Buscar

Filosofia da Religião - Livro Texto - Unidade III

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 3, do total de 65 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 6, do total de 65 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 9, do total de 65 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Prévia do material em texto

98
Re
vi
sã
o:
 R
ic
ar
do
 -
 D
ia
gr
am
aç
ão
: M
ár
ci
o 
- 
27
/0
3/
20
19
Unidade III
Unidade III
7 A RELIGIÃO NA IDADE MODERNA
7.1 Renascimento, religião e Inquisição
O Renascimento começou na Itália no século XIV. Foi um movimento que trouxe grandes 
transformações culturais e intelectuais, promovendo as relações comerciais entre bizantinos e italianos. 
Não se restringiu somente à Itália, disseminando‑se rapidamente por toda a Europa.
 Observação
O Império Bizantino foi uma continuação do Império Romano, não 
sendo possível precisar quando um termina e o outro se inicia.
O nome Renascimento se deve ao fato de que todos os que dele participaram procuravam reanimar 
a cultura clássica greco‑romana e seus princípios. Acreditavam nessa época que viviam o apogeu da 
história da civilização ocidental. Ao se debruçar sobre a filosofia grega, os renascentistas começaram a 
questionar a visão de mundo da Idade Média.
A principal característica do Renascimento foi a tentativa de resgatar a percepção do homem como 
um todo. Essa busca influenciou o progresso da política, das ciências, da arte e da religião. Então, o 
centro do universo passou a ser o homem, vigorando o antropocentrismo (do grego, antropos, “ser 
humano”, “homem”), princípio surgido no cerne do movimento, que foi denominado humanismo.
Quanto à arte, o Renascimento favoreceu o realismo das obras, em especial no tocante à ampliação 
das técnicas de sombreamento, perspectiva e profundidade. As interpretações da figura humana 
adquiriram supremacia e solidez, refletindo o auge de uma sociedade que se aprimorava não apenas 
na economia, mas também na autoconfiança.
Embora essa sociedade estivesse sendo construída em meio a classes sociais de diferentes níveis, as 
instâncias políticas ficavam cada vez mais centralizadas, com economia de âmbito urbano e natureza 
mercantil. Nesse contexto, nasceram os mecenas, os patrocinadores das artes. Eles tiveram um papel 
importante na difusão dessa revolução artística por todo o continente. Apesar de alguns autores 
defenderem que o Renascimento se referia apenas à arte clássica, ele foi muito mais do que isso – foi 
um movimento intelectual de grande representação na história universal.
As convenções artísticas da Idade Média estavam muito voltadas para a cultura escolástica, ou seja, 
para a educação, não para o deleite dos sentidos. Burke (2008, p. 20‑21) observa:
99
Re
vi
sã
o:
 R
ic
ar
do
 -
 D
ia
gr
am
aç
ão
: M
ár
ci
o 
- 
27
/0
3/
20
19
FILOSOFIA DA RELIGIÃO
A consagração do retrato como gênero independente foi uma das 
tendências animadas pelo exemplo da Antiguidade. Os retratos do século XV 
eram habitualmente pintados de perfil, como se imitassem a cabeça dos 
imperadores nas moedas romanas, e eram, regra geral, cortados um pouco 
abaixo do ombro, como se fossem equivalentes aos antigos bustos de 
mármore. Foi apenas por volta de 1500 que Leonardo, Rafael e outros artistas 
se emanciparam dessa convenção para produzir obras sem precedente 
clássico, que mostravam o rosto do retrato de frente ou a três‑quartos, de 
meio corpo ou corpo inteiro, sentado ou de pé, conversando com amigos ou 
dando ordens aos criados.
O Renascimento se imbricava com a religião, o que se pode perceber na história do papa Eugênio IV, o 
qual, “além dos conflitos de Cesareia, cuidava do embelezamento da cidade de Roma” (GONZÁLEZ, 1995c, 
p. 147‑148). Esse é um exemplo de que o papado estava se apoderando do espírito do Renascimento. 
Os papas apoiavam as belas‑artes, queriam trazer os melhores artistas a seus pontificados para beneficiar 
Roma, e desejavam que fossem construídos palácios, igrejas e monumentos que evidenciassem a cidade 
como a capital da cristandade. Alguns se imbuíram do espírito renascentista em sua dedicação aos 
escritos, tanto que melhoraram a condição das bibliotecas do Vaticano. Outros, no entanto, tinham 
amor pela extravagância, pelo despotismo e pelos prazeres sexuais.
Após o falecimento de Eugênio IV, assumiu o cargo Nicolau V. Em seus anos de pontificado, 
aproximadamente entre 1445 e 1455, houve um grande empenho em fortalecer a posição de Roma. 
Um dos objetivos era fazer dela a capital intelectual da Europa, importando‑se os melhores escritores 
e pintores. A principal biblioteca pessoal do século XV pertencia a Nicolau V. Foi ele quem, em 1454, 
concedeu ao infante D. Henrique o monopólio das expedições marítimas. Sua bula Romanus Pontifex 
(1455) reconheceu aos reis de Portugal a posse de terras e mares já descobertos ou a descobrir, dando 
às navegações portuguesas o status de cruzadas da fé católica.
Essa ideia de cruzada das navegações era uma extensão do incentivo que Nicolau V tinha dado ao 
rei de Portugal, Afonso V, quando em 1452 publicou a bula Dum Diversas: “Nós lhe concedemos, por 
estes presentes documentos, com nossa autoridade apostólica, plena e livre permissão de invadir, buscar, 
capturar e subjugar os sarracenos e pagãos e quaisquer outros incrédulos e inimigos de Cristo” (apud 
SANTOS, 2015, p. 142). Na prática, essas bulas também deram aos portugueses o direito de adquirir 
escravos ao longo da costa africana por força ou comércio. Tais concessões foram confirmadas por 
Sisto IV na bula Aeterni Regis, de 21 de junho de 1481.
O sucessor de Nicolau V, Calisto III, pensava que era preciso unir a Itália para marchar contra os 
turcos, e praticamente abandonou as atividades religiosas a fim de se dedicar à guerra. Foi Calisto III quem 
oficialmente criou o nepotismo, ao nomear seu neto Rodrigo como cardeal. Rodrigo posteriormente 
se tornaria o papa Alexandre VI. Os historiadores italianos costumam dizer que Calisto III foi o 
pior papa da história; outros afirmam que não foi o pior, mas que está entre os dez mais infames. 
Ele é mais conhecido por seu nome de família, Bórgia. Os Bórgia eram originais da Espanha, a 
família Borja.
100
Re
vi
sã
o:
 R
ic
ar
do
 -
 D
ia
gr
am
aç
ão
: M
ár
ci
o 
- 
27
/0
3/
20
19
Unidade III
Os reis católicos, Fernando de Aragão e Isabel de Castela, reinaram durante esse período. Esse papa 
beneficiou muito Espanha e Portugal, até porque eram nações que estavam expulsando os muçulmanos 
da Europa, com a Reconquista. Calisto III criou o Padroado, um acordo entre a Igreja Católica e os reinos 
de Portugal e Espanha que delegava aos chefes dos reinos ibéricos a administração e a organização da 
Igreja em seu território. O rei ficava responsável pela construção e manutenção de igrejas, bem como 
pela nomeação de padres e bispos, os quais depois eram aprovados pelo papa.
O Padroado só acabou depois do Concílio Vaticano II (1962‑1965) e influenciou muito a forma do 
catolicismo brasileiro. Os padres que trouxeram a religião ao Brasil, de qualquer ordem, precisavam 
primeiro obedecer ao rei e depois ao papa. Isso foi mantido tanto na Espanha quanto em Portugal após 
esses países se tornarem repúblicas. Nas colônias americanas desses países, valia a mesma regra. 
Na medida em que esses países deixaram de ser colônias e se tornaram independentes, mesmo na forma 
republicana, mantiveram a prerrogativa do Padroado. Foi só depois de 1965 que o papa retomou o 
controle direto da religião em toda a América Latina.
 Saiba mais
Sobre a história dos papados, leia:
CAWTHORNE, N. A vida sexual dos papas. Tradução Thais Rodegheri 
Manzano. São Paulo: Prestígio, 2002.
A principal tarefa do sucessor de Calisto III, o papa Pio II, foi deter o avanço dos turcos, que 
caminhavam em direção à Europa. Um papa típico do Renascimento foi Sisto IV. Foi ele quem patrocinou 
e ordenou a construção da Capela Sistina, que tem esse nome em sua homenagem. Segundo González 
(1995c, p. 149):
[Sisto IV] comprou o papado, fazendo‑se eleger com base em promessas 
e presentesque deu aos cardeais. Durante seu pontificado, o nepotismo e 
a corrupção chegaram a níveis nunca vistos no papado. A essência de 
sua política consistiu em enriquecer sua família, em particular seus cinco 
sobrinhos. Um destes, Giuliano della Rovere, mais tarde ocuparia o papado 
com o nome de Júlio II. Sob Sisto a Igreja se tornou um negócio da família. 
Toda a Itália se viu às voltas com guerras e conspirações cujo único objetivo 
era conquistar territórios, riquezas e honras para os sobrinhos do papa. 
Seu sobrinho predileto, Pedro Riário, tinha 26 anos quando foi feito cardeal, 
patriarca de Constantinopla e arcebispo de Florença. Seus vícios e excessos 
ficaram famosos em toda a Itália, e se diz que foi em consequência deles que 
ele morreu poucos anos depois.
Após Sisto IV, veio Inocêncio VIII, uma figura bastante complexa. Após jurar de forma veemente 
que não agiria como os antecessores (nomeando parentes), que respeitaria o direito dos outros cardeais 
101
Re
vi
sã
o:
 R
ic
ar
do
 -
 D
ia
gr
am
aç
ão
: M
ár
ci
o 
- 
27
/0
3/
20
19
FILOSOFIA DA RELIGIÃO
e que colocaria em ordem a Sé romana, assim que se apossou da coroa, declarou que poderia deixar de 
cumprir suas promessas caso o quisesse, pois o poder do papa era absoluto.
Inocêncio VIII reconheceu publicamente vários de seus filhos ilegítimos, concedendo‑lhes honras e 
riquezas, em especial porque um deles passou a vender indulgências. Seu pior ato talvez tenha ocorrido 
em 1484, quando quis salvar a cristandade das bruxas. Expediu uma bula papal condenando à morte 
centenas de mulheres, e assim trouxe a Inquisição também para a Idade Moderna. Nessa época, centenas 
de mulheres foram mortas, “cujo único crime era serem impopulares, ou talvez um pouco excêntricas” 
(GONZÁLEZ, 1995c, p. 150).
