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BRUXA: UMA CONSTRUÇÃO HISTÓRICA DA MULHER QUE CONHECE O 
PRÓPRIO CORPO 
 
Laila Lilargem Rocha1 
Larissa Belarmindo2 
Luciane Pessanha3 
 
Resumo: O corpo feminino foi compreendido ao longo da história como misterioso e 
fascinante. Principalmente antes do advento do modelo biomédico, as mulheres possuíam e 
repassavam em seus círculos de convivência conhecimentos sobre o corpo, as plantas, 
sobretudo medicinas alternativas. Assim, essas mulheres, por romperem com a cultura 
patriarcal dominante, que exclui as mesmas da possibilidade de conhecimentos, são então 
consideradas transgressoras. Classificadas na Idade Média (século XVI) como bruxas, as 
mulheres desviantes desde então tem enfrentado e resistido às práticas dominadoras. 
Pensando nessas questões o presente trabalho tem por objetivo analisar como se dá a relação 
historicamente construída entre a mulher e o conhecimento sobre o seu corpo. Assim, foi 
realizada uma revisão bibliográfica contemplando autores como Mary Del Priore e Foucault, e 
como método de análise, procedeu-se a uma análise temática da literatura. Desse modo, a 
concepção de bruxa que propomos, compreende as mulheres que detêm o conhecimento sobre 
seu próprio corpo, são independentes e livres, o que representa uma ruptura e ameaça à 
sociedade patriarcal, já que isso confere poder às mesmas. 
Palavras chave: mulher, conhecimento, corpo, bruxa. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
1 Universidade Federal Fluminense; lailalr@id.uff.br 
2 Universidade Federal Fluminense; lalabelarmindo@hotmail.com 
3 Universidade Federal Fluminense; lucypess@hotmail.com 
 
 
 
 
 
1-Introdução 
A proposta do presente texto é fazer um recorte histórico, a partir de alguns momentos 
(períodos) que são entendidos como relevantes para discutir os temas: mulher, corpo e 
conhecimento. Nesse sentido o objetivo não é traçar uma cronologia (linearidade), mas sim 
demarcar alguns momentos considerados importantes para alcançar tal compreensão. Para 
este fim, então, foi utilizado o método de revisão bibliográfica, baseando-se especialmente em 
Mary del Priore e Michel Foucault, como também em outros autores que versam ou se 
aproximam da temática de gênero. 
Desse modo, parte-se das sociedades matriarcais, caracterizadas pelos povos pré-
históricos. Vale destacar a importância desse período, visto que o mesmo configura-se como 
um contraponto às sociedades posteriores. Estudos etnográficos mostram que nas sociedades 
matriarcais é observada uma relação mais horizontalizada entre as pessoas. Mesmo com a 
centralização na figura da mulher, e mãe, não é identificada relação de autoridade e opressão, 
nem demarcações hierárquicas. 
Posteriormente é feito um salto histórico para a Idade Média, período fundamental 
para o presente texto, pois data a emergência da figura da bruxa. Nesse período, mulheres que 
fugiam às normas dessa sociedade medieval, alicerçada no saber religioso, eram perseguidas e 
condenadas à fogueira. É esse caráter transgressivo da bruxa que é ressaltado ao longo do 
deste trabalho. A subversão da mulher, considerada bruxa, instiga uma reflexão desta para 
além do discurso religioso. A ideia então vai ao encontro de pensar a bruxa enquanto uma 
construção sócio-histórica da mulher transgressora, empoderada, sobretudo em relação ao seu 
corpo. 
Após a sociedade medieval, foi explorado o advento da modernidade, marcado 
principalmente pela emergência do saber científico. Nesse contexto é possível observar que o 
pensamento religioso vai se deteriorando enquanto hegemônico, dando lugar a um discurso 
científico, predominado principalmente pelo saber da medicina. Saber este que subsidiará as 
relações interpessoais e subjetivas, produzindo modos e práticas sobre o corpo. No que tange 
 
