E, afinal, qual a vantagem
dessa “vivência” toda? É melhor do que a língua de Camões, Machado de Assis, Petrarca, Gregório de
Matos, Augusto dos Anjos, Camilo Castelo Branco – que nenhuma gramática e dicionário são capazes
de  acompanhar?  Guimarães  Rosa,  que  demole  a  norma  culta  a  cada  linha,  precisou  ser  coitadista
como  o  patarata?  Algum  aluno  do  Bagno  tem  a  destreza    para  o  ler  sem  auxílio  da  gramática
normativa? Ou a  língua viva, para nosso gramático com nojinho de  livros, é a exaltação do  lulês, da
bibliofobia, do pedreirismo e do “Morro do Dendê é ruim de invadí – nóis cus alemão vamo si divertí”?
Que tal Bagno cuidar também do coitadismo poético para não termos preconceito com a feiúra do funk
carioca? Ademais, uma das funções da linguagem não é justamente a estesia, achar algo bonito? Que
tal  o  Bagno  tentar  o  efeito  com  “os  livro  ilustrado mais  interessante  estão  emprestado”,  construção
corretíssima por sua teoria, e tão poética e pura quanto uma overdose de supositórios?
A literatura moderna se acha revolucionária por espatifar a sintaxe. Os professores precisam sempre
“justificá­la”  fazendo  o  grande  gesto  de…  desfazer  a  complicação.  Sua  temática  é  uma  viadice  de
“angústias  existenciais”  entre  cagar  ou  desocupar  a  moita.  A  literatura  clássica  possui  sangue,
decapitações,  putaria,  blasfêmias,  paganismo,  palavrões  hirsutos,  arrola  tomos  de  filosofia  em  um
prefácio. Qual é a maldita vantagem do ódio à tradição? De dificultar o contato do aluno com Eça de
Queiroz  para  facilitar  seu  contato  com  É  o  Tchan?  Se  a  discussão  se  escora  na  eliminação  de
preconceitos, por que não cuidar na mesma carrada de evitar o preconceito dos “academicistas” com
quem passa o domingo assistindo bundas no programa do Gugu?!
A língua discrimina mesmo, é assim que tem de ser. Discrimina Luciana Gimenez de José Saramago.
Discrimina Faustão de José de Alencar. Se é contra o academicismo de alguns gramáticos, onde está
a defesa de Marcos Bagno das vantagens dos usos lingüísticos destes eminentes paradigmas do uso
gramatical do povão?
Otrocinho Bagno inicia seu  livro Preconceito Lingüístico citando  erroneamente Aristóteles  (afirmando
ser seu livro político, quando para Aristóteles a política é o bem comum, e não o desejo de um partido),
mas sua lógica clássica não lhe impede de confundir causa com conseqüência: a língua é variada não
por  sua  riqueza  interna  (há  grande  vantagem  em  ter  10  gírias  idênticas  para  “cocaína”,  além  de
confundir a polícia?), mas justamente as línguas ricas se conservam mais. O sânscrito é conservado e
rico desde milênios. O islandês só conseguiu se alterar em quase nada nos últimos 800 anos por ter
28/06/2015 Preconceito lingüístico e coitadismo lingüístico | Implicante
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“As armas e os barões assinalados, Que
da ocidental praia lusitana, Por mares
nunca dantes navegados…”
praticamente  99%  de  população  letrada  durante  todo  esse  tempo  (e  10%  da  população  islandesa
escreve livros). Marcos Bagno pretende erradicar o analfabetismo obrigando cada um a decorar uma
enorme  gama  de  variantes  da  gramática  ao  invés  de  uma  só.  É  assim  que  pretende  proteger  os
pobres “na sua integralidade física(?!), individual e social” (op. cit., p. 29): praticamente enchendo suas
caras de piche. Ou pelo menos só a pontinha do nariz.
“To tolerate does not mean to forget that what we tolerate does not deserve anything more.” –
 Nicolás Gómez Dávila
É num átimo que  se ouve  vozes  “tolerantes”:  “Ah, mas  o  que  importa  é  comunicar,  a  forma  é  o  de
menos!”.  Os  estróinas  não  percebem  que  a  forma  fixa  é  o  que  permite  que  não  se  precise  prestar
atenção o  tempo  todo à própria  forma de  se proferir,  além do que  se profere  (ao  contrário  daquele
momento em que tentamos construir uma frase simples como “Eu não quero açúcar no meu café” em
um idioma estrangeiro que ainda mal dominamos), além de liberar os filósofos de latrina para cometer
tais disparates sem prestar atenção no que é complemento nominal e no que é predicativo do sujeito.