A caça às bruxas de 1484 foi exclusivamente contra algumas mulheres, mas em 1542 aconteceram 
novos episódios. Na Espanha, sob o comando de Tomás de Torquemada e de Ximenes, cerca de 12 mil 
pessoas foram executadas. Com o aval da bula papal de Paulo III, os acusados de protestantismo julgados 
culpados nem sequer tinham a possibilidade de se defender. Eram obrigados a testemunhar contra 
si mesmos sob intensa tortura, tinham os bens confiscados e depois eram queimados na fogueira. 
Tais punições eram executadas pelas autoridades seculares com a fiscalização dos inquisidores. 
Curtis (2003, p. 89) diz:
Como a Inquisição tinha o poder de confiscar os pertences dos condenados, 
ela nunca ficou sem dinheiro para continuar suas perseguições. Ela também 
vendia a atividade de “familiar”, que transformava a pessoa numa espécie 
de informante, que desfrutava de liberdade, pois, em troca da informação, o 
delator não era preso.
Apesar de o protestantismo ter se espalhado rapidamente pela Europa, na Espanha ele não 
progrediu, pois o ódio desses inquisidores era bem superior que no restante do continente. A Inquisição 
da Contrarreforma durou até o século XIX. Durante quatro séculos, bastava a suspeita de ser protestante 
para ser denunciado aos inquisidores. Os acusados só escapavam do martírio se retornassem para a 
Igreja Católica.
O já mencionado Júlio II, como a maioria dos papas de seu tempo, foi um grande mecenas das 
artes. Durante seu pontificado, Michelangelo concluiu a pintura da Capela Sistina e Rafael adornou 
o Vaticano com seus extraordinários afrescos, obras que estão entre as mais emblemáticas de toda a 
Renascença italiana.
No Renascimento, enquanto a burguesia enriquecia com o comércio internacional, a Igreja Católica 
dominava os reinos europeus. As famílias nobres se esforçavam para ter um filho bem colocado na 
hierarquia da Igreja, porque os altos cargos permitiam também grandes negócios comerciais. Dois 
produtos importantes moviam a economia: o mel, que adoçava os alimentos, e as velas, que eram 
obrigatórias para demonstrar devoção. Havia também grande controle sobre a produção de vinho, pois 
não podia faltar essa bebida na missa.
Foi ainda no Renascimento que o projeto da Igreja Católica de uma religião universal chegou ao 
ápice (o termo católico, de origem grega, significa “universal”). A religião passou a mandar no mundo. 
102
Re
vi
sã
o:
 R
ic
ar
do
 -
 D
ia
gr
am
aç
ão
: M
ár
ci
o 
- 
27
/0
3/
20
19
Unidade III
Todos os reis tinham de ser reconhecidos pelo papa para serem considerados escolhidos por Deus para o 
ofício. Apesar de a Europa não viver numa teocracia, na prática sua realidade era muito próxima daquela 
do Egito antigo, onde faraós, guerreiros e sacerdotes determinavam a política e a economia.
Outra questão que acabou tomando grandes proporções foram as indulgências. Na doutrina católica, 
as indulgências são concedidas para reparar as penas temporais causadas pelo pecado. Elas só perdoam 
o castigo determinado ao pecador, e a pessoa continua a ser obrigada a ter seus pecados isentos por 
um sacerdote para receber a salvação. As indulgências constituíram um negócio tão rentável que muitas 
obras da Igreja foram feitas com o dinheiro delas.
Por último, com a redescoberta da cultura greco‑romana, o Renascimento permitiu que as igrejas 
viessem a ser decoradas com imagens de santos, e assim quadros e esculturas passaram a maravilhar os 
fiéis. Quanto mais bonitas as imagens, maiores eram a devoção dos fiéis e as esmolas que eles davam 
para conseguir os favores dos santos. Assim, a Igreja Católica se distanciava muito da religião monoteísta 
concorrente, o islã. Nesta, nem mesmo a imagem de Maomé podia ser reproduzida nas mesquitas. Isso 
dava aos muçulmanos a certeza de estarem no caminho de Deus, pois não dispersavam a fé adorando 
ídolos, como tinha acontecido nas antigas religiões animistas ou politeístas.
7.2 Descartes e o gênio maligno
René Descartes (1595‑1650) foi um filósofo, matemático e físico francês. Atribui‑se a ele a frase 
“Cogito, ergo sum” (Penso, logo existo), escrita em latim. Na verdade, sua frase foi “Je pense, donc je 
suis”, mais bem traduzida como “Penso, logo sou”.
Ele também é conhecido por ser o fundador do racionalismo cartesiano e da filosofia moderna, sendo 
reputado um dos pensadores mais importantes da história. Tinha origem numa família da baixa 
nobreza. Seu pai, além de advogado e conselheiro do Parlamento, era grande proprietário de 
terras. Descartes serviu na tropa de Maurício de Nassau, o que para ele seria uma complementação 
de sua educação.
Após se formar pela Universidade de Poitiers no curso de Direito, estabeleceu contato com as 
descobertas da matemática e começou a formular sua geometria analítica e seu método de pensar 
corretamente com apenas 22 anos. Rompeu com o aristotelismo adotado nas academias e, em 1619, 
propôs uma ciência universal, tornando‑se o precursor do método científico moderno.
Sua obra mais relevante é o Discurso do Método, publicada em 1637, que serve de base para todo o 
racionalismo científico. Nela, o autor expõe alguns preceitos para atingir o conhecimento:
1. A evidência: para que possamos aceitar alguma coisa por verdadeira, 
não podemos ter a menor dúvida de sua veracidade. À evidência 
opõe‑se a conjectura, que é, no essencial, dúvida, mesmo que 
temporária. A evidência é atingida por intermédio da intuição, aqui 
entendida como um conceito da mente, que, no estado de pureza e de 
atenção, não é atingida por qualquer dúvida, objeto do pensamento.
103
Re
vi
sã
o:
 R
ic
ar
do
 -
 D
ia
gr
am
aç
ão
: M
ár
ci
o 
- 
27
/0
3/
20
19
FILOSOFIA DA RELIGIÃO
2. A análise: as questões devem ser observadas no maior número de 
partes possível, simplificando‑as para que a razão possa ter um 
entendimento mais perfeito.
3. A síntese: conduzir a investigação do mais simples para o mais 
complexo é regra de ouro.
4. A enumeração: o investigadordeve realizar enumerações exaustivas 
e revisões gerais, de modo a ter a convicção de nada ter omitido 
(DESCARTES, 2001, p. 39).
No ano de 1643, a filosofia de Descartes foi acusada de ateísmo e condenada pela Universidade de 
Utrecht, na Holanda. Posteriormente, escreveu o livro Princípios de Filosofia, dedicado à física. Em 1649, 
partiu para Estocolmo a fim de instruir a jovem rainha de 23 anos em filosofia e matemática. Por causa do 
clima rigoroso e do horário em que se levantava para cumprir seu dever, contraiu uma pneumonia e, após 
dez dias, faleceu. Dezessete anos depois, a Igreja Católica incluiu suas obras no conjunto de livros proibidos.
De início, a Igreja elaborou essa estratégia de proibição especialmente para conter o avanço do 
protestantismo, pois acreditava que a leitura de determinados conteúdos traria danos aos fiéis. Assim, 
em 1559, o papa Paulo IV editou o Index. Pouco mais de dez anos depois, o papa Pio V criou a Sagrada 
Congregação do Índice, com o intuito de examinar os livros, atualizar a lista e manter a censura permanente.
Por ocasião do cinquentenário da revogação desse documento, em 30 de junho de 2016 a Universidade 
Federal do Rio Grande do Sul iniciou uma exposição em que o Departamento de Obras Raras apresentou 
livros da Coleção Eichenberg, cujos autores e obras fizeram parte de uma das edições do Index.
Certamente, uma das razões para Descartes fazer parte dessa seleção é seu conceito do homem como 
ser pensante, o que lhe daria evidência de si mesmo. Para fundamentar o caráter objetivo das faculdades 
de conhecimento, Descartes propõe e resolve a questão da existência de Deus. Mesmo que a filosofia não 
a compreenda, ela não está impedida de prová‑la. Ele sugere três provas: a existência da ideia do perfeito; a 
própria existência, na medida em que há a ideia do perfeito; e a essência da ideia do perfeito.
Na obra Meditações, ele afirma:
Entretanto, fixa em minha mente, tenho uma certa velha opinião de que há 
um Deus, que pode todas as coisas e pelo qual fui criado tal qual existo. Mas 
de onde sei que ele não tenha feito que não haja de todo terra alguma, céu 
algum, coisa extensa alguma, figura alguma, grandeza alguma, lugar algum, 
e que não obstante eu sinta todas essas coisas, e que no entanto elas não me 
pareçam existir diferentemente de como me aparecem agora? […] Mas talvez 
Deus não tenha querido que eu fosse enganado dessa maneira, pois dizem‑no 
sumamente bom. Ora, se criar‑me para que sempre erre repugna a sua vontade, 
parece que a essa bondade também repugna a permissão para que eu erre às 
vezes, mas o último não pode ser, contudo, afirmado (DESCARTES, 1999, p. 21).
104
Re
vi
sã
o:
 R
ic
ar
do
 -
 D
ia
gr
am
aç
ão
: M
ár
ci
o 
- 
27
/0
3/
20
19
Unidade III
Ainda nessa obra, ele destaca a confiabilidade dos sentidos:
Suporei, portanto, que há não um Deus ótimo, fonte soberana da vontade, 
mas um gênio maligno e, ao mesmo tempo, sumamente poderoso e 
manhoso, que põe toda a sua indústria em que me engane; pensarei que 
o céu, o ar, a terra, as cores, as figuras, os sons e todas as coisas externas 
nada mais são do que ludíbrios dos sonhos, ciladas que ele estende a minha 
incredulidade (DESCARTES, 1999, p. 21).
É claro que a posição de Descartes afrontou a Igreja, pois sua tendência era livrar‑se de todas 
as afirmações consagradas até então, tentando criar novos fundamentos, no intuito de construir 
algo sólido e perene. Em sua presunção, não existe um verdadeiro Deus como suprema fonte de 
verdade e bondade, mas um gênio maligno, que, tanto quanto poderoso, é astucioso e enganador, 
tendo por objetivo criar a dúvida extrema, levada ao limite. Assim, aquele que está meditando para 
concluir sobre sua própria vivência subsiste a toda a dedicação do gênio que o tenta ludibriar das 
mais variadas formas.