 
 
a mulher, a medicina exercerá um papel disciplinador, sobretudo acerca da sua sexualidade. 
Nesse escopo, as mulheres que rompem com o modelo social normatizador serão enquadradas 
pelo discurso médico, sendo patologizadas. 
É nesse contexto moderno que as mulheres, por meio de mecanismos de resistência ao 
poder hegemônico, podem construir coletivamente, formas de luta, ao modelo patriarcal. 
Desse modo, o movimento feminista emerge como um conjunto de práticas e teorias que 
visam problematizar, desconstruir o lugar e o papel da mulher ao longo da história, buscando 
principalmente compreender como se dão as relações de gênero. 
Para a presente revisão de literatura foram realizadas buscas nos bancos de dados 
Google Acadêmico, PePSIC e Scielo. Os descritores utilizados foram “mulher”, “bruxa” e 
“conhecimento” e “corpo”. Dos textos achados, foram selecionados alguns escritos em 
português e uma entrevista na língua espanhola. O ano de publicação e área do conhecimento 
não foram delimitados e nem elementos de exclusão. 
Em seguida, foi feita uma leitura exploratória desse material que, de acordo com Gil 
(2002) parte da ideia de verificar o quanto da obra consultada é relevante para a pesquisa. 
Para análise das informações obtidas, utilizou-se revisão temática da literatura, embasada no 
método de análise temática de conteúdo em que são identificadas unidades de significados nos 
conjuntos das falas (MINAYO, 1994). A partir dela, foram verificados importantes temas 
como as sociedades matriarcais, o controle dos corpos pela igreja na idade média, o 
patriarcado, a mulher no Brasil colônia e nas famílias burguesas da idade moderna, como 
também a eclosão do movimento feminista nas sociedades pós-revolução industrial. 
 
2- Discussão 
2.1- As sociedades matriarcais: povos pré-históricos. 
 
Segundo Geiger (2014), a visão atual acerca do sexo e das mulheres é muito diferente 
da forma como os povos pré-históricos viam. Os povos paleolíticos, em torno de 30 mil 
(A.C.) anos atrás veneravam o princípio materno e a sexualidade das mulheres, vinculava-se 
ao poder feminino e elas possuíam papéis relevantes no plano espiritual, na política e 
 
 
 
economia das comunidades em que viviam. Vale ressaltar, de acordo com essa autora, que 
não existem pistas que indicam uma posição de subordinação ocupada pelos homens ou que 
eles sofressem opressão tal qual as mulheres vieram a sofrer no sistema patriarcal. Nas 
palavras da autora: “[...] nessas sociedades, violência, crueldade, opressão e dominação não 
foram institucionalizadas com a intenção de manter posições de dominação e exploração, nem 
a sexualidade e a identidade masculina foram associadas com dominação ou submissão”. 
(GEIGER, 2014, p. 23). 
Para Campos (2010), a ausência do instituto da propriedade privada sustenta ainda 
mais o fato do controle sexual feminino ser desnecessário, visto que o pensamento 
hierárquico, individualista e separatista, que são fundamentos da propriedade privada, está 
ligado ao arquétipo masculino. Assim, a propriedade privada iria inaugurar a era do 
patriarcado. Frias (2013, p.4) em consonância com as proposições de Campos (2010) afirma 
que: “[...] a passagem do sistema matriarcal para o patriarcal seria o ponto crucial para o 
processo de dominação da mulher, pois nesse sistema a mulher perde a sua supremacia e 
autonomia, tornando-se escrava de pais, irmãos e maridos.” 
Assim, Campos (2010) complementa ao dizer que essa passagem do matriarcado para 
o patriarcado mudou a imagem da mulher e de seu poder de sedução na de um ser insaciável, 
que traz ameaças e tem natureza demoníaca e tal concepção era um meio de legitimar os 
homens e a subjugar as mulheres. 
 
2.2- Idade Média: O controle da igreja. 
A figura da bruxa como uma construção social e histórica, emerge na Idade Média 
incluindo inúmeros pré-conceitosacerca do feminino. A bruxa, seja ela a jovem sedutora ou a 
velha decrépita, associa-se às mulheres que possuem conhecimento sobre o corpo e a 
natureza. Segundo Zordan (2005, p.331), “[...] parteiras, curandeiras e carpideiras, as bruxas 
misturam em seu caldeirão os mistérios da vida e da morte herdados das tradições pagãs”. 
Assim, as mulheres de origem camponesa que desenvolviam práticas e crenças sobre modos 
de tratar doenças e lidar com as situações da existência eram tidas como criminosas naquele 
contexto. Ou seja, a imagem da bruxa diz respeito a um modo de olhar a mulher, 
 
