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UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS DEPARTAMENTO DE ARTES CURSO DE GRADUAÇÃO EM BELAS ARTES Modalidade Licenciatura SOB O IMPACTO DO NOVO Evânia Pereira de Paula SEROPÉDICA (RJ), 2016-1 UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS DEPARTAMENTO DE ARTES CURSO DE GRADUAÇÃO EM BELAS ARTES Modalidade Licenciatura SOB O IMPACTO DO NOVO Evânia Pereira de Paula Monografia apresentada ao curso de Licenciatura em Belas Artes da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro como parte do requisito necessário ao término do curso. Orientador: Dr. Fabio De Macedo SEROPÉDICA (RJ), 2016-1 Evânia Pereira de Paula SOB O IMPACTO DO NOVO Monografia apresentada ao curso de Licenciatura em Belas Artes da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro como parte do requisito necessário ao término do curso. Orientador: Dr. Fabio De Macedo Seropédica, ____ de _____________ de _____. BANCA EXAMINADORA ________________________________________ Profº. Orientador (Dr. Fabio De Macedo) ________________________________________ Profº. ( MsC. Antonio José da Silveira) ________________________________________ Profº. (Esp. Thalles Yvson) AGRADECIMENTOS: Agradeço a Deus pоr tеr mе dado saúde е força pаrа superar аs dificuldades. Por ter colocado em meu caminho pessoas do bem, amigas, que sempre me deram a mão, me ofereceram um ombro amigo quando precisei. E dizê-los muito obrigada. Vocês fazem parte de mim. À Instituição pelo ambiente criativo е amigável qυе nos proporciona. Aos meus Professores que com carinho e atenção me deram um pouco de seus conhecimentos. Aos membros da Banca Examinadora, pela atenção, contribuição e disponibilidade de participar. Ao mеυ orientador, Fábio De Macedo, pelo empenho dedicado à elaboração deste trabalho. Por todo suporte no pouco tempo que lhe coube, pelas suas correções e incentivos. RESUMO Esta monografia busca apoio teórico que permita debater, alertar e oferecer alguns nomes e obras como exemplos de uma arte contemporânea responsável expressiva e criativa. Após realizar um rastreio na produção artística ocidental desde o período pré-histórico aos dias atuais, fazendo um levantamento da produção artística no Brasil, pretende-se levantar o efeito imediato da obra de arte requerida pela estética que se apresenta como dominante, o conflito entre razão e sentimento sacudido pelo mundo capitalista no contexto cultural do artista atual afetado pelo fenômeno da globalização. Conta-se com o apoio teórico de alguns estudiosos sobre o tema da arte e suas contradições nos dias atuais que responda se existe uma corrente hegemônica capaz de traduzir adequadamente a arte contemporânea em sua totalidade. Nessa conversa apontamos alguns supostos artistas comprometidos apenas em escandalizar com materiais inusitados, perecíveis, que caracterizam a natureza efêmera de suas supostas obras de arte comprometendo a eternidade da tradição artística ocidental. ABSTRACT This paper seeks theoretical support to enable debate, alert and offer some names and works as examples of an expressive and creative responsible contemporary art. After performing a trace in Western artistic production from the prehistoric period to the present day, making a survey of the artistic production in Brazil, aims to raise the immediate effect of the artwork required by the aesthetic that presents itself as dominant, the conflict between reason and feeling shaken by the capitalist world in the cultural context of the current artist affected by the phenomenon of globalization. It has the theoretical support of some scholars on the subject of art and its contradictions nowadays to respond if there is a hegemonic power capable of properly translating contemporary art in its entirety. In this conversation we point out some supposed artists committed only scandalize with unusual, perishable materials, which characterize the ephemeral nature of his alleged works of art compromising the eternity of Western artistic tradition. SUMÁRIO INTRODUÇÃO -------------------------------------------------------------------------------------01 I. Breve transcurso da produção artística ocidental---------------------------------------------03 2. A produção artística no Brasil------------------------------------------------------------------06 3. Período Pós Moderno ---------------------------------------------------------------------------12 4. O conceito e a arte contemporânea em revista-----------------------------------------------15 5. CONCLUSÃO------------------------------------------------------------------------------------45 6. BIBLIOGRAFIA---------------------------------------------------------------------------------49 6.1. Livros---------------------------------------------------------------------------------------49 6.2. Consultas Eletrônicas---------------------------------------------------------------------49 6.3. Índice de Reproduções-------------------------------------------------------------------50 6.4. Notas de aula------------------------------------------------------------------------------52 1 INTRODUÇÃO Esta Monografia analisa a produção artística nos dias atuais. Pretende-se levantar o efeito imediato da obra de arte requerida pela estética que se apresenta como dominante, o conflito entre os sentimentos e a razão sacudido pelo mundo capitalista, o contexto cultural do artista afetado pelo fenômeno da globalização.O estudo parte da importância e necessidade da arte em nossas vidas em contexto de alienação, questionando a falta de compromisso entre todos. Nesta perspectiva, busca-se apoio teórico que permita debater a presente proposta, alertando, visitando e sobretudo, oferecendo alguns aliados por uma arte contemporânea responsavelmente expressiva e criativa. A partir da análise bibliográfica e de imagens selecionadas e capturadas na web, pretende-se investigar, como questão central, se existe uma corrente hegemônica capaz de traduzir adequadamente a arte contemporânea em sua totalidade. Para tanto, busca-se apoio nas ideias de alguns teóricos que permita debater essa proposta, alertando, visitando e, sobretudo, oferecendo alguns nomes e obras como exemplos de uma arte contemporânea responsavelmente expressiva e criativa, saída do que se pode entender incontestavelmente como herdeira da tradição artística ocidental. Após realizar um rastreio na produção artística ocidental desde o período pré-histórico aos dias atuais, faço um levantamento da produção artística no Brasil desde o período colonial no capítulo 1. Em seguida, repasso o período Pós Moderno, para finalmente proceder as análises acerca da arte nos dias atuais. Os autores selecionados para formar a base de apoio teórico do trabalho e suas respectivas obras estão Ernst Fischer em “A Necessidade da Arte”, Robert Hughes com o documentário “El impacto de lo nuevo 25 años despues”, Ferreira Gullar em “Argumentação contra morte da arte” e Luciano Trigo com “A grande Feira”. Nessa conversa aponto alguns artistas e suas igualmentepolêmicas obras que tem como objetivo escandalizar (“shock art”), com vistas a espetacularização. Há também aquelas peças confeccionadas com materiais inusitados e por vezes perecíveis que caracterizam a natureza efêmera destas obras de arte; outras, sustentadas pela designação sob 2 um caráter neodadaísta e kitsch, onde o importante é o alarde (“show off”). 1 - Breve transcurso da produção artística ocidental Há milhares de anos os povos antigos já sentiam a necessidade de se expressar artisticamente e utilizar essa mistura de sentimentos e conhecimentos para desenvolver suas habilidades. Embora ainda não conhecessem a escrita, essas civilizações foram capazes de produzir obras de arte, desde o período da Pré-história. A Arte atravessou todos os momentos históricos interferindo em tudo e de uma forma ou de outra atingiu à todos. Em todos esses anos a Arte visual caminha de mãos dadas com a razão e a emoção; endossou as rupturas de todos os processos políticos, deu poderes, retratou e sugeriu fatos políticos e cotidianos que aconteceram ou ficaram sugeridos na história do mundo. A arte Totêmica tinha como tarefa converter os mandatários em deuses. Os totens representam uma das formas de arte plástica desenvolvida tanto pelos egípcios - algo tão disseminado na linha do tempo da humanidade, quanto pelos aborígines que habitavam a costa noroeste do Canadá e o litoral do Alasca, nos Estados Unidos. Para os indígenas essas produções tinham enorme importância, pois nelas eles localizavam seus símbolos de realização material e definiam seu status. Na Antiguidade Clássica, a arte alcança status de conhecimento. Exaltando o belo idealizado, aparecem alguns artistas, sobretudo o pintor Apeles e os escultores Fídias e Policleto. A pintura e escultura são