Cabe dizer que, numa análise mais acurada de sua obra, aparentemente esses argumentos são 
antagônicos. Mais à frente, Descartes defenderia a confiabilidade da mente humana (criada por Deus) 
e a existência de um ser perfeito. No entanto, essas premissas estão na primeira meditação, na qual ele 
observa que “nada ainda é certo: pode haver uma divindade onipotente, mas, pelo que sei (até agora), 
ela pode enganar‑me” (DESCARTES, 1999, p. 13). Assim, é fácil definir a hipótese do gênio maligno como 
de ordem metodológica e a do Deus ludibriador como de ordem metafísica.
Ao tentar carregar a mente para longe dos sentidos, em decorrência de uma condenação por 
intermédio dos argumentos, Descartes seguiu em direção ao que ele acreditava ser inato em cada alma, 
a saber, as verdades acessíveis pela luz da razão. Então, caminhou para o racionalismo, no sentido de 
lançar alicerces para a gnose a partir de dados originários do intelecto puro, e não dos sentidos.
Cottingham (1995, p. 21) afirma que “não fica claro, entretanto, nessa evocação e subsequente 
derrota do gênio, qual a relação entre isso e o dilema do deus enganador”. Ao que parece, existe uma 
ligação estreita entre ambos, ou até mesmo uma confusão, haja vista o que mencionamos antes – 
“Suporei, portanto, que há não um Deus ótimo, fonte soberana da vontade, mas um gênio maligno”. 
Descartes defendia que poderia haver uma divindade onipotente e ao mesmo tempo um engano divino. 
Essa indefinição foi o suficiente para que suas obras fossem proscritas pela Igreja Católica.
7.3 Inácio de Loyola
Nascido em 1491, na atual cidade de Azpeitia, que na época se chamava Loyola, perdeu a mãe ainda 
criança e o pai na adolescência, sendo o mais novo de treze irmãos. Tornou‑se soldado. Gravemente 
ferido na Batalha de Pamplona, ficou alguns meses inválido. Durante a recuperação, leu alguns livros, 
entre eles Vita Christi e Legenda Áurea. Após essas leituras, sentiu‑se motivado a ter uma vida devota. 
Sobre esse episódio, Custódio Filho (2004, p. 14) observa:
105
Re
vi
sã
o:
 R
ic
ar
do
 -
 D
ia
gr
am
aç
ão
: M
ár
ci
o 
- 
27
/0
3/
20
19
FILOSOFIA DA RELIGIÃO
Após nove meses, ainda mancando, dirige‑se em lombo de mula para o 
santuário beneditino de Montserrat. Ali, segundo os costumes da época, 
durante três dias faz uma confissão geral e uma “vigília d’armas tipicamente 
de cavalaria”. Pretende, como dirá mais tarde a um de seus companheiros 
romanos, padre Gonçalves da Câmara, “revestir as armas de Cristo”. Parte 
a seguir para a vizinha Manresa, onde permanece por um ano. Reza 
intensamente, conhece terrível crise de escrúpulos, experimenta que Deus o 
ensina como “um professor ao aluno”. Recebe graças místicas: percepção da 
trindade, consciência de como Deus teria criado o mundo, visão interior da 
presença real de Cristo na eucaristia, intuição frequente da humanidade de 
Cristo e, uma vez, de Maria.
A conversão efetua‑se depois de profunda reflexão sobre sua vida desregrada. A experiência espiritual 
ocorreu através da leitura das obras mencionadas, quando se sente tocado e tem um “encontro com 
Jesus Cristo”. Sobre essas obras:
1. Vita Christi. Escrito por Ludolfo de Saxônia, é um livro de piedade: 
sequência de capítulos alimentados por considerações extraídas 
da Escritura, dos santos padres, da teologia dogmática e moral, de 
obras medievais, sempre terminados por um “colóquio” (conversa) 
que resume os aspectos mais importantes apresentados. O autor 
propõe que o leitor penetre contemplativamente nas realidades do 
evangelho, unindo‑se a Jesus e partilhando seus ensinamentos. Toda 
a espiritualidade de Ludolfo está centrada em Jesus Cristo e na oração 
sobre quatro partes da vida do Senhor: vida oculta, pública, padecente 
e gloriosa.
2. Legenda Dourada ou Legenda Áurea. Para melhor compreender a 
importância desse livro para os exercícios espirituais, é importante 
que se recorde que Inácio teve em mãos a tradução espanhola feita 
pelo cistercienseVagad. Constavam dessa edição: uma gravura, no 
frontispício, de Cristo na cruz; um prólogo em que Vagad afirma: 
“Resolvemos apresentar, como introdução a todas as santidades e às 
excelentes vidas de todos os santos, […] a magnanimidade tão alta 
por sua perfeita virtude, […] que se acha na morte e paixão do rei dos 
reis, Jesus Cristo. […] O leitor deve tomar a cruz em sua mão direita, 
como uma poderosa, feliz, magnânima e sempre vitoriosa bandeira 
real dos cavaleiros de Deus que são os santos, que permite vencer o 
mundo, o Diabo e a carne, e até os mais altos príncipes do inferno, e 
até os mais altos príncipes do reino da alma, que são a inteligência 
e a vontade, os mais difíceis de vencer, porque são os reis e senhores 
de todas as decisões livres, das eleições que tomamos e das obras que 
escolhemos” (CUSTÓDIO FILHO, 2004, p. 13‑14).
106
Re
vi
sã
o:
 R
ic
ar
do
 -
 D
ia
gr
am
aç
ão
: M
ár
ci
o 
- 
27
/0
3/
20
19
Unidade III
Esses livros estavam em consonância com a tradição espiritual da Igreja, da mesma maneira que 
outros livros que influenciaram o pensamento de Inácio de Loyola. Ele não era apenas um homem de 
leitura; era também um exímio escritor. Em pouco mais de trinta anos, escreveu quase 7 mil cartas, 
inaugurando esse processo já no início da recuperação de sua saúde. A princípio, essas cartas relatavam 
seus pecados; depois, suas práticas espirituais.
As missivas eram endereçadas tanto a pessoas poderosas, como reis, rainhas, doutores e até o 
papa, quanto a pessoas de condição mais simples, como religiosos e clérigos. Inácio tinha grande 
habilidade em mudar o tom das cartas. Sua atividade enquanto escritor, no entanto, ultrapassava 
esse tipo de texto:
Escrever era para Loyola um ato comandado por um sentido. Ele escreveu 
os Exercícios Espirituais para ensinar e acompanhar, as Constituições para 
regulamentar, as Instruções aos membros da Companhia para manter a 
união, seus diários para entender a própria espiritualidade, e as cartas como 
forma de agir e comunicar sobre os mais variados assuntos e situações 
(LONDOÑO, 2002, p. 17).
Loyola estudou Artes e Teologia na Universidade de Paris, e ainda como estudante fundou com 
outros colegas a Companhia de Jesus, que teve como missão maior conter o avanço da Reforma 
Protestante. Sua atuação foi um dos mais importantes mecanismos da Contrarreforma, em especial pelo 
indominável desenvolvimento protestante. Ela utilizava dois métodos: a educação de brancos e índios 
e a ação missionária, com o fito de convergir à fé católica os indivíduos das regiões que estavam sendo 
ocupadas por portugueses e espanhóis.
A ordem religiosa da Companhia de Jesus, fundada em 1534 e oficializada pela Santa Sé em 
27 de setembro de 1540, não era igual às outras. Seus integrantes mantinham uma organização militar 
e eram considerados soldados da Igreja. Eles deveriam se infiltrar nas diversas áreas para eliminar todos 
os que pusessem em risco os princípios da Igreja, em especial na educação, na cultura e na sociedade. 
Dividiam‑se em províncias agrupadas de acordo com critérios geográficos e linguísticos, formando 
assistências. Cada superior de província governava as casas, que por sua vez tinham seu próprio superior. 
O superior geral, eleito pela Congregação Geral, detinha o poder administrativo do grupo.
Da França, a Companhia se espalhou para Portugal, Alemanha e diversos outros países, como Ceilão, 
China e Japão. Depois, os jesuítas adentraram o Reino do Congo, o Marrocos, a Etiópia, o Tibete e a América 
do Sul, aportando em 1549 na Bahia, onde fundaram um colégio e iniciaram a catequese dos índios.
Embora o intento dos jesuítas para o Brasil Colônia tenha enfrentado muitas dificuldades no começo, 
por conta do esforço de seus membros, os objetivos iniciais foram satisfatoriamente atingidos:
O trabalho de catequização e conversão do gentio ao cristianismo, motivo 
formal da vinda dos jesuítas para a colônia brasileira, destinava‑se à 
transformação do indígena em “homem civilizado”, segundo os padrões 
culturais e sociais dos países europeus do século XVI, e à subsequente 
107
Re
vi
sã
o:
 R
ic
ar
do
 -
 D
ia
gr
am
aç
ão
: M
ár
ci
o 
- 
27
/0
3/
20
19
FILOSOFIA DA RELIGIÃO
formação de uma “nova sociedade”. Essa preocupação com a transformação 
do indígena em homem civilizado justifica‑se pela necessidade de incorporar 
o índio ao mundo burguês, à “nova relação social” e ao “novo modo de 
produção”. Dessa maneira, havia uma preocupação em inculcar no índio o 
hábito do trabalho, pelo produtivo, em detrimento do ócio e do improdutivo 
(SHIGUNOV NETO; MACIEL, 2008, p. 174).
A Companhia deve ser considerada uma ordem direcionada para fora, num esforço para responder 
aos desafios feitos à Igreja. Podemos inclusive traçar um paralelo entre a vida de seu fundador e a do 
reformador Lutero, que veremos a seguir: enquanto este trilhou um caminho que depois o faria romper 
com a fé católica, aquele dedicou sua vida ao serviço da Igreja e sua missão.
Embora o propósito inicial da Companhia fosse trabalhar com os turcos na Palestina, a ameaça 
do protestantismo era tamanha que ela se viu obrigada a fazer frente a esse movimento, sendo a 
principal estrutura da época nesse mister. Sua obediência absoluta ao papa e seu método quase militar 
lhe permitiram responder de forma satisfatória aos novos desafios. Ademais, os jesuítas mostraram‑se 
grandes apologistas de sua fé, mantendo‑se capazes de entrar em qualquer embate religioso.
A atividade educativa foi a principal tarefa dos jesuítas. A gratuidade do ensino era sua maior arma, 
o que favoreceu a expansão de seus colégios. A experiência pedagógica dos jesuítas era organizada por 
um conjunto de normas e estratégias denominado Ratio Studiorum [Ordem dos Estudos], que buscava 
a formação integral do homem cristão, de acordo com a fé e a cultura do tempo. Essa forma de ensino 
foi determinante na constituição de toda a educação na América Latina, onde até hoje os jesuítas têm 
importantes colégios e universidades.
