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FALSAS MEMÓRIAS E PROVA TESTUMHAL NO PROCESSO PENAL - EM BUSCA DA REDUÇÃO DE DANOS

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99 
 
 
FALSAS MEMÓRIAS E PROVA 
 TESTEMUNHAL NO PROCESSO PENAL: 
 EM BUSCA DA REDUÇÃO DE DANOS 
AURY LOPES JR* 
CRISTINA CARLA DI GESU** 
Resumo: O trabalho aponta a fragilidade da prova 
testemunhal no processo penal, desde a perspectiva da 
possibilidade de implantação de falsas memórias. Partindo 
da função persuasiva da prova em relação à captura 
psíquica do juiz, espelhada na sentença, alerta-se para os 
riscos da prova testemunhal e da palavra da vítima, 
especialmente nos crimes sexuais envolvendo crianças, e a 
necessidade de buscarem-se medidas de redução de danos 
processuais. 
Palavras-chave: Processo penal – Prova testemunhal – Falsas 
memórias. 
1 – INTRODUÇÃO: A FUNÇÃO PERSUASIVA DA PROVA PENAL 
O processo penal é uma máquina retrospectiva, onde, através do seu 
ritual, busca-se desenvolver uma atividade recognitiva1 dirigida ao julgador. 
A atividade processual gira em torno da busca pelo convencimento do 
 
* Advogado Criminalista. Doutor em Direito Processual Penal. Professor no Programa de Pós-
Graduação – Mestrado e Especialização – em Ciências Criminais da PUCRS. Pesquisador do 
CNPq. 
** Assessora de Desembargador no Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Especialista 
em Ciências Penais pela PUCRS. Mestranda em Ciências Criminais da PUCRS. Bolsista da 
CAPES. 
1 CARNELUTTI, Francesco. “Verità, dubbio e certezza”. In: Rivista di Diritto Processuale, volume XX (II 
serie), 1965, p.04 a 09. 
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julgador. Trata-se da função persuasiva da prova, de que fala TARUFO2, no 
intuito de obter a captura psíquica do juiz (CORDERO). É ingenuidade seguir 
falando em “verdade processual” ou, mais grave ainda, falar-se na 
(absurda) verdade real3, cuja única “realidade” é a de fundar um sistema 
inquisitório. 
No processo acusatório, a “verdade” dos fatos não é elemento 
fundamente do sistema. O poder do julgador não se legitima pela verdade, 
tendo em vista que o poder contido na sentença é validado pela versão mais 
convincente sobre o fato, seja a da acusação ou a da defesa. O que importa é 
o convencimento do julgado. Para reduzir a esfera de arbitrariedade ou 
substancialismo, a prova que ingressa nos autos deve respeitar o due process 
of law, aportando ao feito de forma lícita e legítima. Parte-se, portanto, do 
abandono da idéia de verdade como escopo do processo, devido a seu 
excesso epistêmico4, não esquecendo a lição magistral de CARNELUTTI5 de 
que a verdade está no todo, não na parte; e o todo é demais para nós (“la 
verità è nel tutto, non nella parte; e il tutto à troppo per noi”). 
As provas têm uma função persuasiva em relação ao juiz, permitindo 
uma tentativa de reconstruir (sempre parcialmente) aquilo que aconteceu. É 
elementar que a reconstrução de um fato histórico será sempre minimalista 
e imperfeita6, justamente porque se reconstruirá no presente algo ocorrido 
no passado. Se imaginarmos a testemunha como um pintor, encontramos 
em MERLEAU-PONTY7 a lição magistral de que faltam ao olho condições de ver o 
mundo e faltam ao quadro condições de representar o mundo. 
Impossível, portanto, a reconstrução de fato da mesma forma em que 
ocorreu no passado, pois este só existe na memória das pessoas. E a 
 