Mesmo  que  tal  estulticoco  tivesse  alguma  parecença  com  a  realidade,  é  impreterível  lembrar  aos
tolerantes e plurais que os paleolíticos que desciam a clava no cocoruto das mulheres e as  levavam
para  suas  cavernas  puxadas  pelos  cabelos  também  conseguiram  comunicar  o  que  queriam  com
eficiência. A forma foi o de menos. A isso se chama ser progressista. Ser conservador e ultrapassado é
inventar a geladeira.
A  levar  as  idéias  desse  helminto  Bagno  a  sério,  nossa  literatura
não será senão compilações de portas de banheiro, nossa filosofia
será  em  monossilabos,  nossa  música  será  em  instrumentos  de
uma  única  corda,  nossos  intelectuais  de  esquerda… bem,  esses
continuarão sendo os mesmos Marcos Bagnos, Marilenes Felintos,
Emires  Saders,  Paulos  Freires,  Marilenas  Chauis  e  Juarezes
Cirinos dos Santos de sempre. Com essa elite pensante, em breve
o som mais articulado que será capaz de produzir o  lumpesinato
urbano  será  o  grito  de  Blanka  quando  vence  um  round.  Marcos
Bagno quer que abandonemos nossa condição de mamíferos.
Vamos nos unir ao aprendiz de Tiririca Bagno e fazer a coisa mais
importante  da  Humanidade  desde  a  invenção  da  roda  e  da
descarga:  esfainemo­nos  na  gloriosa  tarefa  de  praticar  análise
sintática das músicas dos Racionais MC’s!
O  próprio  galimático  Bagno,  que  quer  usar  toda  a  população  de
um  país  continental  como  cobaia  de  suas  teorias  de  cientista
maluco,  também  é  alvo  de  suas  próprias  diatribes,  revelando
incultura febril devida a tanta toleimice: afirma que o Brasil do séc.
XIX  era  um  “império monárquico  absolutista”  (ib.  p.  84),  talvez  o
único  absolutismo  dividido  em  4  poderes  –  dentre  uma  carrada
infinda de outras necedades.
Confessa aliás o trocinho que o próprio Lula “sabe servir­se muito
bem deles [elementos da fala popular] quando fala de improvisão para grandes multidões, recusando­
se  a  usar  uma  retórica  balofa  e  ornamentada  de  quinquilharias  sintáticas  e  lexicais,  que  é  a
característica principal do ‘falar difícil’, quase sempre para não dizer nada de substancial”. Sobre sua
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inconsciente conclusão, três palavras: quod erat demonstrandum.
“Uma vez que você sai da norma culta, em qualquer  língua, você está num campo subjetivo, que
não pertence a ninguém. (…)
O brasileiro  tem uma relação mais relaxada com regras e com leis. Ele obedece ao que ele acha
bom obedecer e não obedece a aquilo que ele acha que pode não obedecer, que não vai ser pego.
Eu  vejo  isso  pela  sonegação,  pelos  motoristas  passando  pelo  semáforo  vermelho  no  meio  da
noite.”
(Alison Entrekin, australiana tradutora para o inglês das obras de Chico Buarque)
A defesa de Bagno
A profundidade de carcaça de planária do pensamento de Bagno é que a educação é desigual no país
–  logo,  limemos  a  educação!  Acabemos  com  o  paradigma  da  literatura  para  os  atos  de  fala!
Atingiremos  finalmente  o  reino  da  igualdade  democratizante  –  exatamente  como  o  Camboja,  o
Zimbábue e a Albânia socialistas o fizeram. É o caminho mais curto para que logo um candidato a leitor
de  Marcos  Bagno  não  consiga  mais  compreender  o  mestre,  e  ter  uma  experiência  estética  com  a
norma será proibido. LEIÃO ENQUANTO EH TEMPO!
Defende  o  despauteroso  que  se  deve,  sim,  ensinar  a  norma  culta  nas  escolas.  Na  melhor  das
hipóteses,  portanto,  todo  o  seu  pensamento  é  inútil.  Em  qualquer  outra,  é  de  uma  malevolência
sulfúrica.  O  resultado,  no  melhor  dos  mundos  possíveis,  é  apenas  que  pratiquemos  o  mais
desairoso  laissez­fairecom  os  padrões  de  fala,  estética,  lógica,  concatenação  e  entendimento,
afastando os pobres de Antero de Quental e os grudando ainda mais ao Bonde do Tigrão.
Seu livro então tem o mesmo valor sociológico do mosquito da dengue. Tudo se resume a: “Vamos ter
uma aula de gramática com menos  termos  técnicos e sem professoras que nos deixem de castigo”.