Inácio de Loyola faleceu em 31 de julho de 1556, quando existiam mais de mil jesuítas. A Companhia 
de Jesus é o instituto religioso masculino mais numeroso da Igreja Católica, contando com algo em 
torno de 19 mil membros, dos quais cerca de 13 mil são sacerdotes.
7.4 Martinho Lutero
A transição da Idade Média para a Idade Moderna foi um período muito tumultuado. Mesmo nos 
países mais distantes do Mediterrâneo, cumpria‑se o projeto medieval católico de uma religião universal. 
No entanto, as guerras internas entre as famílias nobres, com o intuito de expandir seus domínios, e a 
guerra constante contra os muçulmanos, em diversas frentes, cada vez mais puseram a religião a serviço 
da guerra. A condução política dos povos muitas vezes colidia com o serviço de Deus. Tais fatores foram 
o pano de fundo das mudanças que estavam por vir.
Antes de falar sobre Lutero e a Reforma Protestante, precisamos destacar alguns personagens 
conhecidos como pré‑reformadores, responsáveis por lançar as bases do movimento que alterou o 
percurso da história. Entre eles encontram‑se John Wycliffe, John Huss e Girolamo Savonarola.
O inglês John Wycliffe (1328‑1384), que estudou na Universidade de Oxford, até 1378 tentou 
reformar a Igreja Romana extirpando os clérigos imorais, despojando‑os de suas propriedades, que ele 
108
Re
vi
sã
o:
 R
ic
ar
do
 -
 D
ia
gr
am
aç
ão
: M
ár
ci
o 
- 
27
/0
3/
20
19
Unidade III
julgava ser a fonte da corrupção, e exigindo um alicerce moral para os líderes eclesiásticos. Ele acreditava 
que Deus concedia aos padres o uso e a posse dos bens, mas não o pleno domínio. Após 1378, passou a 
se opor à Igreja de forma mais veemente, pondo‑se contra seus dogmas com ideias revolucionárias.Ele 
afirmava a doutrina da Escritura como única regra prática de fé, e dizia que a verdadeira Igreja era uma 
instituição invisível, da qual apenas um grupo específico é eleito. Negava as doutrinas da superioridade 
romana, da transubstanciação e do livre‑arbítrio.
Num livro de 1382, sustentou que Cristo, e não o papa, era o chefe da Igreja, e que a Bíblia, e 
não a Igreja, era a última palavra em autoridade para o cristão. A Igreja Romana deveria forjar‑se em 
consonância com o padrão apresentado no Novo Testamento. Nesse mesmo ano, Wycliffe concluiu 
uma tradução da Bíblia para o inglês, tornando‑a acessível ao povo em sua própria língua. Ainda em 
1382, suas ideias foram condenadas em Londres, sendo ele obrigado a dirigir‑se para seu pastorado 
em Lutterworth.
A propagação das concepções de Wycliffe foi realizada por um grupo de pregadores leigos conhecidos 
como lolardos, os quais divulgaram sua mensagem por todo o reino inglês até que a Igreja Romana, 
“por força da declaração De Heretico Comburendo, promulgada pelo Parlamento em 1401, introduzisse 
a pena de morte como castigo à pregação das ideias dos lolardos” (CAIRNS, 1995, p. 206).
As atitudes de John Wycliffe prepararam a trajetória da Reforma na Inglaterra. Alguns jovens 
boêmios que estudavam ali levaram o pensamento dele para a Boêmia, permitindo que chegasse ao 
conhecimento de nosso segundo pré‑reformador.
John Huss (1373‑1415) estudou na Universidade de Praga, sendo seu reitor no ano de 1404. Ele leu 
as ideias de Wycliffe e aderiu a elas, decidindo reformar a Igreja Romana na Boêmia no mesmo sentido 
das propostas do inglês. Nessa época, o Sacro Império Romano dominava a Boêmia.
O papa, após descobrir o intento de Huss, ordenou‑lhe que, de posse de um salvo‑conduto do 
imperador, comparecesse ao Concílio de Constança, o que ele não fez. Assim como as ideias de Wycliffe, 
as suas também foram condenadas. Uma vez que ele não quis se retratar, foi sentenciado à fogueira, 
deixando vários discípulos, entre eles os taboritas.
[Os taboritas] rejeitaram tudo na fé e na prática da Igreja Romana que não 
se encontrasse na Bíblia; os utraquistas pensavam que apenas aquilo que 
a Bíblia proibia devia se erradicado. Alguns do grupo taborita formaram 
aquilo que ficou conhecido como Unitas Fratrum (Irmãos Unidos) ou Irmãos 
Boêmios em meados do século XV. Foi desse grupo que saiu a Igreja Morávia, 
que até hoje existe (CAIRNS, 1995, p. 206).
Os anais contam que a Igreja de Roma extinguiu a vida de Huss, mas não o seu legado. A Igreja 
Morávia se tornou uma das instituições com a maior visão de missões da história da Igreja cristã. 
Os ensinamentos e o exemplo de Huss foram uma inspiração para Lutero, o qual enfrentou problemas 
semelhantes na Alemanha.
109
Re
vi
sã
o:
 R
ic
ar
do
 -
 D
ia
gr
am
aç
ão
: M
ár
ci
o 
- 
27
/0
3/
20
19
FILOSOFIA DA RELIGIÃO
A execução de Huss causou indignação entre os boêmios, abrindo caminho para a Reforma com o 
Concílio de Basileia (1431‑1449). Todo o trabalho realizado foi em prol da Reforma: o intuito era tornar 
a religião algo mais pessoal, pondo a Bíblia como fonte de autoridade e atribuindo à Igreja Romana uma 
forma mais democrática de organização.
Girolamo Savonarola (1452‑1498), depois de se tornar monge dominicano, foi designado para 
Florença. Nessa cidade, ele procurou reformar não apenas a Igreja, mas o próprio Estado, com pregações 
que denunciavam a vida desregrada do papa. Ainda que não fosse partidário das posições de Wycliffe e 
Huss, ele exigiu a reforma da Igreja Romana.
Em 1495, quando Florença se recusou a participar da Santa Liga com o Vaticano para se opor à invasão 
francesa, Savonarola foi convocado a Roma pelo papa Alexandre VI para dar explicações. Savonarola 
negou‑se a ir e prosseguiu desafiando o papa, declarando Florença o novo centro do cristianismo no 
mundo e começando uma campanha puritana que é lembrada especialmente por suas recorrentes 
fogueiras das vaidades, nas quais eram queimados livros, obras de arte e outros objetos considerados 
fruto da vaidade humana, luxo desnecessário ou de natureza imoral. Em retaliação, o papa excomungou 
Savonarola, que foi enforcado e queimado em praça pública.
Esses três homens anteciparam o espírito e o trabalho dos reformadores, em especial Wycliffe, o 
mais proeminente deles, que chegou a ser conhecido como estrela d’alva da Reforma (CAIRNS, 1995).
Alguns aspectos políticos e econômicos convergiram para o advento da Reforma. Na política, o 
nascimento das nações‑Estado representou uma forte oposição ao poder de Roma, e normalmente 
as classes mais abastadas eram as mais desgostosas. “As poderosas classes médias se mostravam 
insatisfeitas com o envio de dinheiro do tesouro estatal ou de seus próprios bolsos para o tesouro papal”, 
e os monarcas não estavam satisfeitos com o enfraquecimento de sua soberania, pois seus súditos 
deviam “prestar obediência tanto ao papa como a eles” (CAIRNS, 1995, p. 218‑219).
No âmbito econômico, os alemães perceberam que a cúria de Roma possuía uma vasta quantidade 
de terras, o que lhes causava grande prejuízo. Com isso, “a tentativa papal de tirar mais dinheiro da 
Alemanha no século XVI aborreceu a classe média emergente em estados como a Saxônia” (CAIRNS, 
1995, p. 226). Essa situação, que já estava ruim, piorou quando subiu o custo de vida. Ao mesmo tempo, 
havia um abuso na venda de indulgências, o que enriquecia Roma e empobrecia a Alemanha.
Entre os séculos XIV e XV, diversos agentes que possibilitariam a mudança se fizeram presentes 
na Igreja do Ocidente e na Igreja do Oriente. No Oriente, as transformações ocorreram promovendo 
uma nova organização e uma nova liderança eclesiástica. No Ocidente, a Reforma trouxe alterações 
essenciais: além da criação de Igrejas protestantes nacionais, houve uma reforma dentro da Igreja 
Católica Romana, a Contrarreforma.
Uma figura de destaque no período foi o monge Martinho Lutero. Filho de camponeses piedosos 
e trabalhadores, nasceu em Eisleben, pequena cidade da Alemanha central, em 10 de novembro de 
1483. Seu pai, embora pobre, não era iletrado. Tinha grande estima pelos livros e queria que o filho se 
dedicasse ao direito para conquistar uma alta posição na sociedade.
110
Re
vi
sã
o:
 R
ic
ar
do
 -
 D
ia
gr
am
aç
ão
: M
ár
ci
o 
- 
27
/0
3/
20
19
Unidade III
Antes de completar 5 anos, Lutero foi matriculado na escola primária. Além de ser castigado 
severamente pelos pais sempre que necessário, também enfrentou uma disciplina rígida na escola. Talvez 
por isso sua infância tenha sido uma espécie de preparação para poder resistir às duras perseguições e 
lutas que a vida lhe reservou. A educação dele e dos irmãos centrava‑se na prática do bem e no cultivo 
de uma vida religiosa. Segundo Cairns (1995, p. 233): “Educado sob a dura disciplina daquela época, 
Lutero contou que uma vez apanhou da mãe até sangrar por ter roubado uma noz. Certa vez, na escola 
latina de Mansfeld, levou quinze chicotadas porque não conseguiu declinar um verbo em latim”.
Apesar de cristãos religiosos, seus pais tinham algumas superstições, em especial aquelas próprias 
dos camponeses. Quando jovem, Lutero acreditava que fantasmas o perseguiam. Tinha interesse por 
trabalhos complexos e mostrava grande empenho e conservadorismo pragmático nas coisas que fazia. 
Entre 1498 a 1501, frequentou uma escola na cidade de Eisenach. Apesar de lá morarem alguns de 
seus parentes, estes pouco fizeram por ele. Lutero se viu obrigado a pedir esmolas para viver, até que 
uma senhora chamada Úrsula Cotta, comovida com a situação, recebeu‑o em sua casa, auxiliando‑o a 
prosseguir os estudos e a concluir o Ensino Superior em latim.
