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Publicações da Escola da AGU Publicações da Escola da AGU Brasília v. 10 n. 01 p. 1-384 jan./mar. 2018 volume 10 - n. 01 - Brasília-DF, jan./mar. 2018 ISSN-2236-4374 Publicações da Escola da AGU II Curso Cortes Internacionais e Constituições: princípios, modelos e estudo comparado Os conceitos, as informações, as indicações de legislações e as opiniões expressas nos artigos publicados são de responsabilidade exclusiva de seus autores. Brasília: EAGU, 2012. mensal. A partir do ano III, n. 8 passou a ser periódico bimestral, a partir do ano IV, nº 14 periodicidade mensal e a partir do ano VII v. 39 periodicidade trimestral. A partir de 2016, houve alteração no número dos exemplares. A Revista receberá numeração 1-4 em todos os volumes subsequentes. ISSN 2236-4374 1 - Direito Público - Artigos - Brasil I. Título. II. Série. CDD 340 . 5 CDU 34 (05) Publicações da Escola da AGU Escola da Advocacia-Geral da União Ministro Victor Nunes Leal SIG - Setor de Indústrias Gráficas, Quadra 06, lote 800 CEP 70610-460 – Brasília – DF Telefones (61) 2026-7368 e 2026-7370 e-mail: eagu.secretaria@agu.gov.br ADVOGADA-GERAL DA UNIÃO Ministra Grace Maria Fernandes Mendonça ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO - SUBSTITUTO Paulo Gustavo Medeiros Carvalho DIREÇÃO GERAL DA AGU Paulo Gustavo Medeiros Carvalho Secretário-Geral de Consultoria Izabel Vinchon Nogueira de Andrade Procuradora-Geral da União Fabrício da Soller Procurador-Geral da Fazenda Nacional Marcelo Augusto Carmo de Vasconcellos Consultor-Geral da União Cleso José da Fonseca Filho Procurador-Geral Federal Isadora Maria Belem Rocha Cartaxo de Arruda Secretária-Geral de Contencioso Altair Roberto de Lima Corregedor-Geral da Advocacia-Geral da União Cristiano de Oliveira Lopes Cozer Procurador do Banco Central Maria Aparecida Araújo de Siqueira Secretária-Geral de Administração Francis Christian Alves Scherer Bicca Ouvidor-Geral da Advocacia-Geral da União ESCOLA DA AGU Diogo Palau Flores dos Santos Diretor Douglas Henrique Marin dos Santos Coordenador-Geral de Ensino Eduardo Fernandes de Oliveira Coordenador-Geral Administrativo EDITOR RESPONSÁVEL Diogo Palau Flores dos Santos CONSELHO EDITORIAL Douglas Henrique Marin dos Santos: Escola da AGU Ministro Víctor Nunes Leal Adriano SantAna Pedra: Procuradoria Federal do Espírito Santo Carlos Marden Cabral Coutinho: Procuradoria Federal de Minas Gerais Karine de Aquino Câmara: Procuradoria Federal do Pará Diagramação/Capa: Niuza Lima/Gláucia Pereira Sumário Apresentação .......................................................................................................... ..........7 Irretroatividade dos Efeitos da Nova Jurisprudência sob a Ótica da Corte Europeia de Direitos Humanos Non-retroactivity of the New Case law From the Point of iew of the European Court of Human Rights Adriano Sant’Ana Pedra Gustavo Cabral Vieira ....................................................................................................... 9 Aspectos do Controle Concorrencial na União Europeia e no Brasil Aspects of Competition Control in the European Union and in Brazil Ana Claudia Ferreira Pastore Fábia Mara Felipe Belezi ..............................................................................................25 A Corrupção Sistêmica como Grave Ofensa aos Direitos Humanos Systemic Corruption as a Serious Violation of Human Rigths André Gustavo Vasconcelos de Alcântara Murilo Strätz ...................................................................................................................41 O Tribunal de Justiça da União Européia e a Aplicabilidade do Direito Comunitário em Âmbito Interno The European Union Court of Justice and the Aplicability of the Community Law Carlos Marden Adriana Albuquerque .......................................................................................................57 O Direito Fundamental à Previdência Social à Luz da Jurisprudência da Corte Europeia de Direitos Humanos The Fundamental Right to Social Security Under the Jurisprudence of the European Court of Human Rights Carmen Silvia Arrata Juliana Munhoz da Cunha Marques .............................................................................71 Representatividade de Gênero e Composição dos Tribunais no Cenário Internacional Representativeness on Gender Equality and Composition in Courts on the International Scenery Clara Marcelle Alves Meneses Natalia de Melo Lacerda ................................................................................................85 Precedentes Judiciais no Sistema Constitucional Brasileiro: direito romano-germânico e common law em crescente aproximação Judicial Precedents in the Brazilian Constitutional System: the increasing approach of the roman-german law and the common law Daniela Gonçalves de Carvalho Marcus Vinicius de Albuquerque Portella ....................................................................101 O Posicionamento da Corte Europeia de Direitos Humanos sobre a Violação ao Princípio da Duração Razoável do Processo The position of the European Court of Human Rights about the Principle of Reasonable duration of the Proceedings Denise Oliveira Floriano De Lima ..............................................................................113 O “Rule of Law” no Estado Islâmico: “Sharia” Islamic State’s Rule of Law: ‘Sharia’ Diego Calandrelli ...........................................................................................................127 Breve Paralelo Entre a Corte Constitucional Italiana e oTribunal Constitucional Federal Alemão A Brief Comparison Between Italian Constitutional Court and German Federal Constitutional Court Elise Mirisola Maitan ...................................................................................................141 A Implementação de Políticas Públicas em Decorrência das Decisões dos Sistemas Regionais Europeu e Interamericano de Direitos Humanos The Implementation of Public Policies as a Result of the Decisions of the European and Inter-American Regional Systems for the Protection of Human Rights Fabiana Guancino Persicotti Natalya Maria Sales Caboclo .......................................................................................155 Os Subsistemas Internacionais de Proteção de Direitos Humanos no Âmbito da Europa e das Américas como Mecanismos de Promoção e Proteção Multinível dos Direitos Humanos International Subsystems for Protection of Human Rights in Europe and Americas as a Promotion and Multilevel Protection Mechanisms of Human Rights Fátima Sibelli Monteiro Nascimento Santos Geruza Ribeiro do Espírito Santos ..............................................................................171 A Suprema Corte Americana e o Writ of Certiorari The Supreme American Court and the Writ of Certiorari Fernanda Mattar Furtado Suriani .............................................................................187 Cortes Constitucionais e Votos Divergentes (“Dissenting Opinions”): em direção a uma corte mais democrática e transparente? Constitutional Courts and Dissenting Opinions: towards a more democratic and accountable court? Flávio Novaes Outani ...................................................................................................207 A Democratização da Jurisdição Constitucional enquanto Proteção dos Direitos Fundamentais no Século XXI The Democratization of Constitutional Jurisdiction While Protection of Fundamental Rights in the 21St Century Herta Rani Teles Santos José Péricles Pereira de Sousa .......................................................................................223 O Acesso às Cortes Internacionais de Direitos Humanos: um comparativo entre a Corte Interamericana e a Corte EuropeiaThe Access to International Courts of Human Rights: a comparative between Inter-American Court and European Court Izabel Dourado de Medeiros ........................................................................................239 Controvérsias Jurídicas acerca da Compatibilidade do Tribunal Penal Internacional com a Constituição Brasileira Legal Disputes Regarding the Compatibility of the International Criminal Court with the Brazilian Constitution Juliano Fernandes Escoura ...........................................................................................249 Algumas Implicações Globais Decorrentes do Papel Efetivador de Direitos Humanos/Fundamentais das Cortes Internacionais Some Global Implications Arising Out of the Role of Human Rights/ Fundamental Rights of International Courts Juliano Ribeiro Santos Veloso .......................................................................................265 Desafios na Aplicação do Direito Ambiental no Sistema Jurídico Europeu Challenges in the Application of Environmental Law in the European Legal System Karine de Aquino Câmara Larissa Suassuna Carvalho Barros .............................................................................279 A Corrupção e os Seus Instrumentos de Combate no Âmbito da União Europeia Corruption and the Instruments to Combat it Within the European Union Larissa Cavalcante Teixeira Luiza Eunice Barbosa Godê de Vasconcelos ................................................................295 A Adoção das Sentenças Piloto pela Corte Europeia de Direitos Humanos: uma abordagem comparativa The Use of the Pilot Judgments for the European Court of Human Rights: the comparative approach Lívia Gervásio Braga Tahiana Viviani Viera ..................................................................................................309 