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6 - ESCOLA DA AGU - CORTES INTERNACIONAIS

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Publicações da Escola da AGU 
Publicações da 
Escola da AGU Brasília v. 10 n. 01 p. 1-384 jan./mar. 2018
volume 10 - n. 01 - Brasília-DF, jan./mar. 2018
ISSN-2236-4374
Publicações da Escola da AGU 
II Curso Cortes Internacionais e 
Constituições: princípios, modelos e 
estudo comparado
Os conceitos, as informações, as indicações de legislações e as opiniões expressas nos artigos 
publicados são de responsabilidade exclusiva de seus autores.
 
 Brasília: EAGU, 2012. mensal.
A partir do ano III, n. 8 passou a ser periódico bimestral, a partir do ano IV, nº 14 
periodicidade mensal e a partir do ano VII v. 39 periodicidade trimestral.
A partir de 2016, houve alteração no número dos exemplares. A Revista receberá 
numeração 1-4 em todos os volumes subsequentes.
ISSN 2236-4374
1 - Direito Público - Artigos - Brasil I. Título. II. Série.
CDD 340 . 5
CDU 34 (05)
Publicações da Escola da AGU
Escola da Advocacia-Geral da União
Ministro Victor Nunes Leal
SIG - Setor de Indústrias Gráficas, Quadra 06, lote 800
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Ministra Grace Maria Fernandes Mendonça
ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO - SUBSTITUTO
Paulo Gustavo Medeiros Carvalho
DIREÇÃO GERAL DA AGU
 Paulo Gustavo Medeiros Carvalho Secretário-Geral de Consultoria
 Izabel Vinchon Nogueira de Andrade Procuradora-Geral da União
 Fabrício da Soller Procurador-Geral da Fazenda Nacional
 Marcelo Augusto Carmo de Vasconcellos Consultor-Geral da União
 Cleso José da Fonseca Filho Procurador-Geral Federal
 Isadora Maria Belem Rocha Cartaxo de Arruda Secretária-Geral de Contencioso
 Altair Roberto de Lima Corregedor-Geral da Advocacia-Geral da União
 Cristiano de Oliveira Lopes Cozer Procurador do Banco Central
 Maria Aparecida Araújo de Siqueira Secretária-Geral de Administração
 Francis Christian Alves Scherer Bicca Ouvidor-Geral da Advocacia-Geral da União
ESCOLA DA AGU
 Diogo Palau Flores dos Santos Diretor
 Douglas Henrique Marin dos Santos Coordenador-Geral de Ensino 
 Eduardo Fernandes de Oliveira Coordenador-Geral Administrativo
EDITOR RESPONSÁVEL
Diogo Palau Flores dos Santos
CONSELHO EDITORIAL
Douglas Henrique Marin dos Santos: Escola da AGU Ministro Víctor Nunes Leal
Adriano SantAna Pedra: Procuradoria Federal do Espírito Santo
Carlos Marden Cabral Coutinho: Procuradoria Federal de Minas Gerais
Karine de Aquino Câmara: Procuradoria Federal do Pará
 Diagramação/Capa: Niuza Lima/Gláucia Pereira 
Sumário
Apresentação .......................................................................................................... ..........7
Irretroatividade dos Efeitos da Nova Jurisprudência sob a Ótica da 
Corte Europeia de Direitos Humanos
Non-retroactivity of the New Case law From the Point of iew of the European 
Court of Human Rights
Adriano Sant’Ana Pedra
Gustavo Cabral Vieira ....................................................................................................... 9
Aspectos do Controle Concorrencial na União Europeia e no Brasil
Aspects of Competition Control in the European Union and in Brazil
Ana Claudia Ferreira Pastore
Fábia Mara Felipe Belezi ..............................................................................................25
A Corrupção Sistêmica como Grave Ofensa aos Direitos Humanos
Systemic Corruption as a Serious Violation of Human Rigths
André Gustavo Vasconcelos de Alcântara
Murilo Strätz ...................................................................................................................41
O Tribunal de Justiça da União Européia e a Aplicabilidade do Direito 
Comunitário em Âmbito Interno
The European Union Court of Justice and the Aplicability of the Community Law
Carlos Marden
Adriana Albuquerque .......................................................................................................57
O Direito Fundamental à Previdência Social à Luz da Jurisprudência 
da Corte Europeia de Direitos Humanos
The Fundamental Right to Social Security Under the Jurisprudence of the 
European Court of Human Rights
Carmen Silvia Arrata
Juliana Munhoz da Cunha Marques .............................................................................71
Representatividade de Gênero e Composição dos Tribunais no Cenário 
Internacional
Representativeness on Gender Equality and Composition in Courts on the 
International Scenery
Clara Marcelle Alves Meneses
Natalia de Melo Lacerda ................................................................................................85
Precedentes Judiciais no Sistema Constitucional Brasileiro: direito 
romano-germânico e common law em crescente aproximação
Judicial Precedents in the Brazilian Constitutional System: the increasing approach 
of the roman-german law and the common law
Daniela Gonçalves de Carvalho
Marcus Vinicius de Albuquerque Portella ....................................................................101
O Posicionamento da Corte Europeia de Direitos Humanos sobre a 
Violação ao Princípio da Duração Razoável do Processo
The position of the European Court of Human Rights about the Principle of 
Reasonable duration of the Proceedings
Denise Oliveira Floriano De Lima ..............................................................................113
O “Rule of Law” no Estado Islâmico: “Sharia” 
Islamic State’s Rule of Law: ‘Sharia’
Diego Calandrelli ...........................................................................................................127
Breve Paralelo Entre a Corte Constitucional Italiana e oTribunal 
Constitucional Federal Alemão 
A Brief Comparison Between Italian Constitutional Court and German Federal 
Constitutional Court
Elise Mirisola Maitan ...................................................................................................141
A Implementação de Políticas Públicas em Decorrência das Decisões 
dos Sistemas Regionais Europeu e Interamericano de Direitos 
Humanos
The Implementation of Public Policies as a Result of the Decisions of 
the European and Inter-American Regional Systems for the Protection of 
Human Rights
Fabiana Guancino Persicotti
Natalya Maria Sales Caboclo .......................................................................................155
Os Subsistemas Internacionais de Proteção de Direitos Humanos no 
Âmbito da Europa e das Américas como Mecanismos de Promoção e 
Proteção Multinível dos Direitos Humanos
International Subsystems for Protection of Human Rights in Europe and Americas 
as a Promotion and Multilevel Protection Mechanisms of Human Rights
Fátima Sibelli Monteiro Nascimento Santos
Geruza Ribeiro do Espírito Santos ..............................................................................171
A Suprema Corte Americana e o Writ of Certiorari
The Supreme American Court and the Writ of Certiorari 
Fernanda Mattar Furtado Suriani .............................................................................187
Cortes Constitucionais e Votos Divergentes (“Dissenting Opinions”): 
em direção a uma corte mais democrática e transparente?
Constitutional Courts and Dissenting Opinions: towards a more democratic and 
accountable court?
Flávio Novaes Outani ...................................................................................................207
A Democratização da Jurisdição Constitucional enquanto Proteção 
dos Direitos Fundamentais no Século XXI
The Democratization of Constitutional Jurisdiction While Protection of 
Fundamental Rights in the 21St Century
Herta Rani Teles Santos
José Péricles Pereira de Sousa .......................................................................................223
O Acesso às Cortes Internacionais de Direitos Humanos: um 
comparativo entre a Corte Interamericana e a Corte EuropeiaThe Access to International Courts of Human Rights: a comparative between 
Inter-American Court and European Court 
Izabel Dourado de Medeiros ........................................................................................239
Controvérsias Jurídicas acerca da Compatibilidade do Tribunal Penal 
Internacional com a Constituição Brasileira 
Legal Disputes Regarding the Compatibility of the International Criminal Court 
with the Brazilian Constitution
Juliano Fernandes Escoura ...........................................................................................249
Algumas Implicações Globais Decorrentes do Papel Efetivador de 
Direitos Humanos/Fundamentais das Cortes Internacionais
Some Global Implications Arising Out of the Role of Human Rights/
Fundamental Rights of International Courts
Juliano Ribeiro Santos Veloso .......................................................................................265
Desafios na Aplicação do Direito Ambiental no Sistema Jurídico 
Europeu
Challenges in the Application of Environmental Law in the European Legal System
Karine de Aquino Câmara
Larissa Suassuna Carvalho Barros .............................................................................279
A Corrupção e os Seus Instrumentos de Combate no Âmbito da União 
Europeia
Corruption and the Instruments to Combat it Within the European Union
Larissa Cavalcante Teixeira
Luiza Eunice Barbosa Godê de Vasconcelos ................................................................295
A Adoção das Sentenças Piloto pela Corte Europeia de Direitos 
Humanos: uma abordagem comparativa
The Use of the Pilot Judgments for the European Court of Human Rights: the 
comparative approach
Lívia Gervásio Braga
Tahiana Viviani Viera ..................................................................................................309
Ålands Vindkraft Ab Contra Energimyndigheten: estudo de caso à luz 
do princípio da segurança jurídica
Ålands Vindkraft Ab Vs. Energimyndigheten: case study considering the principle 
of legal certainty
Lúcia Penna....................................................................................................................321
Direito Comunitário, Direito Internacional Clássico e a Primazia do 
Direito Supranacional Sobre a Legislação Nacional da União Europeia
Community Law, Classic International Law And The Primacy Of Supranational 
Law In European Union
Pedro Alexandre Menezes Barbosa
Ricardo Macedo Duarte ................................................................................................331
Da Análise Comparada entre o Instituto Europeu Denominado 
Preliminary Ruling e o Incidente de Resolução de Demandas 
Repetitivas
Comparative Analysis of the European Preliminay Ruling Doctrine and the 
Incidentes of Resolution of Recurring Complaints
Nick Simonek Maluf Cavalcante
Luiz Augusto de Mello Carvalho .................................................................................343
Efetivação de Direitos Humanos na Regularização Fundiária 
Quilombola
Effectiveness of Human Rights in Quilombola Land Regularization
Sávia Maria Leite Rodrigues
Mariney de Barros Guiguer ..........................................................................................359
Direitos Humanos e Notas Sobre a Corte Européia de Direitos 
Humanos
Rights Human and Notes About the European Court of Human Rights
Vanessa Viana Ribeiro ...................................................................................................375
APRESENTAçãO
Em julho de 2017, a Escola da Advocacia-Geral da União realizou 
o II Curso “Cortes Internacionais e Constituições: princípios, modelos 
e estudo comparado” em parceria com a Universidade de Roma X – 
Tor Vergata. Durante 02 (duas) semanas, dezenas de membros das 
várias carreiras da Advocacia-Geral da União (entre Advogados da 
União, Procuradores da Fazenda Nacional e Procuradores Federais) 
participaram das atividades acadêmicas relacionadas ao programa.