2 TARUFFO, Michele. La prueba de los hechos. Trad. de Jordi Ferrer Beltrán. Madrid: Editorial Trotta, 
2002, p.83. 
3 Sendo o crime um fato passado, falar em verdade real é um absurdo, entre vários motivos, pelo 
fato de equiparar o real ao imaginário. Por ser passado, é imaginação, mito, fantasia, memória. 
Jamais realidade. Sobre o tema, LOPES JR., Aury. Introdução Crítica ao Processo Penal – Fundamentos 
da Instrumentalidade Constitucional. 4ª Edição Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2006. 
4 Sobre a necessidade de abandonar-se a idéia de “verdade” no processo, imprescindível a leitura da 
4ª edição da obra Introdução Crítica ao Processo Penal – Fundamentos da Instrumentalidade 
Constitucional, de AURY LOPES JR., publicado pela editora Lumen Juris. 
5 CARNELUTTI, Francesco. Verità, dubbio, certezza. In: Rivista di Diritto Processuale. Vol.XX. Padova: 
CEDAM – Casa Editrice Dott Antonio Milani, 1965, p.5. 
6 LOPES JR., Aury. Introdução Crítica ao Processo Penal, p.267. 
7 LOPES JR., Aury. Introdução Crítica ao Processo Penal, p.268. 
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memória, por sua vez, ao ser evocada, também não é fidedigna à realidade; 
ao oposto, é bastante deficitária. 
2 – MEMÓRIA: O CÉREBRO NÃO ARQUIVA FOTOGRAFIAS 
Diferentemente do que se poderia pensar, as imagens não são 
permanentemente retidas na memória sob a forma de miniaturas ou 
microfilmes, na medida em que qualquer tipo de “cópia” geraria problemas 
de capacidade de armazenamento, devido à imensa gama de conhecimentos 
adquiridos ao longo da vida. É o que explica ANTÔNIO DAMÁSIO8, ao referir 
que “as imagens não são armazenadas sob forma de fotografias fac-
similares de coisas, de acontecimentos, de palavras ou de frases. O cérebro 
não arquiva fotografias Polaroid de pessoas, objetos, paisagens; não 
armazena fitas magnéticas com música e fala; não armazena filmes de cenas 
de nossa vida; nem retém cartões com ‘deixas’ ou mensagens de teleprompter 
do tipo daquelas que ajudam os políticos a ganhar a vida. (...) Se o cérebro 
fosse uma biblioteca, esgotaríamos suas prateleiras à semelhança do que 
acontece nas bibliotecas”. 
Em clara oposição à idéia de que a memória é essencialmente 
reconstrutiva, ANTÔNIO DAMÁSIO9 refere que a evocação da memória deve 
estar relacionada à idéia de “representação aproximativa”. A memória pode 
ser classificada, segundo IZQUIERDO10, em dois grandes grupos. O primeiro 
trata da memória procedural, ligada ao aprendizado de atividades como 
escrever à máquina, andar de bicicleta, etc. O segundo grupo – o da memória 
declarativa – é o que interessa para o presente estudo, faz alusão à memória 
de fatos, eventos, de pessoas, de faces, de conceitos e de idéias. 
Assim, um ponto de suma importância para o estudo diz respeito ao 
esquecimento dos detalhes ao longo do tempo, quando se trata, por 
exemplo, de uma tragédia. Logo que o fato acontece, as pessoas lembram do 
acontecimento com riqueza de detalhes (mas sempre será uma “parte”, o 
fragmento do todo, que é inapreensível para nós). Contudo, com o passar 
 