Ålands Vindkraft Ab Contra Energimyndigheten: estudo de caso à luz do princípio da segurança jurídica Ålands Vindkraft Ab Vs. Energimyndigheten: case study considering the principle of legal certainty Lúcia Penna....................................................................................................................321 Direito Comunitário, Direito Internacional Clássico e a Primazia do Direito Supranacional Sobre a Legislação Nacional da União Europeia Community Law, Classic International Law And The Primacy Of Supranational Law In European Union Pedro Alexandre Menezes Barbosa Ricardo Macedo Duarte ................................................................................................331 Da Análise Comparada entre o Instituto Europeu Denominado Preliminary Ruling e o Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas Comparative Analysis of the European Preliminay Ruling Doctrine and the Incidentes of Resolution of Recurring Complaints Nick Simonek Maluf Cavalcante Luiz Augusto de Mello Carvalho .................................................................................343 Efetivação de Direitos Humanos na Regularização Fundiária Quilombola Effectiveness of Human Rights in Quilombola Land Regularization Sávia Maria Leite Rodrigues Mariney de Barros Guiguer ..........................................................................................359 Direitos Humanos e Notas Sobre a Corte Européia de Direitos Humanos Rights Human and Notes About the European Court of Human Rights Vanessa Viana Ribeiro ...................................................................................................375 APRESENTAçãO Em julho de 2017, a Escola da Advocacia-Geral da União realizou o II Curso “Cortes Internacionais e Constituições: princípios, modelos e estudo comparado” em parceria com a Universidade de Roma X – Tor Vergata. Durante 02 (duas) semanas, dezenas de membros das várias carreiras da Advocacia-Geral da União (entre Advogados da União, Procuradores da Fazenda Nacional e Procuradores Federais) participaram das atividades acadêmicas relacionadas ao programa. A primeira semana do curso foi dedicada às aulas de conteúdo relacionado ao Direito Constitucional e ao Direito Comunitário Europeu, oportunidade na qual os participantes tiveram a oportunidade de conhecer melhor como funciona o sistema constitucional italiano e especialmente o projeto da União Europeia, com foco na questão dos direitos humanos e fundamentais. Esse primeiro momento foi concluído com uma visita institucional à Embaixada do Brasil em Roma e ao órgão responsável pela Advocacia Pública italiana. A segunda semana do curso foi dedicada a visitar uma série de países europeus, com o propósito de conhecer melhor as Cortes envolvidas no projeto. Neste momento, os participantes tiveram a oportunidade de visitar a Corte Europeia de Direitos Humanos (Estrasburgo); a Corte Europeia de Justiça (Luxemburgo); e a Corte Constitucional Alemã (Karlsruhe). Todas as visitas foram destinadas a audiência de julgamentos e/ou ao contato com juízes e responsáveis diretamente pelas atividades das instituições em questão. Durante essas 02 (duas) semanas, os membros da Advocacia- Geral da União participantes do curso “Cortes Internacionais e Constituições: princípios, modelos e estudo comparado” tiveram a oportunidade de expandir seus conhecimentos, por meio não apenas das aulas, mas especialmente do diálogo com professores e colegas, além do incomparável valor de visitar as instituições diretamente. Uma experiência única que certamente marcou a carreira acadêmica de cada um dos participantes do projeto. Tais carreiras acadêmicas, inclusive, foram responsáveis por possibilitar que cada participante utilizasse os conhecimentos do curso para ampliar as pesquisas de sua área de especialidade, buscando sempre a aplicação teórico-prática do conteúdo aprendido e das experiências vividas. O resultado de tais pesquisas qualificadas foi a produção de uma série de artigos, os quais estão reunidos no presente volume, perfazendo uma valiosa documentação dos resultados do projeto. O curso “Cortes Internacionais e Constituições: princípios, modelos e estudo comparado” foi uma grande oportunidade para os membros da Advocacia-Geral da União expandirem seus conhecimentos para além das fronteiras típicas de sua atividade funcional. Segue-se uma amostra de como a experiência nos possibilitou a ampliação de nossos horizontes acadêmicos e profissionais. Adriano Pedra Carlos Marden Karine Aquino 9 IRRETROATIVIDADE DOS EFEITOS DA NOVA JURISPRUDêNCIA SOB A ÓTICA DA CORTE EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS NON-RETROACTIVITy OF THE NEW CASE LAW FROM THE POINT OF VIEW OF THE EUROPEAN COURT OF HUMAN RIGHTS Adriano Sant’Ana Pedra Procurador Federal Doutor em Direito Constitucional (PUC/SP) Professor da Faculdade de Direito de Vitória - FDV Gustavo Cabral Vieira Procurador Federal SUMÁRIO: Introdução; 1 A interpretação das normas convencionais e o caso concreto; 2 Interpretação evolutiva e previsibilidade do Direito; 3 Evolução da jurisprudência da Corte Europeia de Direitos Humanos: estudo de casos; 3.1 O caso “C. R. v. Reino Unido”; 3.2 O caso “Del Río Prada v. Espanha”; 4 Abordagem comparativa; 5 Conclusão; Referências. Publicações da Escola da AGU 10 RESUMO: Trata-se de estudo com o objetivo de analisar o entendimento da Corte Europeia de Direitos Humanos acerca da previsibilidade do Direito e da retroatividade da nova jurisprudência do tribunal. Aborda-se a interpretação do Direito no caso concreto e a evolução da jurisprudência e previsibilidade do Direito para, na sequencia, apresentar estudo de casos da CEDH comparando-os com casos jugados pela Suprema Corte brasileira e pela Corte Interamericana de Direitos Humanos. PALAVRAS-CHAVE: Corte Europeia. Direitos Humanos. Previsibilidade de Direito. Retroatividade de Nova Jurisprudência. Estudo de Casos. EstudoComparado. ABSTRACT: The aim of this study is to analyze the European Court of Human Rights’s understanding of the predictability of the law and the retroactivity of the new case law of the court. The interpretation of the Law in the specific case and the evolution of the jurisprudence and predictability of the law to follow are presented in a case study of the ECHR comparing them with cases played by the Brazilian Supreme Court and the Inter-American Court of Human Rights. KEYWORDS: European Court. Human Rights. Predictability of Law. Retroactivity of New Case Law. Case Study. Comparative Study. Adriano Sant’Ana Pedra Gustavo Cabral Vieira 11 INTRODUÇÃO Cada vez mais tem crescido a demanda das cortes internacionais de direitos humanos na defesa de tais direitos nas mais diversas situações nas quais as pessoas não obtiveram a devida proteção do sistema interno do seu país de origem. Este estudo objetiva analisar o entendimento da Corte Europeia de Direitos Humanos acerca da previsibilidade do Direito e da retroatividade da nova jurisprudência do tribunal. Para tanto, o estudo traz um embasamento jurídico do tema tratado e demonstra o posicionamento da Corte Europeia de Direitos Humanos – CEDH em casos concretos relevantes. A pesquisa apoia-se na doutrina concernente à hermenêutica jurídica para, então, apreciar dois casos identificados pelo estudo como pontos chave para analisar o entendimento da Corte Europeia de Direitos Humanos acerca da previsibilidade do Direito e da retroatividade da nova jurisprudência do tribunal. Por fim, abordam-se casos pertinentes de mesma temática que foram julgados pelo Supremo Tribunal Federal e pela Corte Interamericana de Direitos Humanos. 1 A INTERPRETAÇÃO DAS NORMAS CONVENCIONAIS E O CASO CONCRETO A abertura de normas convencionais, vale dizer, normas com pouca densidade normativa, é uma das características das sociedades complexas (PEDRA, 2011b, p. 227-244), porque, diante da multiplicidade dos problemas que podem surgir, uma Convenção procura abarcar as demandas de diferentes nações além de buscar soluções para acompanhar este casuísmo problemático, e, por isso, o conteúdo dessas normas necessita ser objeto de concretização. Enquanto, na hermenêutica tradicional, a interpretação era compreendida apenas como a descoberta do sentido do texto normativo, na concretização “o processo interpretativo não é apenas cognitivo, mas fundamentalmente volitivo, criativo” (TAVARES, 2006, p. 60). Neste sentido, o direito é essencialmente voluntarista, ou seja, necessita da vontade do intérprete (BASTOS, 2002, p. 47). Assim, o texto normativo previamente dado não constitui a norma jurídica, mas apenas constitui o ponto de partida para sua construção ante o caso concreto (ADEODATO, 2006, p. 214). Por isso, deve-se distinguir o papel desempenhado pelo legislador, que cria (ou reforma) o texto normativo, do papel que assume o intérprete do texto normativo de produzir as suas normas. Isto ocorre porque, no método hermenêutico concretizador, o papel do intérprete não é o de desvelar o “sentido oculto” do texto normativo, mas sim o de criar a norma a ser aplicada em uma situação concreta. Publicações da Escola da AGU 12 O caráter aberto e amplo de uma Convenção exige maior atenção com a sua interpretação (PEDRA, 2011a, p. 3-19). A hermenêutica ensina que as diretivas de ação e as proposições valorativas, contidas nos preceitos jurídicos, só podem ser compreendidas e inteligidas quando aplicadas a situações concretas (QUEIROZ, 2000, p. 151). A interpretação é fundamental, pois, em razão do caráter aberto e amplo da Convenção, os problemas de interpretação surgem com maior frequência neste