estudadas nas Academias sob o nome de “desenho”. A arte na Idade Média vive um novo momento marcado pelo fechamento das Academias por serem acusadas de templo do paganismo. A arte passa a ser produzida para e na Igreja, através das Corporações (guildas, irmandades, confrarias). Desta maneira a Igreja Católica assume, neste período, um papel de extrema importância filtrando todas as 3 produções científicas e culturais, sugando para si toda produção de obras artísticas e fazendo prevalecer a temática religiosa. O artista vira anônimo, trabalha por encomenda e produz em conjunto com outros artistas. O reaparecimento das Academias no período da Renascença vem de iniciativas privadas para serem incorporadas, pouco a pouco, aos Reinos e Estados Monárquicos em concomitância com o pensamento humanista que começa a considerar o homem no centro do universo e dos acontecimentos. Com isso, o artista recupera o status de conhecedor, de intelectual e no campo das artes, passa a assinar as obras de pintura, escultura e arquitetura. E a produção artística começa a ser financiada pela burguesia comercial em Florença, que registra a grande experiência de mecenato exercido pela família Médici. Num segundo momento, a Igreja e as monarquias também aderem à arte renascentista, deslocando a produção para Roma – sede do papado e da Igreja; tanto que funda em 1487 a Universidade da Arte da Pintura, rebatizada no século seguinte de Academia de São Lucas. Em seguida, no século XVII, a França funda a Academia de Belas Artes, inicialmente com Academia Real de Pintura, Escultura e Arquitetura, como projeto imperial para difundir sua marca de prosperidade. Pouco a pouco, a academia institui padrões que se afastam da monarquia como concursos, salões oficias e deixam de expressar o gosto somente dos monarcas até que os salões oficiais perdem força no séc. XIX, quando ficam esteticamente parados devido ao excesso de poder. Nascem os Salões dos Independentes e com eles o Impressionismo ensejando a formação do mercado de arte. É quando entram em cena as Galerias e mostras universais, os marchands (mercadores que passam a intermediar a obra e o artista), nasce a crítica de arte. A arte passa então, a depender do crítico. O século XX inicia sob a égide dos movimentos de vanguarda e o Modernismo. O mercado e os meios culturais estão sob o comando da novidade, do choque, do novo, da ruptura que se desvanece com as Guerras Mundiais na Europa e se desloca para os Estados Unidos. Ali a arte é requerida pelo Estado como um projeto para disputar a supremacia da produção artística no contexto da Guerra Fria. Enquanto o bloco comunista - liderado pela extinta União Soviética - vislumbra exaltar o trabalho e o trabalhador, fazendo-os temas centrais de suas obras, restou a Escola de Nova Iorque preconizar uma arte sem o tema, nasce o Expressionismo Abstrato, a pintura ação. 4 “O confronto, supra citado, era o prenúncio da disputa ideológica do séc. XX, entre comunismo e capitalismo, que se clarificou com a Guerra Fria em decorrência da Segunda Guerra Mundial. Ambos os lados consideraram arte veículo fundamental para propagação ideológica. O estado soviético estimulando a propaganda socialista através do realismo social e, do outro, os norte-americanos apostando no formalismo, sobretudo o Expressionismo abstrato, alvo de investimentos de empresas e do próprio Departamento de Estado”1. Portanto, o Departamento de Estado Norte Americano investe maciçamente nesta chamada Escola de Nova Iorque e o Expressionismo Abstrato para seduzir os artistas a não aceitar a Arte Social. Para Amaral... “(...) enquanto a arte não reencontrar sua função social, prosseguirá a serviço das classes dominantes, ou seja, daqueles que detêm o poder econômico e, portanto, político”2. 2. A produção artística no Brasil No Brasil colonial a arte em geral girava em torno da Igreja e dos cultos religiosos com os jesuítas, franciscanos e beneditinos, os quais vieram ao país para catequizar seus habitantes. Alguns sacerdotes tinham experiência em pintura, escultura e arquitetura, adquirida no velho continente. Foram eles os primeiros a realizar obras artísticas no país e a recrutar artesãos e artífices para a decoração de suas construções. Os artistas desse período costumavam ser autodidatas ou orientados por esses religiosos, nos moldes da tradição ibérica. Com esse esforço, a pintura começa a aparecer nas construções nordestinas, principalmente em Salvador, cidade que era, na época, a sede do Governo Colonial. Já no Século XVII, surgem os primeiros sinais de desvinculação da arte à religião. Assim, por exemplo, o teto da Igreja de Santa Casa da Misericórdia, ainda em Salvador, que apresenta figuras como santos e anjos com roupas como se usavam na época em que o artista fez a obra. Também os rostos são pintados com mais liberdade, lembrando o 1 DE MACEDO, F. Campofiorito e a questão da arte menor, p 33. 2 AMARAL, ARACY. Arte pra quê?: a preocupação social na arte brasileira 1930-1970, p. 3. In: DE MACEDO, F. Campofiorito e a questão da arte menor, p 32. 5 biótipo dos habitantes daquela cidade baiana. Destaca-se ainda como pintor religioso do século XVII o Frei Ricardo do Pilar, que pintou o mosteiro de São Bento no Rio de Janeiro e obras como "O Senhor Crucificado", de 1688 ou "O Senhor dos Martírios", de 1690 (Figura 1). (Fig. 1) FREI RICARDO DO PILAR (Colônia, c. 1635 — Rio de Janeiro, 1700). Senhor dos Martírios (Detalhe), 1690. Óleos s/ tela, dimensão desconhecida. Obra fixada na sacristia do Mosteiro de São Bento. 6 A ocupação holandesa em Pernambuco, no século XVII traz artistas como pintores e naturalistas ao país que iriam, pela primeira vez, registrara natureza brasileira. O conde de Nassau, que aqui permaneceu entre 1637 e 1644 foi o responsável por grandes projetos de urbanização na cidade de Recife e trouxe com ele artistas holandeses como Franz Post e Eckhout. Entretanto, apesar de a ocupação holandesa e da estada desses pintores no Brasil ser considerada como de grande importância no Século XVII, seu papel foi apenas de registro de paisagens e costumes. Com efeito, tratou-se de um acontecimento isolado e os pintores que por aqui passaram não deixaram aprendizes ou começaram alguma tradição que pudesse dar continuidade aos seus trabalhos. Em Salvador, na então Escola Baiana do Século XVIII, vivia-se a transição do barroco ao rococó e nela eram típicas principalmente pinturas de perspectiva ilusionista. Destacam-se nesse período, José Joaquim da Rocha, como teto da Igreja de N. Senhora da Conceição da Praia, considerada uma das obras-primas da pintura barroca brasileira (1773). A Escola Mineira é a mais famosa, extremamente valorizada pela sua originalidade. O ciclo da mineração possibilitou a concentração de riquezas em Minas Gerais e a transformação de algumas cidades mineiras em verdadeiros centros urbanos da colônia. A primeira pintura de teto em Minas Gerais é realizada por Antônio Rodrigues Belo, em 1755, na capela-mor da matriz de Nossa Senhora de Nazaré, em Cachoeira do Campo. A partir de então Minas avança como ativo centro artístico nacional. O estilo dos artistas mineiros de então era o barroco com forte presença do rococó, sem contudo deixar de lado as formas brasileira. O escultor Aleijadinho, um dos principais nomes de nossa arte, é o nome mais conhecido dessa escola. Na pintura destaca-se principalmente Manuel da Costa Ataíde. Outros pintores mineiros do período foram Manuel Rebelo e Souza e Bernardo Pires, João Nepomuceno Correia e Castro, entre outros. Ainda no século XVIII, fora destes centros, destaca-se João de Deus Sepúlveda com sua pintura "São Pedro Abençoando o Mundo Católico", em Recife, na Igreja de São Pedro dos Clérigos. No Século XVIII, a pintura tem maior desenvolvimento, principalmente devido à concentração de artistas em centros que então se desenvolviam, Salvador e Vila Rica (atual 7 Ouro Preto) e, mais tarde, o Rio de Janeiro. A partir de então pode-se falar em escolas distintas no país, como a Escola Fluminense, com pintores como José de Oliveira Rosa, Leandro Joaquim, com seus retratos e representações da cidade do Rio de Janeiro e Manuel da Cunha, com suas pinturas religiosas e retratos. Ainda no Rio de Janeiro, em 1732, Caetano da Costa Coelho começa a realizar na Capela-Mor da Igreja da Ordem 3ª de São Francisco da Penitência aquela que seria a primeira pintura perspectivista do Brasil. Em 1800 há a primeira iniciativa de ensino de arte no país com a Aula Pública de Desenho e Figura, no Rio de Janeiro e seu regente, Manuel de Oliveira. Em 1808, a Família Real e a Corte Portuguesa transferiam-se para o Brasil e a partir daí teríamos uma enorme mudança nos rumos que a arte brasileira seguia até então. Enfrentando problemas políticos após a queda de Napoleão, um grupo de artistas franceses freta um navio e se dirige ao