8 DAMÁSIO, Antônio. O Erro de Descartes: emoção, razão e o cérebro humano. Trad. Portuguesa Dora 
Vicente e Georgina Segurado. São Paulo: Companhia das Letras, 1996, p.128-129. 
9 DAMÁSIO, Antônio. O Erro de Descartes: emoção, razão e o cérebro humano, p.128. 
10 IZQUIERDO, Ivan. A Memoria. Entrevista com Ivan Izquierdo concedida à RAN – Revista Argentina 
de Neurociencias, por Ignacio Brusco, MD; Diego Golombeck, Phd e Sérgio Strejilevich, MD. 
Trad. Renato M. E. Sabbatini. Capturada na internet em 18.10.2006. 
http://www.cerebromente.org.br/n04/opiniao/izquierdo.htm. 
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do tempo, estes são esquecidos, mas fica a lembrança do momento 
dramático. IZQUIERDO11 relata que “o que vai se apagando são os detalhes 
não emocionais. Cada vez que há uma circunstância que evoca algo 
emocional, que pode ser nossa própria vontade, evocamos os detalhes 
emocionais”. Isso veio a ser corroborado pelos estudos neurológicos, no 
sentido de que não há como dissociar a emoção da razão, tal como fez 
DESCARTES no passado. O dualismo cartesiano separou mente, cérebro e 
corpo através da “idéia de que a mente e cérebro estão relacionados, mas 
apenas no sentido de a mente ser o programa de software que corre numa 
parte do hardware chamado cérebro; ou que cérebro e corpo estão 
relacionados, mas apenasno sentido de o primeiro não conseguir 
sobreviver sem a manutenção que o segundo lhe oferece”12. 
3 – MEMÓRIA E PROVA TESTEMUNHAL 
Trazendo a questão para a seara criminal, colocamo-nos diante de 
mais um problema. O delito, sem dúvida, gera uma emoção para aquele que 
o testemunha ou que dele é vítima. Contudo, pelo que se pode observar, a 
tendência da mente humana é guardar apenas a emoção do acontecimento, 
deixando no esquecimento justamente o que seria mais importante a ser 
relatado no processo, ou seja, a memória cognitiva, provida de detalhes 
técnicos e despida de contaminação (emoção, subjetivismo ou juízo de 
valor). 
É preciso, portanto, questionar como se apresenta e quais são as 
condições de possibilidade de exercício da memória na sociedade 
contemporânea. OST13 refere quatro paradoxos da memória: 1) a memória é 
social e não individual, ou seja, nunca se recorda de nada sozinho; 2) 
diferentemente do que se poderia pensar, a memória opera a partir do presente, 
estando longe de derivar do passado; 3) o terceiro paradoxo faz alusão à 
dinamicidade da memória: “A memória situa-se no prolongamento direto do 
precedente: se a memória opera a partir do presente e não do passado, é 
porque ela é uma disposição ativa, até voluntária, e não uma faculdade 
 
11 IZQUIERDO, Ivan. A Memoria. Entrevista com Ivan Izquierdo concedida à RAN – Revista Argentina 
de Neurociencias, por Ignacio Brusco, MD; Diego Golombeck, Phd e Sérgio Strejilevich, MD. 
Trad. Renato M. E. Sabbatini. Capturada na internet em 18.10.2006. 
http://www.cerebromente.org.br/n04/opiniao/izquierdo.htm. 
12 DAMÁSIO, Antônio. O Erro de Descartes: emoção, razão e o cérebro humano, p.278. 
13 OST, François. O tempo do direito. Trad. de Maria Fernanda Oliveira. Lisboa: Instituto Piaget, 1999, 
p.59 e ss. 
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passiva espontânea”14; 4) por fim, o quarto e último paradoxo relaciona a 
memória ao esquecimento: a memória não se opõe ao esquecimento; ao 
contrário, pressupõe-no. Também para VIRILIO15, a memória tem uma íntima 
relação com o esquecimento: “O conteúdo da memória é função da 
velocidade do esquecimento. Isso quer dizer que a memória é o que resta 
quando nós esquecemos, e que não há memória sem esquecimento. Porém, 
a rapidez do esquecimento é mais importante, porque se esquecemos muito 
rápido, caímos na amnésia, mas se nós não esquecemos, ficamos loucos!”. 
Imprescindível a demonstração da concepção da memória sob 
diversos aspectos, pois dela depende o processo tanto para o 
reconhecimento dos acusados quanto para a reconstrução do fato delituoso, 
diante da ausência de demais provas técnicas, tais como perícias, exames de 
DNA, isolamento do local, colheita de digitais, entre outras. Destarte, o 
processo penal não pode ignorar como a memória é vista pelos outros 
campos do saber. GORPHE16 já afirmava que “desde que existen los hombres 
y desde que tienen la pretensión de hacer justicia se han valido del 
testimonio como del más fácil y más común de los medios de prueba”. 
4 – FALSAS MEMÓRIAS 
No que diz respeito às falsas memórias, são praticamente inexistentes 
os estudos sobre o tema e os graves inconvenientes que elas podem trazer 
na formação e valoração da prova jurídico-penal. 
Os primeiros estudos acerca da falsificação da memória remontam ao 
início do Século XX, mais precisamente com BINET, em 1900, na França, e 
com STERN, em 1910, na Alemanha. Estes autores realizaram os primeiros 
experimentos demonstrando a ilusão ou a falsificação da lembrança em 
crianças. Mais tarde, em 1932, BARTLETT investigou, pela primeira vez, o 
fenômeno em adultos. 
 