A primeira semana do curso foi dedicada às aulas de conteúdo 
relacionado ao Direito Constitucional e ao Direito Comunitário 
Europeu, oportunidade na qual os participantes tiveram a oportunidade 
de conhecer melhor como funciona o sistema constitucional italiano e 
especialmente o projeto da União Europeia, com foco na questão dos 
direitos humanos e fundamentais. Esse primeiro momento foi concluído 
com uma visita institucional à Embaixada do Brasil em Roma e ao órgão 
responsável pela Advocacia Pública italiana.
A segunda semana do curso foi dedicada a visitar uma série 
de países europeus, com o propósito de conhecer melhor as Cortes 
envolvidas no projeto. Neste momento, os participantes tiveram 
a oportunidade de visitar a Corte Europeia de Direitos Humanos 
(Estrasburgo); a Corte Europeia de Justiça (Luxemburgo); e a Corte 
Constitucional Alemã (Karlsruhe). Todas as visitas foram destinadas 
a audiência de julgamentos e/ou ao contato com juízes e responsáveis 
diretamente pelas atividades das instituições em questão.
Durante essas 02 (duas) semanas, os membros da Advocacia-
Geral da União participantes do curso “Cortes Internacionais e 
Constituições: princípios, modelos e estudo comparado” tiveram a 
oportunidade de expandir seus conhecimentos, por meio não apenas 
das aulas, mas especialmente do diálogo com professores e colegas, 
além do incomparável valor de visitar as instituições diretamente. Uma 
experiência única que certamente marcou a carreira acadêmica de cada 
um dos participantes do projeto.
Tais carreiras acadêmicas, inclusive, foram responsáveis por 
possibilitar que cada participante utilizasse os conhecimentos do curso 
para ampliar as pesquisas de sua área de especialidade, buscando sempre 
a aplicação teórico-prática do conteúdo aprendido e das experiências 
vividas. O resultado de tais pesquisas qualificadas foi a produção de uma 
série de artigos, os quais estão reunidos no presente volume, perfazendo 
uma valiosa documentação dos resultados do projeto.
O curso “Cortes Internacionais e Constituições: princípios, 
modelos e estudo comparado” foi uma grande oportunidade para os 
membros da Advocacia-Geral da União expandirem seus conhecimentos 
para além das fronteiras típicas de sua atividade funcional. Segue-se uma 
amostra de como a experiência nos possibilitou a ampliação de nossos 
horizontes acadêmicos e profissionais.
Adriano Pedra
Carlos Marden
Karine Aquino
9
IRRETROATIVIDADE DOS EFEITOS DA 
NOVA JURISPRUDêNCIA SOB A ÓTICA 
DA CORTE EUROPEIA DE DIREITOS 
HUMANOS
NON-RETROACTIVITy OF THE NEW CASE LAW FROM THE 
POINT OF VIEW OF THE EUROPEAN COURT OF HUMAN 
RIGHTS
Adriano Sant’Ana Pedra
Procurador Federal
Doutor em Direito Constitucional (PUC/SP)
Professor da Faculdade de Direito de Vitória - FDV
Gustavo Cabral Vieira
Procurador Federal
SUMÁRIO: Introdução; 1 A interpretação das normas 
convencionais e o caso concreto; 2 Interpretação 
evolutiva e previsibilidade do Direito; 3 Evolução da 
jurisprudência da Corte Europeia de Direitos Humanos: 
estudo de casos; 3.1 O caso “C. R. v. Reino Unido”; 
3.2 O caso “Del Río Prada v. Espanha”; 4 Abordagem 
comparativa; 5 Conclusão; Referências.
Publicações da Escola da AGU 10
RESUMO: Trata-se de estudo com o objetivo de analisar o entendimento 
da Corte Europeia de Direitos Humanos acerca da previsibilidade do 
Direito e da retroatividade da nova jurisprudência do tribunal. Aborda-se 
a interpretação do Direito no caso concreto e a evolução da jurisprudência 
e previsibilidade do Direito para, na sequencia, apresentar estudo de 
casos da CEDH comparando-os com casos jugados pela Suprema Corte 
brasileira e pela Corte Interamericana de Direitos Humanos.
PALAVRAS-CHAVE: Corte Europeia. Direitos Humanos. Previsibilidade 
de Direito. Retroatividade de Nova Jurisprudência. Estudo de Casos. 
EstudoComparado. 
ABSTRACT: The aim of this study is to analyze the European Court 
of Human Rights’s understanding of the predictability of the law and 
the retroactivity of the new case law of the court. The interpretation 
of the Law in the specific case and the evolution of the jurisprudence 
and predictability of the law to follow are presented in a case study of 
the ECHR comparing them with cases played by the Brazilian Supreme 
Court and the Inter-American Court of Human Rights.
KEYWORDS: European Court. Human Rights. Predictability of Law. 
Retroactivity of New Case Law. Case Study. Comparative Study.
Adriano Sant’Ana Pedra 
Gustavo Cabral Vieira 11
INTRODUÇÃO
Cada vez mais tem crescido a demanda das cortes internacionais de 
direitos humanos na defesa de tais direitos nas mais diversas situações nas 
quais as pessoas não obtiveram a devida proteção do sistema interno do seu 
país de origem.
Este estudo objetiva analisar o entendimento da Corte Europeia de 
Direitos Humanos acerca da previsibilidade do Direito e da retroatividade da 
nova jurisprudência do tribunal. Para tanto, o estudo traz um embasamento 
jurídico do tema tratado e demonstra o posicionamento da Corte Europeia de 
Direitos Humanos – CEDH em casos concretos relevantes.
A pesquisa apoia-se na doutrina concernente à hermenêutica 
jurídica para, então, apreciar dois casos identificados pelo estudo como 
pontos chave para analisar o entendimento da Corte Europeia de Direitos 
Humanos acerca da previsibilidade do Direito e da retroatividade da nova 
jurisprudência do tribunal. Por fim, abordam-se casos pertinentes de 
mesma temática que foram julgados pelo Supremo Tribunal Federal e 
pela Corte Interamericana de Direitos Humanos.
1 A INTERPRETAÇÃO DAS NORMAS CONVENCIONAIS E O CASO 
CONCRETO
A abertura de normas convencionais, vale dizer, normas com pouca 
densidade normativa, é uma das características das sociedades complexas 
(PEDRA, 2011b, p. 227-244), porque, diante da multiplicidade dos problemas 
que podem surgir, uma Convenção procura abarcar as demandas de diferentes 
nações além de buscar soluções para acompanhar este casuísmo problemático, 
e, por isso, o conteúdo dessas normas necessita ser objeto de concretização.
Enquanto, na hermenêutica tradicional, a interpretação era compreendida 
apenas como a descoberta do sentido do texto normativo, na concretização “o 
processo interpretativo não é apenas cognitivo, mas fundamentalmente volitivo, 
criativo” (TAVARES, 2006, p. 60). Neste sentido, o direito é essencialmente 
voluntarista, ou seja, necessita da vontade do intérprete (BASTOS, 2002, p. 47).
Assim, o texto normativo previamente dado não constitui a norma 
jurídica, mas apenas constitui o ponto de partida para sua construção ante o 
caso concreto (ADEODATO, 2006, p. 214). Por isso, deve-se distinguir o papel 
desempenhado pelo legislador, que cria (ou reforma) o texto normativo, do 
papel que assume o intérprete do texto normativo de produzir as suas normas. 
Isto ocorre porque, no método hermenêutico concretizador, o papel 
do intérprete não é o de desvelar o “sentido oculto” do texto normativo, 
mas sim o de criar a norma a ser aplicada em uma situação concreta. 
Publicações da Escola da AGU 12
O caráter aberto e amplo de uma Convenção exige maior atenção com 
a sua interpretação (PEDRA, 2011a, p. 3-19). A hermenêutica ensina que as 
diretivas de ação e as proposições valorativas, contidas nos preceitos jurídicos, só 
podem ser compreendidas e inteligidas quando aplicadas a situações concretas 
(QUEIROZ, 2000, p. 151). A interpretação é fundamental, pois, em razão do 
caráter aberto e amplo da Convenção, os problemas de interpretação surgem 
com maior frequência neste do que em outros setores do ordenamento jurídico 
cujas normas são mais detalhadas (HESSE, 1992, p. 34).