 
 
principalmente quando esta expressa conhecimento e poder. Em conformidade com essa 
questão, Federici (2004, p. 276) também afirma: “[...] historicamente la bruja era la partera, 
la medica, la advina, o la hechicera del pueblo”. 
 Ao longo do tempo, nas sociedades patriarcais, as mulheres independentes e livres, as 
quais a máquina civilizatória não conseguiu dominar, foram punidas por sua expressão de 
poder, pagando por vezes, com suas próprias vidas. As chamadas bruxas foram torturadas e 
queimadas para demonstrar à população o que pode acontecer àqueles que subvertem a lógica 
dominante, que durante a Idade Média era representada pela Igreja. Para tal, o cristianismo 
cunhou a figura da bruxa como uma mulher perversa e devoradora, que comia carne humana, 
participava de orgias, transformava-se em animais e, possuía relações íntimas com demônios. 
A Igreja apoiando-se no manual de inquisidores, o Malleus Maleficarum (século XIV), o qual 
descrevia os poderes das bruxas, sua aliança com o demônio e sua ameaça para o cristianismo, 
construiu uma imagem fantástica dessas mulheres. 
Entretanto, os prodígios realizados pelas bruxas eram ineficientes quando elas eram 
tomadas sob o seu jugo (ZORDAN, 2005). Autores acrescentam também que sob tortura, 
privação do sono e fome, essas mulheres chegavam ao ponto de admitir todos os sortilégios 
aos quais eram acusadas. As bruxas eram acusadas pela Igreja de participar dos sabás4, os 
quais eram considerados rituais de sexo e luxúria dedicados a satã, e por sua vez, como a 
negação da fé cristã. Os sabás4 eram festas camponesas com resquícios do paganismo, onde os 
adeptos se reuniam e dançavam nus. O corpo torna-se mais evidente se comparado a uma 
missa cristã: usa-se o corpo com seus movimentos, expressões e odores para dançar, comer e 
beber. Por sua vez, a missa cristã apesar da finalidade de comungar do corpo (pão) e do 
sangue (vinho) de Cristo, fazendo alusão ao paganismo, representa um “[...] ritual asséptico 
onde ninguém come e bebe de verdade, não há saciedade para o corpo.” (ZORDAN, 2005, 
p.334-5), há apenas um teatro simbolizando a antropofagia dos cultos pagãos. 
 As bruxas encarnavam então tudo o que é indomável, selvagem e instintivo nas 
mulheres, o que para a Igreja era inconcebível, pecaminoso, devendo ser punido. Isto é, na 
 
4 O termo sabá aparece no final da Idade Média para aludir a festividades não-cristãs, nas quais práticas da 
velha religiosidade camponesa, com resquícios do paganismo vigoravam (ZORDAN, 2005, p.334). Pode ser 
denominado também como missa negra. 
 
 
 
lógica patriarcal, era impossível a mulher possuir conhecimento e ter a capacidade de curar os 
males do corpo. “A caracterização da bruxa que vigorou durante a Inquisição, ressoando até 
os dias de hoje, constitui-se como um dos elementos mais perversos produzidos na sociedade 
patriarcal do Ocidente.” (ZORDAN, 2005, p.332). As condenações propostas pela Igreja 
possuíam uma função moralizadora e misógina, pois as bruxas eram consideradas o expurgo 
de todos os males representados pelo feminino, a começar pelo pecado original e a 
desobediência da mulher ao comer do fruto proibido. 
Segundo Silva (2008), a ligação negativa atribuída a Eva (pecado original) se faz 
relevante no pensamento patriarcal, pois “foram às mulheres historicamente situadas, o objeto 
simbólico do mal e da fraqueza humana”, sinalizando a inferioridade racional da mulher 
desde a sua criação. Acreditava-se que as mulheres eram seduzidas mais facilmente pelo 
pecado (luxúria), pelo desejo sexual que espalhou o pecado original. A sexualidade era vista 
como algo diabólico pelos eclesiásticos e, todas as artimanhas realizadas pelas bruxas 
possuíam a finalidade do ato carnal da união dos corpos ou do mistério da procriação. 
Campos afirma: “[...] os homens não podem controlar o poder feminino da procriação 
– mas procuram superar através de métodos históricos de opressão, um deles, o monopólio da 
propriedade” (CAMPOS, 2010, p. 64). Ou seja, a subordinação das mulheres nas sociedades 
patriarcais era garantida pelo controle da sexualidade feminina. A bruxa representando o 
feminino com o seu potencial transformador e criador, aliando-se a imagem da mulher 
independente, dona do seu destino, de seu corpo e da sua sexualidade, era temida e, portanto 
na lógica patriarcal deveria ser dominada. 
 