14 OST, François. O tempo do direito, p.61. 
15 VIRÍLIO, Paul. “O paradoxo da memória do presente na era cibernética”. Entrevista com Paul 
Virilio concedida a Frederico Casalegno, in Memória cotidiana: comunidades e comunicação na era das 
redes. Entrevista com Paul Virilio concedida a Frederico Casalegno. CASALEGNO, Frederico. 
Memória cotidiana: comunidades e comunicação na era das redes. Tradução de Adriana Amaral, 
Francisco Rüdger e Sandra Montardo. Porto Alegre: Sulina, 2006, p.98. 
16 GORPHE, François. La critica del testimonio. 2ª ed. Trad. Mariano Ruiz-Funes. Madrid: Instituto 
Editorial Reus, 1949, p.1. 
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LOFTUS apareceu bem depois, ou seja, nos anos 70. Entretanto, o que 
fez dela uma das maiores autoridades sobre o tema foi justamente a 
introdução de uma nova técnica para o estudo das falsas memórias, 
consistente na sugestão da falsa informação. Cuida-se da inserção de uma 
informação não-verdadeira em meio a uma experiência realmente 
vivenciada, produzindo o chamado efeito “falsa informação”, no qual o 
sujeito acredita verdadeiramente ter passado pela experiência falsa. 
LOFTUS17 constatou, através de experimentos com mais de 20 mil pessoas, 
que “a informação errônea pode se imiscuir em nossas lembranças quando 
falamos com outras pessoas, somos interrogados de maneira evocativa ou 
quando uma reportagem nos mostra um evento que nós próprios vivemos”. 
Inicialmente pensávamos que as falsas memórias giravam apenas em 
torno de um processo inconsciente ou involuntário de “inflação da 
imaginação” sobre um determinado evento. As pessoas expostas à 
desinformação alterariam a memória de maneira previsível ou espetacular, 
mas de sempre de forma dirigida, isto é, não espontaneamente. Contudo, 
STEIN e PERGHER18 alertaram para um novo fator, considerando também ser 
possível a formação de uma falsa memória espontaneamente ou através de 
auto-sugestão. Explicam que “as falsas memórias são geradas 
espontaneamente, como resultado do processo normal de compreensão, ou 
seja, fruto de processos de distorções mnemônicas endógenas”. 
Todavia, o enfoque centra-se na indução. Segundo LOFTUS, a 
recordação dos acontecimentos fictícios da infância possui maior aceitação 
quando a fonte da informação foi esquecida, bem como quando o 
participante se familiariza com os detalhes. Nesse sentido, psicólogos 
apresentaram a voluntários acontecimentos reais relatados por membros da 
família, o que de fato dá mais credibilidade à história, misturados a 
acontecimentos inventados – ter derramado champanha nos pais da noiva, 
em uma festa de casamento. Na primeira vez em que o fato fictício foi 
relatado, nenhum dos participantes lembrava-se dele. Entretanto, os 
resultados da pesquisa mudaram ao longo de duas entrevistas consecutivas: 
18% e depois 25% dos voluntários afirmaram se lembrar do incidente falso. 
A verificação da aludida indução ou sugestionamento é tão 
significativa que alguns voluntários da pesquisa acabaram por lembrar de 
 