Brasil, quando em 1816 chega a então denominada Missão Artística Francesa, um grupo de artistas e artífices franceses como Nicolas-Antoine, Taunay e Jean Baptiste Debret, de formação neoclássica que iriam exercer uma profunda influência na arte brasileira da metade do Século XIX. Fundam a Academia de Belas Artes em 1816. Dentre as inovações produzidas pela Academia, institui os Salões, mostras e o concurso público, conquistando o poder de escolha que antes era outorgado à Monarquia. E as obras nacionalistas do Romantismo introduzem valores republicanos. O prêmio de viagem se converte em objetivo principal do artista que ocorreu durante o período que vai de 1845, data do primeiro prêmio concedido, a 1887, data do último concurso realizado pela Academia Imperial até sua reconstituição, quando a instituição se converte em Escola Nacional de Belas Artes, transformação consequente da Proclamação da República. Em poucos anos ocorreu uma brusca ruptura, embora dirigida, com o barroco-rococó, que era comum nas nossas pinturas para um estilo mais frio, racional e acadêmico, sem muitas afinidades com a cultura brasileira de então. Nossa pintura ganhava na técnica, mas perdia em espontaneidade. A falta de raízes pode ser atribuída ao fato de um pintor da época haver sugerido a importação de modelos europeus para garantir a pose em padrões estéticos acadêmicos. Os rígidos padrões adotados pela Academia de Belas-Artes foi, de fato, uma das principais razões por que o modernismo tardaria tanto em entrar no Brasil, só logrando êxito após 1922, como se analisa mais adiante. Entretanto, apesar de distante do país, o padrão 8 acadêmico na arte passa a ser o dominante no Século XIX, a despeito de influência das escolas do Romantismo ou Realismo. Destacam-se, entre os artistas brasileiros do período, Vítor Meireles, Pedro Américo, Rodolfo Amoedo e Henrique Bernardelli, além do escultor Rodolfo Bernardelli, que seria diretor da Escola por quinze anos. Nas últimas décadas do século XIX, as já citadas tendências realistas e românticas surgiam entre nossos artistas como uma das poucas manifestações de rebeldia ao estilo acadêmico. Entretanto, essas tendências manifestavam-se efetivamente mais na escolha temática, como Moema, de Vitor Meirelles, do que na forma, que continuava acadêmica e presa ao Neoclassicismo. A Belle Époque brasileira parece ter se estendido de 1889 a 1922. Nessa época, apesar da influência da academia ser ainda a principal, começam a ser notadas mais manifestações de estilos europeus: além do Romantismo e do Realismo, o Impressionismo, o Simbolismo e Art Nouveau, estilo decorativo, com uso de formas sinuosas e elementos vegetais. Almeida Júnior parece ter sido um dos primeiros a libertar-se um pouco das influências acadêmicas, realizando quadros como tipos e cenas brasileiras, sem idealizações neoclássicas. Com a construção da Av. Central (atual Av. Rio Branco), a produção artística se volta para arquitetura monumental, escultura em locais públicos e pintura nos Salões Nacionais de Belas Artes. No começo do Século XX, Eliseu Visconti, com suas propostas neo-impressionista adquiridas em Paris é um dos pioneiros na modernização da arte brasileira. Entretanto, a primeira mostra de arte que romperia com o academicismo brasileiro - de que se tem notícia - foi feita por um estrangeiro, Lasar Segall em 1913. Tratando de romper a estrutura das Artes predominantes no Brasil desde o Renascimento, em 1917, Anita Malfatti, recém chegada da Europa, resolve fazer uma exposição intitulada “EXPOSIÇÃO MALFATTI”, contendo novas tendências para pintura trazidas da Europa; recebeu severas críticas de Monteiro Lobato, quem declarou encarar esta tendência na arte como nada mais que um belo horror. Publicou no jornal O ESTADO DE SÃO PAULO, em 20 de dezembro de 1917, o artigo “Paranóia ou massificação?”, provocando uma polêmica que afastaria os seus seguidores modernistas, senão vejamos: “Há duas espécies de artistas. Uma composta dos que vêem normalmente as coisas. A outra espécie que é formada pelos que vêem anormalmente a natureza e interpretam-na à luz de teorias efêmeras, sob a sugestão estrábica de escolas rebeldes, surgidas cá e lá, como 9 furúnculos da cultura excessiva. Embora eles se dêem como novos, precursores de uma arte a vir, nada é mais velho do que a arte anormal ou teratológica. Nasceu com a Paranóia e com a mistificação. Essas considerações são provocadas pela exposição da senhora Malfatti, ondese notam acentuadíssimas tendências para uma atitude estética forçada no sentido das extravagâncias de Picasso e companhia”3. A crítica de Monteiro Lobato ensejou escândalo e rejeição e a mostra é fechada antes do tempo. A exposição de Anita, no entanto, abriu caminho para a Semana de Arte Moderna em 1922. Com o objetivo de discutir a identidade nacional, compreender a cultura brasileira e os rumos das artes, idealizada e organizada nos dias 13, 15 e 17 de fevereiro de 1922 por Di Cavalcanti e abraçada por outros artistas e intelectuais, organizaram no Teatro Municipal de São Paulo, a Semana de Arte Moderna – considerada marco do movimento modernista no Brasil. Abrindo caminho para novas vertentes nas artes, sobretudo as plásticas que, naquela época, Monteiro Lobato se preocupava. Destacam-se como artistas modernistas brasileiros: Di Cavalcanti, Vicente do Rêgo, Anita Malfatti, Lasar Segall, Victor Brecheret, Tarsila do Amaral e Ismael Nery. Não foi fácil para estes artistas serem aceito pela crítica que já estava acostumada com padrões estéticos bem definidos, mas, aos poucos, suas exposições foram aumentando e o público passou a aceitar as obras modernistas. Começava então, em paralelo com outros eventos nacionais, o Modernismo brasileiro que procurava atualizar a arte brasileira e quebrar com o academicismo que a orientava, realizando trabalhos que nada devessem à arte européia de vanguarda, ao mesmo tempo que preservasse e valorizasse a cultura nacional. Alguns registros apontam movimentos isolados que lutam contra ensino conservador da Escola Nacional de Belas Artes, como a conhecida contenda protagonizada por Visconti e os Irmãos Bernardelli em meio à Proclamação da República que culminou com o que a imprensa os qualificou de modernos; e, contra o Salão Nacional de Belas Artes, acusando-o de acadêmico. Na década de 1930 nascem associações de artistas reivindicando liberdade, luta e engajamento, como o Núcleo Bernardelli e o Grupo Santa Helena. Clubes de Gravura 3 LOBATO, M. Disponível em: http://www.vermelho.org.br/noticia.php?id_noticia=175426. Acesso em 30/11/2015, às 01:32. 10 se constituem para multiplicação da obra. A primeira metade do séc. XX segue agitada por fatos e movimentos que clamam por rupturas e o cenário cultural se intensifica para além da semana de Arte Moderna de 22 mas, sobretudo, com o Salão Revolucionário de 1931 que abriu a mostra para todas as obras inscritas. Em seguida, vem a criação do Salão Nacional de Arte Moderna em 1945 e a Bienal de São Paulo de 1951. Em 1960 nasce a nova capital do Brasil. Brasília, e com ela, a marca de uma nova arquitetura em meio a novos fundamentos artístico-culturais que consolidam a Arte Moderna e ao mesmo tempo no alvorecer da estética pós-moderna. A nova estética se consagra como reconhecimento de um novo espírito renovador para a arte até que o Golpe de 64 institui o Regime Militar que redunda na Ditadura Militar que alimenta uma arte de reivindicação. 3. Período Pós Moderno Tanto no plano artístico nacional quanto no internacional, o mercado vinha tomado de galerias, marchands, críticos de arte, historiadores de arte até o aparecimento de um novo agente da produção artística, representado pelos curadores, bem como novos mecanismos de financiamentos estatais que são os Editais. Em meio a este novo contexto, o conflito entre o tradicional e o conceitual levantou o questionamento do que era arte, e se ela ainda poderia ser definida por categorias. A nova vanguarda artística, surgida no período, contestou o trabalho isolado de um gênero artístico e rompeu fronteiras. Diante de imensas possibilidades, vemos o surgimento de um artista partidário da união entre arte e linguagem que apresentou a arte conceitual que explorava a fusão entre arte, conceito, filosofia e questionamento sobre arte. E, na insegurança diante dos novos parâmetros, a arte tem sua identidade inteiramente comprometida pela fragilidade. Com o fim da II Guerra Mundial, os museus de arte moderna são abertos e as Bienais 11 facilitam a penetração da arte internacional no país. Por volta de 1960, vemos as últimas manifestações que podem ser consideradas pertencentes ao Modernismo, com os abstracionistas neoconcretos. As décadas de 60 e 70 assistem a variadas tendências e estilos, em que podem ser destacadas a influência da pop art e uma grande busca de liberdade de expressão e