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Descartes e a Filosofia Moderna unid III

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Unidade III
7 O MÉTODO CARTESIANO
Descartes pretendeu um plano de revisão das bases epistemológicas e metafísicas dos saberes 
mediante uma aposta única: a possibilidade do espírito, considerado a partir da constatação de si mesmo 
e da evidência e certeza da própria atividade racional, servir de evidência suficiente suprassensível para 
atestar a verdade do mundo sensível e do mundo inteligível.
É nesse contexto de inquietação filosófica que o trabalho de Descartes é levado a confrontar 
perspectivas tradicionais da Filosofia, em busca do que ele reputou como o caminho mais seguro para 
um conhecimento, atestável pela razão e, ao mesmo tempo, universal e evidente, tomando como ponto 
de partida as ideias sobre as coisas e não as coisas por si.
7.1 A dúvida metódica
A obra de Descartes inaugura um novo período da história da filosofia, marcado por uma ruptura com 
a tradição medieval. Essa ruptura ocorre mediante uma inversão radical das perspectivas metodológicas 
do conhecimento.
Vale dizer que a tradição filosófica de seu tempo é identificável pela retomada de temas da 
filosofia clássica e pela forte tensão entre o saber filosófico clássico e a doutrina cristã filosoficamente 
fundamentada. Essa tradição irá servir a Descartes como material teórico primordial de reflexão e, ao 
mesmo tempo, de razoável desafio para que invente e desenvolva as bases daquilo que pôde ser definido 
como método cartesiano de conhecimento científico da verdade e do ser. Esse método é notadamente 
de caráter cético e subjetivo, como demonstraremos mais adiante.
O projeto filosófico cartesiano propiciou construir um arcabouço conceitual que, até hoje, serve de base para 
filosofias da ciência atuais, para as filosofias do sujeito e para os diferentes modelos de filosofia fenomenológica 
que são estudados e discutidos nos dias atuais; desse modo, conceitos como dualismo, subjetivismo, idealismo e 
representação aparecem como noções filosóficas cartesianas fundamentais no contexto de seu método.
Descartes desenvolve esse novo modelo epistemológico e metódico a partir da distinção fundamental 
de duas substâncias que constituem o real: a substância pensante e a substância extensa. Segundo o 
filósofo, cada qual é distinta e independente uma da outra, de modo a possibilitar a separação entre 
sujeito e objeto. A substância pensante é a alma, isto é, ela se constitui enquanto pensamento autônomo 
ou enquanto sujeito. Já a substância extensa, inerente às questões físicas e de quantidade, é o corpo e se 
constitui como objeto ou extensão espacial. Enquanto a primeira, a substância pensante, se define como 
pensamento e existe no plano metafísico ou das ideias, a segunda, a substância extensa, se define como 
matéria sensível e existe no plano físico das percepções e das experiências sensoriais.
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Nessa linha, o sujeito é tomado como condição sine qua non para o conhecimento e também 
condição para ter certeza dele mesmo, isto é, para ter certeza de que o pensamento pode conhecer a si 
mesmo enquanto evidência racional.
Em sua reflexão, o filósofo irá opor o sujeito, então considerado como condição de certeza do que se 
conhece racionalmente, às sensações, consideradas pela tradição filosófica de seu tempo como princípio 
válido do conhecimento.
Contudo, o filósofo irá defender a tese de que toda evidência meramente material não é evidência 
e, por isso, tem que ser demonstrada pelo intelecto para que tenha alguma validade no âmbito do 
conhecimento. Assim, o caminho para se chegar à verdade não partirá mais da experiência sensível 
para chegar à concepção teórica racional que, por sua vez, lhe daria sentido. Ao contrário, partirá da 
evidência racional em direção àquilo que é empiricamente conhecido, com finalidade lógica de lhe 
atestar toda e qualquer validade lógica como realidade.
Na perspectiva cartesiana, o sujeito, considerado como base fundamental do conhecimento no 
plano metafísico, é solidário de um método que pode ser definido como idealista, uma vez que o 
núcleo do conhecimento e o princípio da verdade estarão na ideia de mundo e não no mundo empírico 
sensorialmente apreendido. Isso quer dizer que o sujeito aparece no método cartesiano como condição 
pressuposta de conhecimento e como sua base de ordenação, isto é, o sujeito é o próprio espírito, é o 
pensamento, é o conjunto de ideias que constituem nosso pensamento.
O conceito de sujeito em Descartes aparece como aquilo que dá a certeza do objeto como um 
produto ideal de reflexão.
Esse primado da subjetividade, sobre todo o mais que não é sujeito, sobre tudo aquilo que se 
pode atribuir como constitutivo de um mundo real para além do próprio sujeito, constitui‑se como 
condição epistemológica para se chegar, a partir das ideias que pensam o mundo, ao objeto cognitivo: 
primeiramente o pensamento encontra a si e aos critérios da verdade; depois, ele pensa a realidade, não 
a partir da experiência sensorial do mundo, mas a partir das ideias ou representações do mundo.
Essa condição epistemológica para o conhecimento objetivo somente será considerada como 
primordial e fundante se for possível distinguir as ideias dos corpos, da realidade sensível e das 
formas, isto é, se for possível distinguir o universal e indivisível do que é particular e divisível. 
Portanto, aquilo que o filósofo chamará de realidade é o que o pensamento foi capaz de pensar 
acerca do mundo, o que ocorre quando se pretende dar a ele uma definição e, nesse processo, a 
experiência sensível não terá qualquer participação constituinte se não se pretende que ela seja 
causa fundadora de equívocos e ilusões. Assim, a realidade primeira é a própria existência do 
sujeito enquanto pensamento ou substância pura.
Não faz parte do projeto metodológico de Descartes impor uma cisão definitiva entre o sensível e 
o inteligível, de modo a gerar uma distinção incomunicável entre um mundo real e um mundo ideal. 
Diferentemente, o que o filósofo pretende é uma reordenação do próprio exercício do pensamento 
de modo que ambos possam manter entre si uma relação, mas segundo uma nova ordem racional de 
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concepção, segundo a qual o pensamento não é mais ou menos dependente das experiências, mas é 
causa fundadora e certificadora do que se pode conhecer da experiência do mundo real.
O que o método cartesiano propõe é a possibilidade de tornar o sujeito a causa primeira do próprio 
conhecimento e isso na medida em que ele se coloca na atividade de reflexão como princípio dela. No 
entanto, o pensamento que busca o conhecimento da realidade não parte do nada, de pura abstração do 
mundo. Ele opera na base da representação desse mundo, isto é, de qualquer objeto mental que, por sua 
vez, sejam reflexos de objetos reais particulares. Então, o que Descartes apresenta como representação 
é nada mais que a transfiguração abstrata da ordenação do mundo material.
Para Descartes, se uma ideia está na mente, ela não foi, antes, necessariamente objeto dos sentidos 
e da percepção do mundo. Ora, essa redefinição da própria noção de representação está no cerne da 
ruptura que ele provoca com toda uma tradição aristotélico‑tomista, segundo a qual a representação 
é oriunda de uma experiência sensível. A proposta cartesiana apresenta uma ideia de representação 
considerada como puro conteúdo mental, isto é, enquanto ideia capaz de conhecer as experiências de 
mundo como identidades conceituais racionalmente identificáveis e mediante conceitos subjetivamenterefletidos. Isso quer dizer que Descartes parte das representações ideais da realidade do mundo, mediante 
um exercício lógico de atestação, em direção a ela própria.
Então, a Filosofia é a reconstrução do saber das coisas sensíveis, que parte do saber da representação 
ideal das coisas em direção à realidade, com vista à sua atestação. Nessa linha, atestar significa validar, 
ou seja, o filósofo considera a atestação como um processo de reflexão em que ocorre uma coincidência 
entre a evidência racional (ou a ideia acerca das coisas) e qualquer experiência acerca do mesmo objeto 
sensível da percepção. Trata‑se de uma espécie de relação racional construtiva da realidade, em que o 
sujeito, a partir da experiência sensível do objeto, pensa‑o metodicamente enquanto ideia universal 
capaz de defini‑lo enquanto conceito, e não somente enquanto realidade sensível particular. E, dessa 
maneira, torna‑se possível um entendimento acerca do mundo e de seu processo de conhecimento 
como atividade de reflexão racional e não mais uma atividade sensorial.
Contudo, o filósofo quer evitar o que chamará de engano ou erro, mediante uma atividade racional 
de questionamento ou dúvida metódica, não somente do que for obtido pela experiência, mas do próprio 
processo de reflexão filosófica. Afinal, como já foi dito, para Descartes, o mundo não é exclusivamente 
ideal, pois é crucial pensar e determinar o modo pelo qual se dá a passagem da essência à existência, isto 
é, o modo como se vai das ideias ou representações ideais do mundo às coisas do mundo empiricamente 
percebido. Então, a investigação filosófica se desenvolve mediante a realização de duas tarefas distintas, 
que o espírito deve exercer em sua reflexão: a necessidade de provar racionalmente a correspondência 
entre a representação e a realidade sensível do mundo, segundo critérios racionais rígidos; e a prova de 
que esses critérios racionais correspondem ao que realmente existe no mundo da experiência sensorial.
Esse labor cartesiano deverá corresponder à ideia de que o que é racionalmente objetivo o é 
universalmente objetivo, pois somente desse modo será possível provar a verdade. Trata‑se propriamente 
de buscar pelo valor objetivo da representação, uma vez que o conteúdo de uma ideia deverá ter 
validade universal para ser considerado verdadeiramente objetivo. Isso é o mesmo que dizer que o 
caráter absoluto da verdade só se prova quando a subjetividade de um conhecimento tenha valor 
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universal, mediante a prova de seu fundamento e que, por sua vez, essa prova deverá ser inquestionada 
quanto a sua veracidade.