2.3- Idade Moderna: Da Europa ao Brasil Colônia. 
 
Em seu estudo, Campos (2010) aponta que, mesmo durante o Iluminismo, os seus 
principais pensadores não consideravam a mulher como ser titular de direitos. A Declaração 
dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789) e a Declaração da Independência Americana 
(1776) não contemplavam as mulheres. E foi sem direitos de cidadania que elas, consideradas 
bruxas ou não, chegaram ao século XX. 
 
 
 
Segundo Schmidt (2012), em tempos pré-modernos, de acordo com a ideologia social 
referente à relação mulher/natureza, acreditava-se na capacidade ilimitada da mulher para o 
mal, representado na figura das bruxas da Idade Média perseguidas durante a Inquisição. No 
período moderno, esta crença adquire estatuto de verdade, ou seja, princípios da desordem e 
do mal foram ressaltados para justificar a necessidade de controlar a natureza e a mulher. Tal 
fato explica a figura de um corpo feminino dócil, disciplinado e reprodutivo que seria de 
grande utilidade para a burguesia nesse novo contexto de ordenação das sociedades 
ocidentais. 
Pode-se considerar, nesse sentido, que o desenvolvimento da racionalidade científica com 
vistas ao conhecimento da natureza, a demanda por uma ética sexual pautada na 
necessidade de domesticar as mulheres e o processo capitalista na base da expansão 
europeia que levou à conquista de outras terras e gentes não são fenômenos excludentes e 
nem aleatórios, mas entrelaçados por uma mesma matriz moderna: o desejo de controlar o 
outro e de integrá-lo a um projeto de domínio. (SCHMIDT, 2012, p. 6). 
No Brasil, especificamente, de acordo com Del Priore (2011), nos primeiros tempos da 
colonização, homens e mulheres viam a doença como uma advertência divina. Assim, nesse 
contexto em que doença e culpa estavam misturadas, o corpo feminino era visto, tanto pela 
igreja como pela medicina, como um palco nebuloso e obscuro em que Deus e o Diabo se 
enfrentavam. Ela ressalta que este imaginário constituía um saber que orientava a medicina e 
supria as lacunas de seus conhecimentos. 
Esta autora ainda diz que a ciência médica, além de investir em conceitos que 
subestimavam o corpo feminino, começou a perseguir as mulheres que tinham conhecimento 
de como tratar o próprio corpo. Nesse contexto, a Igreja as via como feiticeiras capazes de 
identificar e debelar as manifestações satânicas nos corpos doentes, mesmo quando elas 
estavam apenas substituindo os médicos, como se observa a seguir: “[...] tanto o corpo da 
mulher quanto os conhecimentos femininos da arte de tratá-lo, curá-lo e cauterizá-lo passaram 
a ser alvo da perseguição das autoridades científicas e eclesiásticas de então.” (DEL PRIORE,2011, p. 82). 
Ficava a cargo de a medicina disciplinar as mulheres para o ato da procriação, visto 
que só como mãe ela apresentaria um corpo e uma alma saudáveis, cujo destino era acolher o 
 
 
 
projeto fisiológico e moral dos médicos e a perspectiva sacramental da igreja. (DEL PRIORE, 
2008). 
Assim, diante de todos esses fatos, Campos (2010) complementa a respeito da posição 
da mulher no Brasil colonial ao dizer que estas gozavam de posição política quase análoga a 
dos escravos, com a vida sexual controlada pelos pais, maridos ou senhores. Ela chama 
atenção para a ideia de que as mulheres mais controladas eram as de classes sociais mais 
elevadas, já que possuíam propriedades privadas e estas precisavam ser resguardadas a todo 
custo. As escravas tinham liberdade sexual, visto que seus parceiros também escravos não 
tinham posse de propriedades, ao contrário, eram eles uma das propriedades dos seus 
senhores. 
 