Dessa forma, é importante estabelecer a distinção existente entre 
texto normativo e norma (PEDRA, 2011c, p. 15-35). Para que a Convenção 
seja aplicada, é necessário fazer a interpretação do seu texto normativo, a 
partir de onde será extraída a norma jurídica (PEDRA, 2011a, p. 3-19), ou 
seja, as normas resultam da interpretação dos textos normativos.
O texto constitui o ponto de partida para a formação das significações 
e, ao mesmo tempo, para a referência aos entes significados. Em um sistema 
de signos, a decodificação tomará por base o texto, e o desenvolvimento 
hermenêutico fixará nessa instância material o apoio de suas construções 
(CARVALHO, 2006, p. 17). As normas resultam da interpretação dos textos e 
interpretar é atribuir valores aos símbolos, isto é, adjudicar-lhes significações 
e, por meio destas, referências a objetos (CARVALHO, 2006, p. 62).
A norma é construída pelo intérprete no decorrer do processo de 
concretização do direito. Dessa forma, não há como isolar a norma de sua 
concretização. “Concretização da norma é construção da norma” (MÜLLER, 
2008, p. 231). A norma jurídica só se movimenta ante um fato concreto, 
pela ação do aplicador do direito, que é o intermediário entre a norma 
e os fatos da vida. Por outro lado, o intérprete não pode dar sentidos de 
forma arbitrária aos textos, pois texto e norma não estão separados. Texto 
normativo e norma são coisas distintas, mas não separadas – no sentido 
de que um possa existir sem o outro. E, também por isso, um não contém 
o outro (STRECK, 2004, p. 130).
2 INTERPRETAÇÃO EVOLUTIVA E PREVISIBILIDADE DO DIREITO
A realidade fática e a realidade normativa encontram-se em uma 
relação de reciprocidade (BASTOS e MEyER-PFLUG, 2007, p. 150), 
e não é possível separá-las, pois se encontram mutuamente imbricadas. 
O texto normativo é composto por palavras, cujos significados não são 
únicos, e ainda são cambiantes com o passar do tempo. Daí a importância de 
compreender que toda interpretação ocorre em um determinado contexto, 
que não pode ser desconsiderado. Em verdade, não há texto sem contexto. 
O texto normativo e a realidade social sempre se buscam.
Adriano Sant’Ana Pedra 
Gustavo Cabral Vieira 13
WITTGENSTEIN (2008) mostra que as palavras somente adquirem 
sentido mediante o uso compartilhado, reforçando as noções de historicidade 
e de intersubjetividade. Assim, o compreender é marcado por um contexto 
sócio-histórico, razão pela qual o significado de uma palavra depende do 
sentido que lhe é atribuído no seu uso social. A linguagem real da vida 
abre-se, então, para usos sempre novos e jogos em contínua reformulação.
Segundo CARRIÓ (2006, p. 29), o significado das palavras dá-se em 
função do contexto linguístico em que aparecem e da situação humana na 
qual são usadas. O processo interpretativo implica sempre uma produção de 
sentido a partir da apropriação da tradição pelo intérprete, e a compreensão 
ocorre “a partir da condição de ser-no-mundo do intérprete” (STRECK, 
2004, p. 153-154).
O que se tem é que a verdade humana é datada, precária e 
contextualizada, o que a torna passível de ser modificada. Martin Heidegger 
destaca que o meio no qual o intérprete está inserido será determinante 
na sua compreensão.
O compreender sempre diz respeito a todo o ser-no-mundo. Em todo 
compreender de mundo, a existência também está compreendida e 
vice-versa. Toda interpretação, ademais, move-se na estrutura prévia 
já caracterizada. Toda interpretação que se coloca no movimento de 
compreender já deve ter compreendido o que se quer interpretar 
(HEIDEGGER, 2008, p. 213).
No mesmo sentido, GADAMER anota que as condições existenciais 
do homem determinam como ele interpreta e como convive com o mundo. 
O sujeito apreende o sentido do mundo de acordo com a sua condição 
histórica (1999, p. 415-416).
Daí é relevante considerar a questão da pré-compreensão do 
intérprete. A compreensão é uma atividade referencial, ou seja, ocorre 
através de uma constante referência à nossa experiência. A compreensãoviabiliza-se quando se compara o objeto cognoscível com aquilo que já é 
conhecido pelo indivíduo.
Neste aspecto, QUEIROZ destaca que a tese heideggeriana e gadameriana 
da historicidade da interpretação e da acentuada relação entre a hermenêutica e 
a linguagem – uma importante doutrina filosófica contemporânea – “confirma 
nos teóricos do direito a ideia de que os significados normativos podem 
não apenas variar no tempo como podem ainda ser interpretados de forma 
cambiante e diferenciada” (QUEIROZ, 2000, p. 151).
GRAU (2006, p. 85) vê o conjunto de textos normativos como 
apenas ordenamento em potência, isto é, um conjunto de possibilidades 
Publicações da Escola da AGU 14
de interpretação, um conjunto de normas potenciais. O significado – ou 
seja, a norma – é o resultado da tarefa interpretativa. E diz ainda:
A norma encontra-se, em estado de potência, involucrada no texto. Mas 
ela se encontra assim nele involucrada apenas parcialmente, porque 
os fatos também a determinam – insisto nisso: a norma é produzida, 
pelo intérprete, não apenas a partir de elementos que se desprendem 
do texto (mundo do dever-ser), mas também a partir de elementos do 
caso ao qual será ela aplicada, isto é, a partir de elementos da realidade 
(mundo o ser). (GRAU, 2006, p. 32)
Dessa forma, afirmar que um texto é portador de vários sentidos 
significa que este pode conter várias normas entre as quais o órgão de 
aplicação deverá “escolher” o que aplicar. É nesta “escolha” que tem lugar 
a interpretação e, antes desta, não existe norma, mas apenas um texto 
(QUEIROZ, 2000, p. 108). Por isso é que se nega a existência de uma única 
resposta correta – ou verdadeira – para o caso, mesmo que o intérprete 
esteja vinculado pelo sistema jurídico (GRAU, 2006, p. 40).
E, como a interpretação é uma escolha entre várias opções 
(BASTOS e MEyER-PFLUG, 2007, p. 155), a interpretação só pode 
ser considerada como sendo a mais adequada dentro de um dado contexto. 
Nesse sentido, o caso concreto ganha relevo, pois ref lete uma nova 
situação em que o intérprete jurídico tem que renovar a efetividade da 
norma. Segundo Hans-Georg Gadamer, o intérprete jurídico não pode 
sujeitar-se à intenção dos que elaboraram a lei. “Pelo contrário, está 
obrigado a admitir que as circunstâncias foram sendo mudadas e que, 
por conseguinte, tem que determinar de novo a função normativa da 
lei” (GADAMER, 1999, p. 485).
Isso ocorre porque a interpretação não persegue o sentido, mas um 
dos sentidos, que deverá ser contextualmente possível e adequado. Essa 
possibilidade de múltiplas interpretações viabiliza a evolução da norma 
mesmo que o texto permaneça.
Como as necessidades sociais estão em permanente evolução, o 
texto deve ser interpretado em função das necessidades do momento e 
pode mudar de sentido ao longo do período em que estiver em vigor. Nesta 
perspectiva, o intérprete pode adaptar o texto às necessidades sociais de 
sua época buscando o que seria o pensamento dos legisladores se eles 
estivessem legislando hoje (BERGEL, 2001, p. 118).
Assim, a norma é capaz de se adequar para corresponder às diferentes 
exigências variantes no tempo e produzir efeitos mesmo quando mudarem 
os fatos e os valores em razão dos quais veio à luz. Através da interpretação, 
Adriano Sant’Ana Pedra 
Gustavo Cabral Vieira 15
é possível a adaptação das normas jurídicas às mudanças ocorridas na 
sociedade, à sua natural evolução, ou até mesmo com relação ao surgimento 
de novos valores e ideologias (BASTOS e MEyER-PFLUG, 2007, p. 157). 
A norma mantém-se em permanente evolução para responder às 
novas necessidades, aos novos problemas surgidos em razão dos novos 
tempos, ganhando novos sentidos que o seu elaborador não poderia ter 
previsto. O direito, assim, está estreitamente relacionado ao estado da 
sociedade por ele representada, embora dela se distinga para exercer sua 
tarefa normativa de organizá-la.
Deste modo, o ordenamento jurídico é formado e conformado pela 
realidade (GRAU, 2006, p. 79), é um sistema dinâmico que interage com 
a realidade fática que objetiva regular. As mudanças havidas na sociedade 
interferem no sistema normativo, que deve, por sua vez, acompanhar estas 
transformações. Não é plausível que as normas jurídicas, inclusive as 
normas convencionais, apresentem-se afastadas e defasadas da realidade 
fática (BASTOS e MEyER-PFLUG, 2007, p. 145).
Nesse sentido, a evolução da jurisprudência é importante para o 
equilíbrio entre a dinâmica e a estabilidade, por significar, ao mesmo tempo, 
uma transformação substancial e uma permanência formal. E, como os 
termos são contextualmente utilizados com uma significação alterável, 
a interpretação proporciona a atualização e a vivificação constante do 
sentido de um dispositivo da Convenção.
3 EVOLUÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA DA CORTE EUROPEIA DE DIREITOS 
HUMANOS: ESTUDO DE CASOS
3.1 O caso “C.R. v. Reino Unido” (n. 20190/92)
O primeiro caso interessante a ser abordado é caso “C.R. v. Reino 
Unido” julgado pela Corte Europeia de Direitos Humanos em 22/11/1995. 