do que em outros setores do ordenamento jurídico cujas normas são mais detalhadas (HESSE, 1992, p. 34). Dessa forma, é importante estabelecer a distinção existente entre texto normativo e norma (PEDRA, 2011c, p. 15-35). Para que a Convenção seja aplicada, é necessário fazer a interpretação do seu texto normativo, a partir de onde será extraída a norma jurídica (PEDRA, 2011a, p. 3-19), ou seja, as normas resultam da interpretação dos textos normativos. O texto constitui o ponto de partida para a formação das significações e, ao mesmo tempo, para a referência aos entes significados. Em um sistema de signos, a decodificação tomará por base o texto, e o desenvolvimento hermenêutico fixará nessa instância material o apoio de suas construções (CARVALHO, 2006, p. 17). As normas resultam da interpretação dos textos e interpretar é atribuir valores aos símbolos, isto é, adjudicar-lhes significações e, por meio destas, referências a objetos (CARVALHO, 2006, p. 62). A norma é construída pelo intérprete no decorrer do processo de concretização do direito. Dessa forma, não há como isolar a norma de sua concretização. “Concretização da norma é construção da norma” (MÜLLER, 2008, p. 231). A norma jurídica só se movimenta ante um fato concreto, pela ação do aplicador do direito, que é o intermediário entre a norma e os fatos da vida. Por outro lado, o intérprete não pode dar sentidos de forma arbitrária aos textos, pois texto e norma não estão separados. Texto normativo e norma são coisas distintas, mas não separadas – no sentido de que um possa existir sem o outro. E, também por isso, um não contém o outro (STRECK, 2004, p. 130). 2 INTERPRETAÇÃO EVOLUTIVA E PREVISIBILIDADE DO DIREITO A realidade fática e a realidade normativa encontram-se em uma relação de reciprocidade (BASTOS e MEyER-PFLUG, 2007, p. 150), e não é possível separá-las, pois se encontram mutuamente imbricadas. O texto normativo é composto por palavras, cujos significados não são únicos, e ainda são cambiantes com o passar do tempo. Daí a importância de compreender que toda interpretação ocorre em um determinado contexto, que não pode ser desconsiderado. Em verdade, não há texto sem contexto. O texto normativo e a realidade social sempre se buscam. Adriano Sant’Ana Pedra Gustavo Cabral Vieira 13 WITTGENSTEIN (2008) mostra que as palavras somente adquirem sentido mediante o uso compartilhado, reforçando as noções de historicidade e de intersubjetividade. Assim, o compreender é marcado por um contexto sócio-histórico, razão pela qual o significado de uma palavra depende do sentido que lhe é atribuído no seu uso social. A linguagem real da vida abre-se, então, para usos sempre novos e jogos em contínua reformulação. Segundo CARRIÓ (2006, p. 29), o significado das palavras dá-se em função do contexto linguístico em que aparecem e da situação humana na qual são usadas. O processo interpretativo implica sempre uma produção de sentido a partir da apropriação da tradição pelo intérprete, e a compreensão ocorre “a partir da condição de ser-no-mundo do intérprete” (STRECK, 2004, p. 153-154). O que se tem é que a verdade humana é datada, precária e contextualizada, o que a torna passível de ser modificada. Martin Heidegger destaca que o meio no qual o intérprete está inserido será determinante na sua compreensão. O compreender sempre diz respeito a todo o ser-no-mundo. Em todo compreender de mundo, a existência também está compreendida e vice-versa. Toda interpretação, ademais, move-se na estrutura prévia já caracterizada. Toda interpretação que se coloca no movimento de compreender já deve ter compreendido o que se quer interpretar (HEIDEGGER, 2008, p. 213). No mesmo sentido, GADAMER anota que as condições existenciais do homem determinam como ele interpreta e como convive com o mundo. O sujeito apreende o sentido do mundo de acordo com a sua condição histórica (1999, p. 415-416). Daí é relevante considerar a questão da pré-compreensão do intérprete. A compreensão é uma atividade referencial, ou seja, ocorre através de uma constante referência à nossa experiência. A compreensãoviabiliza-se quando se compara o objeto cognoscível com aquilo que já é conhecido pelo indivíduo. Neste aspecto, QUEIROZ destaca que a tese heideggeriana e gadameriana da historicidade da interpretação e da acentuada relação entre a hermenêutica e a linguagem – uma importante doutrina filosófica contemporânea – “confirma nos teóricos do direito a ideia de que os significados normativos podem não apenas variar no tempo como podem ainda ser interpretados de forma cambiante e diferenciada” (QUEIROZ, 2000, p. 151). GRAU (2006, p. 85) vê o conjunto de textos normativos como apenas ordenamento em potência, isto é, um conjunto de possibilidades Publicações da Escola da AGU 14 de interpretação, um conjunto de normas potenciais. O significado – ou seja, a norma – é o resultado da tarefa interpretativa. E diz ainda: A norma encontra-se, em estado de potência, involucrada no texto. Mas ela se encontra assim nele involucrada apenas parcialmente, porque os fatos também a determinam – insisto nisso: a norma é produzida, pelo intérprete, não apenas a partir de elementos que se desprendem do texto (mundo do dever-ser), mas também a partir de elementos do caso ao qual será ela aplicada, isto é, a partir de elementos da realidade (mundo o ser). (GRAU, 2006, p. 32) Dessa forma, afirmar que um texto é portador de vários sentidos significa que este pode conter várias normas entre as quais o órgão de aplicação deverá “escolher” o que aplicar. É nesta “escolha” que tem lugar a interpretação e, antes desta, não existe norma, mas apenas um texto (QUEIROZ, 2000, p. 108). Por isso é que se nega a existência de uma única resposta correta – ou verdadeira – para o caso, mesmo que o intérprete esteja vinculado pelo sistema jurídico (GRAU, 2006, p. 40). E, como a interpretação é uma escolha entre várias opções (BASTOS e MEyER-PFLUG, 2007, p. 155), a interpretação só pode ser considerada como sendo a mais adequada dentro de um dado contexto. Nesse sentido, o caso concreto ganha relevo, pois ref lete uma nova situação em que o intérprete jurídico tem que renovar a efetividade da norma. Segundo Hans-Georg Gadamer, o intérprete jurídico não pode sujeitar-se à intenção dos que elaboraram a lei. “Pelo contrário, está obrigado a admitir que as circunstâncias foram sendo mudadas e que, por conseguinte, tem que determinar de novo a função normativa da lei” (GADAMER, 1999, p. 485). Isso ocorre porque a interpretação não persegue o sentido, mas um dos sentidos, que deverá ser contextualmente possível e adequado. Essa possibilidade de múltiplas interpretações viabiliza a evolução da norma mesmo que o texto permaneça. Como as necessidades sociais estão em permanente evolução, o texto deve ser interpretado em função das necessidades do momento e pode mudar de sentido ao longo do período em que estiver em vigor. Nesta perspectiva, o intérprete pode adaptar o texto às necessidades sociais de sua época buscando o que seria o pensamento dos legisladores se eles estivessem legislando hoje (BERGEL, 2001, p. 118). Assim, a norma é capaz de se adequar para corresponder às diferentes exigências variantes no tempo e produzir efeitos mesmo quando mudarem os fatos e os valores em razão dos quais veio à luz. Através da interpretação, Adriano Sant’Ana Pedra Gustavo Cabral Vieira 15 é possível a adaptação das normas jurídicas às mudanças ocorridas na sociedade, à sua natural evolução, ou até mesmo com relação ao surgimento de novos valores e ideologias (BASTOS e MEyER-PFLUG, 2007, p. 157). A norma mantém-se em permanente evolução para responder às novas necessidades, aos novos problemas surgidos em razão dos novos tempos, ganhando novos sentidos que o seu elaborador não poderia ter previsto. O direito, assim, está estreitamente relacionado ao estado da sociedade por ele representada, embora dela se distinga para exercer sua tarefa normativa de organizá-la. Deste modo, o ordenamento jurídico é formado e conformado pela realidade (GRAU, 2006, p. 79), é um sistema dinâmico que interage com a realidade fática que objetiva regular. As mudanças havidas na sociedade interferem no sistema normativo, que deve, por sua vez, acompanhar estas transformações. Não é plausível que as normas jurídicas, inclusive as normas convencionais, apresentem-se afastadas e defasadas da realidade fática (BASTOS e MEyER-PFLUG, 2007, p. 145). Nesse sentido, a evolução da jurisprudência é importante para o equilíbrio entre a dinâmica e a estabilidade, por significar, ao mesmo tempo, uma transformação substancial e uma permanência formal. E, como os termos são contextualmente utilizados com uma significação alterável, a interpretação proporciona a atualização e a vivificação constante do sentido de um dispositivo da Convenção. 