 
2.4- Mecanismos de poder sobre o corpo. 
 
Como já explicitado anteriormente, com o advento da modernidade, o poder da igreja 
começou a se desmantelar, dando lugar ao saber científico, que se configura paulatinamente. 
Nesse sentido, Foucault (1998, p.36) aponta: “[...] e ao exército dos padres que velam pela 
saúde das almas, corresponderá o dos médicos que se preocupam com a saúde dos corpos”. 
Assim, o saber da igreja e posteriormente o saber científico produzem cada um com seus 
discursos e práticas, mecanismos de poder sobre os corpos. 
A preocupação com a saúde dos corpos se constituiu por meio da construção da 
medicina social. Esta tem como função o esquadrinhamento e controle social, com finalidade 
para docilização e disciplinarização dos corpos. Dessa forma, a saúde da então denominada 
“população” passa a se tornar uma questão política, na qual o corpo é o instrumento de 
controle. (FOUCAULT, 1984). 
Sobre essa concepção de população, Foucault (1988, p.31) expõe que “[...] uma das 
grandes novidades nas técnicas de poder, no século XVIII, foi o surgimento da ‘população’, 
como problema econômico e político [...]”. Partindo dessa nova noção de população, este 
autor compreende a emergência concomitante do mecanismo denominado biopolítca. Mais à 
 
 
 
frente, então explana: “[...] biopolítica para designar o que faz com que a vida e seus 
mecanismos entrem no domínio dos cálculos explícitos, e faz do poder-saber um agente de 
transformação da vida humana.” (FOUCAULT, 1988, p.155). Em outra obra, intitulada O 
nascimento da biopolítica, Foucault retoma o conceito explicando: 
O tema escolhido era, portanto a "biopolítica": eu entendia por isso a maneira 
como se procurou, desde o século XVIII, racionalizar os problemas postos a 
prática governamental pelos fenômenos próprios de um conjunto de viventes 
constituídos em população: saúde, higiene, natalidade, longevidade [...]. 
(FOUCAULT, 2008, p.431). 
Assim sendo os mecanismos de saber produzidos pela ciência configuram-se em uma 
forma de exercício de poder, que se dá nas relações sociais. Apesar dessa regulação dos 
corpos, observam-se rupturas que ocorreram nessa engrenagem social. Assim sendo, Foucault 
(1988, p.106), em História da sexualidade: a vontade de saber, afirma que: “Pontos de 
resistência estão presentes em toda a rede de poder”. Desse modo, a figuras da mulher, 
sobretudo as que subvertem a normas sociais, configuram enquanto esses pontos de 
resistência. 
Foucault (1988, p.132) aponta ainda para o fato de que a mulher foi alvo da 
disciplinaridade e docilidade, com relação a sua sexualidade. Ele afirma: “[...] a personagem 
investida em primeiro lugar pelo dispositivo de sexualidade, umas das primeiras a ser 
‘sexualizada’ foi não devemos esquece, a mulher ‘ociosa’[...]”. Nesse caso, Foucault ressalta 
que a figura da mulher histérica serviu como instrumento ao exercício de um poder disciplinar 
com fins de controle da sexualidade ressaltando, sobretudo, o foco nas mulheres burguesas, 
que ele sinaliza como mulher ‘ociosa’. Assim no primeiro momento, os mecanismos de 
poder-saber foram criados principalmente para e pela burguesia (sendo posteriormente, aos 
poucos engendrados nas classes populares). 
Esse controle acerca do corpo e sexualidade da mulher se apresentou por meio da 
patologização da mesma. Foucault (1988, p.160) evidencia: “[...] a histerização das mulheres 
que levou a uma medicalização minuciosa de seu corpo, de seu sexo, fez-se em nome da 
responsabilidade que elas teriam no que diz respeito à saúde de seus filhos, a solidez da 
instituição familiar e a salvação da sociedade.” Assim compreende-se que a figura da mulher 
 
 
 
e o atravessamento dos dispositivos de poder-saber sobre seu corpo representa um ponto 
fundamental para a sociedade. 
 