O requerente havia sido acusado e condenado pela prática de tentativa de 
estupro e agressão física consumada contra sua esposa, fatos ocorridos 
em novembro de 1989. Eles haviam se casado em 1984 e tiveram um filho 
em 1985, sendo que um mês antes dos fatos ela tinha saído de casa para 
morar com os pais. Ela, inclusive, já havia consultado um advogado sobre 
assuntos matrimoniais e deixou uma carta para o requerente na qual ela 
havia informado que pretendia solicitar o divórcio. No entanto, nada havia 
sido providenciado oficialmente.
Na sua defesa o requerente alegou que o casamento implicava em 
consentimento implícito para manter relações sexuais e que não poderia 
Publicações da Escola da AGU 16
ser acusado de estupro por ser marido da alegada vítima, bem como que 
esse consentimento somente poderia ser revogado sob certas condições, 
utilizando-se como fundamento na jurisprudência até então aplicável que 
é sintetizada na declaração feita por Sir Matthew Hale CJ na History of the 
Pleas of the Crown publicada em 1736 (registro feito no próprio julgado)1. 
A tese de defesa não foi acolhida pelo judiciário nacional, tendo o juiz do 
caso justificado que essa declaração fora feita em termos gerais e em um tempo 
em que o casamento era indissolúvel. Em segundo lugar, o juiz observou 
que era evidente a partir do Acórdão do Tribunal de Recurso no processo 
“R. v. Steele” (1976) que o consentimento implícito poderia ser retirado 
por acordo entre as partes, inclusive que tal acordo poderia claramente ser 
implícito pois não havia nada na jurisprudência para sugerir o contrário. Em 
terceiro lugar, o juiz entendeu que na common law se reconhecia que uma 
retirada de qualquer uma das partes da convivência, acompanhada de uma 
clara indicação de que o consentimento para a relação sexual foi encerrado, 
equivaleria a revogação do consentimento implícito. Ele concluiu que tanto a 
segunda quanto a terceira exceção à imunidade matrimonial contra acusação 
por violação se aplicava ao caso. Após essa decisão do juiz, o requerente se 
declarou culpado de tentativa de estupro e que havia causado ferimentos 
corporais reais, e foi condenado a três anos de prisão.
O recorrente perante a CEDH reclamou que a sua condenação por 
tentativa de violação de sua esposa constituiu uma punição retrospectiva 
em violação ao artigo 7º da Convenção Europeia de Direitos Humanos (a 
Convenção), tendo argumentado que a imunidade matrimonial era aceita 
pela jurisprudência ao tempo do cometimento dos fatos. 
Contudo, a CEDH indeferiu o pleito tendo em vista que o carácter 
essencialmente degradante de estupro é tão evidente que o resultado das 
decisões do Tribunal de Recurso e da Câmara dos Lordes - que o requerente 
poderia ser condenado por tentativa de estupro, independentemente da suarelacionamento com a vítima - não pode ser tido em desacordo com o objeto 
e a finalidade do artigo 7º da Convenção, tendo concluído que era previsível a 
evolução da interpretação, não tendo ocorrido violação à Convenção, inclusive 
a nova interpretação seria condizente com os objetivos fundamentais da 
Convenção e representaria um conceito civilizado de casamento. 
Com isso, verifica-se que o entendimento da CEDH à época era no 
sentido de que não havia óbice à aplicação retroativa de nova interpretação, 
desde que no contexto de observância dos objetivos fundamentais da 
Convenção.
1 “But the husband cannot be guilty of rape committed by himself upon his lawful wife, for by their matrimonial 
consent and contract the wife hath given up herself in this kind unto her husband, which she cannot retract.” 
Adriano Sant’Ana Pedra 
Gustavo Cabral Vieira 17
3.2 O caso “Del Río Prada v. Espanha” (n. 42750/09)
O segundo caso da CEDH emblemático a ser abordado é o Del Río 
Prada contra Espanha. A Sra. Inés Del Río Prada, membro do grupo terrorista 
ETA, estava cumprindo pena de prisão2 em razão de ter cometido diversos 
atos terroristas entre 1982 e 1987, tendo sido condenada a mais de três mil 
anos de prisão pelo conjunto de oito condenações penais entre 1989 e 2000.
Após decisão da Audiencia Nacional3, a mesma fora notificada no 
sentido de que as ligações legais e cronológicas entre as ofensas das 
quais foi condenada tornaram possível agrupá-las em conjunto, tendo se 
fixado em trinta anos o tempo máximo a ser cumprido pela requerente 
em relação às suas penas. 
A questão se tornou mais complexa quando as autoridades prisionais 
apresentaram proposta à Audiencia Nacional no sentido de que a Sra. 
Del Río Prada fosse solta em 02/07/2008 tendo em conta a remissão de 
3.282 dias que ela tinha direito em razão de todo o trabalho que realizou 
desde 1987 quando foi presa. No entanto, em 19/05/2008, a Audiência 
Nacional rejeitou essa proposta e pediu às autoridades da prisão que 
apresentassem uma nova data para a soltura da requerente com base em 
um novo precedente conhecido como “doutrina Parot”4. Assim, por um 
despacho de 23/06/2008, com base numa nova proposta das autoridades 
penitenciárias, a Audiencia Nacional fixou novamente a data para a libertação 
final da requerente em 27/06/2017.
A reclamação apresentada à CEDH em 2009 continha a alegação 
de que a continuidade de sua manutenção na prisão pelas autoridades 
espanholas não era legal e não estava de acordo com procedimento previsto 
em lei, em contrariedade ao artigo 5º § 1º da Convenção Europeia dos 
Direitos do Homem. Com base no artigo 7º, ela também reclamou que, 
o que ela considerou uma aplicação retroativa de uma nova abordagem 
adotada pelo Supremo Tribunal espanhol em decisão tomada após a sua 
condenação, e que aumentou a duração da sua prisão por quase nove anos, 
violava o princípio da aplicação não retroativa de disposições penais menos 
favoráveis ao acusado.
2 A requerente foi detida em prisão preventiva a partir de 06/07/1987 e começou a cumprir definitivamente 
após a primeira condenação em 14/02/1989.
3 Tribunal com jurisdição em casos de terrorismo, entre outros, sediado em Madri (Espanha).
4 Como consta na decisão objeto de análise, a “doutrina Parot” foi estabelecida em julgamento da Suprema 
Corte espanhola em 28/02/2006. Trata-se de outro caso de um terrorista (este especificamente um membro 
do grupo separatista ETA) que havia sido condenado com base no Código Penal espanhol de 1973 (julgamento 
n. 197/2006). O Plenário da Sessão criminal da Suprema Corte decidiu que os benefícios das execuções 
penais como as remissões de dias trabalhados devem incidir em cada uma das sentenças condenatórias e 
não no total da pena máxima de trinta anos.
Publicações da Escola da AGU 18
No julgamento em 10/07/2012, a Câmara julgadora entendeu que 
houve uma violação ao artigo 7º da Convenção (princípio da legalidade). 
Contra a decisão da Câmara, foi requerido e admitido a submissão do caso 
à Grande Câmara da CEDH, cujo julgamento foi concluído em 21/10/2013. 
A Grande Câmara fixou as premissas de julgamento no princípio 
“nullum crimen, nulla poena sine lege”, no conceito de pena e seu objetivo e 
na previsibilidade do direito penal.
No que tange ao objetivo da pena imposta, a Grande Câmara considerou 
que, no momento em que o requerente cometeu as infrações que levaram à 
sua acusação e quando foi tomada a decisão de combinar as sentenças e fixar 
uma pena de prisão máxima, a legislação espanhola relevante, tomada como um 
todo, incluindo a jurisprudência, foi formulada com suficiente precisão para 
permitir ao requerente discernir, em um grau razoável nas circunstâncias, o 
alcance da penalidade que lhe foi imposta, tendo em conta o prazo máximo de 
trinta anos e as remissões de sentença para o trabalho realizado em detenção, 
ambos previstas e lei. A penalidade imposta à requerente foi, portanto, de 
trinta anos de prisão máxima, e qualquer remissão de sentença por trabalho 
realizado em detenção seria deduzida dessa penalidade máxima.
A Corte concluiu que a nova abordagem da aplicação de remissões 
de sentença por trabalho realizado em detenção introduzido pela “doutrina 
Parot” não pode ser considerado como uma medida relativa unicamente à 
execução da sanção imposta à recorrente, mas à redefinição do escopo da 
“penalidade” imposta. Assim, concluiu que a Espanha infringiu a última parte 
do artigo 7°, n° 1, da Convenção: “não pode ser imposta uma pena mais grave 
do que a aplicável no momento em que a infracção foi cometida”. Adiante, 
a Corte analisou se a “doutrina Parot” era razoavelmente previsível, tendo 
para tanto examinado se a requerente poderia ter previsto no momento da 
sua condenação e também quando foi notificada da decisão de combinar 
as sentenças e fixar uma pena máxima de prisão – se necessário, depois 
de devidamente orientado por advogado – que a pena imposta poderia se 
tornar em trinta anos de prisão real, sem redução de qualquer remissão de 
sentença por trabalho realizado em detenção. Ao fazê-lo, deve ter em conta a 
lei aplicável na época e, em particular, a prática judicial e administrativa antes 
da “doutrina Parot”. Em que pese a Corte Constitucional ter se posicionado 
no sentido do entendimento anterior apenas em um caso julgado em 1994, a 
Corte observou que o próprio Governo admitiu que era prática das autoridades 
penitenciárias e judiciais antes da “doutrina de Parot” aplicar remissões de 
sentença por trabalho realizado em detenção no prazo máximo de trinta 
anos de prisão.
