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INTRODUÇÃO À PATOLOGIA Patologia é literalmente o estudo (logos) do sofrimento (pathos). Ela envolve a investigação das causas da doença e as alterações associadas em nível de células, tecidos e órgãos, que resultam em sinais e sintomas presentes no paciente. Existem dois termos importantes que os estudantes encontrarão durante o seu estudo de medicina e patologia: • A etiologia é a origem da doença, que inclui as causas fundamentais e os fatores modificadores. Reconhece-se agora que as doenças mais comuns, como hipertensão, diabetes e câncer, são causadas por uma combinação de suscetibilidade genética herdada e várias influências ambientais. O entendimento dos fatores genéticos e ambientais causadores das doenças constitui o principal tema da medicina moderna. • A patogenia refere-se às etapas do desenvolvimento da doença. Ela descreve como os fatores etiológicos iniciam as alterações moleculares e celulares que originam anormalidades estruturais e funcionais que caracterizam a doença. Enquanto a etiologia se refere a por que a doença surge, a patogenia descreve como a doença se desenvolve. As definições da etiologia e da patogenia de uma doença não apenas são essenciais para a compreensão da doença, mas constituem também a base para o desenvolvimento de tratamentos racionais. Para dar o diagnóstico e orientar a terapia na prática clínica, os patologistas identificam alterações na aparência macro ou microscópica (morfologia) das células e tecidos, e as alterações bioquímicas nos fluidos corporais (como o sangue e a urina). Tradicionalmente, a disciplina é dividida em patologia geral e patologia sistêmica; a primeira enfoca as alterações das células e tecidos causadas por estímulos patológicos, enquanto a segunda examina as reações e anormalidades de diferentes órgãos especializados. RESPOSTAS CELULARES AO ESTRESSE E AOS ESTÍMULOS NOCIVOS Normalmente, as células mantêm um estado normal chamado homeostasia. Quando encontram um estresse fisiológico ou um estímulo patológico, podem sofrer uma adaptação, alcançando um novo estado constante, preservando sua viabilidade e função. As principais res- postas adaptativas são hipertrofia, hiperplasia, atrofia e metaplasia. Se a capacidade adaptativa é excedida ou se o estresse externo é inerentemente nocivo, desenvolve-se a lesão celular (Fig. 1-1). Dentro de certos limites, a lesão é reversível e as células retornam a um estado basal estável; entretanto, um estresse grave, persistente e de início rápido resulta em lesão irreversível e morte das células afetadas. A morte celular é um dos eventos mais cruciais na evolução da doença em qualquer tecido ou órgão. É resultante de várias causas, incluindo isquemia (redução do fluxo sanguíneo), infecções, toxinas e reações imunes. A morte celular constitui também um processo essencial e normal na em- briogênese. As relações entre células normais, células adaptadas e células lesadas de modo reversível ou irreversível são bem ilustradas pelas respostas do coração aos diferentes tipos de estresses. O miocárdio submetido a uma carga aumentada e persistente, como na hipertensão ou com es- tenose de uma valva, se adapta sofrendo hipertrofia — um aumento do tamanho das células individuais e finalmente de todo o coração — para gerar necessitada força contrátil maior. Se o aumento da demanda não for atenuado ou se o miocárdio for submetido a um fluxo sanguíneo reduzido (isquemia), devido a uma oclusão em artéria coronária, as células musculares sofrerão lesão. O miocárdio pode ser lesado de modo reversível se o estresse for leve ou se a oclusão arterial for incompleta ou suficientemente breve, ou pode sofrer lesão irreversível e morte celular (infarto) após oclusão completa e prolongada. ADAPTAÇÕES CELULARES AO ESTRESSE As adaptações são alterações reversíveis em número, tamanho, fenótipo, atividade metabólica ou das funções celulares em resposta às alterações no seu ambiente. As adaptações fisiológicas normalmente representam respostas celulares à estimulação normal pelos hormônios ou mediadores químicos endógenos (p. ex., o aumento da mama e do útero, induzido por hormônio, durante a gravidez). Hipertrofia A hipertrofia é um aumento do tamanho das células que resulta em aumento do tamanho do órgão. Em contraste, a hiperplasia (discutida adiante) é caracterizada por aumento do número de células devido à proliferação de células diferenciadas e substituição por células-tronco do tecido. Dito de outro modo, na hipertrofia pura não existem células novas, apenas células maiores, contendo quantidade aumentada de proteínas estruturais e de organelas. A hiperplasia é uma resposta adaptativa em células capazes de replicação, enquanto a hipertrofia ocorre quando as células possuem capacidade limitada de se dividir. A hipertrofia e a hiperplasia podem também ocorrer juntas e, obviamente, ambas resultam em órgão aumentado (hipertrófico). A hipertrofia pode ser fisiológica ou patológica e é causada pelo aumento da demanda funcional ou por fatores de crescimento ou estimulação hormonal específica. • Durante a gravidez, o aumento fisiológico maciço do útero ocorre como consequência da hipertrofia e hiperplasia do músculo liso estimulado pelo estrogênio. Ao contrário, as células musculares estriadas