 Lembrete
Descartes coloca o sujeito no centro do conhecimento.
7.2 Um método para o conhecimento da verdade
No prefácio que escreve aos seus estudos sobre as ciências da natureza, tradicionalmente conhecido 
como O Discurso do Método, Descartes chama a atenção para a necessidade de se reconsiderar tudo 
o que se aprende como certo e confiável no curso de uma vida, suspeitando que talvez os alicerces 
fundamentais sobre os quais se sustentam o conhecimento adquirido, e a partir dos quais são praticadas 
as ações e decisões, possam ser frágeis demais para que se tenha a certeza da verdade e a confiança no 
que se supõe como certo.
Ele justifica que essa desconfiança é fundamental para quem busca pelo saber e para evitar que 
falsos entendimentos ou valores sejam tomados com referenciais confiáveis e que, mais tarde, possam 
se revelar inadequados ou impróprios ao que se reputa como sábio ou mesmo correto. Toma a si mesmo 
como exemplo para indicar o trajeto dessa reflexão e respalda seu discurso na metáfora da realização 
de uma edificação.
Ele se pergunta se é melhor que um prédio seja construído pela ação de diferentes agentes, mesmo 
que a partir do projeto de um único arquiteto, ou se seria melhor que um único agente se encarregasse 
de conceber e edificar toda a obra.
Trata‑se de uma metáfora que o filósofo cria para distinguir aquele conhecimento, cujo conteúdo 
não partiu do próprio sujeito, mas de uma pluralidade de reflexões tomadas prontamente como certas e 
sustentáveis, daquele conhecimento onde o próprio sujeito é o único responsável por toda uma reflexão.
Com essa metáfora ele sugere que haja certa fragilidade no modo como o conhecimento é concebido 
quando dogmaticamente instituído, ou mesmo quando suas bases não tenham sido constituídas em firmes 
alicerces ou em alicerces fortes suficientes para assegurar o caminho seguro de edificação de um saber.
Nessa toada, propõe que o conhecimento em sua totalidade seja obra de uma unidade reflexiva em 
que, antes da edificação dos saberes, o sujeito possa, por ele mesmo, atestar a segurança dos alicerces 
sobre os quais se debruçarão suas reflexões. Quer com isso, desde já, afirmar que o conhecimento 
válido é subjetivo, mas desde que conduzido metodicamente por regras racionais universais, capazes de 
constituir uma evidência racional firme, distinta e clara. Para tanto, propõe quatro regras fundamentais 
que devem ser seguidas pelo sujeito da reflexão se quiser a certeza de que o seu conhecimento seja 
seguro e válido, independentemente da experiência da realidade sensível. São elas: a clareza e a distinção, 
a análise, a ordem, e a enumeração, a seguir explicadas.
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Clareza e distinção
O verdadeiro é o que se apresenta ao espírito (ao pensamento) do sujeito de forma tão clara e 
distinta que a dúvida deixa de existir no processo de conhecimento.
No entanto, adverte que duas atitudes se fazem necessárias para que a clareza e a distinção dos 
elementos da reflexão racional sejam garantidas: evitar a prevenção e evitar a precipitação. No que diz 
respeito à prevenção, Descartes alerta para a necessidade de evitar o preconceito oriundo de juízos mal 
ponderados e de prejulgamentos ou opiniões que não se baseiem necessariamente em uma reflexão 
crítica. Quanto à precipitação, o filósofo sugere que não se deve fazer um juízo acerca da natureza das 
coisas em caráter conclusivo e definitivo, ao menos até que a ligação entre os termos representados 
esteja racionalmente demonstrada e comprovada com a devida clareza e distinção.
Análise
Quando o conhecimento encontra dificuldades de entendimento deve‑se dividir a ideia que se tem 
do objeto em quantas partes forem necessárias e, se for imprescindível, proceder novamente a essa 
divisão, em relação a cada fragmento, como parte da busca por poder explicar cada um dos fragmentos 
residuais da divisão em sua integralidade. Desse modo, objetiva‑se torná‑los, uns em relação aos demais, 
suficientemente claros e distintos, para que, ao final desse trajeto de reflexão, seja possível solucionar 
o problema e conhecer o objeto.
É preciso observar que a análise pressupõe a regra anterior de clareza e distinção, na medida em que 
ela depende daquele procedimento de discernimento capaz de separar as ideias claras dos preconceitos.
Ocorre que, para Descartes, a análise baseia‑se no modelo matemático de decomposição das 
equações complexas (o da redução de múltiplos aos seus multiplicadores), posto que compreende 
um modo seguro de considerar os diferentes elementos de uma reflexão racional, uns em relações 
aos outros, de um tal modo que fique claramente demonstrada a correspondência de significado 
entre eles.
Ordem
Segundo o filósofo, o pensamento deve ser conduzido de modo a identificar, primeiramente, os 
raciocínios mais simples e, posteriormente, relacioná‑los uns aos outros numa ordem lógica de primazia, 
dos mais simples aos mais complexos, de modo a estabelecer entre eles as implicações necessárias. 
Issoporque a clareza de pensamento depende que os pressupostos da razão sejam suficientemente 
claros, distintos e simples para que então, de modo analítico, seja possível construir ideias complexas 
ou deduções, por sua vez, capazes de definir racionalmente o objeto de conhecimento de forma válida. 
Trata‑se da condição lógica do raciocínio que irá organizar as ideias segundo uma organização capaz de 
deixar claro o próprio pensamento que reflete as ideias.
Nessa linha, cada elemento da reflexão tem seu valor correspondente à posição que ocupa no 
conjunto do sistema. Assim, é necessário encadear as ideias de tal modo que seja possível demonstrar 
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a verdade que ela constitui, isto é, é preciso demonstrar a relação lógica entre a ideia precedente e a 
subsequente, na direção da proposição mais simples à mais complexa.
Enumeração
Por fim, é necessário rever e enumerar por completo cada argumento constitutivo da reflexão racional, 
de cada raciocínio, de cada ideia, para ter a certeza de que todos os elementos foram devidamente 
considerados no curso do pensamento.
Trata‑se propriamente da síntese de um raciocínio, que percorre em sentido inverso ao da análise, 
com vista à atestação da visão de conjunto e mediante a verificação da relação entre a ideia subsequente 
e a antecedente.
É preciso considerar que, ao tratar dessas regras, Descartes está muito mais ocupado de seus estudos 
de aritmética e de geometria, do que das questões propriamente metafísicas, ainda que sua proposta 
metódica se estenda a estas.
Outra observação importante é que a regra da clareza e distinção é a mais importante, porque se 
fundamenta em duas bases: a simplicidade e a separação. São elas que asseguram a identificação de um 
conteúdo livre de condições materiais oriundas da experiência sensorial e das condições psicológicas do 
indivíduo, tais como as opiniões do senso comum e as emoções.
O cumprimento das quatro regras impossibilita a dúvida, gera a certeza do sujeito e, com ela, a 
evidência racional. Eis o caminho da descoberta daquilo que se chama de verdade subjetiva ou 
subjetividade: o lugar de fundamento da verdade, o que, para o filósofo, se dará mediante o exercício 
da dúvida ou do cogito.
Para tanto, busca‑se a generalização, procedimento pelo qual o conhecimento sensível é colocado 
em dúvida. O processo de busca do conhecimento é o caminho da verdade; não é somente orientado pela 
dúvida metódica, mas também fundamentado e estruturado por ela ao organizar a atividade racional 
em face de uma busca determinada: a objetividade do conhecimento decorrente da concepção de uma 
representação que seja indubitável.
Assim, é necessário que haja a radicalização da dúvida, ou seja, que ela se torne hiperbólica e, assim, 
questione a si mesma enquanto método válido e suficiente de conhecimento. Isso quer dizer que não 
somente é necessário questionar o conhecimento sensível, que agora passa a não ser mais considerado 
como ponto inicial e necessário de conhecimento, mas é preciso considerá‑lo em sua totalidade, e 
tudo o mais que com ele se relacionar como falso. Espera‑se que a dúvida se estenda a qualquer 
representação relacionada com as experiências sensoriais e que, desse modo, seja possível identificar as 
razões de duvidar de algo, bem como de duvidar da própria dúvida como método suficiente e garantido 
de conhecimento da verdade.
A dúvida para Descartes é uma necessidade metódica, um modo de evitar o conhecimento oriundo 
das sensações e das percepções, que ou pode ser falso ou improvável ou relativizado em função de 
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uma perspectiva meramente individual e parcial, ou seja, sem valor de verdade. Essa posição se justifica 
no argumento de que qualquer reflexão que parta de uma certeza frágil, isto é, que não possa ser 
cabalmente provada, será ela mesma o princípio de falsificação ou desconsideração do conhecimento 
enquanto verdade.
Para que seja possível a certeza, é necessário que, antes, seja a representação ideal da coisa submetida 
à dúvida mediante a qual o seu valor ficará dependente de detalhado exame e segundo os critérios ou 
regras de esclarecimento suficientes da qual se falou há pouco.
A dúvida, nesse sentido, tem que ser um exercício lógico‑racional de verificação epistemológica de 
conceitos e ideias, muito além da cultura histórica de um povo. É com essa tese que Descartes rompe 
com uma tradição filosófica de um conhecimento que se constitui a partir da cumulação de ideias, 
algumas de base puramente empíricas, outras de base axiológica e moral, e que impedem conhecer o 
mundo sem que ocorra sob a influência da vã opinião ou de um idealismo disfarçado de verdade.