A Corte considerou ainda que, por trás da alteração de interpretação 
na mudança do entendimento jurisprudencial, houve um endurecimento 
Adriano Sant’Ana Pedra 
Gustavo Cabral Vieira 19
da política criminal concomitante com a mudança na legislação tomada 
em 2003 (Lei n. 7/2003). Mesmo não tendo sido aplicada essa lei no caso 
concreto, verificou-se que o objetivo da mudança jurisprudencial era o 
mesmo da lei acima mencionada, a saber, garantir a execução plena e 
efetiva do prazo legal máximo de prisão por pessoas que servem várias 
sentenças longas. Concluiu então a Corte que o artigo 7° da Convenção 
proíbe incondicionalmente a aplicação retrospectiva do direito penal 
quando se trata da desvantagem de um acusado de modo que este desvio 
no curso da jurisprudência teve como efeito modificar o alcance da sanção 
imposta, em detrimento do requerente.
Por fim, a Grande Câmara da CEDH ainda analisou a alegação de 
violação do § 1º do art. 5º da Convenção, que trata do direito à liberdade e à 
segurança. Em razão da conclusão da Corte de que houve violação ao art. 7º, 
a CEDH concluiu que, a partir de 03/07/2008, a detenção do recorrente não 
era “lícita” e, por conseguinte, violava o artigo 5°, n. 1, da Convenção. Ou seja, 
a ilegalidade na fixação do termofinal para cumprimento da pena deduzidas 
as remissões, estando a requerente mantida detida, desde 03/07/2008, havia a 
ofensa ao direito à liberdade. Diante da gravidade dessa circunstância, a CEDH 
aplicou o art. 46 da Convenção, que é resguardado para casos mais graves, e 
determinou a soltura imediata da requerente, o que foi cumprido em decisão no 
dia seguinte pela Audiencia Nacional, que prolatou decisão decretando a liberdade 
imediata da Sra. Del Río Prada e declarou extinta a punibilidade penal da mesma.
Portanto, verifica-se que atualmente a CEDH entende que a 
jurisprudência nova (notadamente se maléfica) não pode ser aplicada de 
forma retroativa por considerar que a jurisprudência é expressão do direito 
e que essa retroatividade fere o artigo 7° da Convenção.
4 ABORDAGEM COMPARATIVA
Para fins de mera comparação com a perspectiva brasileira, vale 
anotar que, no âmbito do Supremo Tribunal Federal - STF, a questão 
ora trata foi objeto de discussão em decisão plenária ocorrida em 1998 
tratando de matéria penal. No caso, foi expressamente afastada a aplicação 
da técnica denominada de prospective overruling pelos norte-americanos 
tendo se pontuado que não se confunde alteração legislativa com mudança 
jurisprudencial (HC 75.793/RS).
Posteriormente, em 2011, o tema foi tratado em matéria eleitoral, 
em decisão da lavra do Min. Celso de Mello (MS 30.380 MC/DF):
As múltiplas funções inerentes à jurisprudência – tais como a de 
conferir previsibilidade às futuras decisões judiciais nas matérias 
Publicações da Escola da AGU 20
por elas abrangidas, a de atribuir estabilidade às relações jurídicas 
constituídas sob a sua égide, a de gerar certeza quanto à validade 
dos efeitos decorrentes de atos praticados de acordo com esses 
mesmos precedentes e a de preservar, assim, em respeito à ética do 
Direito, a confiança dos cidadãos (omissis) nas ações do Estado -, tem 
reconhecido a possibilidade, mesmo em temas de índole constitucional 
(RE 197.917/SP, Rel. Min. MAURÍCIO CORRêA), de determinar, 
nas hipóteses de revisão substancial da jurisprudência derivada da 
ruptura de paradigma, a não incidência, sobre situações previamente 
consolidadas, dos novos critérios que venham a ser consagrados pelo 
Supremo Tribunal Federal.
[...]
Vale mencionar, por oportuno, a título de mera ilustração, que também a 
prática jurisprudencial da Suprema Corte dos EUA tem observado esse 
critério, fazendo-o incidir naquelas hipóteses em que sobrevém alteração 
substancial de diretrizes que, até então, vinham sendo observadas na 
formação das relações jurídicas, inclusive em matéria penal. Refiro-me, 
não só ao conhecido caso “Linkletter” – Linkletter v. Walker, 381 U.S. 
618, 629, 1965 –, como, ainda, a muitas outras decisões daquele Alto 
Tribunal, nas quais se proclamou, a partir de certos marcos temporais, 
considerando-se determinadas premissas e com apoio na técnica do 
“prospective overruling”, a inaplicabilidade do novo precedente a 
situações já consolidadas no passado...
Outra decisão interessante mais recente que merece destaque adotada 
pelo Pleno do STF ocorreu no julgamento do Recurso Extraordinário 
590.809 em matéria tributária, no qual a decisão foi pela impossibilidade 
de retroagir alteração jurisprudencial em caso em de rescisória no qual 
o acórdão rescindendo não poderia ser visto como a violador de lei, mas 
como resultado da interpretação possível segundo manifestações do próprio 
Plenário do Supremo Tribunal Federal que existiam à época5. 
Por f im, interessante registrar o entendimento da Corte 
Interamericana de Direitos Humanos, adotado no caso “Gomes Lund e 
outros (‘Guerrilha do Araguaia”) v. Brasil”. Tal qual consta na sentença 
do caso, “a demanda se refere à alegada ‘responsabilidade [do Estado] 
pela detenção arbitrária, tortura e desaparecimento forçado de 70 pessoas, 
entre membros do Partido Comunista do Brasil […] e camponeses da 
região, […] resultado de operações do Exército brasileiro empreendidas 
5 O caso era de matéria tributária, mas consta nos debates que tal entendimento se aplica a todos os casos em geral.
Adriano Sant’Ana Pedra 
Gustavo Cabral Vieira 21
entre 1972 e 1975 com o objetivo de erradicar a Guerrilha do Araguaia, 
no contexto da ditadura militar do Brasil (1964–1985)’.”
Trata-se de caso no qual se verifica a aplicação retroativa da norma 
jurídica sob o argumento de que, por se tratar de desaparecimento forçado 
e ainda não terem encontrado os desaparecidos ou seus corpos, resta 
caracterizada a continuidade delitiva no tempo. Isso inclusive foi usado 
como fundamento para, em sede de preliminar de “incompetência temporal 
do Tribunal”, se assentar a competência da Corte, haja vista que o Brasil 
reconheceu a competência contenciosa da Corte apenas em 10/12/1998 
e, em sua declaração, indicou que o Tribunal teria competência para os 
“fatos posteriores” a esse reconhecimento.
5 CONCLUSÃO
Uma alteração na interpretação convencional tem grande repercussão 
e pode gerar uma grande insegurança jurídica. Daí ser necessário que se 
amenize o impacto jurídico provocado por essas mudanças jurisprudenciais, 
vedando uma insegurança retroativa, para que o novo entendimento seja 
aplicado apenas para os casos posteriores a ele.
Foi visto no início deste estudo que a norma é construída pelo 
intérprete, no decorrer do processo de concretização do direito constitucional, 
ou seja, no processo de concretização haverá a própria elaboração da 
norma convencional. Dessa forma, quando há uma nova interpretação, 
na verdade ocorre a criação de uma norma convencional nova, que, em 
razão desta situação, não poderá produzir efeitos para eventos pretéritos, 
em homenagem ao princípio da segurança jurídica.
Assim, quando um novo significado é dado ao comando convencional, 
é necessário resguardar deste novo entendimento as relações jurídicas 
havidas no passado. Deste modo, Tércio Sampaio Ferraz Junior leciona que
a doutrina da irretroatividade serve ao valor da segurança jurídica: o 
que sucedeu já sucedeu e não deve, a todo momento, ser juridicamente 
questionado, sob pena de se instaurarem intermináveis conflitos. 
Essa doutrina, portanto, cumpre a função de possibilitar a solução 
de conflitos com o mínimo de perturbação social. Seu fundamento 
é ideológico e reporta-se à concepção liberal do direito e do Estado. 
(FERRAZ JUNIOR, 2001, p. 248)
A segurança jurídica deve estar presente na sociedade, pois representa 
a certeza de agir conforme os padrões comportamentais em vigor. As 
pessoas precisam saber como devem comportar-se perante a comunidade 
Publicações da Escola da AGU 22
em que vivem, e isso é incompatível com a retroatividade das normas. 
Ronald Dworkin lembra a objeção de que “se um juiz criar uma nova lei e 
aplicá-la retroativamente ao caso que tem diante de si, a parte perdedora 
será punida, não por ter violado algum dever que tivesse, mas sim por 
ter violado um novo dever, criado pelo juiz após o fato” (DWORKIN, 
2002, p. 132).
A nova interpretação somente pode produzir efeitos prospectivos, 
sempre para frente ao longo do tempo6. Tal limitação apenas poderia 
ser excepcionada quando se tratar de norma penal7 mais benéfica para o 
réu, hipótese em que deve operar efeitos retroativos a fim de alcançar no 
tempo a conduta deste8.
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incidência. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2006.
6 Em casos específicos, pode ser exigido que a nova interpretação somente seja aplicável após um determinado 
prazo, como ocorre no exemplo do princípio da anualidade (ou anterioridade) eleitoral (art. 16, CF).
7 O mesmo ocorre quando se tratar de sanção administrativa.
8 Nesse sentido, o artigo 5º, XL, da Constituição brasileira (“a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar 
o réu”) poderia ser lido como “a norma penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu”.