3 EVOLUÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA DA CORTE EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS: ESTUDO DE CASOS 3.1 O caso “C.R. v. Reino Unido” (n. 20190/92) O primeiro caso interessante a ser abordado é caso “C.R. v. Reino Unido” julgado pela Corte Europeia de Direitos Humanos em 22/11/1995. O requerente havia sido acusado e condenado pela prática de tentativa de estupro e agressão física consumada contra sua esposa, fatos ocorridos em novembro de 1989. Eles haviam se casado em 1984 e tiveram um filho em 1985, sendo que um mês antes dos fatos ela tinha saído de casa para morar com os pais. Ela, inclusive, já havia consultado um advogado sobre assuntos matrimoniais e deixou uma carta para o requerente na qual ela havia informado que pretendia solicitar o divórcio. No entanto, nada havia sido providenciado oficialmente. Na sua defesa o requerente alegou que o casamento implicava em consentimento implícito para manter relações sexuais e que não poderia Publicações da Escola da AGU 16 ser acusado de estupro por ser marido da alegada vítima, bem como que esse consentimento somente poderia ser revogado sob certas condições, utilizando-se como fundamento na jurisprudência até então aplicável que é sintetizada na declaração feita por Sir Matthew Hale CJ na History of the Pleas of the Crown publicada em 1736 (registro feito no próprio julgado)1. A tese de defesa não foi acolhida pelo judiciário nacional, tendo o juiz do caso justificado que essa declaração fora feita em termos gerais e em um tempo em que o casamento era indissolúvel. Em segundo lugar, o juiz observou que era evidente a partir do Acórdão do Tribunal de Recurso no processo “R. v. Steele” (1976) que o consentimento implícito poderia ser retirado por acordo entre as partes, inclusive que tal acordo poderia claramente ser implícito pois não havia nada na jurisprudência para sugerir o contrário. Em terceiro lugar, o juiz entendeu que na common law se reconhecia que uma retirada de qualquer uma das partes da convivência, acompanhada de uma clara indicação de que o consentimento para a relação sexual foi encerrado, equivaleria a revogação do consentimento implícito. Ele concluiu que tanto a segunda quanto a terceira exceção à imunidade matrimonial contra acusação por violação se aplicava ao caso. Após essa decisão do juiz, o requerente se declarou culpado de tentativa de estupro e que havia causado ferimentos corporais reais, e foi condenado a três anos de prisão. O recorrente perante a CEDH reclamou que a sua condenação por tentativa de violação de sua esposa constituiu uma punição retrospectiva em violação ao artigo 7º da Convenção Europeia de Direitos Humanos (a Convenção), tendo argumentado que a imunidade matrimonial era aceita pela jurisprudência ao tempo do cometimento dos fatos. Contudo, a CEDH indeferiu o pleito tendo em vista que o carácter essencialmente degradante de estupro é tão evidente que o resultado das decisões do Tribunal de Recurso e da Câmara dos Lordes - que o requerente poderia ser condenado por tentativa de estupro, independentemente da suarelacionamento com a vítima - não pode ser tido em desacordo com o objeto e a finalidade do artigo 7º da Convenção, tendo concluído que era previsível a evolução da interpretação, não tendo ocorrido violação à Convenção, inclusive a nova interpretação seria condizente com os objetivos fundamentais da Convenção e representaria um conceito civilizado de casamento. Com isso, verifica-se que o entendimento da CEDH à época era no sentido de que não havia óbice à aplicação retroativa de nova interpretação, desde que no contexto de observância dos objetivos fundamentais da Convenção. 1 “But the husband cannot be guilty of rape committed by himself upon his lawful wife, for by their matrimonial consent and contract the wife hath given up herself in this kind unto her husband, which she cannot retract.” Adriano Sant’Ana Pedra Gustavo Cabral Vieira 17 3.2 O caso “Del Río Prada v. Espanha” (n. 42750/09) O segundo caso da CEDH emblemático a ser abordado é o Del Río Prada contra Espanha. A Sra. Inés Del Río Prada, membro do grupo terrorista ETA, estava cumprindo pena de prisão2 em razão de ter cometido diversos atos terroristas entre 1982 e 1987, tendo sido condenada a mais de três mil anos de prisão pelo conjunto de oito condenações penais entre 1989 e 2000. Após decisão da Audiencia Nacional3, a mesma fora notificada no sentido de que as ligações legais e cronológicas entre as ofensas das quais foi condenada tornaram possível agrupá-las em conjunto, tendo se fixado em trinta anos o tempo máximo a ser cumprido pela requerente em relação às suas penas. A questão se tornou mais complexa quando as autoridades prisionais apresentaram proposta à Audiencia Nacional no sentido de que a Sra. Del Río Prada fosse solta em 02/07/2008 tendo em conta a remissão de 3.282 dias que ela tinha direito em razão de todo o trabalho que realizou desde 1987 quando foi presa. No entanto, em 19/05/2008, a Audiência Nacional rejeitou essa proposta e pediu às autoridades da prisão que apresentassem uma nova data para a soltura da requerente com base em um novo precedente conhecido como “doutrina Parot”4. Assim, por um despacho de 23/06/2008, com base numa nova proposta das autoridades penitenciárias, a Audiencia Nacional fixou novamente a data para a libertação final da requerente em 27/06/2017. A reclamação apresentada à CEDH em 2009 continha a alegação de que a continuidade de sua manutenção na prisão pelas autoridades espanholas não era legal e não estava de acordo com procedimento previsto em lei, em contrariedade ao artigo 5º § 1º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem. Com base no artigo 7º, ela também reclamou que, o que ela considerou uma aplicação retroativa de uma nova abordagem adotada pelo Supremo Tribunal espanhol em decisão tomada após a sua condenação, e que aumentou a duração da sua prisão por quase nove anos, violava o princípio da aplicação não retroativa de disposições penais menos favoráveis ao acusado. 2 A requerente foi detida em prisão preventiva a partir de 06/07/1987 e começou a cumprir definitivamente após a primeira condenação em 14/02/1989. 3 Tribunal com jurisdição em casos de terrorismo, entre outros, sediado em Madri (Espanha). 4 Como consta na decisão objeto de análise, a “doutrina Parot” foi estabelecida em julgamento da Suprema Corte espanhola em 28/02/2006. Trata-se de outro caso de um terrorista (este especificamente um membro do grupo separatista ETA) que havia sido condenado com base no Código Penal espanhol de 1973 (julgamento n. 197/2006). O Plenário da Sessão criminal da Suprema Corte decidiu que os benefícios das execuções penais como as remissões de dias trabalhados devem incidir em cada uma das sentenças condenatórias e não no total da pena máxima de trinta anos. Publicações da Escola da AGU 18 No julgamento em 10/07/2012, a Câmara julgadora entendeu que houve uma violação ao artigo 7º da Convenção (princípio da legalidade). Contra a decisão da Câmara, foi requerido e admitido a submissão do caso à Grande Câmara da CEDH, cujo julgamento foi concluído em 21/10/2013. A Grande Câmara fixou as premissas de julgamento no princípio “nullum crimen, nulla poena sine lege”, no conceito de pena e seu objetivo e na previsibilidade do direito penal. No que tange ao objetivo da pena imposta, a Grande Câmara considerou que, no momento em que o requerente cometeu as infrações que levaram à sua acusação e quando foi tomada a decisão de combinar as sentenças e fixar uma pena de prisão máxima, a legislação espanhola relevante, tomada como um todo, incluindo a jurisprudência, foi formulada com suficiente precisão para permitir ao requerente discernir, em um grau razoável nas circunstâncias, o alcance da penalidade que lhe foi imposta, tendo em conta o prazo máximo de trinta anos e as remissões de sentença para o trabalho realizado em detenção, ambos previstas e lei. A penalidade imposta à requerente foi, portanto, de trinta anos de prisão máxima, e qualquer remissão de sentença por trabalho realizado em detenção seria deduzida dessa penalidade máxima. A Corte concluiu que a nova abordagem da aplicação de remissões de sentença por trabalho realizado em detenção introduzido pela “doutrina Parot” não pode ser considerado como uma medida relativa unicamente à execução da sanção imposta à recorrente, mas à redefinição do escopo da “penalidade” imposta. Assim, concluiu que a Espanha infringiu a última parte do artigo 7°, n° 1, da Convenção: “não pode ser imposta uma pena mais grave do que a aplicável no momento em que a infracção foi cometida”. Adiante, a Corte analisou se a “doutrina Parot” era razoavelmente previsível, tendo para tanto examinado se a requerente poderia ter previsto no momento da sua condenação e também quando foi notificada da decisão de combinar as sentenças e fixar uma pena máxima de prisão – se necessário, depois de devidamente orientado por advogado – que a pena imposta poderia se tornar em trinta anos de prisão real, sem redução de qualquer remissão de sentença por trabalho realizado em detenção. Ao fazê-lo, deve ter em conta a lei aplicável na época e, em particular, a prática judicial e administrativa antes da “doutrina Parot”. Em que pese a Corte Constitucional ter se posicionado no sentido do entendimento anterior apenas em um caso julgado em 1994, a Corte observou que o próprio Governo admitiu que era prática das autoridades penitenciárias e judiciais antes da “doutrina de Parot” aplicar remissões de sentença por trabalho realizado em detenção no prazo máximo de trinta anos de prisão. A Corte considerou ainda que, por trás da alteração de interpretação na mudança do entendimento jurisprudencial, houve um endurecimento Adriano Sant’Ana Pedra Gustavo Cabral Vieira 19 da política criminal concomitante com a mudança na legislação tomada em 2003 (Lei n. 7/2003). Mesmo não tendo sido aplicada essa lei no caso concreto, verificou-se que o objetivo da mudança jurisprudencial era o mesmo da lei acima mencionada, a saber, garantir a execução plena e efetiva do prazo legal máximo de prisão por pessoas que servem várias sentenças longas. Concluiu então a Corte que o artigo 7° da Convenção proíbe incondicionalmente a aplicação retrospectiva do direito penal quando se trata da desvantagem de um acusado de modo que este desvio no curso da jurisprudência teve como efeito modificar o alcance da sanção imposta, em detrimento do requerente. Por fim, a Grande Câmara da CEDH ainda analisou a alegação de violação do § 1º do art. 5º da Convenção, que trata do direito à liberdade e à segurança. Em razão da conclusão da Corte de que houve violação ao art. 7º, a CEDH concluiu que, a partir de 03/07/2008, a detenção do recorrente não era “lícita” e, por conseguinte, violava o artigo 5°, n. 1, da Convenção. Ou seja, a ilegalidade na fixação do termofinal para cumprimento da pena deduzidas as remissões, estando a requerente mantida detida, desde 03/07/2008, havia a ofensa ao direito à liberdade. Diante da gravidade dessa circunstância, a CEDH aplicou o art. 46 da Convenção, que é resguardado para casos mais graves, e determinou a soltura imediata da requerente, o que foi cumprido em decisão no dia seguinte pela Audiencia Nacional, que prolatou decisão decretando a liberdade imediata da Sra. Del Río Prada e declarou extinta a punibilidade penal da mesma. Portanto, verifica-se que atualmente a CEDH entende que a jurisprudência nova (notadamente se maléfica) não pode ser aplicada de forma retroativa por considerar que a jurisprudência é expressão do direito e que essa retroatividade fere o artigo 7° da Convenção. 