Então, será preciso questionar as próprias ideias que pretendem servir de arcabouço de sustentação 
daquilo que se propõe como definição das experiências sensoriais, será necessário descartar essas 
experiências se tomadas como ponto de partida para o entendimento da verdade. Afinal, através 
dos sentidos o sujeito pode se equivocar quanto ao que as coisas são, uma vez que eles operam com 
imperfeição e estão sujeitos ao erro e à ilusão.
Contudo, há em Descartes, uma dúvida inaugural acerca daquilo que se concebe como 
representação ideal das coisas do mundo. É preciso partir do pressuposto de que os sentidos e as 
emoções sejam realmente enganadores, ou pior, que sejam dissimuladores da realidade. Também 
é preciso considerar que as percepções do mundo podem ser corrompidas pelo erro ou pela ilusão 
que se tem acerca das coisas.
É nessa direção que deve surgir o exercício da dúvida, mediante a negação das experiências sensoriais, 
então consideradas como fonte de conhecimento, em busca de outro referencial seguro de reflexão. 
Ao contrário do que propõe uma tradição empirista, é necessário partir do pressuposto de que, se a 
realidade oriunda da experiência favorece o erro e a ilusão, a ideia ou evidência racional que se tem das 
coisas, desde que obtidas exclusivamente a partir de um pensamento metodicamente esclarecido, e sob 
a rigorosa análise de seus componentes, deve ser a única certeza possível.
Porém, como a certeza que se pode encontrar mediante o exercício da dúvida é subjetiva, na 
medida em que ela se forma e se resolve na esfera da reflexão do sujeito, e por mais clareza que 
haja em sua concepção, é preciso questionar a garantia de que o raciocínio foi capaz de encontrar a 
verdade e não apenas de sabotar‑se a si mesmo mediante a criação de uma ideia a qual não tenha 
correspondente na realidade.
É necessário duvidar do próprio gênio que exercita a dúvida inaugural, duvidando dele como princípio 
racional capaz de garantir o conhecimento da verdade.
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Descartes estabeleceu quatro regras fundamentais para o conhecimento: 
a clareza e distinção, a análise, a ordem e a enumeração.
7.3 Discurso do Método: segunda parte
Aprendemos a nadar nadando. Aprender Filosofia é como aprender a nadar. Aprendemos filosofia 
filosofando. E para filosofar é preciso conhecer como outros filósofos filosofaram. Então, é fundamental 
para o estudante de Filosofia a leitura de textos filosóficos de autoria de pensadores referenciais, como 
Descartes. Então, selecionamos aqui a segunda parte do Discurso do Método, para que você possa entrar 
em contato com a escrita de Descartes. Leia com calma, lembrando‑se do que estudou anteriormente. 
Se precisar, e será preciso, faça uma segunda leitura.
Ler é a principal ferramentado filósofo. Por meio dela, ele obtém conteúdo para suas reflexões 
e, também, aprende o modo, a maneira de filosofar. Então, não tenha preguiça e faça uma leitura 
proveitosa do texto desse filósofo tão importante da Filosofia Moderna.
DISCURSO DO MÉTODO
Segunda Parte
[1] Achava‑me, então, na Alemanha, para onde fora atraído pela ocorrência das guerras, 
que ainda não findaram, e, quando retornava da coroação do imperador para o exército, o 
início do inverno me deteve num quartel, onde, não encontrando nenhuma frequentação 
que me distraísse, e não tendo, além disso, por felicidade, quaisquer solicitudes ou paixões 
que me perturbassem, permanecia o dia inteiro fechado sozinho num quarto bem aquecido 
onde dispunha de todo o vagar para me entreter com os meus pensamentos. Entre eles, 
um dos primeiros foi que me lembrei de considerar que, amiúde não há tanta perfeição 
nas obras compostas de várias peças, e feitas pela mão de diversos mestres, como naquelas 
em que um só trabalhou. Assim, vê‑se que os edifícios empreendidos e concluídos por um 
só arquiteto costumam ser mais belos e melhor ordenados do que aqueles que muitos 
procuraram reformar, fazendo uso de velhas paredes construídas para outros fins. Assim, 
essas antigas cidades que, tendo sido no começo pequenos burgos, tornaram‑se, no decorrer 
do tempo, grandes centros, são ordinariamente tão mal compassadas em comparação com 
essas praças regulares, traçadas por um engenheiro à sua fantasia numa planície, que, 
embora considerando seus edifícios cada qual à parte, se encontre neles muitas vezes tanta 
ou mais arte que nos das outras, todavia, a ver como se acham arranjados, aqui um grande, 
ali um pequeno, e como tornam as ruas curvas e desiguais, dir‑se‑ia que foi mais o acaso 
do que a vontade de alguns homens usando da razão que assim os dispôs. E se se considerar 
que, apesar de tudo, sempre houve funcionários com o encargo de fiscalizar as construções 
dos particulares para torná‑las úteis ao ornamento do público, reconhecer‑se‑á realmente 
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que é penoso, trabalhando apenas nas obras de outrem, fazer coisas muito acabadas. Assim, 
imaginei que os povos, que, tendo sido outrora semisselvagens e só pouco a pouco se tendo 
civilizado, não elaboraram suas leis senão à medida que a incomodidade dos crimes e das 
querelas a tanto os compeliu, não poderiam ser tão bem policiados como aqueles que, a 
começar do momento em que se reuniram, observaram as constituições de algum prudente 
legislador. Tal como é bem certo que o estado da verdadeira religião, cujas ordenanças só 
Deus fez, deve ser incomparavelmente melhor regulamentado do que todos os outros. E, para 
falar das coisas humanas, creio que, se Esparta foi outrora muito florescente, não o deveu à 
bondade de cada uma de suas leis em particular, visto que muitas eram bastante alheias e 
mesmo contrárias aos bons costumes, mas ao fato de que, havendo sido inventadas apenas 
por um só, tendiam todas ao mesmo fim. E assim pensei que as ciências dos livros, ao menos 
aquelas cujas razões são apenas prováveis e que não apresentam quaisquer demonstrações, 
pois se compuseram e avolumaram pouco a pouco com opiniões de mui diversas pessoas, 
não se acham, de modo algum, tão próximas da verdade quanto os simples raciocínios 
que um homem de bom senso pode fazer naturalmente com respeito às coisas que se lhe 
apresentam. E assim ainda, pensei que, como todos nós fomos crianças antes de sermos 
homens, e como nos foi preciso por muito tempo sermos governados por nossos apetites e 
nossos preceptores, que eram amiúde contrários uns aos outros, e que, nem uns nem outros, 
nem sempre, talvez nos aconselhassem o melhor, é quase impossível que nossos juízos 
sejam tão puros ou tão sólidos como seriam, se tivéssemos o uso inteiro de nossa razão 
desde o nascimento e se não tivéssemos sido guiados senão por ela.
[2] É certo que não vemos em parte alguma lançarem‑se por terra todas as casas de uma 
cidade, com o exclusivo propósito de refazê‑las de outra maneira, e de tornar assim suas 
ruas mais belas; mas vê‑se na realidade que muitos derrubam as suas para reconstruí‑las, 
sendo mesmo algumas vezes obrigados a fazê‑lo, quando elas correm o perigo de cair 
por si próprias, por seus alicerces não se estarem muito firmes. A exemplo disso, persuadi 
me de que verdadeiramente não seria razoável que um particular intentasse reformar 
um Estado, mudando‑o em tudo desde os fundamentos e derrubando‑o para reerguê‑lo; 
nem tampouco reformar o corpo das ciências ou a ordem estabelecida nas escolas para 
ensiná‑las; mas que, no tocante a todas as opiniões que até então acolhera em meu crédito, 
o melhor a fazer seria dispor‑me, de uma vez para sempre, a retirar‑lhes essa confiança, a 
fim de substituí‑las em seguida ou por outras melhores, ou então pelas mesmas, após tê‑las 
ajustado ao nível da razão. E acreditei firmemente que, por este meio, lograria conduzir 
minha vida muito melhor do que se a edificasse apenas sobre velhos fundamentos, e me 
apoiasse tão somente sobre princípios de que me deixara persuadir em minha juventude, 
sem ter jamais examinado se eram verdadeiros. Pois, embora notasse nesta tarefa diversas 
dificuldades, não eram, todavia irremediáveis, nem comparáveis às que se encontram na 
reforma das menores coisas atinentes ao público. Esses grandes corpos são demasiado 
difíceis de reerguer quando abatidos, ou mesmo de suster quando abalados, e suas quedas 
não podem deixar de ser muito rudes. Pois, quanto às suas imperfeições, se as têm, como 
a mera diversidade existente entre eles basta para assegurar que as têm numerosas, o uso 
sem dúvida as suavizou, e mesmo evitou e corrigiu insensivelmente um grande número 
às quais não se poderia tão bem remediar por prudência. E, enfim, são quase sempre mais 
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suportáveis do que o seria a sua mudança; da mesma forma que os grandes caminhos, que 
volteiam entre montanhas, se tornam pouco a pouco tão batidos e tão cômodos, à força de 
serem frequentados, que é bem melhor segui‑los do que tentar ir mais reto, escalando por 
cima dos rochedos e descendo até o fundo dos precipícios.
[3] Eis por que não poderia de forma alguma aprovar esses temperamentos perturbadores 
e inquietos que, não sendo chamados, nem pelo nascimento, nem pela fortuna, ao manejo 
dos negócios públicos, não deixam de neles praticar sempre, em ideia, alguma nova reforma. 