Para  isso, são gastas 200 páginas em cada  livro apenas para explicar que a  língua vareia. Como se
algum gramático não tentasse explicar a norma justafmente para os que usam uma variante diversa da
norma culta.
Isso  é  o  que  o  estafeta  profere  à  patuléia  que  precisa  ser  convencida. Um novo  livro  de  seu  (dele)
professor  Ataliba  Teixeira  de  Castilho  já  prega  desabridamente  que  siscreva  como  sifala.  Dois
pedaço  de  casca  de  macaxeira  pra  quem  adivinhar  quem  é  seu  rábula  defensor.  O  mesmo  que
afirma  “que  as  regras  tradicionais  de  colocação  pronominal  são  de  uma  tolice  sem  tamanho”  (lá
mesmo, p. 53) e toda aquela papagaiada reprisada.
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(essa galera aí VOTA.)
Será que se  fosse professor de matemática  também publicaria  tresvarios sobre o preconceito contra
alunos que não sabem fazer conta? Tentaria atingir a novilíngua através dos números? Diria ser 2 + 2
=  4  uma  convenção  opressiva  da  burguesia?  Pior:  se  o  socialismo  que  esse  quadrúpede  defende
atingisse o poder, conseguiria ele angariar  fama e  fortuna ditando que cada um fale  longe da escola
como bem lhe der na caçuleta ou iria cortar cana no meio do mato?!
E  como  fica  a  variação  cultural  miguxês,  obra  da  própria  elite  dominante  letrada  colonial,  mas
repudiada por 11 em cada 10 brasileirossem QI negativo? Será o próximo  livro de Marcos Bagno o
opúsculo Miguxês – A Minoria das Minorias, pelo fim da perseguição de classes? Será que veremos o
moleque lingüista defender os principais oprimidos lingüisticamente?
O mesmo lingüista reclama desses “discursos [em que] só existe o preto e o branco, o masculino e o
feminino” em  seu  site. Acaso  existe  algo  além do masculino  e  do  feminino,  pra  quem  já  viu  alguém
pelado?! (isso exclui a Judith Butler)
Não  é  senão  nosso  Gregor  Samsa  morfado  que  afirma:  “Sem  dúvida,  as  semelhanças  lingüísticas
entre as variedades prestigiadas e as variedades estigmatizadasa são muito mais numerosas do que
as  diferenças.”  (naquela  porra  de  livro,  p.  73).  Mas  ora,  os  “reacionários”,  “ultraconservadores”,
“retrógrados” que “repudiam tudo o que não trouxer a marca registrada de uma atitude fascista diante
do mundo” (lá, na p. 121), segundo Bagno, são apenas os que acreditam ser fácil ensinar aos pobres o
conhecimento que lhes permitirá ler algo além de bilhetes – mas essa gazela do Satanás ainda prefere
vociferar do abismo entre eles!
Eu poderia obtemperar que Marcos Bagno é um socialista, que transformará seus queridos pobres na
montanha de cadáveres que foi o socialismo real no séc. XX. Mas hei de afirmar que Marcos Bagno é
um  fascista,  que é mais  ofensivo  com muito menos mortes. Apenas quer  confinar  seus  “protegidos”
num gueto distante do restante da população: prestando obediência à sua preconceituosa metafísica,
que acha que pobre não tem a mesma capacidade com orações subordinadas do que ricos (e brancos
e  machos  e  neoliberais,  necessariamente),  num  autoritarismo  de  quem  sabe  que  o  grau  de
entendimento de seu séquito é inversamente proporcional à propensão em votar em seus candidatos.
Marcos Bagno é inócuo a mim, esmerado leitor dos clássicos. Aos pobres, é um buraco negro a sugar­
lhes cultura e seu futuros rendimentos pior do que metade do Congresso unido.
Meus cordiais amplexos, se a tanto me ajudar o engenho e a arte.
* Flavio Morgenstern é redator, tradutor, faz Letras na USP e aprendeu a não dizer “amém” para
professores  partidários  alguns  meses  após  aprender  a  limpar  o  bumbum  sozinho.  No
Twitter, @flaviomorgen
Imagens aterrorizantes gentilmente pesquisadas pela @babspider. Veja também:
Toda essa lenga­lenga acima resumida em uma tirinha de Wagner & Beethoven
Escreveria Pousar (Tumblr da Escolinha do Prof. Emir Sader, por@da_cia)
Quem come quem – por Olavo de Carvalho
Minha aluna e o Marcos Bagno – por Olavo de Carvalho
Cartas comentadas sobre lingüística e gramática – por Olavo de Carvalho
“Preconceito lingüístico”: miséria, terrorismo e falácias – por Arthur Virmond de Lacerda Neto
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