4 ABORDAGEM COMPARATIVA Para fins de mera comparação com a perspectiva brasileira, vale anotar que, no âmbito do Supremo Tribunal Federal - STF, a questão ora trata foi objeto de discussão em decisão plenária ocorrida em 1998 tratando de matéria penal. No caso, foi expressamente afastada a aplicação da técnica denominada de prospective overruling pelos norte-americanos tendo se pontuado que não se confunde alteração legislativa com mudança jurisprudencial (HC 75.793/RS). Posteriormente, em 2011, o tema foi tratado em matéria eleitoral, em decisão da lavra do Min. Celso de Mello (MS 30.380 MC/DF): As múltiplas funções inerentes à jurisprudência – tais como a de conferir previsibilidade às futuras decisões judiciais nas matérias Publicações da Escola da AGU 20 por elas abrangidas, a de atribuir estabilidade às relações jurídicas constituídas sob a sua égide, a de gerar certeza quanto à validade dos efeitos decorrentes de atos praticados de acordo com esses mesmos precedentes e a de preservar, assim, em respeito à ética do Direito, a confiança dos cidadãos (omissis) nas ações do Estado -, tem reconhecido a possibilidade, mesmo em temas de índole constitucional (RE 197.917/SP, Rel. Min. MAURÍCIO CORRêA), de determinar, nas hipóteses de revisão substancial da jurisprudência derivada da ruptura de paradigma, a não incidência, sobre situações previamente consolidadas, dos novos critérios que venham a ser consagrados pelo Supremo Tribunal Federal. [...] Vale mencionar, por oportuno, a título de mera ilustração, que também a prática jurisprudencial da Suprema Corte dos EUA tem observado esse critério, fazendo-o incidir naquelas hipóteses em que sobrevém alteração substancial de diretrizes que, até então, vinham sendo observadas na formação das relações jurídicas, inclusive em matéria penal. Refiro-me, não só ao conhecido caso “Linkletter” – Linkletter v. Walker, 381 U.S. 618, 629, 1965 –, como, ainda, a muitas outras decisões daquele Alto Tribunal, nas quais se proclamou, a partir de certos marcos temporais, considerando-se determinadas premissas e com apoio na técnica do “prospective overruling”, a inaplicabilidade do novo precedente a situações já consolidadas no passado... Outra decisão interessante mais recente que merece destaque adotada pelo Pleno do STF ocorreu no julgamento do Recurso Extraordinário 590.809 em matéria tributária, no qual a decisão foi pela impossibilidade de retroagir alteração jurisprudencial em caso em de rescisória no qual o acórdão rescindendo não poderia ser visto como a violador de lei, mas como resultado da interpretação possível segundo manifestações do próprio Plenário do Supremo Tribunal Federal que existiam à época5. Por f im, interessante registrar o entendimento da Corte Interamericana de Direitos Humanos, adotado no caso “Gomes Lund e outros (‘Guerrilha do Araguaia”) v. Brasil”. Tal qual consta na sentença do caso, “a demanda se refere à alegada ‘responsabilidade [do Estado] pela detenção arbitrária, tortura e desaparecimento forçado de 70 pessoas, entre membros do Partido Comunista do Brasil […] e camponeses da região, […] resultado de operações do Exército brasileiro empreendidas 5 O caso era de matéria tributária, mas consta nos debates que tal entendimento se aplica a todos os casos em geral. Adriano Sant’Ana Pedra Gustavo Cabral Vieira 21 entre 1972 e 1975 com o objetivo de erradicar a Guerrilha do Araguaia, no contexto da ditadura militar do Brasil (1964–1985)’.” Trata-se de caso no qual se verifica a aplicação retroativa da norma jurídica sob o argumento de que, por se tratar de desaparecimento forçado e ainda não terem encontrado os desaparecidos ou seus corpos, resta caracterizada a continuidade delitiva no tempo. Isso inclusive foi usado como fundamento para, em sede de preliminar de “incompetência temporal do Tribunal”, se assentar a competência da Corte, haja vista que o Brasil reconheceu a competência contenciosa da Corte apenas em 10/12/1998 e, em sua declaração, indicou que o Tribunal teria competência para os “fatos posteriores” a esse reconhecimento. 5 CONCLUSÃO Uma alteração na interpretação convencional tem grande repercussão e pode gerar uma grande insegurança jurídica. Daí ser necessário que se amenize o impacto jurídico provocado por essas mudanças jurisprudenciais, vedando uma insegurança retroativa, para que o novo entendimento seja aplicado apenas para os casos posteriores a ele. Foi visto no início deste estudo que a norma é construída pelo intérprete, no decorrer do processo de concretização do direito constitucional, ou seja, no processo de concretização haverá a própria elaboração da norma convencional. Dessa forma, quando há uma nova interpretação, na verdade ocorre a criação de uma norma convencional nova, que, em razão desta situação, não poderá produzir efeitos para eventos pretéritos, em homenagem ao princípio da segurança jurídica. Assim, quando um novo significado é dado ao comando convencional, é necessário resguardar deste novo entendimento as relações jurídicas havidas no passado. Deste modo, Tércio Sampaio Ferraz Junior leciona que a doutrina da irretroatividade serve ao valor da segurança jurídica: o que sucedeu já sucedeu e não deve, a todo momento, ser juridicamente questionado, sob pena de se instaurarem intermináveis conflitos. Essa doutrina, portanto, cumpre a função de possibilitar a solução de conflitos com o mínimo de perturbação social. Seu fundamento é ideológico e reporta-se à concepção liberal do direito e do Estado. (FERRAZ JUNIOR, 2001, p. 248) A segurança jurídica deve estar presente na sociedade, pois representa a certeza de agir conforme os padrões comportamentais em vigor. As pessoas precisam saber como devem comportar-se perante a comunidade Publicações da Escola da AGU 22 em que vivem, e isso é incompatível com a retroatividade das normas. Ronald Dworkin lembra a objeção de que “se um juiz criar uma nova lei e aplicá-la retroativamente ao caso que tem diante de si, a parte perdedora será punida, não por ter violado algum dever que tivesse, mas sim por ter violado um novo dever, criado pelo juiz após o fato” (DWORKIN, 2002, p. 132). A nova interpretação somente pode produzir efeitos prospectivos, sempre para frente ao longo do tempo6. Tal limitação apenas poderia ser excepcionada quando se tratar de norma penal7 mais benéfica para o réu, hipótese em que deve operar efeitos retroativos a fim de alcançar no tempo a conduta deste8. REFERÊNCIAS ADEODATO, João Maurício. Ética e retórica: para uma teoria da dogmática jurídica. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2006. AUDIENCIA NACIONAL. Disponível em: <http://www.poderjudicial.es/stfls/ SALA%20DE%20PRENSA/NOVEDADES/A.%20LIBERTAD%20INES%20 DEL%20RIO%20PRADA_22102013142557_000223.pdf . Acesso em: 20 set. 2017. BASTOS, Celso Ribeiro. Hermenêutica e interpretação constitucional. 3. ed. São Paulo: Celso Bastos, 2002. ______; MEyER-PFLUG, Samantha. A interpretação como fator de desenvolvimento e atualização das normas constitucionais.In: SILVA, Virgílio Afonso da (org.). Interpretação constitucional. São Paulo: Malheiros, 2007. BERGEL, Jean-Louis. Méthodologie juridique. Paris: PUF, 2001. CARRIÓ, Genaro R. Notas sobre derecho y lenguaje. 5. ed. Buenos Aires: Lexis Nexis/Abeledo-Perrot, 2006. CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2006. 6 Em casos específicos, pode ser exigido que a nova interpretação somente seja aplicável após um determinado prazo, como ocorre no exemplo do princípio da anualidade (ou anterioridade) eleitoral (art. 16, CF). 7 O mesmo ocorre quando se tratar de sanção administrativa. 8 Nesse sentido, o artigo 5º, XL, da Constituição brasileira (“a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu”) poderia ser lido como “a norma penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu”. Adriano Sant’Ana Pedra Gustavo Cabral Vieira 23 CORTE EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS. Disponível em: <http:// hudoc.echr.coe.int/eng?i=001-57955>. Acesso em: 20 set. 2017. CORTE EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS. Disponível em: <http:// hudoc.echr.coe.int/eng?i=001-127697>. Acesso em: 20 set. 2017. CORTE EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS. Disponível em: <http:// www.echr.coe.int/Documents/Convention_POR.pdf>. Acesso em: 20 set. 2017. CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Disponível em: <http://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_219_por.pdf>. Acesso em: 20 set. 2017. DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. Tradução de Nelson Boeira. São Paulo: Martins Fontes, 2002. FERRAZ JUNIOR, Tercio Sampaio. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão, dominação. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2001. GADAMER, Hans-Georg. Verdade e método: traços fundamentais de uma hermenêutica filosófica. 3. ed. Tradução de Flávio Paulo Meurer. Petrópolis: Vozes, 1999, t. I. GRAU, Eros Roberto. Ensaio e discurso sobre a interpretação/aplicação do direito. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 2006. HESSE, Konrad. Escritos de derecho constitucional. 2. ed. Tradução de Pedro Cruz Villalon. Madri: Centro de Estudios Constitucionales, 1992. HEIDEGGER, Martin. Ser e tempo. Tradução de Marcia Sá Cavalcante Schuback. Petrópolis: Vozes, 2008. MÜLLER, Friedrich. Teoria estruturante do direito. Tradução de Peter Naumann e Eurides Avance de Souza. São Paulo: RT, 2008. PEDRA, Adriano Sant’Ana. Concretização de direitos fundamentais sociais. In: LIMA, Fernando Rister de Sousa; PORT, Otávio Henrique Martins; OLIVEIRA, Rafael Sérgio Lima de (org.). Poder Judiciário, direitos sociais e racionalidade jurídica. Rio de Janeiro: Campus/Elsevier, 2011a. PEDRA, Adriano Sant’Ana. La inelegibilidad del analfabeto en Brasil: por una lectura más democrática. Estudios Constitucionales, Santiago, a. 9, n. 1, p. 227-244, jan./jun. 2011b. Publicações da Escola da AGU 24 PEDRA, Adriano Sant’Ana. Mutação constitucional e teoria da concretização. Revista de Direito Constitucional e Internacional (Cadernos de Direito Constitucional e Ciência Política), São Paulo, ano 19, n. 74, p. 15-35, jan./mar. 2011c. QUEIROZ, Cristina. Interpretação constitucional e poder judicial: sobre a epistemologia da construção constitucional. Coimbra: Coimbra, 2000, p. 108. STRECK, Lenio Luiz. 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Especialista, em Direito Administrativo pela PUC/SP/COGEAE. Fábia Mara Felipe Belezi Procuradora Federal, lotada no Núcleo de Matéria Finalística da Procuradoria Regional Federal da 3ª Região – SP/MS, Subnúcleo de Infraestrutura e Desenvolvimento. Bacharel em Direito pela Universidade de São Paulo - USP. Especialista em Direito Administrativo pela Universidade de Brasília - UnB. Publicações da Escola da AGU 26 SUMÁRIO: Introdução; 1 Breve noção sobre o controle concorrencial na União Europeia; 1.1 Principais regras aplicáveis; 1.2 Funções e competências da Comissão Europeia no controle concorrencial; 1.3 Funções e competências da Corte Europeia de Justiça de Luxemburgo no controle concorrencial; 2 Breve noção sobre o controle concorrencial no Brasil; 2.1 Principais regras aplicáveis; 2.2 Funções e competências do CADE; 2.3 O papel do Judiciário na defesa da concorrência; 3 Análise de casos; 4 Conclusão; Referências. RESUMO: O presente trabalho pretende, em uma abordagem simples e objetiva, apresentar um breve relato sobre o controle concorrencial na União Europeia e no Brasil. Traçando um paralelo entre as funções e competências nos âmbitos administrativo e judicial, comparando as atribuições do Tribunal de Justiça da União Europeia e da Comissão Europeia com as atribuições do Judiciário brasileiro e do CADE, iremos analisar o julgamento de casos semelhantes nos dois sistemas, abordando a influência das decisões proferidas na União Europeia no controle concorrencial interno, além de buscar lições e exemplos que podem servir à melhoria do sistema brasileiro e à criação de um mercado interno livre e mais dinâmico. PALAVRAS-CHAVE: Direito da Concorrência. União Europeia. Processo Administrativo. Controle Jurisdicional. Brasil. Estudo de Casos. ABSTRACT: This paper intends to present a brief report on the control of competition in the European Union and in Brazil. Making a parallel between the administrative and judicial functions and competences, by comparing the attributions of European Court of Justice and the European Commission with the attributions of the Judiciary Power and the Administrative Council for Economic Defense – CADE, we will examine the trial of similar cases on both systems, addressing the influence of the decisions rendered by the European Union on the internal competition control, in addition to the searching for lessons and examples which can be used for the improvement of the Brazilian system leading to the creation of a more free and dynamic internal market. KEYWORDS: Competition Law. European Union. Brazil. Administrative Process. Judicial Control. Study of Cases. Ana Claudia Ferreira Pastore Fábia Mara Felipe Belezi 27 INTRODUÇÃO É certo que a tendência mais atual indica cada vez mais ser necessária a existência de mecanismos de controle da concorrência não só no âmbito interno dos países, mas também em nível supranacional como ocorre na União Europeia. A ideia da existência de tribunais supranacionais que decidem sobre questões envolvendo os diversos setores econômicos demonstra a preocupação de uniformização de entendimentos bem como com a melhor proteção dos direitos de todos os envolvidos, quais sejam as empresas que atuam no território regulado e os consumidores. Não obstante, na prática se trata de tarefa bastante difícil, principalmente tendo em vista os altos interesses econômicos envolvidos, que dificultam a aceitação das decisões, a sua aplicação e o cumprimento de modo geral. A compreensão das dimensões do problema da existênciae operacionalização de sistemas de controle da concorrência tanto no âmbito administrativo quanto no judicial necessita da definição de alguns aspectos básicos sobre a estrutura e funcionamento desses sistemas. Após o que, poderemos tecer comentários sobre as suas funções e competências, comparando as atribuições do Tribunal de Justiça da União Europeia e da Comissão Europeia com as atribuições do Judiciário brasileiro e do Conselho Administrativo de Defesa Econômica - CADE, através da análise de casos e da influência das decisões proferidas no controle concorrencial interno, buscando lições e alternativas para uma defesa da concorrência mais efetiva no Brasil. 1 BREVE NOÇÃO SOBRE O CONTROLE CONCORRENCIAL NA UNIÃO EUROPEIA Desde o início do processo de integração a proteção à concorrência tem sido considerada essencial às normas comunitárias como elemento de inibição das formas diretas e indiretas de discriminação ou proteção nacional, permitindo-se o livre desenvolvimento do mercado interno europeu. À Comissão Europeia foram concedidos poderes para garantir o respeito às regras comunitárias de concorrência. Suas atribuições consistem em supervisionar e, se necessário, impedir: os acordos anticoncorrenciais, em especial os carteis (Artigos 101.º e 106.º c.c. Artigo 105.º do Tratado Sobre o Funcionamento da União Europeia - TFUE); os abusos de posição dominante nos mercados (Artigos 102.º e 106.º c.c. Art. 105.º); as fusões e aquisições; e, as ajudas públicas (Art. 107.º c.c. Art. 108.º). Em 2004, os Estados-Membros passaram a exercer uma série de funções de aplicação da legislação no âmbito do processo de Publicações da Escola da AGU 28 “modernização” (Regulamento n.º 1/2003), de forma que as autoridades responsáveis pela concorrência e os tribunais nacionais podem aplicar e fazer cumprir o direito comunitário, encerrando acordos e práticas que restringem a concorrência bem como aplicando sanções pecuniárias às empresas infratoras Neste ponto, importante que se mencione a Rede Europeia de Concorrência - REC, dirigida pela Comissão Europeia, com vistas à atuação conjunta e global das diversas autoridades concorrenciais tanto da Comissão quanto dos Estados-Membros. Os poderes da Comissão estão sujeitos ao controle jurisdicional do Tribunal de Justiça da União Europeia (Artigos 256.º e 263.º do TFUE). 1.1 Principais Regras Aplicáveis Seguem os principais documentos legais que dão suporte ao controle da concorrência na União Europeia1: Artigos 101.º a 109.º do TFUE e o Protocolo n.º 27 relativo ao mercado interno e à concorrência que declara que o objetivo do mercado interno, tal como estabelecido no Artigo 3.º, 3, do Tratado da União Europeia - TUE, inclui a concorrência não falseada; Regulamento (CE) n.º 139/2004 relativo ao controle das concentrações de empresas; Artigos 37.º, 106.º e 345.º do TFUE para as empresas públicas, Artigos 14.º, 59.º, 93.º, 106.º, 107.º, 108.º e 114.º do TFUE para os serviços públicos, os serviços de interesse geral e os serviços de interesse econômico geral, bem como o Protocolo n.º 26 sobre os serviços de interesse geral, além do Artigo 36.º da Carta dos Direitos Fundamentais sobre o acesso a serviços de interesse econômico geral. Tais dispositivos, em linhas gerais, proíbem os acordos entre empresas bem como todas as práticas que possam configurar impedimento, restrição ou falseamento da concorrência. A empresa que detenha uma posição dominante está proibida de explorá-la de modo abusivo e, assim, de afetar as transações comerciais entre os Estados-Membros. A subvenção estatal concedida a determinados produtos ou empresas passíveis de distorcer a concorrência também é proibida, embora passível de autorização em determinados casos específicos. A Comissão Europeia exerce o controle sobre os atos de concentração (fusões e aquisições) dentro da Comunidade e tem poderes para proibi-los ou adotar medidas que minimizem as distorções da concorrência. Tais ações fundamentam-se no Regulamento (CE) nº. 139/2004, conhecido como “Regulamento das Concentrações”. 