Na Universidade de Erfurt, a partir de 1501, alguns professores o influenciaram a estudar Aristóteles 
e a aprender a filosofianominalista de Guilherme de Ockham:
Ockham ensinava que a revelação era o único guia no campo da fé, mas 
que a razão era o guia verdadeiro da filosofia. Esses estudos filosóficos de 
Lutero em Erfurt convenceram‑no da necessidade da intervenção divina 
para que o homem alcançasse a verdade espiritual e se salvasse. Em 1502, 
ele recebeu o grau de bacharel em Artes e, em 1505, o de mestre em Artes 
(CAIRNS, 1995, p. 234).
Certa vez, perto de Erfurt, foi surpreendido por uma perigosa tempestade na estrada. Assustado, 
prometeu a Santa Ana que se tornaria monge se sua vida fosse poupada. Isso acabou acontecendo em 
julho de 1505. Três semanas depois, Lutero entrou para um convento da ordem agostiniana em Erfurt. 
Em 1507, celebrou sua primeira missa.
Ensinou teologia por um semestre em 1508, na Universidade de Wittenberg, inaugurada em 1502 
pelo imperador Frederico III. A partir desse momento, passou a se dedicar principalmente aos exames 
teológicos. Encontrou auxílio nos conselhos de Staupitz, o vigário‑geral de sua ordem, que o aconselhou 
a confiar em Deus e a estudar a Bíblia (CAIRNS, 1995).
Entre 1510 e 1511, foi enviado a Roma a negócios por sua ordem:
Lá ele viu um pouco da corrupção e da luxúria da Igreja Romana e começou 
a compreender a necessidade de uma reforma. Passou muito tempo 
visitando igrejas e vendo as numerosas relíquias que estavam em Roma. 
Ficou chocado com a leviandade dos sacerdotes italianos, capazes de rezar 
várias missas enquanto ele rezava uma (CAIRNS, 1995, p. 234).
111
Re
vi
sã
o:
 R
ic
ar
do
 -
 D
ia
gr
am
aç
ão
: M
ár
ci
o 
- 
27
/0
3/
20
19
FILOSOFIA DA RELIGIÃO
Em 1511, Lutero foi transferido para Wittenberg, tornando‑se professor de Bíblia. Obteve o doutorando 
em Teologia, conservando o cargo de professor de forma definitiva. Em paralelo às aulas, celebrava 
missas no castelo, passando a instruir os cidadãos sobre os livros bíblicos em sua própria língua. Para 
isso, aprimorou‑se nas línguas originais da Bíblia, grego e hebraico. Aos poucos, foi concluindo que a 
verdadeira autoridade só poderia ser encontrada na Bíblia. Deu aulas sobre os Salmos entre 1513 e 1515, 
e sobre Romanos, Gálatas e Hebreus entre 1515 e 1517. Enquanto preparava suas aulas, afirmou ter 
encontrado a paz interior que não conseguira nos ritos ou atos ascéticos.
Segundo Lutero, após a leitura de Romanos 1,17, ele concluiu que as pessoas só podem se tornar 
justas diante de Deus através da fé em Cristo, nascendo a partir desse momento a doutrina da justificação 
pela fé, bem como a sola Scriptura, doutrina segundo a qual a única autoridade que o pecador pode 
buscar para encontrar a salvação são as Escrituras.
Nesse ínterim, Tetzel, um auxiliar do arcebispo Alberto, começou a vender indulgências próximo a 
Wittenberg. Lutero e seus seguidores se revoltaram com essa exploração. Protestaram publicamente, em 
especial porque Tetzel ensinava que não seria necessário o arrependimento dos pecados para aqueles 
que adquirissem a indulgência:
Tetzel e seus subalternos proclamavam que a indulgência que vendiam 
deixava o pecador “mais limpo do que saíra do batismo”, ou “mais limpo 
do que Adão antes de cair”, que “a cruz do vendedor de indulgências tinha 
tanto poder como a cruz de Cristo” e que, no caso de alguém comprar uma 
indulgência para um parente morto, “tão pronto a moeda caísse no cofre, a 
alma sairia do purgatório” (GONZÁLEZ, 1995d, p. 53).
Tais absurdos causavam indignação entre os mais doutos, que sabiam não ser essa a doutrina da 
Igreja. Os humanistas acreditavam que a pregação de Tetzel era um exemplo triste, que deixava claro a 
que ponto tinha chegado a Igreja Católica. O espírito nacionalista alemão via nessa venda a nítida prova 
de que seu povo estava sendo extorquido por Roma. Muito embora esse fosse o sentimento de muitos, 
ninguém protestava, e a exploração continuava.
A formação intelectual está intimamente ligada ao fator moral da Reforma. Quando os humanistas 
notaram que o que liam nas Escrituras era bem diferente daquilo que a Igreja Católica Romana praticava, 
imediatamente perceberam que a corrupção chegara aos mais altos escalões hierárquicos da Igreja. 
Havia venda de cargos pelos clérigos, prebendas eram recebidas sem a devida prestação de assistência 
religiosa e vários cargos eram ocupados de uma só vez, caso do próprio Tetzel.
Ademais, as cortes eclesiásticas compravam e vendiam a justiça e o direito livremente. Por exemplo, 
vendiam a autorização para que alguém se casasse com um parente, o que era proibido pela lei canônica. 
Os sacerdotes mantinham concubinas publicamente, não sendo supervisionados pelos bispos, os quais 
deveriam acompanhar se os fiéis estavam sendo efetivamente cuidados. Os bispos se omitiam em fazer 
uma visitação mais acurada e uma pregação mais bem preparada, limitando‑se a rezar a missa, pois 
alegavam que já era o suficiente para comunicar a graça aos presentes.
112
Re
vi
sã
o:
 R
ic
ar
do
 -
 D
ia
gr
am
aç
ão
: M
ár
ci
o 
- 
27
/0
3/
20
19
Unidade III
Os pedidos de dinheiro eram exagerados, e a instituição nem sequer retribuía o serviço às 
comunidades que pertenciam à Igreja, pois “um simples olhar às 5.005 relíquias de Francisco da 
Saxônia era tido como poderoso o bastante para reduzir o tempo de uma pessoa no purgatório por 
cerca de 2 milhões de anos” (CAIRNS, 1995, p. 227). Todos esses fatores contribuíram para o fracasso 
da Igreja em atender às necessidades dos alemães, constituindo o motivo filosófico‑teológico da 
Reforma. Os reformadores perceberam a premência de retornar às Escrituras, que eram a fonte da fé 
cristã, com o intuito de refutar a ideia de que a salvação era adquirida por intermédio da cobrança 
para ministrar os sacramentos da graça.
Toda essa inquietação, que ainda não fora exteriorizada por ninguém, agravada pela rigidez da 
Igreja Católica Romana em aceitar uma reforma que realmente pudesse modificá‑la, permitiu o 
surgimento de um líder que assumisse os sentimentos dos indivíduos e que quisesse acabar com os 
abusos. Era urgente pôr em prática a execução de medidas que fizessem uma verdadeira revolução 
dentro da instituição. Era importante reconfirmar que o único intermediador entre o homem e 
Deus é Cristo.
Desse modo, Lutero afixou suas 95 teses (escritas em latim) na porta da igreja do castelo de 
Wittenberg, as quais, em certo sentido, refletiam esse sentimento de indignação profunda do povo 
alemão contra os exploradores estrangeiros. Embora algumas teses expusessem um ataque moderado à 
Igreja, outras iam ao âmago da questão e se posicionavam de forma direta contra a exploração à qual 
a população estava submetida.
Na tese 51, Lutero diz que o papa é quem deveria dar dinheiro aos pobres, ainda que fosse necessária 
a venda da Basílica de São Pedro, e não o contrário, com os vendedores de indulgências tomando o 
dinheiro do povo. Na tese 82, ele observa que, se o papa tinha arbítrio para apanhar uma alma do 
purgatório, esse ato deveria ser feito exclusivamente por amor, sem nenhum ônus para as pessoas, e não 
pela necessidade de fundos, ainda que para beneficiar a Igreja.
Essas teses foram fixadas no ano de 1517, em 31 de outubro, ficando essa data registrada como 
o início da Reforma Protestante. Elas não se restringiram às portas da catedral: diversas cópias foram 
impressas e distribuídas por toda a Alemanha, em latim e alemão, para que se tornassem conhecidas 
por todos no país.
As teses foram enviadas ao arcebispo Alberto de Brandemburgo, com uma carta muito respeitosa 
anexada. O arcebispo encaminhou um dossiê para o papa Leão X, solicitando providências. A partir desse 
momento, a saga do monge começa, como relata González (1995d, p. 55):
O imperador Maximiliano se encolerizou diante das atitudes e dos ensinos 
daquele monge impertinente, etambém pediu a Leão X que interviesse. 
Nesse meio‑tempo, Lutero publicou uma explicação de suas 95 teses, na 
qual, além de esclarecer o que tinha sido escrito em breves proposições, 
aguçava seu ataque contra a venda de indulgências e contra a teologia que 
servia para apoiá‑la.
113
Re
vi
sã
o:
 R
ic
ar
do
 -
 D
ia
gr
am
aç
ão
: M
ár
ci
o 
- 
27
/0
3/
20
19
FILOSOFIA DA RELIGIÃO
Lutero foi convocado para uma reunião em Heidelberg, acreditando que seria condenado e queimado. 
Para sua surpresa, muitos monges mostraram‑se a seu favor e acolheram suas ideias. Voltou feliz por ter 
ganhado vários conversos para sua causa, sentindo‑se encorajado pelo suporte de sua ordem.
Com isso, o papa mudou de estratégia. Decidiu enviar um representante para a assembleia dos 
príncipes alemães, a chamada Dieta de Augsburgo, sob a presidência de Maximiliano. A pauta era a 
criação de um novo imposto para as Cruzadas, as quais deveriam ocorrer contra os turcos que avançavam 
na Europa. O cardeal Cajetano foi nomeado para representar contra a questão de Lutero, em virtude de 
sua alta capacidade retórica e sua erudição.
O cardeal foi incumbido de obrigar a renúncia do monge às suas ideias, o que, segundo Lutero, só 
aconteceria se fosse convencido de que elas estavam erradas. Mesmo de posse de um salvo‑conduto 
imperial, quando descobriu que o cardeal Cajetano tinha autoridade para executá‑lo, fugiu às escondidas 
da cidade durante a madrugada e regressou a Wittenberg, recorrendo a um concílio geral. Sobre essa 
demanda, Cairns (1995, p. 236) conta o seguinte:
O papa não calculava a extensão do apoio popular a Lutero na Alemanha. 
Na Dieta, Lutero enfrentou o cardeal Cajetano, que lhe pediu a retratação 
de suas opiniões, mas Lutero se recusou a fazê‑lo, a menos que fosse 
convencido de sua falsidade pelas Escrituras. Ele também negou que o 
papa fosse a autoridade final em questões de fé e moral, e a utilidade dos 
sacramentos sem fé. No começo de 1519, Lutero prometeu ao núncio do 
papa, Karl von Miltitz, que não proclamaria suas ideias se seus oponentes 
também silenciassem.