2.5- Séculos XIX e XX e o Movimento Feminista. 
 
Como reação aos anos de opressão e domínio da mulher, no âmbito da civilização 
industrial dos séculos XIX e XX, surge o movimento feminista que inclui um conjunto de 
ações e teorias que visam empoderar as mulheres, diante da sociedade que está alicerçada no 
patriarcado. Este modelo patriarcal, construído historicamente, cria hierarquias entre homens 
e mulheres, nas quais os primeiros exercem autoridade, e gozam de privilégios. Diante desse 
cenário ao longo dos anos as mulheres foram consideradas e tratadas como inferiores aos 
homens. (FONSECA, 2008). 
O conceito de gênero tem grande influencia no movimento feminista, buscando 
compreender então a produção social dos papéis do homem e da mulher, e o modo como estes 
foram e continuam sendo construídos historicamente. Desse modo, o sexo biológico não é 
um dado imparcial, posto que o corpo (seja ele composto pelo aparato sexual da mulher ou do 
homem) é inserido na cultura e, para tanto, é compreendido diferentemente em cada 
sociedade, distinguindo-se entre os diversos grupos sociais, sendo necessário considerar 
também variáveis como classe social e etnia (FONSECA, 2008). 
É possível observar então que as diferenças entre homens e mulheres são marcadas, 
sobretudo, pela dualidade e oposição, e tem como base explicações biológicas. Nesse sentido, 
as características obedeceriam ao processo natural da biologia, na qual a mulher caberia o 
papel de mãe, e por isso ligada ao cuidado, proteção, sendo considerada naturalmente 
emotiva. Já o homem teria o papel de provedor e mantenedor da família, por isso considerado 
forte, e racional. Embora estas tão conhecidas explicações ainda vigorem, enfatizamos que 
estas concepções são construídas dentro de um contexto social (MACHADO et. al., 2010). 
Tomando as palavras de Scott: 
 
Nós só podemos escrever a história desse processo se reconhecermos que 
“homem” e “mulher” são ao mesmo tempo categorias vazias e 
 
 
 
transbordantes; vazias porque não têm nenhum significado último, 
transcendente; transbordantes porque mesmo quando parecem estar fixadas, e 
contém ainda dentro delas definições alternativas negadas ou suprimidas 
(SCOTT, 1995, p. 93). 
 
A autora Joan Scott demonstra então que as categorias homem ou mulher não são 
determinantes. Caso se apresente de forma rígida, essa determinação do que é ser mulher ou 
homem, não é fixa, posto que ela traz aspectos e perspectivas de rompimento, mesmo que 
“negadas ou suprimidas”. 
A sociedade em sua organização dinâmica, atravessada pela economia, política, 
história, sofre transformações graduais e constantes. Assim o sistema patriarcal também vem 
sofrendo alterações. Considerando as mudanças socioeconômicas, o cenário social, pôde 
atestar, por exemplo, a entrada da mulher no mercado de trabalho. Fenômeno este que exigiu 
reorganização social tanto no nível prático, quanto em termos de produçãoconceitual. 
Desse modo, o feminismo, caracterizado como um movimento social que questiona os 
papéis estabelecidos entre mulheres e homens, vem sofrendo alterações e configurando 
pluralidades ao longo da sua história. O movimento feminista em seu início, por exemplo, 
(século XIX) se destacou na luta das mulheres pelo direito ao voto (sufragistas). 
Posteriormente, o feminismo acompanhou também a entrada da mulher no mercado de 
trabalho, bem como o advento das tecnologias reprodutivas, a exemplo pílula 
anticoncepcional (PINTO, 2010). Cada uma dessas transformações representa a importância 
do movimento feminista no que tange a emancipação e empoderamento, sobretudo da mulher, 
(mas também do homem), podendo romper estereótipos e papéis cristalizados. 
 