Adriano Sant’Ana Pedra 
Gustavo Cabral Vieira 23
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25
ASPECTOS DO CONTROLE 
CONCORRENCIAL NA UNIãO EUROPEIA 
E NO BRASIL
ASPECTS OF COMPETITION CONTROL IN THE EUROPEAN 
UNION AND IN BRAZIL
Ana Claudia Ferreira Pastore
Procuradora Federal, lotada no Núcleo de Matéria Finalística da Procuradoria 
Regional Federal da 3ª Região – SP/MS, Subnúcleo de Infraestrutura e 
Desenvolvimento. Bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São 
Paulo PUC/SP. Especialista, em Direito Administrativo pela PUC/SP/COGEAE.
Fábia Mara Felipe Belezi 
Procuradora Federal, lotada no Núcleo de Matéria Finalística da Procuradoria 
Regional Federal da 3ª Região – SP/MS, Subnúcleo de Infraestrutura e 
Desenvolvimento. Bacharel em Direito pela Universidade de São Paulo - USP. 
Especialista em Direito Administrativo pela Universidade de Brasília - UnB.
Publicações da Escola da AGU 26
SUMÁRIO: Introdução; 1 Breve noção sobre o controle 
concorrencial na União Europeia; 1.1 Principais regras 
aplicáveis; 1.2 Funções e competências da Comissão 
Europeia no controle concorrencial; 1.3 Funções 
e competências da Corte Europeia de Justiça de 
Luxemburgo no controle concorrencial; 2 Breve noção 
sobre o controle concorrencial no Brasil; 2.1 Principais 
regras aplicáveis; 2.2 Funções e competências do CADE; 
2.3 O papel do Judiciário na defesa da concorrência; 3 
Análise de casos; 4 Conclusão; Referências. 
RESUMO: O presente trabalho pretende, em uma abordagem simples 
e objetiva, apresentar um breve relato sobre o controle concorrencial 
na União Europeia e no Brasil. Traçando um paralelo entre as funções 
e competências nos âmbitos administrativo e judicial, comparando as 
atribuições do Tribunal de Justiça da União Europeia e da Comissão 
Europeia com as atribuições do Judiciário brasileiro e do CADE, 
iremos analisar o julgamento de casos semelhantes nos dois sistemas, 
abordando a influência das decisões proferidas na União Europeia no 
controle concorrencial interno, além de buscar lições e exemplos que 
podem servir à melhoria do sistema brasileiro e à criação de um mercado 
interno livre e mais dinâmico.
PALAVRAS-CHAVE: Direito da Concorrência. União Europeia. 
Processo Administrativo. Controle Jurisdicional. Brasil. Estudo de Casos.
ABSTRACT: This paper intends to present a brief report on the control 
of competition in the European Union and in Brazil. Making a parallel 
between the administrative and judicial functions and competences, 
by comparing the attributions of European Court of Justice and the 
European Commission with the attributions of the Judiciary Power 
and the Administrative Council for Economic Defense – CADE, we 
will examine the trial of similar cases on both systems, addressing 
the influence of the decisions rendered by the European Union on the 
internal competition control, in addition to the searching for lessons 
and examples which can be used for the improvement of the Brazilian 
system leading to the creation of a more free and dynamic internal 
market.
KEYWORDS: Competition Law. European Union. Brazil. Administrative 
Process. Judicial Control. Study of Cases.
Ana Claudia Ferreira Pastore 
Fábia Mara Felipe Belezi 27
INTRODUÇÃO
É certo que a tendência mais atual indica cada vez mais ser necessária 
a existência de mecanismos de controle da concorrência não só no âmbito 
interno dos países, mas também em nível supranacional como ocorre 
na União Europeia. A ideia da existência de tribunais supranacionais 
que decidem sobre questões envolvendo os diversos setores econômicos 
demonstra a preocupação de uniformização de entendimentos bem como 
com a melhor proteção dos direitos de todos os envolvidos, quais sejam 
as empresas que atuam no território regulado e os consumidores.
Não obstante, na prática se trata de tarefa bastante difícil, principalmente 
tendo em vista os altos interesses econômicos envolvidos, que dificultam a 
aceitação das decisões, a sua aplicação e o cumprimento de modo geral.
A compreensão das dimensões do problema da existênciae 
operacionalização de sistemas de controle da concorrência tanto no âmbito 
administrativo quanto no judicial necessita da definição de alguns aspectos 
básicos sobre a estrutura e funcionamento desses sistemas.
Após o que, poderemos tecer comentários sobre as suas funções 
e competências, comparando as atribuições do Tribunal de Justiça da 
União Europeia e da Comissão Europeia com as atribuições do Judiciário 
brasileiro e do Conselho Administrativo de Defesa Econômica - CADE, 
através da análise de casos e da influência das decisões proferidas no 
controle concorrencial interno, buscando lições e alternativas para uma 
defesa da concorrência mais efetiva no Brasil.
1 BREVE NOÇÃO SOBRE O CONTROLE CONCORRENCIAL NA UNIÃO 
EUROPEIA
Desde o início do processo de integração a proteção à concorrência 
tem sido considerada essencial às normas comunitárias como elemento de 
inibição das formas diretas e indiretas de discriminação ou proteção nacional, 
permitindo-se o livre desenvolvimento do mercado interno europeu. 
À Comissão Europeia foram concedidos poderes para garantir o 
respeito às regras comunitárias de concorrência. Suas atribuições consistem 
em supervisionar e, se necessário, impedir: os acordos anticoncorrenciais, 
em especial os carteis (Artigos 101.º e 106.º c.c. Artigo 105.º do Tratado 
Sobre o Funcionamento da União Europeia - TFUE); os abusos de posição 
dominante nos mercados (Artigos 102.º e 106.º c.c. Art. 105.º); as fusões 
e aquisições; e, as ajudas públicas (Art. 107.º c.c. Art. 108.º).
Em 2004, os Estados-Membros passaram a exercer uma 
série de funções de aplicação da legislação no âmbito do processo de 
Publicações da Escola da AGU 28
“modernização” (Regulamento n.º 1/2003), de forma que as autoridades 
responsáveis pela concorrência e os tribunais nacionais podem aplicar e 
fazer cumprir o direito comunitário, encerrando acordos e práticas que 
restringem a concorrência bem como aplicando sanções pecuniárias às 
empresas infratoras
Neste ponto, importante que se mencione a Rede Europeia de 
Concorrência - REC, dirigida pela Comissão Europeia, com vistas à 
atuação conjunta e global das diversas autoridades concorrenciais tanto 
da Comissão quanto dos Estados-Membros.
Os poderes da Comissão estão sujeitos ao controle jurisdicional do 
Tribunal de Justiça da União Europeia (Artigos 256.º e 263.º do TFUE).
1.1 Principais Regras Aplicáveis
Seguem os principais documentos legais que dão suporte ao controle 
da concorrência na União Europeia1: Artigos 101.º a 109.º do TFUE e o 
Protocolo n.º 27 relativo ao mercado interno e à concorrência que declara 
que o objetivo do mercado interno, tal como estabelecido no Artigo 3.º, 3, 
do Tratado da União Europeia - TUE, inclui a concorrência não falseada; 
Regulamento (CE) n.º 139/2004 relativo ao controle das concentrações de 
empresas; Artigos 37.º, 106.º e 345.º do TFUE para as empresas públicas, 
Artigos 14.º, 59.º, 93.º, 106.º, 107.º, 108.º e 114.º do TFUE para os serviços 
públicos, os serviços de interesse geral e os serviços de interesse econômico 
geral, bem como o Protocolo n.º 26 sobre os serviços de interesse geral, 
além do Artigo 36.º da Carta dos Direitos Fundamentais sobre o acesso 
a serviços de interesse econômico geral.
Tais dispositivos, em linhas gerais, proíbem os acordos entre 
empresas bem como todas as práticas que possam configurar impedimento, 
restrição ou falseamento da concorrência. A empresa que detenha uma 
posição dominante está proibida de explorá-la de modo abusivo e, assim, 
de afetar as transações comerciais entre os Estados-Membros. 
A subvenção estatal concedida a determinados produtos ou empresas 
passíveis de distorcer a concorrência também é proibida, embora passível 
de autorização em determinados casos específicos.
A Comissão Europeia exerce o controle sobre os atos de concentração 
(fusões e aquisições) dentro da Comunidade e tem poderes para proibi-los 
ou adotar medidas que minimizem as distorções da concorrência. Tais 
ações fundamentam-se no Regulamento (CE) nº. 139/2004, conhecido 
como “Regulamento das Concentrações”.
1 Sobre o tema, cf. site do Parlamento Europeu. Disponível em: <http://www.europarl.europa.eu/atyourservice/
pt/displayFtu.html?ftuId=FTU_3.2.1.html>. Acesso em: set. 2017.
Ana Claudia Ferreira Pastore 
Fábia Mara Felipe Belezi 29
As empresas públicas assim como os serviços públicos e aqueles de interesse 
geral também estão sujeitos ao controle e às regras gerais de concorrência, desde 
que isso não impeça a realização dos seus objetivos específicos.
O Artigo 107.º do TFUE prevê como incompatíveis com o mercado 
interno, na medida em que afetem as trocas comerciais entre os Estados-
membros, os auxílios concedidos pelos Estados ou provenientes de recursos 
estatais, independentemente da forma que assumam, que falseiem ou 
ameacem falsear a concorrência, favorecendo certas empresas ou certas 
produções. Vale ressaltar que o Artigo 107.º, nº. 2, do TFUE admite auxílios 
estatais que são ou podem ser compatíveis com o mercado interno, como 
no caso do nº. 3 do mesmo artigo, criando, assim, um conjunto de exceções.