experimentação. No início dos anos 70, o esgotamento da estética moderna enseja a pós moderna e pouco a pouco outras correntes, como o Minimalismo, e sobretudo a Arte Conceitual que preconiza o conceito, a ideia em contra o conhecimento técnico artesanal e procedimental. Vale mais a ideia e suas explicações. A década de 80 assistiu um particular "boom" na pintura no cenário nacional, principalmente em seus primeiros anos, com grande números de novos pintores e produções de caráter híbrido. As ideias que sustentam a pretensão de uma arte contemporânea hegemônica foram o verdadeiro exemplo de clichê na cultura e produção da arte ocidental;assentadas pela utopia de liberdade de atuação do artista, que não tem mais compromissos institucionais que o limitem, e poder exercer seu trabalho sem se preocupar em imprimir nas suas obras um determinado cunho religioso,político. Esta era da história da arte nasceu em meados do século XX e se estende até a atualidade, insinuando-se logo depois da Segunda Guerra Mundial. Este período traz consigo novos hábitos, diferentes concepções, a industrialização em massa, que imediatamente exerce profunda influência na pintura, nos movimentos literários, no universo ‘fashion’, na esfera cinematográfica, e nas demais vertentes artísticas. Esta tendência cultural, emerge da insegurança de critérios no bojo das vertiginosas transformações sociais ocorridas neste momento a serviço de interesses externos à criação artística, como a comercialização da obra e o valor que ela deve corresponder. Os detentores do poder ditam as regras, mandam as mensagens através do controle dos canais midiáticos e a massa, como comprovam os institutos de pesquisa, cumprem o papel desejado, ou seja, consome. Com a globalização está aumentando ainda mais esta escala. A designação está tratando de converter objetos que vem sendo tratados como obra de arte, algo que deveria servir apenas como publicidade de uma expressão artística. Estes objetos entram em galerias e museus, em geral são constituídos com materiais efêmeros, perecíveis e são vendidos por preços exorbitantes. Tal ação sofismática dá a impressão que tais objetos são constituídos de um refinado procedimento artístico dotados de profunda 12 consciência estética, quando aquilo que é verdadeiramente constituído de qualidade estético-artística parece está para trás como uma coisa retrógrada. No bojo destas especulações, os artistas passam a questionar a própria linguagem artística, a imagem em si, a qual subitamente dominou o dia-a-dia do mundo contemporâneo. Em uma atitude metalinguística, o criador se volta para a crítica de sua mesma obra e do material de que se vale para concebê-la, o arsenal imagético ao seu alcance. Nos anos 60, a matéria gerada pelos novos artistas revela um caráter espacial, em plena era da viagem do Homem ao espaço, ao mesmo tempo em que abusa do vinil. Nos 70 a arte se diversifica, vários conceitos coexistem, entre eles a Pop Art, que opta por uma arte geométrica, inspirada nos ídolos desta época, na natureza celebrativa desta década – um de seus principais nomes é Andy Warhol; o Expressionismo Abstrato; a Arte Conceitual;o Minimalismo; a Body- Art (corpo como objeto); a Internet Street e a Art Street, a arte que se desenvolve nas ruas, influenciada pelo grafite pelo movimento hip-hop. É na esteira das intensas transformações vigentes neste período que a arte contemporânea acredita ancorar sua hegemonia. A arte passa a realizar uma mistura de vários estilos, diversas escolas e técnicas. Não há uma mera contraposição entre a arte figurativa e abstratação, pois dentro de cada uma destas categorias há inúmeras variantes, desde que seja excluído a tradição de procedimentos e sobretudo as linguagens, técnicas e procedimentos tradicionais, tema que se analisa mais adiante. Enquanto alguns quadros se revelam rigidamente figurativos, outros a muito custo expressam as características do corpo de um homem, como a Marilyn Monroe concebida por Willem de Kooning, em 1954. No seio das obras abstratas também se encontram diferentes concepções, dos traços ativos de Jackson Pollock à geometrização das criações de Mondrian. Outra vertente artística opta pelo caos, como a associação aleatória de jornais, selos e outros materiais na obra Imagem como um centro luminoso, produzida por Kurt Schwitters, em 1919. 13 4. O conceito e a arte contemporânea em revista A arte conceitual é um movimento cultural que teve sua configuração formulada na Europa e nos Estados Unidos durante a década de 1970, inspirada nos ready-made de Duchamp em 1917. Foi uma espécie de reação ao formalismo da arte, principalmente européia, da década de 1960. As ideias estéticas da arte conceitual se espalham pelo mundo, chegando ao Brasil. Nela, o conceito é mais importante do que o objeto e sua representação física; fazem uso de performances, instalações artísticas, vídeos, textos e fotografias. Valoriza a forma humana, elementos da natureza e objetos criados pelo homem, rompe com o formalismo criados pelo homem. Os artistas nunca tiveram tanta liberdade criadora, tão variados recursos de materiais em suas mãos. As possibilidades e os caminhos são múltiplos, as inquietações mais profundas, o que permite à arte contemporânea ampliar seu espectro de atuação, pois ela não trabalha apenas com objetos concretos, mas principalmente com conceitos e atitudes. Sentir é muito mais importante que a própria arte em si, que agora já não é o objetivo final, mas sim um instrumento para que se possa meditar sobre os novos conteúdos impressos no cotidiano pelas velozes transformações vivenciadas no mundo atual, são basicamente as teorias e cláusulas que sustentam a aparente hegemonia da arte contemporânea. E mais: a arte visual sofreu várias rupturas de acordo com seu tempo. Estamos caminhando por uma arte fluída que mostra o momento atual, globalizado, em que vivemos. A solidão do ser e seu desejo descartável e imediato de tudo. Onde tudo é passageiro, sem raízes, onde todos os pilares se desvanecem no ar. Artistas estão em contradição, não estão sabendo passar a mensagem ao observador. Querem impactar o observador. E depois do impacto seu trabalho se torna descartável. Observo que há dois lados. Como disse o escritor Monteiro Lobato: (- O dos que querem seguir os grandes mestres se preocupam em ensinar o processo e treinar o olhar do observador e, existe àquele que busca o status de artista e tem em sua cabeça romântica a ideia de que ele é meio que um mágico, um gênio criador.) Muitas vezes por estar ao lado da elite econômica ou integrá-la, com elevado status social, o aspirante a artista é convidado por alguém influente e expõe em galerias essa 14 produção que está dando o que falar, uma arte descartável, perecível, que apodrece e empurra a um público alienado que acaba por consumi-la sem reclamar. Fazem uma exposição com materiais perecíveis, fotografam e depois escrevem seus sentimentos, tudo isso patrocinado com dinheiro público.A seguir, passo às análises de alguns artistas e obras de representantes da arte conceitual, vertente supostamente hegemônica da arte contemporânea para, em seguida, confrontar com aquela vinculada à tradição pictórica. Começo citando o processo de trabalho do publicitário Vik Muniz (Figura 2) que consiste em compor imagens com os materiais inusitados para a confecção de suas obras. (Fig.2)VIK MUNIZ. Carlão – Imagem da série de lixo, 2008. Digital, 129,29 x 101,6 cm. 15 Vik Muniz realiza suas obras sobre uma superfície e as fotografa, normalmente perecíveis, cujos registros resultam no produto final de sua produção. As fotografias de suas obras fazem parte de acervos particulares e também de museus em Londres, Los Angeles, São Paulo e Minas Gerais. Em 2010, foi produzido um documentário intitulado “Lixo Extraordinário” sobre o trabalho de Vik com catadores de lixo de Duque de Caxias, cidade localizada na área metropolitana do Rio de Janeiro - uma boa publicidade sobre o quanto geramos de lixo. A filmagem recebeu um prêmio no festival de Berlim na categoria Anistia Internacional e no Festival de Sundance. Adriana Varejão com formação adquirida em cursos livres da Escola de Artes Visuais do Parque Lage usou, em 2000, a carne, as vísceras e o sangue para se tornarem vocábulos recorrentes em sua obra intitulada“Azulejaria verde em carne viva” (Figura 3). Chocou com sua exposição inusitada e seu status, hoje, cada vez ganha mais espaço nacional e internacional. (Fig.3) ADRIANA VAREJÃO. Azulejaria verde em carne viva, 2000. Óleo s/ tela e polurietano em suporte de alumínio e madeira, dimensão desconhecida. 