E se eu pensasse haver neste escrito a menor coisa que pudesse tornar‑me suspeito de tal 
loucura, ficaria muito pesaroso de ter aceito publicá‑lo. Nunca o meu intento foi além de 
procurar reformar meus próprios pensamentos e construir num terreno que é todo meu. De 
maneira que, se, tendo minha obra me agradado bastante, eu vos mostro aqui o seu modelo, 
nem por isso quero aconselhar alguém a imitá‑lo. Aqueles a quem Deus melhor partilhou 
suas graças alimentarão talvez desígnios mais elevados; mas temo bastante que já este seja 
ousado demais para muitos. A simples resolução de se desfazer de todas as opiniões a que 
se deu antes crédito não é um exemplo que cada qual deva seguir; e o mundo compõe‑se 
quase tão somente de duas espécies de espíritos, aos quais ele não convém de modo 
algum. A saber, daqueles que, crendo‑se mais hábeis do que são, não podem impedir‑se de 
precipitar seus juízos, nem ter suficiente paciência para conduzir por ordem todos os seus 
pensamentos: daí resulta que, se houvessem tomado uma vez a liberdade de duvidar dos 
princípios que aceitaram e de se apartar do caminho comum, nunca poderiam ater‑se à 
senda que é preciso tomar para ir mais direito, e permaneceriam extraviadosdurante toda 
a vida; depois, daqueles que, tendo bastante razão, ou modéstia, para julgar que são menos 
capazes de distinguir o verdadeiro do falso do que alguns outros, pelos quais podem ser 
instruídos, devem antes contentar‑se em seguir as opiniões desses outros, do que procurar 
por si próprios outras melhores.
[4] E, quanto a mim, estaria sem dúvida no número destes últimos, se eu tivesse tido 
um único mestre, ou se nada soubesse das diferenças havidas em todos os tempos entre 
as opiniões dos mais doutos. Mas, tendo aprendido, desde o Colégio, que nada se poderia 
imaginar tão estranho e tão pouco crível que algum dos filósofos já não houvesse dito; e 
depois, ao viajar, tendo reconhecido que todos os que possuem sentimentos muito contrários 
aos nossos nem por isso são bárbaros ou selvagens, mas que muitos usam, tanto ou mais 
do que nós, a razão; e, tendo considerado o quanto um mesmo homem, com o seu mesmo 
espírito, sendo criado desde a infância entre franceses ou alemães, torna‑se diferente do 
que seria se vivesse sempre entre chineses ou canibais; e como, até nas modas de nossos 
trajes, a mesma coisa que nos agradou há dez anos, e que talvez nos agrade ainda antes de 
decorridos outros dez, nos parece agora extravagante e ridícula, de sorte que são bem mais 
o costume e o exemplo que nos persuadem do que qualquer conhecimento certo e que, não 
obstante, a pluralidade das vozes não é prova que valha algo para as verdades um pouco 
difíceis de descobrir, por ser bem mais verossímil que um só homem as tenha encontrado 
do que todo um povo: eu não podia escolher ninguém cujas opiniões me parecessem dever 
ser preferidas às de outrem, e achava‑me como compelido a tentar eu próprio conduzir‑me.
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[5] Mas, como um homem que caminha só e nas trevas, resolvi ir tão lentamente, e usar 
de tanta circunspecção em todas as coisas, que, mesmo se avançasse muito pouco, evitaria 
pelo menos cair. Não quis de modo algum começar rejeitando inteiramente qualquer das 
opiniões que porventura se insinuaram outrora em minha confiança, sem que aí fossem 
introduzidas pela razão, antes de despender bastante tempo em elaborar o projeto da obra 
que ia empreender, e em procurar o verdadeiro método para chegar ao conhecimento de 
todas as coisas de que meu espírito fosse capaz.
[6] Eu estudara um pouco, sendo mais jovem, entre as partes da Filosofia, a Lógica, e, entre 
as Matemáticas, a Análise dos geômetras e a Álgebra, três artes ou ciências que pareciam 
dever contribuir com algo para o meu desígnio. Mas, examinando‑as, notei que, quanto à 
Lógica, os seus silogismos e a maior parte de seus outros preceitos servem mais para explicar 
a outrem as coisas já se sabem, ou mesmo, como a arte de Lúlio, para falar, sem julgamento, 
daquelas que se ignoram, do que para aprendê‑las. E embora ela contenha, com efeito, uma 
porção de preceitos muito verdadeiros e muito bons, há, todavia, tantos outros misturados 
de permeio que são ou nocivos, ou supérfluos, que é quase tão difícil separá‑los quanto tirar 
uma Diana ou uma Minerva de um bloco de mármore que nem sequer está esboçado. Depois, 
com respeito à Análise dos Antigos e à Álgebra dos modernos, além de se estenderem apenas 
a matérias muito abstratas, e de não parecerem de nenhum uso, a primeira permanece sempre 
tão adstrita à consideração das figuras que não pode exercitar o entendimento sem fatigar 
muito a imaginação; e esteve‑se de tal forma sujeito, na segunda, a certas regras e certas 
cifras, que se fez dela uma arte confusa e obscura que embaraça o espírito, em lugar de uma 
ciência que o cultiva. Por esta causa, pensei ser mister procurar algum outro método que, 
compreendendo as vantagens desses três, fosse isento de seus defeitos. E, como a multidão de 
leis fornece amiúde escusas aos vícios, de modo que um Estado é bem melhor dirigido quando, 
tendo embora muito poucas, são estritamente cumpridas; assim, em vez desse grande número 
de preceitos de que se compõe a Lógica, julguei que me bastariam os quatro seguintes, desde 
que tomasse a firme e constante resolução de não deixar uma só vez de observá‑los.
[7] O primeiro era o de jamais acolher alguma coisa como verdadeira que eu não 
conhecesse evidentemente como tal; isto é, de evitar cuidadosamente a precipitação e 
a prevenção, e de nada incluir em meus juízos que não se apresentasse tão clara e tão 
distintamente a meu espírito, que eu não tivesse nenhuma ocasião de pô‑lo em dúvida.
[8] O segundo, o de dividir cada uma das dificuldades que eu examinasse em tantas 
parcelas quantas possíveis e quantas necessárias fossem para melhor resolvê‑las.
[9] O terceiro, o de conduzir por ordem meus pensamentos, começando pelos objetos 
mais simples e mais fáceis de conhecer, para subir, pouco a pouco, como por degraus, até 
o conhecimento dos mais compostos, e supondo mesmo uma ordem entre os que não se 
precedem naturalmente uns aos outros.
[10] E o último, o de fazer em toda parte enumerações tão completas e revisões tão 
gerais, que eu tivesse a certeza de nada omitir.
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[11] Essas longas cadeias de razões, todas simples e fáceis, de que os geômetras costumam 
servir‑se para chegar às suas mais difíceis demonstrações, haviam‑me dado ocasião de 
imaginar que todas as coisas possíveis de cair sob o conhecimento dos homens seguem‑se 
umas às outras da mesma maneira e que, contanto que nos abstenhamos somente de aceitar 
por verdadeira qualquer que não o seja, e que guardemos sempre a ordem necessária para 
deduzi‑las umas das outras, não pode haver quaisquer tão afastadas a que não se chegue 
por fim, nem tão ocultas que não se descubram. E não me foi muito penoso procurar 
por quais devia começar, pois já sabia que haveria de ser pelas mais simples e pelas mais 
fáceis de conhecer; e, considerando que, entre todos os que precedentemente buscaram a 
verdade nas ciências, só os matemáticos puderam encontrar algumas demonstrações, isto é, 
algumas razões certas e evidentes, não duvidei de modo algum que não fosse pelas mesmas 
que eles examinaram; embora não esperasse disso nenhuma outra utilidade, exceto a de 
que acostumariam o meu espírito a se alimentar de verdades e a não se contentar com 
falsas razões. Mas não foi meu intuito, para tanto, procurar aprender todas essas ciências 
particulares que se chamam comumente matemáticas; e, vendo que, embora seus objetos 
sejam diferentes, não deixam de concordar todas, pelo fato de não conferirem nesses 
objetos senão as diversas relações ou proporções que neles se encontram, pensei que valia 
mais examinar somente estas proporções em geral, e supondo‑as apenas nos suportes que 
servissem para me tornar o seu conhecimento mais fácil; mesmo assim, sem restringi‑las 
de forma nenhuma a tais suportes, a fim de poder aplicá‑las tão melhor, em seguida, a 
todos os outros objetos a que conviessem. Depois, tendo notado que, para conhecê‑las, teria 
algumas vezes necessidade de considerá‑las cada qual em particular, e outras vezes somente 
de reter, ou de compreender, várias em conjunto, pensei que, para melhor considerá‑las em 
particular, deveria supô‑las em linhas, porquanto não encontraria nada mais simples, nem 
que pudesse representar mais distintamente à minha imaginação e aos meus sentidos; mas 
que, para reter, ou compreender, várias em conjunto, cumpria que eu as designasse por 
alguns signos, os mais breves possíveis, e que, por esse meio, tomaria de empréstimo o 
melhor da Análise geométrica e da Álgebra, e corrigiria todos os defeitos de uma pela outra.
[12] E como, efetivamente, ouso dizer que a exata observação desses poucos preceitosque eu escolhera me deu tal facilidade de deslindar todas as questões às quais se estendem 
essas duas ciências que, nos dois ou três meses que empreguei em examiná‑las, tendo 
começado pelas mais simples e mais gerais, e constituindo cada verdade que eu achava 
uma regra que me servia em seguida para achar outras, não só consegui resolver muitas que 
julgava antes muito difíceis, como me pareceu também, perto do fim, que podia determinar, 
até mesmo naquelas que ignorava, por quais meios e até onde seria possível resolvê‑las. No 
que não vos parecerei talvez muito vaidoso, se considerardes que, havendo somente uma 
verdade de cada coisa, todo aquele que a encontrar sabe a seu respeito tanto quanto se 
pode saber; e que, por exemplo, uma criança instruída na aritmética, que haja realizado uma 
adição segundo as regras, pode estar certa de ter achado, quanto à soma que examinava, 
tudo o que o espírito humano poderia achar. Pois, enfim, o método que ensina a seguir a 
verdadeira ordem e a enumerar exatamente todas as circunstâncias daquilo que se procura 
contém tudo quanto dá certeza às regras da aritmética.