A partir desse momento, outros escritos foram elaborados por Lutero em forma de panfleto. 
No primeiro, “O Apelo à Nobreza Germânica”, direcionado à hierarquia, defendia que o papa não 
poderia se imiscuir nas relações civis e que os fiéis deveriam ter liberdade para escolher quem os 
assistiria espiritualmente. O segundo, “O Cativeiro Babilônico”, centrava‑se no sistema romano: Lutero 
se contrapunha à validade exclusiva do batismo e da ceia do Senhor. O último panfleto, “Sobre a 
Liberdade do Homem Cristão”, atingia de forma direta a teologia da Igreja de Roma, pois deixava 
claro que a fé pessoal em Cristo era o suficiente para assegurar o sacerdócio de todos os crentes.
Evidentemente, o papa não ficaria inerte diante de todos esses ataques. Em 1520, Leão X promulgou 
a bula de excomunhão Exsurge Domine. Lutero a queimou em praça pública no mesmo ano, e o novo 
imperador, Carlos V, convocou para o ano seguinte uma dieta imperial em Worms, na qual Lutero 
deveria comparecer para novamente defender suas ideias.
Lutero foi até lá e outra vez se recusou a abdicar de seus preceitos, o que só faria se fosse convencido de 
que estava errado pelo testemunho das Escrituras ou se chegasse a conclusão diferente em decorrência 
de suas próprias reflexões. No caminho de volta a Wittenberg, seus amigos o “sequestraram”, e ele 
ficou no castelo de Wartburg até 1522. Ao fim da dieta, foi publicado um édito proibindo todo súdito do 
imperador de ler os escritos de Lutero, e ordenando que o prendessem e o encaminhassem às autoridades 
caso o encontrassem. Sobre esse acontecimento, Curtis (2003, p. 93) observa:
114
Re
vi
sã
o:
 R
ic
ar
do
 -
 D
ia
gr
am
aç
ão
: M
ár
ci
o 
- 
27
/0
3/
20
19
Unidade III
Contudo, a batalha apenas começava. Quando ousou fazer oposição ao 
papa, Lutero despertou os sentimentos de independência tanto nos nobres 
alemães quanto no povo em geral. A Alemanha se tornou uma colcha 
de retalhos, na medida em que alguns nobres apoiaram Lutero e outros 
permaneceram leais a Roma. A Reforma já estava em preparação também 
na Suíça, liderada por Ulrico Zuínglio. A Igreja e o Sacro Império Romano 
voltaram sua atenção para as batalhas políticas, que se estenderam por 
toda a década de 1520. Quando decidiram agir de forma enérgica contra os 
reformadores, já era tarde demais.
Quando Lutero chegou a Worms, sua teologia já havia alcançado a maturidade, e ele passou a 
desenvolver suas consequências. Não desejava apenas a justificação pela fé, embora esse fosse o cerne 
de sua teologia. A Bíblia tinha para ele grande importância. Por isso, tratou de fazer dela a autoridade 
inicial e final de sua teologia. Foi através dela que encontrou a resposta para seus tormentos espirituais. 
No entanto, não era um biblicista rígido. “Para ele, a palavra de Deus é muito mais que a Bíblia. A palavra 
de Deus é nada menos que Deus mesmo” (GONZÁLEZ, 1995d, p. 66).
Para Lutero, a Bíblia é a palavra de Deus porque é por meio dela que Cristo chega até o fiel, e não 
porque os teólogos a utilizam em seus debates. Nessa ideia baseava‑se sua resposta a um dos argumentos 
centrais dos católicos romanos: o de que, por ter sido a Igreja quem fechou o cânon (determinando 
quais eram os livros inspirados por Deus), era ela que tinha a autoridade final sobre as Escrituras. 
De acordo com Lutero:
Nem a Igreja havia criado a Bíblia nem a Bíblia havia criado a Igreja, era o 
evangelho que havia criado. A autoridade final não está na Bíblia nem na 
Igreja, mas no evangelho, na mensagem de Jesus Cristo, que é a palavra de 
Deus encarnada. Como a Bíblia dá um testemunho mais fidedigno desse 
evangelho do que a Igreja corrompida do papa e que as tradições medievais, 
a Bíblia tem autoridade sobre a Igreja e essas tradições, mesmo que seja 
certo que nos primeiros séculos foi a Igreja que reconheceu o evangelho 
em certos livros, e não em outros, e determinou assim o conteúdo do cânon 
bíblico (apud GONZÁLEZ, 1995c, p. 67).
Lutero concorda com grande parte da teologia tradicional ao afirmar que é possível ter algum 
conhecimento de Deus tanto por meios naturais quanto por meios racionais. Isso permite ao homem 
não apenas saber se Deus existe, mas também fazer distinção entre o bem e o mal. Em Wartburg, Lutero 
deixa a barba crescer e se dedica a produzir textos, entre os quais se destaca sua tradução das Escrituras. 
Ele levou dois anos para verter o Novo Testamento e dez para o Antigo Testamento; após doze anos de 
trabalho, o movimento reformador ganhou um novo impulso. Com essa tradução, Lutero deu ao povo 
alemão uma nova forma culta (um novo padrão) para a língua escrita.
A influência de Lutero perdurou no tempo, e sua produção intelectual e administrativa fortaleceu 
um novo método de governo eclesiástico. Foi de seu trabalho que nasceram as Igrejas luteranas alemãs e 
dos países escandinavos. Lutero também desenvolveu um sistema simples de educação para possibilitar 
115
Re
vi
sã
o:
 R
ic
ar
do
 -
 D
ia
gr
am
aç
ão
: M
ár
ci
o 
- 
27
/0
3/
20
19
FILOSOFIA DA RELIGIÃO
que o povo lesse a Bíblia em alemão. Essa prática deu origem a um gigantesco esforço de alfabetização 
na Alemanha, assim como em todos os lugares onde o protestantismo vingou.
Lutero levou sua geração a compreender que a cultura se ligava não apenas à clareza, mas à 
regeneração pela fé em Cristo. Propôs que o indivíduo, através da fé, poderia manter uma comunhão 
com Deus, tendo a Bíblia, e não a Igreja Católica, como autoridade. Com isso, permitiu que a Bíblia 
viesse a ser utilizada como manual prático infalível, a que todo fiel poderia recorrer sobre questões de 
crença e moral. Ele insistiu na importânciada comunhão daqueles que seriam parte do “corpo de Cristo”, 
enfatizando uma relação comunitária na Igreja. Martinho Lutero faleceu em 18 de fevereiro de 1546.
7.5 João Calvino
Se Martinho Lutero foi o grande idealizador, João Calvino foi o grande sistematizador e o maior 
teólogo da Reforma Protestante. Conhecido como o reformador de Genebra, nasceu em 10 de julho de 
1509, em Noyon, no nordeste da França. Desde cedo, foi beneficiado com uma boa educação, porque 
seu pai, procurador da biblioteca central e secretário do bispo, tinha ligações com o clero da cidade.
Calvino estudou latim e os clássicos na Universidade de Paris. Formou‑se em 1529 e obteve o grau 
de mestre em Artes. Publicou seu primeiro livro em 1531, que comentava o De Clementia, obra do antigo 
filósofo Sêneca. Conhecia tanto o humanismo quanto as ideias de Wycliffe, Huss e Lutero, mas “estava 
obstinadamente atado às superstições do papado” (GONZÁLEZ, 1995d, p. 109).
Ele pouco falava de si mesmo. Por isso, pouco se sabe sobre quando e como abandonou a fé da Igreja 
Romana para seguir a fé reformada. Em 1534, renunciou aos benefícios eclesiásticos que seu pai havia 
conseguido e que eram sua principal fonte de sustento. “O fato é que, em outubro de 1534, Francisco I, até 
então relativamente tolerante com os protestantes, mudou sua política e, em janeiro do ano seguinte, 
Calvino se exilava na cidade protestante de Basileia” (GONZÁLEZ, 1995d, p. 110).
Seu principal projeto foi fazer um resumo da fé cristã sob a ótica protestante, tendo em vista que 
quase toda a literatura protestante era necessária na hora de fazer uma apologia sobre as ideologias 
centrais do cristianismo, como a encarnação e a trindade. A esse manual, Calvino deu o nome de 
Institutas da Religião Cristã. Sobre essa obra, Curtis (2003, p. 100‑101) afirma:
Nas Institutas, sua maior obra, Calvino afirma claramente as crenças do 
protestantismo. Em um volume, o reformador aborda as crenças principais. 
No entanto, ele continuou a adicionar material a seu livro ao longo de toda a 
vida. Ele começou com o credo apostólico, destacando quatro pontos: “Creio 
em Deus Pai […] Jesus Cristo […] o Espírito Santo […] e na Santa Igreja Católica” 
– que correspondem às quatro sessões do livro. Em cada uma, Calvino buscava 
não apenas afirmar uma teologia, mas aplicá‑la à vida cristã. O Livro III das 
Institutas, que contém a doutrina da predestinação, recebeu muita atenção. 
Por mais insólito que pareça, o conceito não era apenas dele, embora Calvino o 
tenha explicitado. Lutero e a maioria dos outros reformadores acreditava nele. 
O modo vigoroso de afirmar esse conceito fez com que uma conexão entre esse 
116
Re
vi
sã
o:
 R
ic
ar
do
 -
 D
ia
gr
am
aç
ão
: M
ár
ci
o 
- 
27
/0
3/
20
19
Unidade III
ensinamento e o nome de Calvino fosse estabelecida. Calvino concentrou‑se de 
forma veemente na soberania de Deus. Ele rejeitava o fato de a Igreja Católica 
ter mudado para uma teologia de salvação pelas obras. O reformador repetia 
constantemente: “Você não pode manipular Deus ou torná‑lo seu devedor. 
Ele é quem o salva, pois você não pode fazer isso por si mesmo”. Deus decide 
salvar algumas pessoas e somente ele pode saber quem é eleito, ensinava o 
reformador. A vida moral pode mostrar que há grande possibilidade de uma 
pessoa ter sido escolhida por Deus. Contudo, Calvino, homem extremamente 
moralista e muito enérgico, insistia que seus seguidores deveriam mostrar sua 
salvação por meio de atitudes. Ele enfatizou que os cristãos deveriam agir 
de maneira a transformar o mundo pecaminoso, uma ideia que foi passada 
adiante pelo calvinismo. No Livro IV das Institutas, Calvino criou uma ordem 
eclesiástica baseada no que ele observava nas Escrituras. A congregação 
deveria eleger homens de boa moral (os presbíteros ou anciãos), que seriam os 
responsáveis por guiar a Igreja. Ele também abordou a questão dos pastores, 
doutores (mestres) e diáconos. As doutrinas e a política reformada, que criou, 
espalharam‑se por Escócia, Polônia, Holanda e América.