Tais regras têm como escopo não a concorrência efetiva em si mesma, 
mas a criação de um ambiente para a existência de um mercado interno 
livre e dinâmico, instrumento de promoção do bem-estar econômico geral 
dos Estado Membros. Nessa perspectiva, existe a possibilidade de uma 
medida anticompetitiva não ser condenada, caso gere efeitos positivos, 
como um ganho de eficiência, por exemplo. É importante salientar que o 
conceito de mercado interno para a realidade da Comunidade Europeia 
possui larga abrangência, conforme explicado a seguir: 
A percepção econômica clássica de que as nações não fazem tudo 
igualmente bem ou de maneira eficiente, o comércio entre nações 
pode ser benéfico para todas, já teve sua importância. No entanto, o 
mercado interno possui ambições além do comércio entre Estados. Tem 
por objetivo fundir os mercados dos Estados Membros em mercado 
mais abrangente, algo que confira maior grau de uniformidade de 
estrutura e condições. (CHALMERS, DAVIES & MONTI, 2010, p. 
675-676, tradução livre).
1.2 Funções E Competências Da Comissão Europeia No Controle 
Concorrencial
A Comissão Europeia é o órgão executivo da União Europeia que 
detém o monopólio da iniciativa legislativa bem como possui poderes 
de aplicação e fiscalização das regras referentes à execução das políticas 
de concorrência e do comércio externo. É composta por comissários 
representantes de cada um dos Estados-Membros. A sua atuação na área 
da concorrência é regulada pelos Artigos 103.º a 109.º do TFUE.
A sua atuação ocorria através da Direção Geral da Concorrência, 
com o auxílio das autoridades concorrenciais dos Estados-Membros, 
Publicações da Escola da AGU 30
em total monopólio, de acordo com o Regulamento n.º 17 de 1962, com 
poderes exclusivos. Todavia, com as alterações legislativas ocorridas após 
a edição do Regulamento n.º 1/2003 do Conselho da União Europeia, foi 
dada competência para que as autoridades concorrenciais dos Estados-
Membros também pudessem aplicar as regras contidas nos Artigos 102.º 
e 103.º do TFUE, podendo ser controladas pelos tribunais nacionais e 
pelo Tribunal de Justiça.
Essas alterações foram bastante proveitosas para a melhoria da defesa da 
concorrência na União Europeia pois a exclusividade e o monopólio concedidos 
à Comissão atrapalhavam de certa maneira a realização do controle, fiscalização 
e defesa das normas, conforme esclarecem WHISH & BAILEy: 
No entanto, o monopólio tinha muitas desvantagens: a Comissão nunca 
possuía pessoal suficiente para lidar com o volume enorme de contratos 
dos quais era notificada: o resultado experimentado era a intensa demora; 
uma grande quantidade de tempo de negócios era despendida com a 
coleta de dados e a preparaçãodo famoso Formulário A/B no qual as 
notificações eram apresentadas; as despesas também eram grandes, não 
com os honorários de advogados mas de outros profissionais também; e as 
empresas enfrentavam um longo período de incerteza quanto à legalidade 
de seus contratos. (WHISH; BAILEy, 2012, p. 166-167, tradução livre).
1.3 Funções E Competências Da Corte Europeia De Justiça De Luxemburgo 
No Controle Concorrencial 
O direito da União Europeia deve ser aplicado por todos os tribunais 
(nacionais, regionais ou locais) dos Estados-Membros e compete ao Tribunal de 
Justiça da União Europeia - TJUE interpretá-lo e aplicá-lo de forma uniforme 
em todos eles, bem como decidir sobre as disputas legais entre os governos 
nacionais e as instituições europeias. Em alguns casos, os particulares, empresas 
ou organizações que considerem que os seus direitos foram violados por uma 
instituição europeia também podem recorrer ao Tribunal2.
Os processos mais comuns submetidos ao TJUE são: 1) pedidos de 
decisão prejudicial - se um juiz nacional tem dúvidas sobre a interpretação 
ou a validade de um ato adotado pela União, pode pedir esclarecimentos ao 
Tribunal. Neste caso, a instância no tribunal nacional é suspensa e submete-
se a questão ao TJUE, que se pronuncia sobre a interpretação ou validade 
das disposições. Uma vez proferida a decisão pelo Tribunal de Justiça, o juiz 
2 Sobre o Tribunal de Justiça da União Europeia, cf. Disponível em: <https://europa.eu/european-union/
about-eu/institutions-bodies/court-justice_pt>. Acesso em: set. 2017.
Ana Claudia Ferreira Pastore 
Fábia Mara Felipe Belezi 31
nacional pode resolver o litígio de sua competência. Uma tramitação prejudicial 
urgente (PPU) está prevista para casos que carecem de uma resposta breve. 
O mesmo mecanismo pode ser utilizado para determinar se uma dada lei ou 
prática nacional é compatível com o direito europeu; 2) recursos das decisões 
proferidas pelo Tribunal Geral, que são o meio pelo qual o TJUE pode 
anular decisões do Tribunal Geral; 3) ações e recursos diretos, que visam, 
notadamente, à anulação de um ato da União (recurso de anulação) ou à 
declaração de incumprimento do direito da União por um Estado-Membro 
(ação por incumprimento). Se o Estado-Membro não executar o acórdão que 
reconheceu o incumprimento, numa segunda ação, denominada ação por 
duplo incumprimento, pode ser aplicada uma sanção pecuniária; 4) pareceres 
sobre a compatibilidade com os Tratados de um projeto de acordo que a União 
pretenda celebrar com um Estado terceiro ou organização internacional. Tal 
pedido pode ser apresentado por um Estado-Membro ou por uma instituição 
europeia (Parlamento, Conselho ou Comissão).
O Tribunal de Justiça da União Europeia é composto por duas jurisdições: 
o Tribunal de Justiça, que trata dos pedidos de decisões a título prejudicial 
provenientes das jurisdições nacionais, bem como de certas ações de anulação e 
de recursos e o Tribunal Geral, que trata dos recursos de anulação interpostos 
por particulares, empresas e, em certos casos, governos nacionais. Na prática, 
este tribunal cuida essencialmente dos processos relacionados com o direito 
da concorrência e os auxílios estatais.3
Dos 704 processos findos no ano de 2016 no TJUE, 56 tinham como 
principal matéria tratada concorrência e auxílios de Estado4. 
Importante neste ponto frisar que o Tribunal fiscaliza a legalidade das 
ações das instituições da UE, dentre as quais as decisões da Comissão Europeia.
2 BREVE NOÇÃO SOBRE O CONTROLE CONCORRENCIAL NO BRASIL
2.1 Principais Regras Aplicáveis
O Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência - SBDC, estruturado 
pela Lei nº 12.529, de 30 de novembro de 2011, é o conjunto de entidades 
integradas na Administração pública federal com o fito de promover a prevenção 
e repressão às infrações contra a ordem econômica, com atuação orientada 
3 Sobre o tema, conferir o site da União Europeia. Disponível em: <https://europa.eu/european-union/
about-eu/institutions-bodies/court-justice_pt#composição>. Acesso em: set.2017.
4 Conferir Relatório Anual 2016 do Tribunal de Justiça da União Europeia. Disponível em: <https://curia.
europa.eu/jcms/upload/docs/application/pdf/2017-04/ti_pubpdf_qdaq17001ptn_pdfweb_20170424163218.
pdf>. Acesso em: set.2017.
Publicações da Escola da AGU 32
pelos princípios constitucionais da liberdade de iniciativa, livre concorrência, 
função social da propriedade, defesa dos consumidores e repressão ao abuso 
do poder econômico (art. 1º). Nos termos do art. 3º da citada lei, o SBDC 
é formado pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE), 
autarquia federal vinculada ao Ministério da Justiça, e pela Secretaria de 
Acompanhamento Econômico (SEAE), integrante do Ministério da Fazenda.
O CADE, composto pelo Tribunal Administrativo de Defesa 
Econômica, pela Superintendência-Geral e pelo Departamento de Estudos 
Econômicos, tem como atribuições analisar e aprovar ou não os atos 
de concentração econômica, investigar as condutas prejudiciais à livre 
concorrência e, se for o caso, aplicar as devidas punições aos infratores, 
bem como disseminar a cultura da livre concorrência. 
A SEAE, por sua vez, com atribuições delineadas na Portaria nº 386, 
de 14 de julho de 20095, promove a chamada “advocacia da concorrência” 
perante os órgãos do governo e a sociedade.
2.2 Funções E Competências Do CADE
O CADE exerce, em todo o território nacional, as atribuições previstas 
pela Lei nº 12.529/2011, complementadas pelo Regimento Interno do CADE 
– RiCade, aprovado pela Resolução nº 1, de 29 de maio de 20126. O conjunto 
de atribuições legais conferidas à autarquia ostentam as seguintes funções: 
1) preventiva (análise e posterior decisão sobre fusões, aquisições de controle, 
incorporações e outras operações de concentração); 2) repressiva (investigação, 
julgamento e punição das infrações à ordem econômica); e, 3) educativa (difusão 
da cultura da concorrência por meio da instrução da sociedade em geral 
sobre os atos lesivos à livre concorrência, incentivos e estímulos a pesquisas 
e estudos sobre o tema)7.
Com a edição da nova lei, o CADE ficou bastante fortalecido como 
entidade de controle da concorrência no país, compondo-se de: TADE 
(Tribunal Administrativo de Defesa Econômica), com funções de julgamento, 
instrução de processos de concentração e de controle de infrações, inclusive 
com poderes de julgamento de concentrações de menor relevância; 
Superintendência-Geral, órgão que, a partir da entrada em vigor da Lei 
nº 12.529/2011, passa a desempenhar as atribuições do Departamento de 
5 Disponível em: <http://seae.fazenda.gov.br/acesso-a-informacao/institucional/competencias/competencias/
Portaria386_2009.pdf>. Acesso em: set.2017.