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[13] Mas, o que me contentava mais nesse método era o fato de que, por ele, estava 
seguro de usar em tudo minha razão, se não perfeitamente, ao menos o melhor que eu 
pudesse; além disso, sentia, ao praticá‑lo, que meu espírito se acostumava pouco a pouco a 
conceber mais nítida e distintamente seus objetos, e que, não o tendo submetido a qualquer 
matéria particular, prometia a mim mesmo aplicá‑lo tão utilmente às dificuldades das 
outras ciências como o fizera com as da Álgebra. Não que, para tanto, ousasse empreender 
primeiramente o exame de todas as que se me apresentassem, pois isso mesmo seria 
contrário à ordem que ele prescreve. Porém, tendo notado que os seus princípios deviam 
ser todos tomados à Filosofia, na qual não encontrava ainda quaisquer que fossem certos, 
pensei que seria mister, antes de tudo, procurar ali estabelecê‑los; e que, sendo isso a coisa 
mais importante do mundo, e onde a precipitação e a prevenção eram mais de recear, não 
devia empreender sua realização antes de atingir uma idade bem mais madura do que a dos 
vinte e três anos que eu então contava e antes de ter despendido muito tempo em preparar 
me para isso, tanto desenraizando de meu espírito todas as más opiniões que nele acolhera 
até essa época como acumulando muitas experiências, para servirem em seguida de matéria 
aos meus raciocínios, e exercitando‑me sempre no método que me prescrevera, a fim de me 
firmar nele cada vez mais.
Fonte: Descartes (1983, p. 34‑41).
 Observação
A dúvida hiperbólica é a chave do método cartesiano que leva ao cogito, 
isto é, “penso, logo existo”.
8 AS MEDITAÇÕES
Nas Meditações, Descartes propõe um itinerário de reflexão que pretende lidar com todas as questões 
metafísicas que colocam sob suspeita o gênio investigativo do sujeito. Trata‑se de um conjunto de seis 
meditações acerca da atividade do espírito ou do pensamento e que pretendem esclarecer como ele se 
porta, ou de como ele deve se portar, no curso de seu desenvolvimento, principalmente mediante o cogito.
8.1 O cogito posto: dúvida radical, dúvida metafísica e existência em Descartes
Preocupado com a insuficiência do cogito enquanto método capaz de conceber com clareza as 
ideias, Descartes propõe uma dúvida hiperbólica, isto é, que questiona a si mesma enquanto pensamento 
questionador, onde o próprio gênio investigativo revelador da verdade das coisas é colocado sob suspeita.
Trata‑se de uma investigação sobre a possibilidade do gênio revelador, que, mediante a dúvida, leva 
o sujeito a conceber com clareza e distinção as ideias, ser ele mesmo um gênio do mal ou enganador, 
que estaria disposto a levar o sujeito a um erro extremo por fazê‑lo confiar que a evidência ideal da 
realidade fosse, de fato, uma ilusão.
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Essa hipótese de um gênio maligno ou malicioso se refere à possibilidade de o sujeito ser levado à 
firme crença de uma certeza que, por sua vez, não se basearia no valor objetivo que as coisas precisam 
ter para serem consideradas como conhecimento cientificamente válido. O que o filósofo propõe com a 
concepção de um gênio maligno como uma entidade racional malévola capaz de induzir o raciocínio ao 
erro, mediante a subjetivação do valor válido das coisas, é a consideração que o sujeito deve ter, agora 
não mais em relação ao objeto que conhece, mas em relação ao próprio princípio questionador das 
ideias, assumindo a possibilidade de questionar o próprio pensamento como uma evidência.
Nesse sentido, a dúvida hiperbólica consiste em duvidar do próprio pensamento que questiona 
e, desse modo, radicalizar o processo de investigação ao ponto de considerar como única certeza a 
constatação de que, se o sujeito duvidar do que duvida, só o poderá fazê‑lo ao pensar a própria dúvida 
a respeito da dúvida inicial.
Inevitavelmente, o sujeito deverá chegar à conclusão de que a única certeza que pode ter de si 
mesmo é que ele se constitui como uma coisa pensante, isto é, que o sujeito é um pensamento que 
pensa a si mesmo mediante o questionamento de sua própria condição ontológica de ser pensante.
Isso quer dizer que o exercício do cogito, que é esse questionamento acerca da própria entidade 
do sujeito, se exerce como atestação fundamental de sua existência e também como constatação de 
que a existência do sujeito se dá, não na realidade empiricamente cognoscível, no mundo das ideias ou 
evidências ideais e não no mundo sensorial.
O que o filósofo pretende com essa dúvida hiperbólica é afirmar que o sujeito é uma evidência ideal 
existente e que isto se dá pelo fato do pensamento. A existência do sujeito aparece como prova do 
pensamento, uma vez que ela surge como dependente deste.
O cogito é o caminho racional de encontro de algo substancial do sujeito, que deve aparecer como 
evidência primeira a fim de que todo o mais que se constituir como evidência ideal seja considerado 
como válido no plano do conhecimento científico. Assim, a ideia de que o sujeito é uma coisa que 
pensa, e que pensa a si mesma como coisa pensante, consiste na constatação de que o sujeito existe no 
mundo como pensamento ou coisa pensante, o que deve propiciar discernimento suficiente entre o que 
distingue a subjetividade e a objetividade. Afinal, a única certeza subsistente no cogito é a existência de 
um eu enquanto ser pensante.
Na primeira meditação considera‑se a possibilidade de duvidar geralmente de todas as coisas a 
fim de que seja possível a libertação do pensamento face aos prejuízos do erro e do engano, preparando 
o caminho do espírito para que ele se desligue dos sentidos e a dúvida diante da evidência se torne 
inexistente. Já é possível observar que, em razão da pretensão dessa primeira meditação, ele terá um 
papel fundamental na atividade hiperbólica da dúvida e na constatação daquilo que deverá servir de 
fundamento seguro para o conhecimento válido da verdade, então considerada como de valor universal.
Na segunda meditação, Descartes propõe que o espírito pode supor livremente que todas as coisas 
não existem se elas permitirem que haja alguma dúvida, por menor que seja, acerca do que elas sejam. 
Tal constatação serviria para supor que o próprio espírito não exista, já que é possível duvidar dele 
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mesmo como princípio seguro de conhecimento das coisas. Aqui, o objetivo de Descartes é limpar o 
caminho, esvaziar a mente.
Nessameditação, o filósofo considera também que a corrupção do corpo não decorre da corrupção 
da alma, o que significa que a alma subsiste em razão dela mesma, posto ser incorruptível, jamais deixa 
de ser. Isso porque a alma é substância pura. Já o corpo não é mais o mesmo, porque tem transformadas 
as partes que lhe dão figuração no mundo, o que ocorre pelo fato do perecimento da matéria que o 
constitui. Enquanto isso, a alma do indivíduo ou espírito continua naturalmente imortal.
Descartes se dedica, na terceira meditação, a provar a existência de Deus, na mesma direção lógica 
segundo a qual prova a alma como substância pura e imortal.
Deus é compreendido pelo filósofo como substância pura, um ser soberano e perfeito, que se encontra 
no espírito do sujeito como representação perfeita, em diversos graus de concepção, o que somente se 
justificaria se sua causa fosse absolutamente perfeita. Desse modo, seria impossível conceber a Deus 
como outra coisa, imperfeita, se não fosse o fato do próprio Deus ser causa de si mesmo, afinal, a causa 
da perfeição (a ideia de Deus) só pode ser compreendida como causa perfeita de si mesma.
Na quarta meditação o filósofo retoma a regra da clareza e distinção para afirmar que é possível 
provar que as coisas que podem ser concebidas de modo claro e suficientemente distinto somente 
podem ser consideradas como verdadeiras e que, desse modo, a evidência racional das coisas se dá 
mediante a atestação da possibilidade de discerni‑las de todas as demais ao ponto de não ser mais 
necessário qualquer esforço para sua averiguação enquanto verdade, se o julgamento se ocupar com 
constância do discernimento entre o verdadeiro e o falso e o fizer levando em consideração tudo aquilo 
que não disser respeito ao que compete à fé ou à conduta moral da vida.
Já na quinta meditação, ele retoma a reflexão sobre a prova da existência de Deus para demonstrar 
sua verdade por outras razões, além de supor que sem Ele seria impossível a constatação das certezas 
oriundas das demonstrações geométricas.
Na sexta meditação e última, Descartes se ocupa da distinção entre a ação do entendimento 
da ação da imaginação. Mais uma vez, retoma a distinção entre alma e corpo, ainda que estejam 
estreitamente conjugadas e unidas, de modo a constituir, juntos, uma mesma coisa. É no contexto 
dessas considerações em que o filósofo expõe os erros possíveis decorrentes da operação dos sentidos, 
de modo a indicar por qual maneira eles podem ser evitados. Então, apresenta todas as razões que levam 
a concluir a existência de coisas materiais, ainda que não sejam tão firmes e racionalmente evidentes 
como aquelas razões que podem levar o sujeito ao conhecimento de Deus e da alma. Para o filósofo, o 
conhecimento das razões dessas últimas pelo espírito é mais certo e mais evidente.