1 Sobre o tema, cf. site do Parlamento Europeu. Disponível em: <http://www.europarl.europa.eu/atyourservice/ pt/displayFtu.html?ftuId=FTU_3.2.1.html>. Acesso em: set. 2017. Ana Claudia Ferreira Pastore Fábia Mara Felipe Belezi 29 As empresas públicas assim como os serviços públicos e aqueles de interesse geral também estão sujeitos ao controle e às regras gerais de concorrência, desde que isso não impeça a realização dos seus objetivos específicos. O Artigo 107.º do TFUE prevê como incompatíveis com o mercado interno, na medida em que afetem as trocas comerciais entre os Estados- membros, os auxílios concedidos pelos Estados ou provenientes de recursos estatais, independentemente da forma que assumam, que falseiem ou ameacem falsear a concorrência, favorecendo certas empresas ou certas produções. Vale ressaltar que o Artigo 107.º, nº. 2, do TFUE admite auxílios estatais que são ou podem ser compatíveis com o mercado interno, como no caso do nº. 3 do mesmo artigo, criando, assim, um conjunto de exceções. Tais regras têm como escopo não a concorrência efetiva em si mesma, mas a criação de um ambiente para a existência de um mercado interno livre e dinâmico, instrumento de promoção do bem-estar econômico geral dos Estado Membros. Nessa perspectiva, existe a possibilidade de uma medida anticompetitiva não ser condenada, caso gere efeitos positivos, como um ganho de eficiência, por exemplo. É importante salientar que o conceito de mercado interno para a realidade da Comunidade Europeia possui larga abrangência, conforme explicado a seguir: A percepção econômica clássica de que as nações não fazem tudo igualmente bem ou de maneira eficiente, o comércio entre nações pode ser benéfico para todas, já teve sua importância. No entanto, o mercado interno possui ambições além do comércio entre Estados. Tem por objetivo fundir os mercados dos Estados Membros em mercado mais abrangente, algo que confira maior grau de uniformidade de estrutura e condições. (CHALMERS, DAVIES & MONTI, 2010, p. 675-676, tradução livre). 1.2 Funções E Competências Da Comissão Europeia No Controle Concorrencial A Comissão Europeia é o órgão executivo da União Europeia que detém o monopólio da iniciativa legislativa bem como possui poderes de aplicação e fiscalização das regras referentes à execução das políticas de concorrência e do comércio externo. É composta por comissários representantes de cada um dos Estados-Membros. A sua atuação na área da concorrência é regulada pelos Artigos 103.º a 109.º do TFUE. A sua atuação ocorria através da Direção Geral da Concorrência, com o auxílio das autoridades concorrenciais dos Estados-Membros, Publicações da Escola da AGU 30 em total monopólio, de acordo com o Regulamento n.º 17 de 1962, com poderes exclusivos. Todavia, com as alterações legislativas ocorridas após a edição do Regulamento n.º 1/2003 do Conselho da União Europeia, foi dada competência para que as autoridades concorrenciais dos Estados- Membros também pudessem aplicar as regras contidas nos Artigos 102.º e 103.º do TFUE, podendo ser controladas pelos tribunais nacionais e pelo Tribunal de Justiça. Essas alterações foram bastante proveitosas para a melhoria da defesa da concorrência na União Europeia pois a exclusividade e o monopólio concedidos à Comissão atrapalhavam de certa maneira a realização do controle, fiscalização e defesa das normas, conforme esclarecem WHISH & BAILEy: No entanto, o monopólio tinha muitas desvantagens: a Comissão nunca possuía pessoal suficiente para lidar com o volume enorme de contratos dos quais era notificada: o resultado experimentado era a intensa demora; uma grande quantidade de tempo de negócios era despendida com a coleta de dados e a preparaçãodo famoso Formulário A/B no qual as notificações eram apresentadas; as despesas também eram grandes, não com os honorários de advogados mas de outros profissionais também; e as empresas enfrentavam um longo período de incerteza quanto à legalidade de seus contratos. (WHISH; BAILEy, 2012, p. 166-167, tradução livre). 1.3 Funções E Competências Da Corte Europeia De Justiça De Luxemburgo No Controle Concorrencial O direito da União Europeia deve ser aplicado por todos os tribunais (nacionais, regionais ou locais) dos Estados-Membros e compete ao Tribunal de Justiça da União Europeia - TJUE interpretá-lo e aplicá-lo de forma uniforme em todos eles, bem como decidir sobre as disputas legais entre os governos nacionais e as instituições europeias. Em alguns casos, os particulares, empresas ou organizações que considerem que os seus direitos foram violados por uma instituição europeia também podem recorrer ao Tribunal2. Os processos mais comuns submetidos ao TJUE são: 1) pedidos de decisão prejudicial - se um juiz nacional tem dúvidas sobre a interpretação ou a validade de um ato adotado pela União, pode pedir esclarecimentos ao Tribunal. Neste caso, a instância no tribunal nacional é suspensa e submete- se a questão ao TJUE, que se pronuncia sobre a interpretação ou validade das disposições. Uma vez proferida a decisão pelo Tribunal de Justiça, o juiz 2 Sobre o Tribunal de Justiça da União Europeia, cf. Disponível em: <https://europa.eu/european-union/ about-eu/institutions-bodies/court-justice_pt>. Acesso em: set. 2017. Ana Claudia Ferreira Pastore Fábia Mara Felipe Belezi 31 nacional pode resolver o litígio de sua competência. Uma tramitação prejudicial urgente (PPU) está prevista para casos que carecem de uma resposta breve. O mesmo mecanismo pode ser utilizado para determinar se uma dada lei ou prática nacional é compatível com o direito europeu; 2) recursos das decisões proferidas pelo Tribunal Geral, que são o meio pelo qual o TJUE pode anular decisões do Tribunal Geral; 3) ações e recursos diretos, que visam, notadamente, à anulação de um ato da União (recurso de anulação) ou à declaração de incumprimento do direito da União por um Estado-Membro (ação por incumprimento). Se o Estado-Membro não executar o acórdão que reconheceu o incumprimento, numa segunda ação, denominada ação por duplo incumprimento, pode ser aplicada uma sanção pecuniária; 4) pareceres sobre a compatibilidade com os Tratados de um projeto de acordo que a União pretenda celebrar com um Estado terceiro ou organização internacional. Tal pedido pode ser apresentado por um Estado-Membro ou por uma instituição europeia (Parlamento, Conselho ou Comissão). O Tribunal de Justiça da União Europeia é composto por duas jurisdições: o Tribunal de Justiça, que trata dos pedidos de decisões a título prejudicial provenientes das jurisdições nacionais, bem como de certas ações de anulação e de recursos e o Tribunal Geral, que trata dos recursos de anulação interpostos por particulares, empresas e, em certos casos, governos nacionais. Na prática, este tribunal cuida essencialmente dos processos relacionados com o direito da concorrência e os auxílios estatais.3 Dos 704 processos findos no ano de 2016 no TJUE, 56 tinham como principal matéria tratada concorrência e auxílios de Estado4. Importante neste ponto frisar que o Tribunal fiscaliza a legalidade das ações das instituições da UE, dentre as quais as decisões da Comissão Europeia. 2 BREVE NOÇÃO SOBRE O CONTROLE CONCORRENCIAL NO BRASIL 2.1 Principais Regras Aplicáveis O Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência - SBDC, estruturado pela Lei nº 12.529, de 30 de novembro de 2011, é o conjunto de entidades integradas na Administração pública federal com o fito de promover a prevenção e repressão às infrações contra a ordem econômica, com atuação orientada 3 Sobre o tema, conferir o site da União Europeia. Disponível em: <https://europa.eu/european-union/ about-eu/institutions-bodies/court-justice_pt#composição>. Acesso em: set.2017. 4 Conferir Relatório Anual 2016 do Tribunal de Justiça da União Europeia. Disponível em: <https://curia. europa.eu/jcms/upload/docs/application/pdf/2017-04/ti_pubpdf_qdaq17001ptn_pdfweb_20170424163218. pdf>. Acesso em: set.2017. Publicações da Escola da AGU 32 pelos princípios constitucionais da liberdade de iniciativa, livre concorrência, função social da propriedade, defesa dos consumidores e repressão ao abuso do poder econômico (art. 1º). Nos termos do art. 3º da citada lei, o SBDC é formado pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE), autarquia federal vinculada ao Ministério da Justiça, e pela Secretaria de Acompanhamento Econômico (SEAE), integrante do Ministério da Fazenda. O CADE, composto pelo Tribunal Administrativo de Defesa Econômica, pela Superintendência-Geral e pelo Departamento de Estudos Econômicos, tem como atribuições analisar e aprovar ou não os atos de concentração econômica, investigar as condutas prejudiciais à livre concorrência e, se for o caso, aplicar as devidas punições aos infratores, bem como disseminar a cultura da livre concorrência. A SEAE, por sua vez, com atribuições delineadas na Portaria nº 386, de 14 de julho de 20095, promove a chamada “advocacia da concorrência” perante os órgãos do governo e a sociedade. 