6 Disponível em: <file:///C:/Users/fabia.belezi/Downloads/Resolu%C3%A7%C3%A3o%20n%C2%BA%20
01_2012%20-%20Regimento%20Interno%20do%20CADE%20-%20RICADE.pdf>. Acesso em: set. 2017.
7 Sobre as competências do CADE, conferir o site oficial da autarquia: <http://www.cade.gov.br/acesso-a-
informacao/institucional/copy_of_competencias>. Acesso em: set.2017.
Ana Claudia Ferreira Pastore 
Fábia Mara Felipe Belezi 33
Proteção e Defesa Econômica da Secretaria de Direito Econômico, como 
a investigação e a instrução de processos de repressão ao abuso do poder 
econômico e a análise dos atos de concentração; e, DEE (Departamento de 
Estudos Econômicos), órgão de apoio técnico das atividades da autarquia. 
Nota-se, assim, a unificação das funções de investigação de casos de 
conduta anticompetitiva, de instrução de atos de concentração e de decisão 
final no CADE, abandonando-se a sobreposição de funções entre entidades 
distintas, característica da estrutura anterior. Sobre o tema, veja-se: 
Ao contrário do que ocorre na Comissão Europeia (foco das críticas 
à combinação das funções investigativas e decisóriasem uma mesma 
agência), o exercício das funções de investigação e de decisão já foi 
desenhado de forma claramente separada pelo legislador brasileiro, 
ainda que tais funções sejam atribuídas a um só ente da administração 
pública (CARVALHO; LIMA, 2012, p. 22).
Outra mudança introduzida pela Lei nº 12.529/2011 consiste na 
previsão de controle prévio dos atos de concentração econômica, que devem 
ser obrigatoriamente submetidos à aprovação do CADE. Pela legislação 
anterior, essas operações podiam ser comunicadas à autarquia depois de serem 
consumadas, o que fazia do Brasil um dos únicos países do mundo a adotar um 
controle de estruturas a posteriori. A aprovação prévia trouxe mais segurança 
jurídica às empresas e maior agilidade na análise dos atos de concentração.
Além disso, a nova legislação também trouxe avanços no controle de 
condutas, a exemplo de novos critérios para a aplicação de multas, ampliação 
das hipóteses de concessão de leniência e reforço na persecução cível e criminal 
de cartéis no país.
No caso de condenação de algum agente por prática anticompetitiva, o 
cumprimento das penas está ligado aos indivíduos, e não à empresa ou agente 
que representam. Essa observação é importante já que no sistema europeu 
não há previsão para a criminalização de indivíduos.
2.3 O Papel Do Judiciário Na Defesa Da Concorrência
O Poder Judiciário pode ser envolvido em questões concorrenciais ainda 
nas fases iniciais da investigação conduzida pelo CADE, com a propositura, 
pela Procuradoria Federal que atua junto à autarquia, das medidas judiciais 
necessárias à obtenção de documentos para a instrução de processos 
administrativos, nos termos da lei antitruste (cf. art. 15 da Lei nº 12.529/2011). 
Além disso, pessoas físicas e jurídicas investigadas por vezes submetem ao 
Judiciário questões referentes ao processo administrativo de investigação
Publicações da Escola da AGU 34
Face do princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional previsto 
no art. 5º, XXXV, da Constituição Federal, as decisões proferidas pelo CADE, 
que são de natureza administrativa, são passíveis de revisão judicial:
A autoridade brasileira de defesa da concorrência, a autarquia 
denominada Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), 
é independente e suas decisões constituem título executivo extrajudicial. 
Não há recurso hierárquico, de modo que os acórdãos prolatados pelo 
tribunal administrativo do Cade podem ser executados imediatamente. 
Como qualquer outra decisão administrativa, no entanto, as decisões do 
Cade – diferentemente da tradição europeia de cortes administrativas 
de justiça – são passíveis de controle jurisdicional, o que deriva do 
princípio constitucional de inafastabilidade da jurisdição.
De modo geral, o controle jurisdicional dos atos administrativos 
limita-se aos aspectos exteriores do ato, isto é, à sua legalidade. Mas 
há inúmeras decisões judiciais que têm examinado também o mérito 
do ato administrativo. Não obstante o amplo padrão de justiciabilidade 
dos atos administrativos, cerca de 80% das decisões do CADE são 
confirmadas pelo Judiciário. Pode-se atribuir tal sucesso aos continuados 
esforços da autarquia em manter alto grau de transparência e de 
adequação aos parâmetros fixados pela lei do processo administrativo 
(Lei n. 9.784/1999). A adesão da autoridade da concorrência ao devido 
processo legal administrativo é notável e tem ido além do exigido em 
lei: por exemplo, desde 2004, as sessões de julgamento do Cade são 
transmitidas ao vivo pela internet. (CUEVA, 2017, p. 18, grifo nosso).
Ou seja, apesar de a Lei nº 12.529/2011 considerar o CADE como 
“entidade judicante” (art. 4º), tal expressão deve ser entendida enquanto 
medida que vincula a autarquia a um certo método de trabalho, orientado 
por condições de independência, imparcialidade e impessoalidade; contudo, 
ao passo que a atuação do CADE se aproxima daquela do Judiciário com 
relação ao método utilizado, dela se afasta no que concerne à abrangência 
e aos efeitos da atuação (SUNDFELD, 2003, p. 02).
Portanto, apesar das inúmeras discussões a respeito do tema, 
notadamente relacionadas às dificuldades atinentes à complexidade do 
conhecimento técnico envolvido8, é ao Judiciário que cabe, em última 
8 Sobre o tema, interessantes as ponderações feitas no Seminário Os Desafios da Judicialização da Defesa da 
Concorrência, da Regulação e do Comércio Internacional, promovido pelo Conselho da Justiça Federal nos dias 
12 e 13 de novembro de 2015, em Brasília. Disponível em: <file:///C:/Users/fabia.belezi/Downloads/serie-cad-
cej-32-Semin%C3%A1rio-Os-Desafios-da-Judicializa%C3%A7%C3%A3o...-2017.pdf>. Acesso em: out.2017.
Ana Claudia Ferreira Pastore 
Fábia Mara Felipe Belezi 35
instância, a aplicação da lei antitruste. Neste ponto, importante notar 
a diferença no controle sobre os atos relacionados à concorrência em 
comparação com o sistema europeu, visto que a revisão operada pelo 
Judiciário brasileiro é mais ampla, não se restringindo apenas às questões 
de legalidade, mas também de mérito.
A possiblidade de ampla revisão das decisões do CADE pelo Poder 
Judiciário pode, em muitos aspectos, ser vista como um entrave à atividade 
repressiva da autarquia, quer pelo elevado número de pedidos de antecipação 
de tutela deferidos, quer pela demora no julgamento das ações anulatórias, 
o que faz com que a punição dos agentes econômicos infratores da lei de 
defesa da concorrência seja protelada.
3 ANÁLISE DE CASOS
Conforme amplamente noticiado na imprensa, em junho de 2017, a 
Comissão Europeia, após uma investigação que vem desde 2010, condenou 
o Google a pagar uma multa de €2,42 bilhões, equivalente a R$8,97 bilhões, 
por abuso de posição dominante nas pesquisas gerais na internet, favorecendo 
o seu próprio comparador de preços para compras online, o Google Shopping. 
A decisão concluiu que o Google ao desfrutar de uma posição 
dominante nos mercados de serviço de pesquisa na internet em todo o 
Espaço Econômico Europeu (EEE), composto por 31 países, o que não é, 
em si, ilegal face às regras antitruste da EU, abusou da sua forte posição 
de mercado, restringindo a concorrência, ao dar ao seu próprio serviço 
de comparação de preços uma vantagem ilegal.
Conforme declarou a comissária Margrethe Vestager, responsável 
pela política da concorrência:
A Google tem criado muitos produtos e serviços inovadores que 
mudaram as nossas vidas, o que é uma boa coisa! Porém, a estratégia 
da Google para o seu serviço de comparação de preços não era apenas 
a de atrair clientes tornando o seu produto melhor do que o dos 
seus concorrentes. Em vez disso, a Google abusou da sua posição 
dominante no mercado na vertente de motor de busca, promovendo 
o seu próprio serviço de comparação de preços nos seus resultados de 
pesquisa e despromovendo os dos concorrentes. O que a Google tem 
feito é ilegal ao abrigo das regras anti-trust da UE. Negou a outras 
empresas a possibilidade de competir com base nos seus méritos e de 
inovar. Mais importante ainda, negou aos consumidores europeus uma 
escolha genuína de serviços e a possibilidade de tirar pleno partido 
dos benefícios da inovação (EUROPEAN COMISSION, 2017).
Publicações da Escola da AGU 36
A decisão da Comissão, além da aplicação da multa, exige que o Google 
ponha termo à sua conduta ilegal, no prazo de 90 dias a contar da data da decisão, 
bem como que se abstenha de tomar qualquer medida que tenha o mesmo 
objeto ou efeito, ou equivalente. Concretamente, a decisão ordena ao Google que 
respeite o simples princípio de dar tratamento igual aos serviços de comparação 
concorrentes de preços e ao seu próprio serviço. Se não der cumprimento à 
decisão da Comissão, a multa poderá ser agravada em até 5% do volume de 
negócios médio diário a nível mundial da Alphabet, empresa-mãe do Google.
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