16 É quando coloco em evidência que os opositores desse “vale tudo” a “qualquer preço” para chamar a atenção e franquear a inserção da arte e do artista, consideram que vários “artistas” estão participando de uma indecência exacerbada, nada mais nada menos que uma espécie de montagem artística.E, a pergunta que não quer calar é se há outro caminho sem recorrer ao apelo que considero alheio a arte? Seja artista romântico ou capitalista, este deve ser consciente, criativo, ousado, é claro! O artista deve buscar algo novo mas, que valorize a arte visual compromissado com a busca da permanência de sua criação, ainda que devemos considerar toda manifestação artística ou não importante, pois afinal são dados. Só que arte é uma coisa para além da mera propagação de mensagem ou ideia, e não basta ser publicidade, novidade. Como um dia já cantou Elis Regina: “O novo sempre vem, (mas nem tudo que é novo é bom e nem tudo que é velho é ultrapassado)”4. Precisamos refletir, expor sentimentos, retratar um momento, usar as ferramentas que temos; com consciência e conscientizar, contribuir com a educação a massa para que saiba entender o seu tempo, sua história, sua cultura e o mais importante é valorizar a arte e não o novo ou a novidade, como bem expressa Ferreira Gullar, senão vejamos: “O novo é por definição, conjuntural, circunstancial e efêmero. Conjuntural e circunstancial porque uma coisa só é nova em determinado momento e em determinadas circunstâncias, uma vez que o que é velho num momento e em certo contexto pode ser novo ao se transferir para outro contexto, decorre daí que o novo é efêmero. Mesmo porque seria uma contradição, em termos, imaginar-se um novo permanente, logo, o novo é uma qualidade externa (não essencial) às coisas, e a busca do novo pelo novo, uma empresa fútil. Não obstante, essa busca determinou em boa parte da atividade artística do século que finda. Como se explica isso? E se a busca do novo é futilidade, deve entãoa arte repeli-lo e submeter-se ao convencionalismo e ao conformismo? Essas perguntas já mostram que o assunto exige exame e reflexão”5. Ferreira Gullar fala ainda sobre as instalações em galerias de Arte: “Estive em Paris e fui ao Museu de Arte Moderna. Só vale pelo acervo de obras realizadas até a década de 40. Depois disso. Nada vale a pena. O museu está vazio. Ninguém vai lá. Tinha até uma exposição da Yoko Ono, que só fazia besteira também. Mas mesmo assim estava vazio. Só está lá porque ficou famosa depois que casou com o (ex-beatle John Lennon). É inacreditável ver os diretores do museu convidando esse tipo de gente para expor. O resultado disso é que ninguém vai lá ver a exposição. Já o Louvre recebe multidões de pessoas. Assim como o Museu Picasso. Antigamente, Leonardo da Vinci sentia-se orgulhoso por ter mestres, e quando, em Milão, encomendaram a escultura de um cavalo, ele saiu atrás de cada obra dos escultores anteriores a ele, para aprender e só então se aventurar a fazer a sua 4 Elis Regina.Álbum Falso brilhante -faixa “Como nossos pais”, 1976. 5 GULLAR, F. Argumentação contra a morte da arte, 1993, P. 41. 17 escultura. Na época moderna, ao contrário, ninguém quer ter mestres, todo mundo quer inventar a arte por si mesmo, todo mundo quer ser pai e mãe de si mesmo. Hoje, se você disser para qualquer pessoa que ela aprendeu alguma coisa com alguém, ela te dá um tiro, ela não aprendeu nada com ninguém, ela inventou tudo. Quer dizer: isso é o que essa pessoa pensa”6. Assim, assumo coincidir com a ideia de que vivemos um momento confuso. O artista deixou de ser um contestador para ser um provocador. Instalações, obras conceituais perecíveis, surgiram em oposição aos museus e ao mercado, com cobertura da mídia. Jornais e revistas repetiram as mesmas informações. Exaltando a diversidade brasileira. No espaço da arte contemporânea supostamente hegemônica, predominam valores que são construídos por interesses de Mercado. Um valor construído por pretensiosos que tentam parecer sofisticados, atribuindo sentido a algo que não possui sentido algum, restando questionar onde está o diferencial que deve prevalecer numa mensagem artística. “(...) hoje, literalmente, qualquer coisa pode ser designada como arte. O preço disso é o rompimento de um consenso tácito sobre o que é ou deve ser a arte. O sistema desliga-se assim da realidade e passa a operar num plano abstrato, virtual, puramente especulativo, sem qualquer lastro. A obra circula entre a instituição e o mercado, num vaivém infinito, ou melhor: a instituição é absorvida pelo mercado, na medida em que perde sua autoridade de legitimação autônoma da arte, desprendida de seu valor de troca”7. Como se desprende, o jornalista Luciano Trigo compartilha da mesma opinião de Ferreira Gullar e vai à luta defendendo seu pensamento, expressa no livro “A grande Feira” que é uma reação ao vale-tudo da arte contemporânea. O jornalista fala sobre os equívocos e contradições da arte contemporânea. Cita o caso da decomposição de Damien Hirst -um tubarão morto em um tanque de formol e o mesmo começou a decompor dois anos após(Figura 4); vendido para Steve Cohen por R$ 12.000.000 que virou a capa do seu livro, como metáfora para o presente momento que, segundo as palavras de Trigo não passa de um apodrecimento da arte. A decomposição, contudo, causou um pequeno alvoroço no mundo da arte, mas foi logo abafado. Artista e colecionador negociaram a substituição do animal original e não se falou mais do assunto e da arte produzida. 6VINICIUS, MARCELO. A arte contemporânea segundo Ferreira Gullar. Entrevista publicada em Artes e Ideia sem 2013. 7(TRIGO, L..A grande feira, pág. 86. 18 (Fig. 4) DAMIEN HIRST. Tubarão, 1991. Vidro, aço, solução de 5% de formaldeído,213 x 518 x 2013 cm. O crítico de arte, escritor e produtor de televisão Robert Hughes nos diz que na arte não há progresso, somente flutuações de intensidade. Para Luciano Trigo a jogada mais radical nessa mesa de xadrez foi feita no início do século XX por Marcel Duchamp com seu famoso urinol, quando assume uma atitude antiarte e se apropria de objetos já feitos. Em 1917, ele expõe sua obra intitulada A Fonte (Figura 5), e assinou com o pseudônimo R. Mutt, no qual se tratava de um simples e comum urinol branco invertido. Com esta atitude provocativa, Duchamp acabou estabelecendo um debate entre Arte e Conceito, onde dizia que para ser um artista não era necessário ter um dom ou habilidade para produzir belíssimas pinturas ou esculturas, e sim apresentar a todos algo totalmente diferente, novo e inesperado. Robert Hughes produziu o documentário "El impacto de lo nuevo 25 años despues" (BBC, 2004), que foi concebido tendo como base um ensaio de oito capítulos sobre pintura, 19 arquitetura e outras formas de arte produzido em 1979. Um panorama sobre os temas culturais dos últimos 100 anos. Com o slogan de um olhar sobre o passado para (re)pensar o presente, aspirando um futuro para poder, de uma maneira crítica, reexaminar algumas demandas da Arte Moderna, em meio a uma sociedade líquida, onde tudo passa com velocidade extrema. (Fig. 5)MARCEL DUCHAMP. A Fonte, 1917. Cerâmica, 61 x 36 x 48 cm. 20 Em sua análise, o crítico faz um recorte de tempo entre a Torre Eiffel (Figura 6), símbolo de "uma nova era", e a queda das Torres Gêmeas (Figura 7), em Nova Iorque, logotipo de um mundo capitalista. A torre francesa marca o início da era moderna; já a queda das torres nova-iorquinas assinala seu terrível final. Nesse arco de tempo tantos outros acontecimentos marcaram a humanidade: duas guerras, holocausto, etc. A humanidade se viu amedrontada frente a tais acontecimentos. Uns reagiram, outros, impactados, se deixaram levar pela inércia. (Fig. 6)TORRE EIFFEL (Fig. 7) TORRES GÊMEAS Ainda no documentário produzido pela BBC, Hughes questiona o valor estético da obra Guernica de Picasso (Figura 8), mas ressalta ser a última grande pintura política destinada à reflexão que apresento abaixo. Mas, por vezes, essa reação se provém de subjetividade exacerbada. Em seu conceito, atualmente as pinturas não retratam guerras e sim as fobias 21 pessoais dos artistas. Impactam o espectador com um golpe imediato. Os artistas, para evidenciar sua existência, produzem imagens comprovadamente vendidas. Diante disso, será que a arte perdeu sua força de reação? (Fig. 8) PABLO PICASSO. Guernica, 1937.Óleo s/ tela, 349 x 777 cm. Andy Warhol (Figura 9). Ele converteu a arte num negócio, produzindo supostas novidades. A moda era protagonista naquela arte repetitiva e cafona – adjetivos aplicados por Hughes. Suas obras seguiam a sensação de saturação e anestesia advinda dos meios de comunicação de massa. Marylin Monroe se convertera numa paródia grotesca da Virgem Maria no desejo por uma cultura laica. E tais obras rapidamente foram incluídas no repertório visual universal. 