Foi na Basileia que ele concluiu sua obra, em 1536, aos 26 anos. Entregou‑a a Francisco I da França 
para defender os protestantes, que estavam sofrendo por sua fé. Na primeira edição, que era apologética, 
Calvino mostrava como concebia a fé cristã, ficando clara a influência que recebera do catecismo de 
Lutero. A princípio, confirma a importância dos dez mandamentos. Depois toma como fundamento 
o credo dos apóstolos, a fé e a oração do pai‑nosso, e os sacramentos da santa ceia e do batismo, 
advertindo sobre os perigos da doutrina de Roma sobre a santa ceia. Por fim, trata da liberdade política, 
a qual denomina liberdade cristã do cidadão. Essa obra teve várias edições, e sua versão final saiu em 
1559, com oito capítulos e quatro livros.
Em 1536, após uma de suas viagens, Calvino passou a noite em Genebra. Guilherme Farel 
(1489‑1565), que tinha estabelecido a Reforma lá desde 1532, percebeu que necessitava de alguém 
com maior capacidade administrativa e pediu ajuda a Calvino. Este, porém, recusou‑se a auxiliá‑lo, 
“pois gostava da vida de estudioso e escritor de teologia” (CAIRNS, 1995, p. 253). Como Farel disse 
que Calvino seria amaldiçoado por Deus se não ficasse, ele resolveu ficar. A partir daí, a história de 
Genebra não seria mais a mesma.
No momento da chegada do reformador, a situação da cidade era confusa, conforme explica 
González (1995d, p. 112):
Algum tempo antes, a cidade protestante de Berna havia enviado 
missionários a Genebra, e estes tinham conseguido o apoio de um pequeno 
núcleo de leigos instruídos, que ansiavam pela reforma da Igreja, e de um 
forte contingente de burgueses, cujo principal desejo parece ter sido o de 
ganhar certas vantagens e liberdades que não tinham sob o regime católico. 
O clero, em geral de escassa instrução e menor convicção, simplesmente 
havia seguido ordens do governo de Genebra quando este decidiu abolir a missa 
117
Re
vi
sã
o:
 R
ic
ar
do
 -
 D
ia
gr
am
aç
ão
: M
ár
ci
o 
- 
27
/0
3/
20
19
FILOSOFIA DA RELIGIÃO
e optar pelo protestantismo. Isso tinha ocorrido poucos meses antes da chegada 
de Calvino a Genebra e, portanto, os missionários procedentes de Berna, 
cujo chefe era Guilherme Farel, encontravam‑se à frente da vida religiosa de 
toda uma cidade e carentes de pessoal necessário.
Nesse contexto, começa a jornada do reformador de Genebra, João Calvino. Embora sua intenção 
fosse ficar com Farel apenas para uma pequena contribuição, seu zelo reformador, sua habilidade 
teológica e seu conhecimento das leis o levaram a ser a principal figura religiosa da cidade.
Entretanto, nem todos se dispuseram a seguir o caminho dos reformadores. Quando convocados a 
aderir aos rudimentos da Reforma, muitos burgueses que haviam apoiado o rompimento com a Igreja 
Católica abandonaram a causa, em especial quando foi ventilada a hipótese de que os reformadores 
de Genebra estariam incorrendo em erros sobre a questão da excomunhão. Calvino afirmava que, se 
alguém tivesse uma vida religiosa e conforme os princípios reformados e passasse a ser um pecador 
impenitente, deveria ser excomungado.
As autoridades da cidade se negaram a ouvir os conselhos do reformador, considerando um rigor 
excessivo. Como medida de punição, Calvino foi exilado, e o leal Farel, embora pudesse permanecer na 
cidade, preferiu a expatriação a ceder à vontade daqueles que desejavam uma religião que impusesse 
poucas obrigações e concedesse muita liberdade.
Após uma nova estadia na Basileia, Calvino foi para o sul da Alemanha, na cidade de Estrasburgo, 
onde a Reforma já havia se consolidado. González (1995d, p. 112) afirma que “os três anos que Calvino 
passou em Estrasburgo foram provavelmente os mais felizes e tranquilos de sua vida”. Ali, não foi 
confrontado pornenhum Conselho e não precisou lutar contra inimigos; teve tempo para estudar, 
escrever e trabalhar no campo da liturgia e do governo da Igreja. Enfim, foram tempos de paz e quietude.
Também passou a trabalhar na universidade da cidade e foi chamado para ser pastor de refugiados 
franceses, aproveitando a ocasião para se encontrar com teólogos luteranos e investigar de forma 
minuciosa suas próprias opiniões teológicas. Nessa época, Calvino casou‑se com a viúva de um eminente 
anabatista. Sobre esse momento, Cairns (1995, p. 253) relata:
Entre 1538 e 1541, Calvino pastoreou refugiados franceses em Estrasburgo, 
onde Martin Bucer (1491‑1551) dirigiu a Reforma e ensinou teologia. 
Nessa época, casou‑se com Idelette de Bure, viúva de um pastor anabatista. 
Seu único filho morreu criança, e em 1549 Idelette também morreu.
As forças reformadoras retomaram Genebra, e em 1541 Calvino foi convidado a retornar. Uma de 
suas primeiras ações foi escrever as Ordenanças Eclesiásticas, que foram acatadas com algumas emendas 
pelo novo governo da cidade. Conforme o documento, a administração da Igreja ficava nas mãos de um 
órgão chamado Consistório, formado por cinco pastores e doze leigos que recebiam o nome de anciãos. 
Embora os anciãos fossem a maioria, a influência de Calvino era tamanha que, via de regra, o colegiado 
seguia suas decisões. De fato, Calvino foi o primeiro pensador a discutir seriamente os cânones da 
religião cristã depois de sua consolidação como conjunto de ideias.
118
Re
vi
sã
o:
 R
ic
ar
do
 -
 D
ia
gr
am
aç
ão
: M
ár
ci
o 
- 
27
/0
3/
20
19
Unidade III
Nos doze anos seguintes, os conflitos entre esse colegiado e o governo foram constantes, pois 
o colegiado inspirado por Calvino tratava os costumes com um rigor que muitas vezes desagradava o 
governo. Em 1553, a oposição ganhou as eleições, e novamente a situação de Calvino se tornou precária. 
Nesse ínterim, iniciou‑se um processo contra o médico espanhol e escritor de vários livros de teologia 
Miguel de Servetto. Ele defendia que a união entre a Igreja e o Estado a partir do governo de 
Constantino havia propiciado o abandono da fé. Dizia ainda que o Concílio de Niceia errou e ofendeu a 
Deus ao publicar a doutrina da trindade.
Pouco tempo antes, Servetto tinha escapado da Inquisição na França por um processo de heresia e, 
ao passar por Genebra, foi reconhecido quando ouvia Calvino pregar. Foi preso, e Calvino preparou uma 
lista com quase quarenta acusações contra ele. Tendo em vista que havia sido acusado pelos católicos 
de heresia, o partido, que era contra o reformador de Genebra, apoiou Servetto.
Porém, o governo da cidade pediu conselho às regiões protestantes da 
Suíça e todos concordaram que Servetto era herege. Isso calou a oposição, 
e resolveram condenar Servetto a ser queimado vivo, mas Calvino tratou de 
mudar essa condenação, transformando‑a na de decapitação, por ser uma 
pena menos cruel (GONZÁLEZ, 1995d, p. 116).
Em 1559, Calvino realizou um sonho ao fundar a Academia de Genebra, que acabou ficando sob 
a direção de seu futuro sucessor, Teodoro de Beza (1519‑1605). Lá, os jovens genebrinos se formavam 
segundo os princípios calvinistas, e os imigrantes de diversos países levavam o calvinismo em suas malas 
ao retornar a sua terra natal.
Em inglês, as letras iniciais dos principais vocábulos da teologia de Calvino formam o anagrama tulip.
• T: total depravity ou depravação total do homem. Ele nada pode fazer por sua salvação, pois 
herdou a culpa do pecado de Adão, e sua vontade está totalmente corrompida.
• U: unconditional election ou eleição incondicional. É a escolha que Deus fez, antes da eternidade, 
daqueles a quem concedeu a graça da salvação, baseado em sua decisão incondicional e soberana.
• L: limited atonement ou expiação limitada. A obra da salvação é exclusiva aos que são alvos dela, 
não sendo universal, mas limitada aos escolhidos. Os calvinistas afirmam que ela não é limitada 
em seu poder, pois, se Deus quisesse, ele teria salvado a todos os seres humanos, sem exceção.
• I: irresistible grace ou graça irresistível. O eleito é salvo independentemente de sua vontade. 
O Espírito Santo (que também é Deus por fazer parte da trindade) o dirige de forma irresistível a 
Cristo. Quando Deus quer salvar alguém, não há como resistir a seu chamado.
• P: perseverance of the saints ou perseverança dos santos. É a preservação daqueles que foram 
chamados. Os eleitos, que foram irresistivelmente alcançados pelo chamamento divino, jamais se 
perderão, o que resulta na salvação ser uma obra de Deus do início ao fim.
119
Re
vi
sã
o:
 R
ic
ar
do
 -
 D
ia
gr
am
aç
ão
: M
ár
ci
o 
- 
27
/0
3/
20
19
FILOSOFIA DA RELIGIÃO
Para o calvinismo, tudo se relaciona com a religião, que é uma biocosmovisão completa, envolvendo 
todas as áreas do conhecimento humano e todos os aspectos da vida. O calvinismo busca não somente 
uma teologia reformada, mas uma ciência, uma arte, uma política, uma cultura e um futuro reformados. 
Segundo Kuyper (2015), a Igreja de Roma conhece a religião apenas como vivente em seu próprio meio. 
Embora tente atrair os fiéis para uma esfera separada, ela está privada de uma religiosidade genuína. 
Com isso, Roma passa a traçar uma linha divisória entre o profano e o sagrado. Por outro lado, o 
calvinista exige que toda a
vida seja consagrada a seu serviço [de Deus], em estrita obediência […]. 
Consequentemente, é impossível para um calvinista limitar a religião 
a um grupo particular, ou a algum círculo entre homens […]. Portanto, a 
humanidade deve estar imbuída no temor de Deus (KUYPER, 2015, p. 64‑65).