As primeiras duas meditações aparecem no bojo da filosofia reflexiva de Descartes como o passo 
fundamental para a compreensão do método, do cogito e da evidência racional que permitem o 
conhecimento das coisas com o valor de validade universal.
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O filósofo começa sua reflexão alertando para a necessidade de o sujeito se livrar dos preconceitos e 
ilusões decorrentes das experiências sensoriais, pois elas podem ser enganadoras e levar o espírito ao erro 
de entendimento sobre a realidade do mundo das coisas. É preciso, pois, livrar‑se das falsas opiniões que 
são tomadas como verdadeiras e considerá‑las como duvidosas e incertas, a fim de estabelecer algum 
conhecimento que possa ser considerado como firme e constante no âmbito do saber científico. Para 
tanto, é necessário que o sujeito se reserve a certo universo de isolamento reflexivo onde possa depurar 
todos os conceitos que foram obtidos ao longo do tempo, de modo a distinguir aqueles que decorrem 
do próprio entendimento acerca das coisas, daqueles que foram obtidos pelo exercício dos sentidos ou 
pela construção coletiva e, de certo modo, dogmática, que vem com a tradição sendo construída.
Mais uma vez, é importante frisar: Descartes quer alertar para o fato dos sentidos possivelmente 
falharem durante o seu exercício, produzindo falsas impressões acerca do mundo, e para a possibilidade 
de um conhecimento tradicionalmente constituído ser o portador de equívocos ou obscuridade no 
núcleo conceitual daquilo que o define. Então, é preciso que o sujeito destrua, de um modo geral, todas 
as opiniões que constituem seu saber, e desconsidere todos os sentidos, ainda que o tenha enganado uma 
única vez, porque o menor motivo para duvidar de uma ideia tem que ser suficientemente considerado 
para duvidar de todas as demais.
Assim, o sujeito pode duvidar do que julga ser seu próprio corpo ou de que as coisas que ele faz 
sejam realmente o que existe ou que, na verdade, trata‑se de um sonho ou mesmo apenas a imaginação 
que ele exerce sobre sua possibilidade de ser e agir no mundo. Isso porque as representações que 
constituem esse sonho, ou a imaginação fantasiosa do mundo ou mesmo o que sentimos dele, devem 
ser concebidos como meras figurações ou retratações episódicas constituídas a partir de uma impressão 
momentânea da vida real.
Destarte, ainda que o corpo que o sujeito julga ser verdadeiro se constitua como algo real, sempre 
haverá algo mais simples e mais universal, que será considerado como verdadeiro e existente, dada a 
capacidade do espírito de conferir certeza ao que se julga conhecer do mundo.
No entanto, o que aconteceria se fosse possível tomar esse espírito como um gênio enganador e 
maldoso, que, de fato, quer apenas induzir o sujeito ao erro e à ilusão? Seria possível obter alguma certeza 
fundamental que servisse ao sujeito para que construísse um conhecimento seguro e válido das coisas?
Afinal de contas, não é possível desconsiderar o primado segundo o qual se há algo que, ainda 
que minimamente, tenha sido capaz de enganar ou colocar em dúvida o gênio investigador em algum 
momento do processo de conhecimento, é preciso considerar como possível que volte a fazê‑lo, ainda 
que de outra forma e maneira, destruindo, desse modo, qualquer garantia de certeza na edificação da 
verdade das coisas.
O que o filósofo aponta nesse momento é para a necessidade de duvidar dos sentidos e das vãs opiniões 
e considerar como evidente somente a razão que opera a dúvida. Porém, alerta para a necessidade de 
radicalização do exercício da dúvida mediante o seguinte questionamento: o gênio investigativo é um 
gênio do bem ou do mal? É benigno ou maligno? Quer levar ao conhecimento da verdade das coisas ou 
tornar essa busca uma via segura para uma ilusão mais definitiva e inescapável?
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Enfim, haverá um gênio maligno que, com ardil e engenho, pretenda enganar o sujeito, induzindo‑o 
a um erro mais profundo no processo de conhecimento, em que o pensamento seja ele mesmo tomado 
como uma obra falsa fundada em bases improváveis? O sujeito pode supor, então, que todas as coisas 
sejam falsas, que todas as memórias, sentidos e emoções nunca existiram, e que o próprio pensamento 
em exercício seja ele mesmo algo falso, que jamais existiu?
A constatação racional da proposição que afirma que o sujeito é porque existe (“eu sou, eu 
existo”) será, segundo Descartes, necessariamente verdadeira a cada vez que puder ser enunciada ou 
concebida no espírito. Isso porque ela mesma, ainda que tomada enquanto dúvida fundamental e 
hiperbólica acerca do sujeito que pensa ou do eu, se constitui como evidência suficiente do próprio 
espírito enquanto pensamento.
É o pensamento pensando a si mesmo, ainda que enquanto uma investigação quanto a sua própria 
possibilidadede ser no mundo. Nessa direção, o sujeito, que antes se pensava como um corpo ou algo 
provido de alguma figura historicamente sensível, agora se concebe como uma coisa que pensa. E essa 
coisa pensante, que pensa a si mesma enquanto coisa que pensa, é a evidência racional fundamental – e 
a certeza – sobre a qual poderá ser edificada com segurança todo e qualquer conhecimento das coisas, 
com pretensão de validade universal.
Quando o sujeito considera a possibilidade de um gênio maligno ou de um deus enganador como 
causa primeira de todo o conhecimento que julga ter acerca das coisas, ele o faz na certeza de que já se 
afastou de todo o mais de corpóreo ou aparente que possa existir em relação às coisas.
Para o filósofo, a alma tem determinados atributos que devem ser considerados nesse processo, a 
fim de distinguir o que for ilusório e o que for racionalmente evidente. Não é da definição do sujeito 
certos hábitos, como caminhar ou comer, uma vez que, para tanto, é necessária a existência de um 
corpo e sua constatação não pode ser afirmada, a não ser pelos sentidos enganadores.
Do mesmo modo, também não é da definição do sujeito o ato de sentir, uma vez que, para tanto, 
também é necessário o corpo, que, pelos mesmos motivos anteriores, deve ser desconsiderado como 
base sólida para algum conhecimento confiável. Porém, há outro atributo que dispensa o corpo para ter 
atestada a sua existência, que é o pensamento. Para pensar, o corpo é dispensável, pode ser pensado sem 
ele. Afinal, por todo tempo em que o sujeito pensa, ele é; é uma coisa que pensa, é um entendimento, 
é uma razão, é um espírito.
Mas o que é uma coisa que pensa? Segundo Descartes, uma coisa que pensa é uma coisa que duvida, 
concebe, afirma e nega. Também é uma coisa que quer, imagina e sente. Quer dizer, o sujeito é o mesmo 
que pensa e sente.
Pensa o próprio pensamento que pensa, ao mesmo tempo em que sente as coisas pelos órgãos 
dos sentidos. Portanto, o sujeito é fundamentalmente, e com a certeza que somente a razão é capaz 
de atestar, uma evidência racional que constata a si mesmo como princípio capaz de sustentar toda a 
edificação do intelecto como uma obra de conhecimento alicerçada no que há de mais claro, distinto 
e provável no mundo: as ideias.
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 Observação
O gênio maligno é uma metáfora que Descartes usou para ilustrar o 
processo de radicalização da dúvida.
8.2 Meditação primeira e Meditação segunda
Agora você deve fazer a leitura de outro importante texto de Descartes, “Meditação primeira”. 
Imagine o filósofo em seu quarto à noite, à luz de velas, vestido com seu robe, refletindo e escrevendo 
sobre as suas reflexões. Aproveite esse momento para relembrar o que foi estudado anteriormente.
Meditação primeira
Das coisas que se podem colocar em dúvida
1. Há já algum tempo eu me apercebi de que, desde meus primeiros anos, recebera 
muitas falsas opiniões como verdadeiras, e de que aquilo que depois eu fundei em princípios 
tão mal asseguradas não podia ser senão mui duvidoso e incerto; de modo que me era 
necessário tentar seriamente, uma vez em minha vida, desfazer‑me de todas as opiniões a 
que até então dera crédito, e começar tudo novamente desde os fundamentos, se quisesse 
estabelecer algo de firme e de constante nas ciências. Mas, parecendo‑me ser muito grande 
essa empresa, aguardei atingir uma idade que fosse tão madura que não pudesse esperar 
outra após ela, na qual eu estivesse mais apto para executá‑la; o que me fez diferi‑Ia por 
tão longo tempo que doravante acreditaria cometer uma falta se empregasse ainda em 
deliberar o tempo que me resta para agir.
2. Agora, pois, que meu espírito está livre de todos os cuidados, e que consegui um 
repouso assegurado numa pacífica solidão, aplicar‑me‑ei seriamente e com liberdade em 
destruir em geral todas as minhas antigas opiniões. Ora, não será necessário, para alcançar 
esse desígnio, provar que todas elas são falsas, o que talvez nunca levasse a cabo; mas, 
uma vez que a razão já me persuade de que não devo menos cuidadosamente impedir‑me 
de dar crédito às coisas que não são inteiramente certas e indubitáveis, do que às que nos 
parecem manifestamente ser falsas, o menor motivo de dúvida que eu nelas encontrar 
bastará para me levar a rejeitar todas. E, para isso, não é necessário que examine cada uma 
em particular, o que seria um trabalho infinito; mas, visto que a ruína dos alicerces carrega 
necessariamente consigo todo o resto do edifício, dedicar‑me‑ei inicialmente aos princípios 
sobre os quais todas as minhas antigas opiniões estavam apoiadas.