22 (Fig. 9) ANDY WAHROL. Gold Marilyn Monroe, 1962. Serigrafia e polímero sintético s/ tela, 221,4 x 144,7 cm. Jeff Koons, o mais famoso artista americano vivo, influenciado pelos ready-made de Duchamp, iniciou a carreira metendo em caixas transparentes objetos desde enceradeiras à bolas de basquete.Em seguida, produziu obras em aço inoxidável. A instalação de Jeff Koons de 1981 cria uma vitrine para a vida doméstica americana. Jeff Koons passou por telas de teor pornográfico, o sexo é tema comum em sua obra. Fez seus ajudantes pintarem réplicas exatas de anúncios sem propósitos. Como Warhol, pinta ícones da cultura 23 pós-moderna que parecem souvenires gigantes. Faz o mesmo com a religião, considerada uma apoteose irreversível. Utiliza objetos da sociedade de consumo para recriar novos objetos de consumo. (Figura 10). Lembra um presente para o Dia dos namorados, do Dia das mães, etc. (Fig.10) JEFF KOONS. Hanging Deart, 1994. Aço inoxidável com pintura de cor transparente e fita amarela, 269,2 x 215,9 x 101,6 cm. Hughes fala sobre o mercado de arte apontando o problema sobre valorização da 24 obra. Em seu conceito, os altos valores retiram a obra de arte dos olhos do público e as confina ao cofre de um milionário qualquer, que às vezes a tem como investimento. O resultado desta ação é uma ocultação visual da obra que equivale a um vandalismo espiritual, uma obscenidade cultural. É essa uma prática comum ao colecionador. Não há como negar que tantas obras chegaram até nós por meio do colecionismo. Inúmeros museus têm em seus acervos coleções como empréstimo. Mas essa é uma prática possível a poucas pessoas, o que torna a arte um privilégio à parte por afastar do público o compromisso intrínseco do artista, qual seja a doação permanente de sua sensibilidade e "(...) compromisso com o belo e manifestação da beleza de que tanto necessita a humanidade, nas imagens que a rodeia"8. Em breve paralelo, nos cabe citar e analisar alguns artistas que permaneceram fiéis à uma tradição pictórica e que vem sendo alvo de ligeiras confrontações. Algumas trajetórias os colocam à margem da linha sustentada pela suposta hegemonia da produção artística, é o Antonio López (Figuras 11), em cuja obra pintura e tradição permanecem amalgamadas. (Fig. 11). ANTONIO LÓPEZ. Madrid desde Torres Blancas, 1974.Óleo s/ madeira, 156,8 x 244,9 cm. 8 Notas de aula na disciplina PROJETO ARTÍSTICO. Prof. Fábio De Macedo, 2015. 25 Lopez é pintor e escultor portador de um rigor técnico e procedimental a serviço da representação da realidade visual ou do mundo visível de seu entorno, o que o faz contrastar com os ismos que se estabeleceram ao longo do século passado. Antagonista da pretensa hegemonia da arte contemporânea, carrega a faixa de artista mais cotizado no mercado de arte espanhol.Outros notáveis exemplos, podem ser recolhidos em alguns artistas gestados pela Escola de Londres, sobretudo Francis Bacon, Lucien Freud e Paula Rêgo (Figuras 12, 13e 14). (Fig. 12) FRANCIS BACON. Figura na pia, 1976. Óleo s/ tela, ´198 x 147,5 cm. Pelo caminho do hiperrealismo, a natureza é quase que transformada em suporte. 26 Hughes, ainda no documentário produzido pela BBC em 2004 visita a obra de Lucien Freud(Figuras 13), grande nome dessa estética. Freud pinta o corpo humano de figuras do seu entorno de maneira a tornar a experiência visual em algo inquietante. A pincelada é espessa, quase rugosa; o trato cromático, rico de matizes, revela tons suaves, expondo a expressão de suas figuras. A natureza é tratada com grande semelhança. Porém, o retrato da realidade causa estranheza. Seus temas perturbam. Uma pintura figurativa que incomoda o olhar e o espírito. (Fig. 13). LUCIEN FREUD. Anabel dormindo, 1987. Óleo s/ tela, 38,7 x 55,9 cm Sobre os excêntricos que decretam a morte da pintura, Hughes comenta ainda que a 27 exposição de Lucien Freud é a triunfante reivindicação de seu direito, de seu vigor em continuar existindo. Apesar de que arte mantém uma tarefa mais humilde e a aura do pintor passa sobreviver com uma luz baixa se comparada ao do gênio percebido até a reprodutividade da imagem ocasionada pela tecnologia, em mas igualmente difícil frente ao ímpeto de revolução propagada há uns 100 anos: “sua sobrevivência está pendente de ser um diferencial consequente do compromisso com o belo e manifestação da beleza de que tanto necessita a humanidade, nas imagens que a rodeia”9.Também em sentido oposto à suposta hegemonia da arte contemporânea, a pintora portuguesa Paula Rego vai dizer que toda pintura é uma narrativa. (Fig. 14) PAULA RÊGO. Entre mulheres, 1997. Óleo s/ papel montado em alumínio, 170 x 130 cm. Autora de uma obra enigmática, pinta sob a perspectiva crítica e social, mostrando 9 DE MACEDO, F. Notas de aula na disciplina Projeto Artístico, 2015. 28 situações de mazelas e poder: aborto, ditadura, opressão etc. Sua obra revela que para ter valor não precisa impactar instantaneamente e para ser contemporânea não deve se submeter ao sistema. Devido a essa força social é que a obra de Paula Rego não pode ser tirada de circulação, o que privaria o público do contato com ela. Na mesma senda, destacamos ainda outros nomes cuja trajetória colaboram com a existência de uma linha alternativa à pretensa hegemonia da chamada arte conceitual; só pra citar aqueles mais próximos aos nossos dias, como o equatoriano Oswaldo Guayasamín (Figura 15). (Fig. 15) OSWALDO GUAYASAMIN. Ternura, 1989.Óleo sobre tela, 135 x 100 cm. 29 Após ampliar seus conhecimento com o muralista Diego Rivera, adotou os temas identificados com os povos nativos da América Latina se entregando a uma arte engajada, mantendo-a compromissada com a busca da redenção daqueles povos. Sua ligação com a Revolução Cubana e o governo Fidel Castro dificultaram o pleno reconhecimento da produção artística ocidental, ainda que tenha alcançado parciais resultados da crítica e daqueles governos que lhe encarregaram importantes obras monumentais.Outro caso de dissonância com as vozes pretensamente hegemônicas na arte contemporânea vem do colombiano Fernando Botero(Figuras16).Dono de uma obra de que atinge exorbitantes cifras no mercado internacional de arte, o artista se mantém fiel à tradição dos recursos e procedimentos pictóricos e escultóricos, empregando-os a favor da distorção dos personagens em suas obras. (Fig. 16) FERNANDO BOTERO, Still life with green soup, 1972. Óleo sobre tela, dimensão desconhecida. 30 No caso brasileiro, podemos destacar alguns exemplos da permanência da tradição artística através de célebres artistas, como Reynaldo Fonseca, Lydio Bandeira de Mello, Claudio Valério Teixeira, Gil Vicente(Figuras 17, 18, 19 e 20). Em uma análise global, os identificamos como típicos portadores da tradição artística disseminada pelas academias de belas artes que se sucederam em terras brasileira, iniciadas pela Missão Artística Francesa de 1816. (Fig. 17) REYNALDO FONSECA, Menino com pássaro, 2003. Óleo sobre tela, 43 x 38 cm. 31 Com um ligeiro passar de olhos, identificamos nas obras desses artistas brasileiros elementos que permitem identificá-los como umaprodução que resiste às intempéries da pretensa hegemonia da arte contemporânea. Tais exemplos, representam, portanto, os antagonismos a qualquer tentativa de dar hegemonia a produção artística atual. Não há como negar a presença e sobrevivência de uma vertente artística alimentada pela tradição que foi gestada historicamente pela humanidade. (Fig. 18) LYDIO BANDEIRA DE MELLO.O contador de histórias, 1994. Têmpera, óleo s/madeira, 154 x 140m. 32 Tais exemplos permitem reexaminar a produção artística sob uma visão crítica da própria crítica, identificando uma dissonância reprimida no uníssono amplamente sustentado pela historiografia da arte contemporânea, o que permite tipificar de complexa e heterogênea a produção artística contemporânea. (Fig. 19) CLAUDIO VALÉRIO TEIXEIRA, Natureza morta com fukushima ao fundo, 2011, Óleo sobre tela, 120 x 160 cm. Por conta disso, a arte de hoje exige, cada vez mais do artista, uma resposta. Cabe a ele escolher o que enfrentar ou deixar “passar batido”, por assim dizer. Por mais dividida que seja a realidade dos dias atuais, o artista é um, entre os agentes sociais, pronto e disposto a 33 repensá-la. Num mundo em que vivemos bombardeados por imagens, é preciso um criterioso modo de seleção daquilo que vemos. (Fig. 20) GIL VICENTE. Inimigos, George Bush, 2005. Carvão e crayon sobre papel, 200 x 150 cm. David Hockney (Figura 21)soube como poucos exercer a maestria da estilização. Avançou também com a fotografia. Suas aquarelas são feitas diretamente sobre o papel, sem 34 desenhos prévios. Ele optou pela busca da simplificação. Contudo, Hockney, coincidindo com a tradição pictórica, acredita que a pintura possui uma realidade para além da fotografia, ou seja, uma realidade subjetiva no sentido que a visão periférica alcança mais espaço que o enquadramento da lente. (Fig. 21) DAVID HOCKNEY, A big splash, 1967. Acrílico sobre tela, 96 x 96. 