3. Considerações finais 
No presente trabalho buscamos traçar uma trajetória acerca da mulher ao longo da 
história, enfatizando as noções de corpo, conhecimento e transgressão. Assim sendo iniciamos 
com uma breve elucidação das sociedades matriarcais, visto que consideramos importante 
romper com a noção e a hegemonia de sociedades patriarcais. Nesse sentido ao observar a 
existência do matriarcado em alguns povos, mesmo que em povos antigos, enfatizamos a 
 
 
 
concepção de possibilidades de outros modos de se construir uma sociedade, modos esses que 
levem em consideração, por exemplo, princípios tais como os seguidos pelas sociedades 
matrifocais, ou seja, predomínio da cooperação mútua, e relações horizontais. 
Rompendo com paradigmas tradicionais históricos, acerca da construção de 
sociedades patriarcais, nos direcionamos, a partir de um salto histórico, para a Idade média. 
Esse período configurou-se fundamental para o presente trabalho, pois a imagem da bruxa 
surge no período medieval, associando concepções terríveis ao feminino. As mulheres que 
possuíam conhecimento sobre o corpo, a natureza, desenvolvendo práticas sobre modos de 
tratar enfermidades e diversas situações da vida, eram consideradas bruxas. A essas mulheres 
eram atribuídos tudo o que é indomável e selvagem, visto serem detentoras de poder, 
liberdade e conhecimento. 
Diante da sociedade patriarcal e do poder exercido pela Igreja, as mulheres deveriam 
ser punidas por não aceitarem se submeter à lógica dessa sociedade perversa. Para tanto a 
religião, com auxílio do manual dos inquisidores, as transformou em monstros, justificando 
assim todo o tipo de tortura e agressão que cometeu ao longo da Idade Média e Moderna. As 
bruxas eram figuras que reuniam todos os males femininos, como o pecado original e a 
desobediência da mulher ao comer do fruto proibido. Ou seja, historicamente a mulher 
simbolizava a fraqueza humana e a inferioridade racional, devendo ser dominada, oprimida. 
No pensamento patriarcal, era inconcebível a mulher deter conhecimento e poder. Assim, a 
bruxa representando o feminino com o seu potencial transformador e criador, aliando-se a 
imagem da mulher independente, dona do seu destino, de seu corpo e da sua sexualidade, era 
temida. 
Verificou-se que da Idade Média para a Moderna, mesmo esta sendo marcada pela 
valorização da racionalidade e do saber científico, a mulher continua a sofrer opressão e 
domínio masculinos. Apesar dos avanços no que se refere aos direitos conquistados pelo 
homem, eles não contemplavam as mulheres, assim como o saber médico que ainda concebia 
os corpos femininos como propriedades do demônio, cujo objetivo era deixá-los dóceis para 
que atendessem aos anseios da burguesia e do capitalismo crescentes. 
Simultaneamente, no Brasil colonial, essa mesma lógica estava presente. A medicina, 
dando continuidade aos ideais da Igreja no que se refere ao conhecimento do corpo feminino, 
 
 
 
perseguia e condenava as pessoas, com destaque para as mulheres, que tinham habilidades de 
cura para as doenças que as acometiam. O saber médico se encarregava, assim, de disciplinar 
as mulheres para a procriação, especialmente as de classes mais enriquecidas, tendo em vista 
a necessidade de preservar a propriedade privada. 
O movimento feminista (século XIX e XX) se configura então enquanto um conjunto 
de teoria e prática que vem questionando as relações de gênero ao longo da história, 
incorporando novas concepções, e reflexões, de acordo com as transformações sociais. Dentre 
elas, podemos observar, por exemplo, a releitura da história, que até então era contada e 
protagonizada majoritariamente pelos homens, mas que ao ser revisitada a luz dos 
questionamentos feministas, nos possibilita repensar a noção da bruxa, e o porquê da busca 
pelo seu extermínio. Segundo FEDERICI (2013), em entrevista, o feminismo dos anos 70 
trouxe a tona o interesse pela caça as bruxas. As feministas perceberam que a caça as bruxas 
alterou e influenciou a trajetória das mulheres, pois eram mulheres que resistiram ao poder da 
Igreja e do Estado. 
Longe de esgotar essa fértil discussão, o presente trabalho caminhou no sentido de 
propor reflexões e um olhar crítico, bem como fomentar futuras pesquisas que versem sobre 
essas temáticas. É nesse sentido que compreendemos a concepção da “mulher-bruxa” 
enquanto aquela que transgride as normas e concepções sociais vigentes. Essa mulher que, 
sobretudo a partir da idade média, busca se apropriar do conhecimento acerca do seu corpo, 
assumindo com isso as consequências implicadas nessa escolha. 
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