3. Tudo o que recebi, até presentemente, como o mais verdadeiro e seguro, aprendi‑o 
dos sentidos, sou pelos sentidos: ora, experimentei algumas vezes que esses sentidos eram 
enganosos, e é de prudência nunca se fiar inteiramente em quem já nos enganou uma vez.
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4. Mas, ainda que os sentidos nos enganem às vezes, no que se refere às coisas pouco 
sensíveis e muito distantes, encontramos talvez muitas outras, das quais não se pode 
razoavelmente duvidar, embora as conhecêssemos por intermédio deles: por exemplo, que 
eu esteja aqui, sentado junto ao fogo, vestido comum chambre, tendo este papel entre 
as mãos e outras coisas desta natureza. E como poderia eu negar que estas mãos e este 
corpo sejam meus? A não ser, talvez, que eu me compare e esses insensatos, cujo cérebro 
está de tal modo perturbado e ofuscado pelos negros vapores da bile que constantemente 
asseguram que são reis quando são muito pobres; que estão vestidos de ouro e de púrpura 
quando estão inteiramente nus; ou imaginam ser cântaros ou ter um corpo de vidro. Mas 
quê? São loucos e eu não seria menos extravagante se me guiasse por seus exemplos.
5. Todavia, devo aqui considerar que sou homem e, por conseguinte, que tenho o costume 
de dormir e de representar, em meus sonhos, as mesmas coisas, ou algumas vezes menos 
verossímeis, que esses insensatos em vigília. Quantas vezes ocorreu‑me sonhar, durante a 
noite, que estava neste lugar, que estava vestido, que estava junto ao fogo, embora estivesse 
inteiramente nu dentro de meu leito? Parece‑me agora que não é com olhos adormecidos 
que contemplo este papel; que esta cabeça que eu mexo não está dormente; que é com 
desígnio e propósito deliberado que estendo esta mão e que a sinto: o que ocorre no sono 
não parece ser tão claro nem tão distinto quanto tudo isso. Mas, pensando cuidadosamente 
nisso, lembro‑me de ter sido muitas vezes enganado, quando dormia, por semelhantes 
ilusões. E, detendo‑me neste pensamento, vejo tão manifestamente que não há quaisquer 
indícios concludentes, nem marcas assaz certas por onde se possa distinguir nitidamente a 
vigília do sono, que me sinto inteiramente pasmado: e meu pasmo é tal que é quase capaz 
de me persuadir de que estou dormindo.
6. Suponhamos, pois, agora, que estamos adormecidos e que todas essas particularidades, 
a saber, que abrimos os olhos que mexemos a cabeça, que estendemos as mãos, e coisas 
semelhantes, não passam de falsas ilusões; e pensemos que talvez nossas mãos, assim como 
todo o nosso corpo, não são tais como os vemos. Todavia, é preciso ao menos confessar que 
as coisas que nos são representadas durante o sono são como quadros e pinturas, que não 
podem ser formados senão à semelhança de algo real e verdadeiro; e que assim, pelo menos, 
essas coisas gerais, a saber, olhos, cabeça, mãos e todo o resto do corpo, não são coisas 
imaginárias, mas verdadeiras e existentes. Pois, na verdade, os pintores, mesmo quando se 
empenham com o maior artifício em representar sereias e sátiros por formasestranhas e 
extraordinárias, não lhes podem, todavia, atribuir formas e naturezas inteiramente novas, 
mas apenas fazem certa mistura e composição dos membros de diversos animais; ou então, 
se porventura sua imaginação for assaz extravagante para inventar algo de tão novo, que 
jamais tenhamos visto coisa semelhante e que assim sua obra nos represente uma coisa 
puramente fictícia e absolutamente falsa, certamente ao menos as cores com que eles a 
compõem devem ser verdadeiras.
7. E pela mesma razão, ainda que essas coisas gerais, a saber, olhos, cabeça, mãos e outras 
semelhantes, possam ser imaginárias, é preciso, todavia, confessar que há coisas ainda mais 
simples e mais universais, que são verdadeiras e existentes; de cuja mistura, nem mais nem 
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menos do que da mistura de algumas cores verdadeiras, são formadas todas essas imagens das 
coisas que residem em nesse pensamento, quer verdadeiras e reais, quer fictícias e fantásticas. 
Desse gênero de coisas é a natureza corpórea em geral, e sua extensão; juntamente com a 
figura das coisas extensas, sua quantidade, ou grandeza, e seu número; como também o lugar 
em que estão, o tempo que mede sua duração e outras coisas semelhantes.
8. Eis por que, talvez, daí nós não concluamos mal se dissermos que a Física, a Astronomia, 
a Medicina e todas as outras ciências dependentes da consideração das coisas compostas 
são muito duvidosas e incertas; mas que a Aritmética, a Geometria e as outras ciências 
desta natureza, que não tratam senão de coisas muito simples e muito gerais, sem cuidarem 
muito em se elas existem ou não na natureza, contêm alguma coisa de certo e indubitável. 
Pois, quer eu esteja acordado, quer esteja dormindo, dois mais três formarão sempre o 
número cinco e o quadrado nunca terá mais do que quatro lados; e não parece possível que 
verdades tão patentes possam ser suspeitas de alguma falsidade ou incerteza.
9. Todavia, há muito que tenho no meu espírito certa opinião de que há um Deus que 
tudo pode e por quem fui criado e produzido tal como sou. Ora, quem me poderá assegurar 
que esse Deus não tenha feito com que não haja nenhuma terra, nenhum céu, nenhum 
corpo extenso, nenhuma figura, nenhuma grandeza, nenhum lugar e que, não obstante, eu 
tenha os sentimentos de todas essas coisas e que tudo isso não me pareça existir de maneira 
diferente daquela que eu vejo? E, mesmo, como julgo que algumas vezes os outros se 
enganam até nas coisas que eles acreditam saber com maior certeza, pode ocorrer que Deus 
tenha desejado que eu me engane todas as vezes em que faço a adição de dois mais três, ou 
em que enumero os lados de um quadrado, ou em que julgo alguma coisa ainda mais fácil, 
se é que se pode imaginar algo mais fácil do que isso. Mas pode ser que Deus não tenha 
querido que eu seja decepcionado desta maneira, pois ele é considerado soberanamente 
bom. Todavia, se repugnasse à sua bondade fazer‑me de tal modo que eu me enganasse 
sempre, pareceria também ser‑lhe contrário permitir que eu me engane algumas vezes e, no 
entanto, não posso duvidar de que ele mo permita.
[...]
12. Suporei, pois, que há não um verdadeiro Deus, que é a soberana fonte da verdade, 
mas certo gênio maligno, não menos ardiloso e enganador do que poderoso, que empregou 
toda a sua indústria em enganar‑me. Pensarei que o céu, o ar, a terra, as cores, as figuras, 
os sons e todas as coisas exteriores que vemos são apenas ilusões e enganos de que ele se 
serve para surpreender minha credulidade. Considerar‑me‑ei a mim mesmo absolutamente 
desprovido de mãos, de olhos, de carne, de sangue, desprovido de quaisquer sentidos, mas 
dotado da falsa crença de ter todas essas coisas. Permanecerei obstinadamente apegado a 
esse pensamento; e se, por esse meio, não está em meu poder chegar ao conhecimento de 
qualquer verdade, ao menos está ao meu alcance suspender meu juízo. Eis por que cuidarei 
zelosamente de não receber em minha crença nenhuma falsidade e prepararei tão bem 
meu espírito a todos os ardis desse grande enganador que, por poderoso e ardiloso que seja, 
nunca poderá impor‑me algo.
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Meditação Segunda
Da natureza do espírito humano; e de como ele é mais fácil de conhecer do que 
o corpo
1. A Meditação que fiz ontem encheu‑me o espírito de tantas dúvidas, que doravante 
não está mais em meu alcance esquecê‑las. E, no entanto, não vejo de que maneira poderia 
resolvê‑las; e, como se de súbito tivesse caído em águas muito profundas, estou de tal 
modo surpreso que não posso nem firmar meus pés no fundo, nem nadar para me manter 
à tona. Esforçar‑me‑ei, não obstante, e seguirei novamente a mesma via que trilhei ontem, 
afastando‑me de tudo em que poderia imaginar a menor dúvida, da mesma maneira como 
se eu soubesse que isto fosse absolutamente falso; e continuarei sempre nesse caminho até 
que tenha encontrado algo de certo, ou, pelo menos, se outra coisa não me for possível, até 
que tenha aprendido certamente que não há nada no mundo de certo.
2. Arquimedes, para tirar o globo terrestre de seu lugar e transportá‑lo para outra parte, 
não pedia nada mais exceto um ponto que fosse fixo e seguro. Assim, terei o direito de 
conceber altas esperanças, se for bastante feliz para encontrar somente uma coisa que seja 
certa e indubitável.
3. Suponho, portanto, que todas as coisas que vejo são falsas; persuado‑me de que 
jamais existiu de tudo quanto minha memória referta de mentiras me representa; penso 
não possuir nenhum sentido; creio que o corpo, a figura, a extensão, o movimento e o lugar 
são apenas ficções de meu espírito. O que poderá, pois, ser considerado verdadeiro? Talvez 
nenhuma outra coisa a não ser que nada há no mundo de certo.
4. Mas que sei eu, se não há nenhuma outra coisa diferente das que acabo de julgar 
incertas, da qual não se possa ter a menor dúvida? Não haverá algum Deus, ou alguma outra 
potência, que me ponha no espírito tais pensamentos? Isso não é necessário; pois talvez seja 
eu capaz de produzi‑los por mim mesmo. Eu então, pelo menos, não serei alguma coisa? 