35 O aparente descaso que vem se colocando ultimamente para com as técnicas tradicionais, sobretudo com o desenho como base para todas as técnicas e linguagens das artes visuais, visto como algo essencial da profissão para os antagonistas da suposta hegemonia da arte contemporânea, revela apenas, em meu entendimento, o fim da hegemonia da formação artística. Tal orientação decorre, em parte, da crença de que a fotografia e a TV, assim como as novas mídias, dão conta da realidade e da emoção de forma mais eficiente. Tais linguagens, em meu entendimento, são, de fato, novas vias, mas, nunca serão estrada única para a cultura e a sociedade e, sobretudo, para o conhecimento. É preciso ficar claro que em outro flanco sobrevivem defensores, com a mesma determinação, sustentando que as linguagens tradicionais, sobretudo desenho e a pintura, nos colocam em relação profunda com o objeto. Não podemos ignorar que para a Renascença, movimento cultural que elevou as belas artes ao patamar de conhecimento elevado, o desenho era a prova de verdade do quanto necessitamos de uma arte. O princípio e a ideia dos meios de comunicação de massa é buscar o imediatismo, que é aceito pela massa por sua simplicidade e facilidade, dessa forma seduz o indivíduo levando-o ao consumismo frenético, o tornando individualista, livre de crenças e solitários. Não podemos deixar que a característica desse nosso tempo seja o cabeça quadrada, mas vale acreditar que estamos em pleno período da conscientização. Diante da responsabilidade que pesa sobre o artista frente ao seu tempo, uma pintura não precisa ser necessariamente figurativa. Há espaço para obras de cunho abstrato. Como as obras com linhas retas e cores primárias de Piet Mondrian (Figura 22), “A imagem do moderno”. 36 (Fig. 22) PIET MONDRIAN, Composição C, 1920, Óleo sobre tela, 60 x 60 cm. Outro exemplo nos dias de hoje, é Sean Scully (Figura 23). Não há em suas formas a preocupação com o limite, embora as áreas de cor sejam bem estabelecidas. Seu estilo é reflexivo, evocando serenidade. Pensa em algo "espiritualmente potente". A arte abstrata não está vinculada a um tempo; ela busca a harmonia e a elegância. “Saiu-se do terreno da representação para o da presentação”10. 10 Gullar, F. Argumentação contra a morte da arte,1993. Pp.23. 37 (Fig. 23) SEAN SCULLY. Enter Yellow, 1999. Óleo sobre tela, 213,5 x 162, 5 cm. Uma das razões abordadas por Hughes para sentenciar a morte da arte é a novidade. Sobre esse "valor" da arte contemporânea, Ferreira Gullar também trata no livro "Argumentação contra a morte da arte". No capítulo “A questão do novo”, põe em discussão o pressuposto da ruptura, tão presente nas conversações sobre pós-moderno. A originalidade minando a tradição. Enquanto no passado era comum aprender arte copiando os grandes mestres, na atualidade, a busca da originalidade começa a minar a obediência aos modelos clássicos. Após impactar o espectador, que nesse contexto recebe a denominação de 38 "fluídor", essa “arte” perde seu brilho e torna-se um 'elefante branco'. Gullar cita a obra de Leonardo da Vinci “A Virgem, o Menino Jesus, Sant'Ana e S. João Batista” (Figura 24), hoje na National Gallery, de Londres, como exemplo de obra que não perdeu seu caráter original. Diz ele que tanto o tratamento de claro-escuro quanto a composição piramidal (os rígidos retratos em perfil e o agrupamento de figuras numa grade horizontal no primeiro plano da pintura deram lugar a uma “configuração piramidal”, mais tridimensional. Essa composição simétrica alcança o clímax no centro) foram fatores internos e necessários para que a obra acontecesse. Assim, é contundente crer que as inovações implementadas por Leonardo somente sobreviveram ao tempo por serem interior à obra de arte. Sem elas a obra deixaria de existir. Na pós-modernidade a obra deixa de existir no exato momento em que perde sua estrutura externa. Mondrian entendia que a arte se tornaria dispensável à medida que o homem encontrasse seu equilíbrio. Segundo Fischer isso é impossível, pois a arte nunca desaparecerá. A necessidade de se sentir um homem total, uma plenitude impedida pelas limitações humanas, faz o homem não se satisfazer com a sua própria existência, logo busca algo que o eleve da simples condição de humano. Desejamos ser mais que mera existência. Neste sentido, a arte é o meio indispensável para esta união do indivíduo com o todo. O artista deve transformar a experiência em memória e a memória em expressão. “(...) Se fosse da natureza do homem o não ser ele mais do que indivíduo, tal desejo seria absurdo e incompreensível, porque então como indivíduo ele já seria um todo pleno, já seria tudo o que era capaz de ser. O desejo do homem de se completar indica que ele é mais do que um indivíduo... A arte é o meio indispensável para essa união do indivíduo com o todo; reflete a infinita capacidade humana para a associação, para a circulação de experiências e ideias”11.11 FISCHER, E. A necessidade da Arte, 1987. Pp. 13. 39 (Fig. 24) LEONARDO DA VINCI. A virgem e o menino com Sant'ana, 1915. Óleo sobre madeira, 168 x 112 cm. Todos nós fantasiamos com o sucesso, buscamos aplausos, queremos ser importantes em alguma área profissional. Nas artes visuais não poderia ser diferente, desejamos profundamente viver do nosso trabalho e sermos reconhecido como alguém de talento em nosso campo de atuação. O que fazer para ser notado? Pra começar conhecer a linguagem da arte, a história da arte, os procedimentos da arte. Entender o momento da arte, sem esquecer toda carga que a arte nos trouxe até aqui, se sentir responsável pelo legado. Para tanto, é preciso saber que o artista não é uma máquina e sim um ser sensível, que sabe expor seus sentimentos de forma sublime e única. 40 Na busca da produção de fatos e espetacularização, a produção contemporânea se baseia ainda na ideia da transgressão de valores, consoante com a resignação da própria arte e do conceito. Para tanto considera válido qualquer tipo de transgressões, como aquelas de ordem moral e sistemas de crença, como recurso para atrair a atenção. Exemplo desta vertente é o caso do artista australiano Luke Sullivan fez uma escultura da Virgem Maria de burca, enquanto sua conterrânea Piscilla Bracks em agosto de 2007 conseguiu seus 15 minutos de fama expondo um quadro que fundia as imagens de Jesus Cristo e Bin Laden, (Figuras 25 e 26). Típico exemplo da citada transgressão, no Rio de Janeiro, em 2000, a falecida Marcia X (Figura 27),de camisola, usa terços para desenhos de pênis no chão. Ocupando uma área determinada, enquanto o público acompanhava o desenvolvimento do trabalho 41 “Pênis-crucifixo” causou tantos protestos que obrigou a direção do Centro Cultural Banco do Brasil a retirar a peça da Exposição Erótica “Os sentidos da Arte”. Como explanado em linhas anteriores, é esse um típico caso em que o produto está muito mais relacionado com a publicidade do que com a arte, pois chama atenção da mídia; baseada na provocação, mais do que na pretensão autoral, a esquisitice e a extravagância planejada se fixaram como um dos padrões do pluralismo pós-moderno. (Fig. 27) MÁRCIA X.Pênis Crucifixo, 2000. Terços de plástico, dimensão desconhecida. Na mesma linha de desvio da obra de seus valores próprios, ou seja, artísticos, cabe mencionar a artificialidade que acaba por sustentar a obra e/ou o artista por outras vias, como é o caso de mecanismos externos, manipulados pelos agentes da produção artística e sua rede 42 de influência, como menciona Luciano Trigo: “A cotação de uma obra não tem mais qualquer relação com suas qualidades intrínsecas, mas sim com os lugares por onde passou, com quem a justificou, dos marchands e galerias aos grandes museus, tudo orientado para a valorização e o lucro. Sintomaticamente, o foco das discussões sobre arte passou da estética para a matemática financeira. É assim que se fabricam os mitos. Ironicamente, muitos artistas contemporâneos, como serrano, passaram a se parecer com os santos: somente com muita fé (ou deliberada má fé, no caso dos agentes do mercado) se pode acreditar no valor das suas produções”12. Nasce, dessa maneira, um artista mescla de gabinete e ativista, pendente de produzir fatos em meio a uma influente rede de contatos que seja capaz de catapultar sua produção ao êxito. Nessa linha, se afasta cada vez mais do domínio técnico e procedimental artístico, avançando a um perfil capaz de abraçar a lógica de captação dos recursos necessários para promover qualquer que seja o produto que esteja capacitado à produzir. Seduzido por um caminho sem volta, este artista gasta, cada vez mais, sua energia desviado para uma função artificial à criação artística, mais ligada ao mundo da publicidade. Repelido da criação artística para responder outras demandas, esse artista vem cada vez mais ocupando-se a coordenar, negociar, organizar, articular, defender ou sustentar retoricamente ideias junto aos agentes da produção, se empata quase que integralmente de buscar a inserção de suas obras-ideias ainda que estas não tenham qualquer preocupação com a qualidade ou carregue os signos dessa premissa. É triste pensar que "A fonte" vai completar 100 anos e ainda hoje esta atitude antiarte endossa a ideia e Marcel Duchamp transformando artistas em regressistas. A arte Conceitual é ruim. Não enriquece nossa cultura, degrada e empobrece nossa sociedade ao exaltar o vulgar, o grosseiro. E as pessoas que a promovem estão impedindo a massa de conhecer a obra de arte produzida por artistas verdadeiros e talentosos. 