A política também deve ser moldada no princípio calvinista. Através de sua profunda concepção de 
pecado é exposta a raiz da política, e o calvinista tem duas responsabilidades: escolher “da mão de Deus” 
a corporação do Estado como um meio de preservação e estar alerta ao perigo de esse Estado interferir 
em sua liberdade pessoal. Por essas razões, o calvinismo ensina que o elemento humano
não pode ser considerado como a coisa principal, de modo que Deus seja 
forçado a ajudar esse povo somente na hora da necessidade; mas, pelo 
contrário, que Deus, em sua Majestade, deve brilhar diante dos olhos 
de cada nação, e que todas as nações juntas devem ser consideradas 
diante dele como uma gota em um balde e como o pó fino das balanças 
(KUYPER, 2015, p. 96).
O calvinismo ainda avançou de forma positiva no mundo das artes. Grandes feitos da arte 
holandesa, por exemplo, foram alcançados nos séculos XVI e XVII, inclusive com um grande 
interesse por parte dos investidores nos consideráveis retornos financeiros. Na pintura, o 
calvinismo nos deu Rembrandt.
Autor de cartas notáveis, Calvino socorria diversas pessoas na Europa com suas orientações. Seus 
textos ocupam quase sessenta volumes do Corpus Reformatorum, tendo escrito mais de 2 mil sermões. 
Assim como Lutero, Calvino incentivou a educação, criando um sistema em três níveis e substituindo 
a Academia pela atual Universidade de Genebra. Sua ênfase na educação chegou aos Estados Unidos, 
onde posteriormente os puritanos criaram escolas.
O progresso da democracia também foi influenciado por Calvino, porque aceitou o princípio 
representativo da direção da Igreja e do Estado. Cairns (1995, p. 254) afirma:
Ele entendia que a Igreja e o Estado foram criados por Deus para o bem 
do homem e que, portanto, deviam ambos cooperar para o progresso do 
cristianismo. Sua ênfase na vocação como chamada divina e a importância 
que dava à frugalidade e ao trabalho estimularam o capitalismo.
120
Re
vi
sã
o:
 R
ic
ar
do
 -
 D
ia
gr
am
aç
ão
: M
ár
ci
o 
- 
27
/0
3/
20
19
Unidade III
O maior impasse teológico que dividia os protestantes durante sua vida diziarespeito à 
presença de Cristo na mesa da comunhão. Para eles, essa presença era real e ao mesmo tempo 
espiritual. Assim, não era apenas um símbolo ou um simples exercício devocional: “Na comunhão 
há uma verdadeira ação por parte de Deus em benefício da Igreja que participa dela” (GONZÁLEZ, 
1995d, p. 118).
Diferentemente de Lutero, Calvino não considerava que o corpo de Cristo estava presente em diversos 
altares ao mesmo tempo, nem que seu corpo descia do céu. Acreditava que, no momento da comunhão, 
pela força do Espírito Santo, os crentes eram “levados ao céu” e, como uma espécie de antecipação, 
participavam com Cristo do banquete celestial.
No fim da vida, Calvino escreveu um testamento e se despediu dos companheiros. Faleceu em 27 de 
maio de 1564. Sua influência criou uma série de outras Igrejas, que adaptaram seus escritos em diversas 
regiões do norte da Europa. Com a exceção da religião na Inglaterra, todas as outras crenças cristãs que 
dominam os países mais ricos e desenvolvidos do Ocidente se baseiam na visão de Calvino.
7.6 Consequências da Reforma
A frase “O sangue dos mártires é a semente da Igreja” surgiu em razão das perseguições que se 
deram desde o início do cristianismo. O próprio evento que marcou a criação dele foi a morte de seu 
fundador, Jesus, fato que deu identidade para a religião. Como vimos, o primeiro mártir foi Estevão, 
que morreu apedrejado. Mortes decorrentes de feroz perseguição não aconteceram apenas no Império 
Romano, mas em diversas partes do mundo.
 Saiba mais
Pesquisas mostram que quase 1.200 cristãos foram mortos no 
período de um ano, entre novembro de 2015 e outubro de 2016. Leia a 
seguinte matéria:
AGENCE FRANCE‑PRESSE. Quase 1.200 cristãos foram mortos em um 
ano por religião. O Globo, 11 jan. 2017. Disponível em: <https://oglobo.
globo.com/sociedade/religiao/quase‑1200‑cristaos‑foram‑mortos‑ 
em‑um‑ano‑por‑sua‑religiao‑20757354>. Acesso em: 20 mar. 2019.
A mensagem cristã chegou à Europa por meio da narrativa bíblica. Ali, diversos locais de martírio 
passaram a se tornar sagrados, tanto pelo assassínio quanto pelo sepultamento de mártires, após o 
início da liderança da Igreja. Aliás, era exatamente esta a incumbência das regiões sacras: utilizar‑se 
das histórias de perseguição e martírio e desses espaços para perpetuar uma memória cristã construída 
sobre esses componentes. Durante a Idade Média, a construção de igrejas e catedrais movimentou a 
economia de muitas localidades.
121
Re
vi
sã
o:
 R
ic
ar
do
 -
 D
ia
gr
am
aç
ão
: M
ár
ci
o 
- 
27
/0
3/
20
19
FILOSOFIA DA RELIGIÃO
A partir do século XVI, protestantes e católicos entraram em disputa pelo território da Europa. Antes 
e depois de Lutero, muitos deixaram claras as divergências em relação à Igreja de Roma, a ponto de 
católicos se prontificarem a matar ou morrer. Os primeiros executados foram os acusados de heresia. 
A condenação à morte decorria da reincidência.
Os hereges eram considerados “assassinos de almas”, na medida em que 
obstruíam os caminhos para a salvação de suas próprias e de outras 
almas, que não mais ressuscitariam no juízo final para privar da 
companhia de Cristo e dos justos. Eliminar a heresia era mais do que uma 
questão de justiça, era um dever a ser cumprido, que seria cobrado de cada 
um no momento de prestação de contas com Cristo na morte e no juízo 
final (CYMBALISTA, 2010, p. 52).
Um dos episódios mais sangrentos da história do cristianismo na Europa foi a Matança de São 
Bartolomeu, instigada por Catarina de Médici, a qual, embora italiana, era a rainha consorte da França. 
A mandatária, através de manobras políticas, tentou obter o apoio dos huguenotes (nome dado aos 
protestantes no país). Quando assumiu o poder, após o falecimento de Francisco II, libertou os que 
estavam encarcerados (GONZÁLEZ, 1995b). A seguir, buscou fazer um acordo de paz entre teólogos 
católicos e calvinistas, sem nenhum sucesso. Então, promulgou em 1562 o Édito de São Germano, que 
dava liberdade aos huguenotes para praticar sua religião, ainda que vetando concílios sem a permissão 
do Estado. Eles podiam ter templos, conservar exércitos, entre outras benesses.
Seguramente, a intenção dela era cair na graça dos protestantes – queria ter a certeza de que 
não seria alvo de nenhum poder oficial ou bélico. Considerando que tudo parecia estar bem para os 
huguenotes, pois agora eles podiam comparecer a locais públicos, Catarina criou uma trama: disse a 
Carlos IX que o comandante Coligny conspirava contra seu reinado para apoderar‑se do trono. Em 1572, 
o duque de Guise, com autorização do rei e orientação de Catarina, exterminou milhares de huguenotes, 
com uma execução especial do almirante Gaspar de Coligny, que tinha sido gravemente ferido e jogado 
pela janela; o duque, que já o aguardava, pisoteou‑o e matou‑o, mutilando seu corpo e distribuindo as 
partes no patíbulo de Montfaucon.
A matança foi expressiva. “No próprio palácio real do Louvre, o sangue corria pelas escadarias” 
(GONZÁLEZ, 1995b, p. 177). “Ao todo, de 10 a 20 mil pessoas foram chacinadas e suas propriedades 
confiscadas pelos católicos romanos” (CAIRNS, 1995, p. 257). Curtis (2003, p. 108‑109) relata:
Um horrendo massacre teve início em nome da pureza religiosa. Corpos foram 
empilhados às centenas. Muitos foram jogados no rio Sena. A barbaridade 
era aterrorizante: um livreiro foi queimado, com os sete filhos, em uma 
fogueira feita com seus livros. Nem mesmo os bebês foram poupados desse 
banho de sangue.
A partir desse momento, outras localidades produziram atos semelhantes, que causaram grande 
comoção por toda a Europa. Pessoas importantes, como Guilherme, o Taciturno, Elisabete da Inglaterra 
e Maximiliano II (católico), expressaram seu horror ao serem noticiados de tamanha crueldade. Depois, 
122
Re
vi
sã
o:
 R
ic
ar
do
 -
 D
ia
gr
am
aç
ão
: M
ár
ci
o 
- 
27
/0
3/
20
19
Unidade III
houve um novo acordo de tolerância com os protestantes, o qual porém foi efêmero, em razão das 
guerras que se sucederam.
Na Hungria, o luteranismo não foi bem‑aceito a princípio. A partir de 1550, os húngaros que 
estudavam em Genebra e Wittenberg passaram a divulgar as ideias protestantes, mas foi só depois 
da tradução do Novo Testamento que o povo local professou o protestantismo, formulando em 1570 a 
Confissão Húngara, que teve grande circulação. Em 1572, no entanto, ocorreu algo que transtornou 
a vida da Igreja Reformada Magiar por dois séculos: com a ajuda dos jesuítas, que tentaram 
recuperar os magiares para o catolicismo, os protestantes sofreram violenta perseguição. 
Permanecendo firmes, conquistaram a tolerância em 1681, embora a liberdade religiosa tenha 
vindo apenas em 1848.
Vale notar que os reformados também cometeram atrocidades. Filipe II, um católico romano sincero 
e devoto, incitou os holandeses espanhóis a retornar ao papa. Esse imperador não tinha uma postura 
definida: ora agia com clemência, ora com crueldade. Isso levou os holandeses a organizar insurreições 
protestantes em vários locais. Em 1566, houve o saque de quatrocentas igrejas romanas e a profanação 
da hóstia usada na missa.
Com esse sacrilégio, Filipe II passou a tomar providências enérgicas. Através do duque de Alba, regente 
da Holanda, organizou um tribunal especial subsidiado por 10 mil soldados espanhóis, inaugurando 
novamente um reino de terror contra os protestantes. Em aproximadamente seis anos, executou 2 mil 
pessoas. Até o fim do século XVI, 40 mil foram para outros países, o que elevou os pesados impostos 
espanhóis, que quase empobreceram a Holanda.
O rei Filipe II casou‑se com uma prima, Maria Tudor, que se tornou rainha da Inglaterra, pois era filha 
de Henrique VIII. “Ela, num reinado curto e severo, que lhe rendeu a alcunha de Maria, a Sanguinária, 
tentou levar

Continue navegando