2.2 Funções E Competências Do CADE O CADE exerce, em todo o território nacional, as atribuições previstas pela Lei nº 12.529/2011, complementadas pelo Regimento Interno do CADE – RiCade, aprovado pela Resolução nº 1, de 29 de maio de 20126. O conjunto de atribuições legais conferidas à autarquia ostentam as seguintes funções: 1) preventiva (análise e posterior decisão sobre fusões, aquisições de controle, incorporações e outras operações de concentração); 2) repressiva (investigação, julgamento e punição das infrações à ordem econômica); e, 3) educativa (difusão da cultura da concorrência por meio da instrução da sociedade em geral sobre os atos lesivos à livre concorrência, incentivos e estímulos a pesquisas e estudos sobre o tema)7. Com a edição da nova lei, o CADE ficou bastante fortalecido como entidade de controle da concorrência no país, compondo-se de: TADE (Tribunal Administrativo de Defesa Econômica), com funções de julgamento, instrução de processos de concentração e de controle de infrações, inclusive com poderes de julgamento de concentrações de menor relevância; Superintendência-Geral, órgão que, a partir da entrada em vigor da Lei nº 12.529/2011, passa a desempenhar as atribuições do Departamento de 5 Disponível em: <http://seae.fazenda.gov.br/acesso-a-informacao/institucional/competencias/competencias/ Portaria386_2009.pdf>. Acesso em: set.2017. 6 Disponível em: <file:///C:/Users/fabia.belezi/Downloads/Resolu%C3%A7%C3%A3o%20n%C2%BA%20 01_2012%20-%20Regimento%20Interno%20do%20CADE%20-%20RICADE.pdf>. Acesso em: set. 2017. 7 Sobre as competências do CADE, conferir o site oficial da autarquia: <http://www.cade.gov.br/acesso-a- informacao/institucional/copy_of_competencias>. Acesso em: set.2017. Ana Claudia Ferreira Pastore Fábia Mara Felipe Belezi 33 Proteção e Defesa Econômica da Secretaria de Direito Econômico, como a investigação e a instrução de processos de repressão ao abuso do poder econômico e a análise dos atos de concentração; e, DEE (Departamento de Estudos Econômicos), órgão de apoio técnico das atividades da autarquia. Nota-se, assim, a unificação das funções de investigação de casos de conduta anticompetitiva, de instrução de atos de concentração e de decisão final no CADE, abandonando-se a sobreposição de funções entre entidades distintas, característica da estrutura anterior. Sobre o tema, veja-se: Ao contrário do que ocorre na Comissão Europeia (foco das críticas à combinação das funções investigativas e decisóriasem uma mesma agência), o exercício das funções de investigação e de decisão já foi desenhado de forma claramente separada pelo legislador brasileiro, ainda que tais funções sejam atribuídas a um só ente da administração pública (CARVALHO; LIMA, 2012, p. 22). Outra mudança introduzida pela Lei nº 12.529/2011 consiste na previsão de controle prévio dos atos de concentração econômica, que devem ser obrigatoriamente submetidos à aprovação do CADE. Pela legislação anterior, essas operações podiam ser comunicadas à autarquia depois de serem consumadas, o que fazia do Brasil um dos únicos países do mundo a adotar um controle de estruturas a posteriori. A aprovação prévia trouxe mais segurança jurídica às empresas e maior agilidade na análise dos atos de concentração. Além disso, a nova legislação também trouxe avanços no controle de condutas, a exemplo de novos critérios para a aplicação de multas, ampliação das hipóteses de concessão de leniência e reforço na persecução cível e criminal de cartéis no país. No caso de condenação de algum agente por prática anticompetitiva, o cumprimento das penas está ligado aos indivíduos, e não à empresa ou agente que representam. Essa observação é importante já que no sistema europeu não há previsão para a criminalização de indivíduos. 2.3 O Papel Do Judiciário Na Defesa Da Concorrência O Poder Judiciário pode ser envolvido em questões concorrenciais ainda nas fases iniciais da investigação conduzida pelo CADE, com a propositura, pela Procuradoria Federal que atua junto à autarquia, das medidas judiciais necessárias à obtenção de documentos para a instrução de processos administrativos, nos termos da lei antitruste (cf. art. 15 da Lei nº 12.529/2011). Além disso, pessoas físicas e jurídicas investigadas por vezes submetem ao Judiciário questões referentes ao processo administrativo de investigação Publicações da Escola da AGU 34 Face do princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional previsto no art. 5º, XXXV, da Constituição Federal, as decisões proferidas pelo CADE, que são de natureza administrativa, são passíveis de revisão judicial: A autoridade brasileira de defesa da concorrência, a autarquia denominada Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), é independente e suas decisões constituem título executivo extrajudicial. Não há recurso hierárquico, de modo que os acórdãos prolatados pelo tribunal administrativo do Cade podem ser executados imediatamente. Como qualquer outra decisão administrativa, no entanto, as decisões do Cade – diferentemente da tradição europeia de cortes administrativas de justiça – são passíveis de controle jurisdicional, o que deriva do princípio constitucional de inafastabilidade da jurisdição. De modo geral, o controle jurisdicional dos atos administrativos limita-se aos aspectos exteriores do ato, isto é, à sua legalidade. Mas há inúmeras decisões judiciais que têm examinado também o mérito do ato administrativo. Não obstante o amplo padrão de justiciabilidade dos atos administrativos, cerca de 80% das decisões do CADE são confirmadas pelo Judiciário. Pode-se atribuir tal sucesso aos continuados esforços da autarquia em manter alto grau de transparência e de adequação aos parâmetros fixados pela lei do processo administrativo (Lei n. 9.784/1999). A adesão da autoridade da concorrência ao devido processo legal administrativo é notável e tem ido além do exigido em lei: por exemplo, desde 2004, as sessões de julgamento do Cade são transmitidas ao vivo pela internet. (CUEVA, 2017, p. 18, grifo nosso). Ou seja, apesar de a Lei nº 12.529/2011 considerar o CADE como “entidade judicante” (art. 4º), tal expressão deve ser entendida enquanto medida que vincula a autarquia a um certo método de trabalho, orientado por condições de independência, imparcialidade e impessoalidade; contudo, ao passo que a atuação do CADE se aproxima daquela do Judiciário com relação ao método utilizado, dela se afasta no que concerne à abrangência e aos efeitos da atuação (SUNDFELD, 2003, p. 02). Portanto, apesar das inúmeras discussões a respeito do tema, notadamente relacionadas às dificuldades atinentes à complexidade do conhecimento técnico envolvido8, é ao Judiciário que cabe, em última 8 Sobre o tema, interessantes as ponderações feitas no Seminário Os Desafios da Judicialização da Defesa da Concorrência, da Regulação e do Comércio Internacional, promovido pelo Conselho da Justiça Federal nos dias 12 e 13 de novembro de 2015, em Brasília. Disponível em: <file:///C:/Users/fabia.belezi/Downloads/serie-cad- cej-32-Semin%C3%A1rio-Os-Desafios-da-Judicializa%C3%A7%C3%A3o...-2017.pdf>. Acesso em: out.2017. Ana Claudia Ferreira Pastore Fábia Mara Felipe Belezi 35 instância, a aplicação da lei antitruste. Neste ponto, importante notar a diferença no controle sobre os atos relacionados à concorrência em comparação com o sistema europeu, visto que a revisão operada pelo Judiciário brasileiro é mais ampla, não se restringindo apenas às questões de legalidade, mas também de mérito. A possiblidade de ampla revisão das decisões do CADE pelo Poder Judiciário pode, em muitos aspectos, ser vista como um entrave à atividade repressiva da autarquia, quer pelo elevado número de pedidos de antecipação de tutela deferidos, quer pela demora no julgamento das ações anulatórias, o que faz com que a punição dos agentes econômicos infratores da lei de defesa da concorrência seja protelada. 3 ANÁLISE DE CASOS Conforme amplamente noticiado na imprensa, em junho de 2017, a Comissão Europeia, após uma investigação que vem desde 2010, condenou o Google a pagar uma multa de €2,42 bilhões, equivalente a R$8,97 bilhões, por abuso de posição dominante nas pesquisas gerais na internet, favorecendo o seu próprio comparador de preços para compras online, o Google Shopping. A decisão concluiu que o Google ao desfrutar de uma posição dominante nos mercados de serviço de pesquisa na internet em todo o Espaço Econômico Europeu (EEE), composto por 31 países, o que não é, em si, ilegal face às regras antitruste da EU, abusou da sua forte posição de mercado, restringindo a concorrência, ao dar ao seu próprio serviço de comparação de preços uma vantagem ilegal. Conforme declarou a comissária Margrethe Vestager, responsável pela política da concorrência: A Google tem criado muitos produtos e serviços inovadores que mudaram as nossas vidas, o que é uma boa coisa! Porém, a estratégia da Google para o seu serviço de comparação de preços não era apenas a de atrair clientes tornando o seu produto melhor do que o dos seus concorrentes. Em vez disso, a Google abusou da sua posição dominante no mercado na vertente de motor de busca, promovendo o seu próprio serviço de comparação de preços nos seus resultados de pesquisa e despromovendo os dos concorrentes. O que a Google tem feito é ilegal ao abrigo das regras anti-trust da UE. Negou a outras empresas a possibilidade de competir com base nos seus méritos e de inovar. Mais importante ainda, negou aos consumidores europeus uma escolha genuína de serviços e a possibilidade de tirar pleno partido dos benefícios da inovação (EUROPEAN COMISSION, 2017). Publicações da Escola da AGU 36 A decisão da Comissão, além da aplicação da multa, exige que o Google ponha termo à sua conduta ilegal, no prazo de 90 dias a contar da data da decisão, bem como que se abstenha de tomar qualquer medida que tenha o mesmo objeto ou efeito, ou equivalente. Concretamente, a decisão ordena ao Google que respeite o simples princípio de dar tratamento igual aos serviços de comparação concorrentes de preços e ao seu próprio serviço. Se não der cumprimento à decisão da Comissão, a multa poderá ser agravada em até 5% do volume de negócios médio diário a nível mundial da Alphabet, empresa-mãe do Google. No Brasil, o buscador