da musculatura esquelética e do coração podem sofrer apenas hipertrofia em resposta ao aumento da demanda porque, no adulto, elas possuem capacidade limitada de divisão. Portanto, os levantadores de peso podem desenvolver um físico aumentado apenas por hipertrofia de células musculares esqueléticas individuais. • Um exemplo de hipertrofia celular patológica é o aumento cardíaco que ocorre com hipertensão ou doença de valva aórtica. Hiperplasia A hiperplasia pode ser fisiológica ou patológica. Em ambas as situações, a proliferação celular é estimulada por fatores de crescimento que são produzidos por vários tipos celulares. • Os dois tipos de hiperplasia fisiológica são: (1) hiperplasia hormonal, exemplificada pela proliferação do epitélio glandular da mama feminina na puberdade e durante a gravidez e (2) hiperplasia compensatória, na qual cresce tecido residual após a remoção ou perda da porção de um órgão. Por exemplo, quando o fígado é parcialmente removido, a atividade mitótica das células restantes inicia-se 12 horas depois, restaurando o fígado ao seu peso normal. Após a restauração da massa do fígado, a proliferação celular é “desligada” pelos vários inibidores de crescimento. • A maioria das formas de hiperplasia patológica é causada por estimulação excessiva hormonal ou por fatores do crescimento. Por exemplo, após um período menstrual normal, há aumento da proliferação do epitélio uterino. A hiperplasia é também uma resposta importante das células do tecido conjuntivo na cicatrização de feridas. É importante notar que, em todas essas situações, o processo hiperplásico permanece controlado; se os sinais que a iniciam cessam, a hiperplasia desaparece. Contudo, em muitos casos, a hiperplasia patológica constitui um solo fértil no qual o câncer pode surgir posteriormente. Atrofia A diminuição do tamanho da célula, pela perda de substância celular, é conhecida como atrofia. Quando um número suficiente de células está envolvido, todo o tecido ou órgão diminui em tamanho, tornando-se atrófico. As causas da atrofia incluem a diminuição da carga de tra- balho (p. ex., a imobilização de um membro para permitir o reparo de uma fratura), a perda da inervação, a diminuição do suprimento sanguíneo, a nutrição inadequada, a perda da estimulação endócrina e o envelhecimento (atrofia senil). Elas representam uma retração da célula paraum tamanho menor. Metaplasia Metaplasia é uma alteração reversível na qual um tipo celular adulto é substituído por outro tipo celular adulto. Nesse tipo de adaptação celular, uma célula sensível a determinado estresse é substituída por outro tipo celular mais capaz de suportar o ambiente hostil. Acredita-se que a metaplasia surja por uma reprogramação de células-tronco que se diferenciam ao longo de outra via, em vez de uma alteração fenotípica (transdiferenciação) de células já diferenciadas. A metaplasia epitelial é exemplificada pela mudança es- camosa que ocorre no epitélio respiratório em fumantes ha- bituais de cigarros. As células epiteliais normais, colunares e ciliadas da traqueia e dos brônquios são focal ou difusamente substituídas por células epiteliais escamosas estratificadas. O epitélio pavimentoso estratificado, mais resistente, torna-se mais capaz de sobreviver às substâncias químicas do cigarro do que o epitélio especializado, mais frágil, que não poderia tolerar. Embora o epitélio escamoso metaplásico possua vantagens de sobrevivência, importantes mecanismos de proteção são perdidos, como a secreção de muco e a remoção pelos cílios de materiais particulados. Portanto, a metaplasia epitelial é uma faca de dois gumes. Além disso, as influências que induzem a transformação metaplásica, se persistirem, podem predispor à transformação maligna do epitélio. De fato, a metaplasia escamosa do epitélio respiratório sempre coexiste com cânceres compostos por células escamosas malignas. Acredita-se que, inicialmente, fumar cigarros cause a metaplasia escamosa e, mais tarde, os cânceres surjam em alguns desses focos alterados. A metaplasia não ocorre sempre no sentido do epitélio colunar para o epitélio escamoso; no refluxo gástrico crônico, o epitélio pavimentoso estratificado normal da porção inferior do esôfago pode sofrer transformação metaplásica para epitélio colunar do tipo gástrico ou intestinal. RESUMO Adaptações Celulares ao Estresse • Hipertrofia: aumento do tamanho da célula e do órgão, sem- pre em resposta ao aumento da carga de trabalho; induzida por fatores de crescimento produzidos em resposta ao estresse mecânico ou outros estímulos; ocorre em tecidos incapazes de divisão celular. • Hiperplasia: aumento do número de células em resposta a hormônios e outros fatores de crescimento; ocorre em tecidos cujas células são capazes de se dividir ou que contenham abundantes células-tronco. • Atrofia: diminuição da célula e do órgão, como resultado da diminuição do suprimento de nutrientes ou por desuso; associada à diminuição de síntese celular. • Metaplasia: alteração do fenótipo em células diferenciadas, sempre em resposta a irritação crônica que torna as células mais capazes de suportar o estresse; geralmente induzida por via de diferenciação alterada das células-tronco nos tecidos; pode resultar em redução das funções ou tendência aumentada para transformação maligna.