Mas já neguei que tivesse qualquer sentido ou qualquer corpo. Hesito, no entanto, pois que 
se segue daí? Serei de tal modo dependente do corpo e dos sentidos que não possa existir 
sem eles? Mas eu me persuadi de que nada existia no mundo, que não havia nenhum céu, 
nenhuma terra, espíritos alguns, nem corpos alguns: não me persuadi também, portanto, 
de que eu não existia? Certamente não, eu existia sem dúvida, se é que eu me persuadi, ou, 
apenas, pensei alguma coisa. Mas há algum, não sei qual, enganador mui poderoso e mui 
ardiloso que emprega toda a sua indústria em enganar‑me sempre. Não há, pois, dúvida 
alguma de que sou, se ele me engana; e, por mais que me engane, não poderá jamais fazer 
com que eu nada seja, enquanto eu pensar ser alguma coisa. De sorte que, após ter pensado 
bastante nisto e de ter examinado cuidadosamente todas as coisas, cumpre enfim concluir 
e ter por constante que esta proposição, eu sou, eu existo, é necessariamente verdadeira 
todas as vezes que a enuncio ou que a concebo em meu espírito.
[...]
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9. Mas o que sou eu, portanto? Uma coisa que pensa. Que é uma coisa que pensa? É uma coisa 
que duvida, que concebe, que afirma, que nega, que quer, que não quer, que imagina também 
e que sente. Certamente não é pouco se todas essas coisas pertencem à minha natureza. Mas 
por que não lhe pertenceriam? Não sou eu próprio esse mesmo que duvidade quase tudo, que, 
no entanto, entende e concebe certas coisas, que assegura e afirma que somente tais coisas são 
verdadeiras, que nega todas as demais, que quer e deseja conhecê‑las mais, que não quer ser 
enganado, que imagina muitas coisas, mesmo malgrado seu, e que sente também muitas como 
que por intermédio dos órgãos do corpo? Haverá algo em tudo isso que não seja tão verdadeiro 
quanto é certo que sou e que existo, mesmo se dormisse sempre e ainda quando aquele que me 
deu a existência se servisse de todas as suas forças para enganar‑me? Haverá, também, algum 
desses atributos que possa ser distinguido de meu pensamento, ou que se possa dizer que existe 
separado de mim mesmo? Pois é por si tão e, dente que sou eu quem duvida, que entende 
e quem deseja que não é necessário nada acrescentar aqui para explicá‑lo. E tenho também 
certamente poder de imaginar; pois, ainda que possa ocorrer (como supus anteriormente) que as 
coisas que imagino não sejam verdadeiras, este poder de imanar não deixa, no entanto, de existir 
realmente em mim e faz parte do meu pensamento. Enfim, sou o mesmo que sente, isto é, que 
recebe e conhece; coisas como que pelos órgãos dos se tidos, posto que, com efeito, vejo a luz, 
ouço o ruído, sinto o calor. Mas dir‑me‑ão que essas aparências são falsas, e que eu durmo. Que 
assim seja; todavia, ao menos, é muito certo que me parece que vejo, que ouço e que me aqueço; 
e é propriamente aquilo que em mim se chama sentir e isto, tomado assim precisamente, nada 
é senão pensar. Donde começo a conhecer o que sou, com um pouco mais de luz e de distinção 
do que anteriormente.
Fonte: Descartes (1983, p. 85‑98).
 Saiba mais
As Meditações de Descartes estão entre os textos mais importantes da 
Filosofia. Para entender melhor a função da dúvida leia o texto:
WILLIGES, F. A função das dúvidas céticas nas meditações de Descartes. 
doispontos, Curitiba, São Carlos, v. 4, n. 2, p. 103‑118, out. 2007. Disponível 
em: <http://revistas.ufpr.br/doispontos/article/view/8181/8126>. Acesso 
em: 3 jul. 2017.
8.3 O cogito de Descartes no Ensino Básico
Desde o seu surgimento na Grécia Antiga, a Filosofia traz como modus operandi, isto é, sua maneira 
de operar no mundo, o questionamento.
Os primeiros filósofos, Tales, Anaximandro e Anaxímenes, indagavam sobre a origem de todas as 
coisas. Olhavam para o seu entorno e perguntavam de onde vinham as plantas, os animais, os rios, o 
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céu. As respostas para a pergunta “de onde vêm todas as coisas existentes?” foram variadas: a água, o 
fogo, o ar. Entretanto, há algo em comum entre todos: perguntar, indagar, questionar. Assim, a Filosofia 
é a arte de questionar. Mas questionar o quê?
O questionamento filosófico se dirige a qualquer realidade. A realidade material e imaterial. Podemos 
questionar sobre o que existe e sobre o que não existe. Podemos questionar até sobre o ato de questionar. E 
foi o que Descartes fez: questionou o próprio ato de questionar, questionou a certeza, questionou a dúvida.
A diferença entre os filósofos pré‑socráticos e Descartes é que os primeiros perguntavam sobre a natureza, 
sobre a realidade física que os cercava e o segundo perguntava sobre aquele que olha para a natureza e faz a 
pergunta. Para Descartes, o foco é o sujeito que faz a pergunta e não o objeto que é perguntado.
Nesse sentido, o questionamento cartesiano se dirige ao próprio pensamento. Primeiro ele duvida e 
depois pergunta.
A atividade do espírito questionador é própria do filósofo e daquele que ensina Filosofia. A Filosofia 
não se aprende somente por leitura, memorização e entendimento. Essas ações são fundamentais 
para o aprendizado filosófico, mas não são suficientes. É preciso questionar a realidade em torno para 
desenvolver a capacidade de filosofar.
O professor de Filosofia deve instigar seus alunos a olharem para a sua realidade próxima e questionar 
essa realidade. O aluno deve ser levado a perguntar: Como as coisas são? Por que elas são como são? 
Elas poderiam ser diferentes? Sobre o que irão perguntar não é tão importante quanto o próprio ato de 
questionar. Podem questionar a sociedade, a comunidade, seus hábitos, suas normas. Podem questionar 
a si mesmos, a mídia, a cultura, a religião. Não importa. O que realmente importa é questionar, pois é o 
questionamento que desenvolve o espirito crítico tão essencial ao filósofo.
Ensinar Filosofia é ensinar a filosofar. Filosofar é a arte de problematizar a realidade. Para tanto, é 
necessário não aceitar de imediato o que nos é dito como sendo verdadeiro, sem antes questionar isso 
que nos foi dito, perguntando se é verdadeiro. O senso crítico é necessário para não sermos ingênuos. 
Ser ingênuo é aceitar tudo que nos é dado como sendo certo, correto e verdadeiro. A ingenuidade deve 
ser superada por meio do espírito crítico.
Ser crítico não é falar mal, ser destrutivo. Ser crítico é questionar, indagar. A crítica tem duas faces: 
uma de negação e outra de afirmação. O aspecto de negação da crítica ocorre quando negamos o 
que nos é colocado como sendo uma verdade absoluta. O aspecto afirmativo da crítica ocorre quando 
indagamos que as coisas realmente são. Assim, a crítica destrói apenas a falsidade, o erro e o engano. 
A crítica construtiva é aquela que, após a destruição do engano, constrói verdades fundadas na 
investigação filosófica da realidade, como fez Descartes.
O professor de Filosofia deve, em certo sentido, inspirar‑se em Descartes e conduzir seu aluno pelo 
caminho da dúvida, do questionamento da realidade circundante. Mas depois deve acompanhá‑lo pela 
via da reconstrução da verdade, sem abandoná‑lo no meio do processo. Pois o questionamento que não 
encontra respostas, mesmo que provisórias, pode levar ao ceticismo. E o ceticismo é como um remédio, 
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deve ser dado na hora certa e na quantidade correta. Excesso de remédio pode envenenar o corpo, assim 
como excesso de perguntas sem respostas podem envenenar a alma.
O professor de Filosofia deve ser, como no exemplo socrático, um indivíduo que faz perguntas.
As perguntas fundamentais da Filosofia são: o que, o como e o porquê. Perguntar o que é uma 
coisa é perguntar sobre a sua essência, sua natureza, sua substância. Perguntar como é essa coisa é 
perguntar pelas suas qualidades, suas propriedades. E perguntar o porquê é perguntar pela sua origem, 
sua razão e sua causa. Podemos perguntar também pelo onde e pelo quando. A pergunta pelo onde a 
coisa está é perguntar pelo espaço, pelo lugar. Perguntar pelo quando a coisa acontece, é perguntar pelo 
tempo. Nesse sentido, posso perguntar: O que sou? Como sou? Por que sou? Onde sou? Por que sou? 
As respostas a essas perguntas são diversas e dependem de quem as irá responder. Entretanto, elas já 
apontam para uma postura filosófica frente a mim mesmo, que me coloca como objeto da indagação. 
Podemos perguntar sobre a essência, a qualidade e a origem de qualquer coisa no mundo e fora dele.
Assim, todo professor de filosofia deve conhecer o caminho da dúvida e da indagação. E um dos filósofos 
que percorreu o caminho da dúvida de forma radical, indo até as últimas consequências, foi Descartes.
 Saiba mais
Leia o artigo de Almeida (2016), que aplica as teses das Meditações 
ao ensino de Filosofia, com o objetivo de propor uma estrutura que possa 
servir como prática didática nas aulas de Filosofia do Ensino Básico:
ALMEIDA, D. M. Análise da trama de argumentos na obra “Meditações” 
cartesianas na construção da ideia do “Cogito”: uma proposta para um 
modelo didático para o ensino de Filosofia. Educar em Revista, Curitiba, 
Brasil,

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