12 TRIGO, L.A grande feira, pág. 228. 43 5 - CONCLUSÃO Nesse trabalho de conclusão de curso de graduação em Belas Artes na UFRRJ, enfoquei o comportamento da produção artística que se apresenta como hegemônica nos dias atuais. Para tanto, realizei um breve rastreio na história da arte, da Arte Rupestre aos dias de hoje e reuni alguns autores cujos aportes teóricos acredito contribuir para aquilatar o papel e a função das belas artes ou artes visuais, diante dos (des)caminhos que a produção artística vem percorrendo em conflito com a permanência daquela identificada como tradição artística, sobretudo no campo da pintura. Nessa perspectiva, o presente estudo visa compreender a arte contemporânea, para o que analisa a produção artística a partir de um conjunto de obras e seus artistas, agrupando-os em duas vertentes antagônicas:uma identificada com a tradição e a outra,com a ruptura. Neste flanco, o estudo desvela o processo de espetacularização desviando a aspirante a obra dos valores intrínsecos da arte, estratégia que embaralha e dificulta a avaliação isenta e veloz, devido a quantidade de luzes difusas que ofuscam a identificação das qualidades que a obra deve ser portadora. Em outro flanco, apresentamos pintores e obras recentes que demonstram a permanência da tradição nos dias atuais, marcados pelo desnecessidade de espetacularização. Minha inquietação reside no que pondero como desvio da criação artística nos dias atuais, uma encruzilhada colocada como considerável obstáculo à capacitação daqueles artistas que desejam ou necessitam desenvolver sua poética em uma das linguagens autônomas, como a pintura, desenho, gravura, escultura; desenvolver o potencial criador em uma delas não é algo que acontece da noite para o dia na vida de um artista. Pelo contrário, alcançar uma boa formação artística é necessário tempo e enfrentar os fracassos. Nessa perspectiva, tratei de investigar alguns paradigmas que se apresentam para o artista contemporâneo, como o choque do novo, na relação do artista com a produção. Ao examinar a arte no Brasil abordei os limites que separam a publicidade e a arte, com vistas a compreender as rupturas que a inovação causa em nosso pensamento, questionando até que ponto alguns trabalhos examinados são verdadeiramente artísticos, pois apesar dos mesmos 44 trabalharem com o fenômeno da visualidade, não encontrei vestígios dos ingredientes plasticidade ou emoção para além do cultural, do inusitado, do chamamento de atenção, ou seja, da citada espetacularização. São questões que permanecem em análise constante, para além do tempo presente, diante da insegurança de critérios estabelecidas nos tempos atuais. Aqui, indico a continuidade de se estudar o objeto deste trabalho, qual seja a arte dos dias atuais e seus critérios, quando seja possível examiná-lo constantemente com rigor eimparcialidade pelas atuais e futuras gerações, sempre que menos compromissadas com interesses daqueles que hoje comandam a produção artística. Ao centrar a pesquisa em algumas fontes, como no livro “Argumentação contra a morte da arte” em que Ferreira Gullar apresenta o novo imaginário crítico ocorrido após o impressionismo que passou a influenciar a contemporaneidade. Contando com a própria necessidade do sistema capitalista em tornar tudo consumível e descartável. É quando evoco a preocupação do autor, quando opina que houve uma desconstrução da linguagem artística em que não há mais o que ser destruído, levando-a a caminhos de destruição. Fundamentais contribuições que embasaram esse estudo vieram do documentário “El impacto de lo nuevo, 25 años despues”, quando lembra que as pessoas necessitam da beleza da arte, como uma forma de silêncio e contemplação, um meio que mostre que há mais vida além do cotidiano. Estas análises resgatam a ideia de que a arte é uma necessidade humana, apesar de sua aparente decadência. É quando coincide com Ernst Fischer quem, em seu livro “A Necessidade da Arte”, expressa que a arte é tão necessária pelo seu potencial de mudar o mundo e incitar a ação reflexiva quanto pelo seu potencial de mudar o homem ao incitar a imaginação emocional. Outro ponto decisivo em nossa análise vem das contribuições do jornalista Luciano Trigo quando levanta sobre o vale tudo da arte contemporânea, fazendo revelações contundentes sobre as estratégias e artifícios manejados pelos artistas e produtores desse mundo fechado em torno da produção artística contemporânea. Seus estudos remetem no intuito de alertar mentes alienadas a parar um pouco e refletir mais sobre o valor da arte visual para o ser humano e a importância e sentido da arte em nossa história. O estudo levantou os problemas consequentes da preocupação dos artistas por manter-se em evidência num mercado cada vez mais competitivo, onde muitos optaram por 45 chamar a atenção da mídia com jogadas de marketing periódicas. Usando todo tipo de ferramentas para alcançar seus objetivos, nos coloca, seja enquanto investigador, crítico ou artista, vigilantes e compromissados com a responsabilidade de avaliação crítica de forma periódica. Em contraposição, o estudo levantou artistas e obras que atestam a coexistência imune da tradição artística, analisando alguns pintores e obras, afastando a pretensa hegemonia da produção artística contemporânea, tendo em vista o quadro de complexidade que se desvela. O estudo dá visibilidade a permanência de artistas imunes àqueles estratagemas que consideram externos à arte, como são alguns artistas das mais variadas matizes. Para tanto, o trabalho rebateu a visão hegemônica da produção artística atual, empurrada pela teoria, a crítica e meios de comunicação, controlada pelos principais agentes da produção dando sustentação a artificial sensação de supremacia que gera uma suposta supremacia do conceito sobre os valores intrínsecos da obra na criação artística, tapando o que hora nos ocupamos por desvelar, qual seja a existência de um quadro de diversidade. Assim, concluo que a persistência de um artista compromissado em esmerar sua produção pendente dos fundamentos da tradição artística evidenciam o grau de complexidade da criação e da produção artística, e caracteriza um quadro de complexidade e heterogeneidade diante de pretensas teorias hegemônicas que tentam reduzir a arte contemporânea. Antes de finalizar, creio que este trabalho contribui para resignificar a arte contemporânea, sinalizando suas contradições e complexidades, onde a tradição é permanentemente inquerida sobre sua pertinência ou não na produção artística, num ringue onde a incessante busca do novo, da ruptura, que produz a espetacularização mais forte do que nunca, por um lado. Por outro, o estudo mostrou a permanência da tradição imune a toda classe de investidas depredatórias de grupos organizados e detentores de influências que produzem uma espécie de “La dolce vita” da produção artística nos dias atuais. Dessa forma convido o leitor compromissado com o processo criativo responsável em ser um ativista para semear em escolas espaços de criação, de troca, de ensinamentos, de análises e diálogos a fim de reforçar a poesia e alimentar a imaginação. Precisamos ter a 46 capacidade crítica de consumo para que tenhamos qualidade. Por fim, concluo este estudo com uma frase de um autor que nos legou memoráveis contribuições nos mais variados campos do conhecimento. Artista de todos os tempos, sua visão interdisciplinar potencializa seus aportes no campo da arte, mais particularmente da Arte da Pintura, cuja obra nunca, jamais envelhecerá, foi Leonardo da Vinci quem proferiu a seguinte frase: "Não desprezes a pintura - pois estarás desprezando a contemplação apurada e filosófica do universo"13. 13CAMPANI, Raul. A Função da Arte II, 2013. 47 6 - BIBLIOGRAFIA: 6.1. Livros: AMARAL, ARACY. Arte para que?: A preocupação social na arte brasileira, 1930 - 1970. São Paulo: Ed. Nobel, 1987. DE MACEDO, Fábio - Campofiorito e a questão da arte menor. Dissertação de mestrado em Ciência da Arte, 2000. CARVALHO, Eide: O Pensamento Vivo de Da Vinci. São Paulo; Editora Martin Clarte, 1986. FISCHER, Ernst. A Necessidade da Arte. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1996. GULLAR, Ferreira. Argumentação contra a morte da arte. 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