17 LOFTUS, Elizabeth. “As falsas lembranças”, in: Viver mente & cérebro, p.90. 
18 STEIN, Lílian Milnilsky e PERGHER, Giovanni Kuckartz. “Criando falsas memórias em adultos por 
meio de palavras associadas”, in Psicologia: Reflexão e Crítica, p.354. 
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acontecimentos ocorridos logo após o nascimento – lembrança dos móbiles 
do berço do hospital, das enfermeiras e das máscaras dos médicos –, 
quando, na verdade, sabe-se que as “recordações ligadas ao primeiro ano de 
vida estão perdidas para sempre, sobretudo porque o hipocampo, que 
desempenha um papel importante nos mecanismos da memória, não é 
suficientemente maduro nessa idade para guardar lembranças recuperáveis 
na idade adulta”19. 
Inclusive, nos testes, alguns voluntários assinaram confissões de 
supostos danos a um computador, ao apertar uma tecla errada, que nunca 
haviam praticado: “Os participantes, inocentes de início, negavam a 
afirmação, mas depois de terem sido confrontadoscom um cúmplice do 
experimentador que afirmava tê-los visto fazer isso, vários deles assinaram 
confissões e terminaram por descrever de maneira detalhada o ato que não 
haviam cometido”20. A assunção de culpa, inclusive com confissão por 
escrito, dá-nos bem a dimensão do problema. 
Algumas pessoas estão mais suscetíveis à formação das falsas 
lembranças, geralmente aquelas que sofreram algum tipo de traumatismo 
ou lapso de memória. Contudo, através da observação casuística e de 
estudos de experimentação, as crianças foram historicamente avaliadas 
como mais vulneráveis à sugestão, pois a tendência infantil é justamente a 
de corresponder às expectativas do que deveria acontecer, bem como às 
expectativas do adulto entrevistador. BINET21 verificou numerosos erros 
involuntários de crianças submetidas a testes de recordação, concluindo que 
“o grau de sugestionabilidade das crianças mais jovens é significativamente 
mais alto, em razão de dois fatores diferentes: a) cognitio ou auto-sugestão, 
porque a criança desenvolve uma resposta segundo sua expectativa do que 
deveria acontecer; b) e outro social, que é o desejo de se ajustar às 
expectativas ou pressões de um entrevistador”. Isso veio demonstrar a 
fragilidade da memória infantil, em termos de sugestionabilidade. 
Na verdade, há um alerta generalizado para o depoimento infantil. 
 
19 LOFTUS, Elizabeth. “As falsas lembranças”, in: Viver mente & cérebro, p.92-93. 
20 LOFTUS, Elizabeth. “As falsas lembranças”, in Viver mente & cérebro, p.93. 
21 BINET, Alfred apud PISA, Osnilda. Psicologia do testemunho: os riscos na inquirição de crianças. 
Dissertação de Mestrado, Programa de Pós-Graduação em Psicologia – Mestrado em Psicologia 
Social e da Personalidade – da PUCRS, Orientadora Lílian M. Stein. Porto Alegre, Julho de 2006, 
p.13. 
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Disso tudo resulta que a obtenção de informações precisas de crianças 
é uma tarefa bastante árdua, tendo em vista que “1) as crianças não estão 
acostumadas a fornecer narrativas elaboradas sobre suas experiências; 2) a 
passagem do tempo dificulta a recordação de eventos; e 3) pode ser muito 
difícil reportar informações sobre eventos que causam estresse, vergonha ou 
dor”22. Além disso, conforme já foi salientado anteriormente, a tendência 
infantil é de se adaptar à expectativa do entrevistador, a fim de demonstrar 
cooperação com o adulto, razão pela qual raramente responde que não sabe. 
Soma-se a isso o fato de a credibilidade e a confiabilidade do relato 
das crianças restarem abaladas pelas convicções prévias do entrevistador 
acerca da ocorrência do evento, pois há clara tendência para moldar a 
entrevista de forma a maximizar as revelações consistentes com suas 
convicções, não desafiando ou dando a devida importância ao relato da 
vítima que não seja condizente com ela. De outra banda, a criança tende a 
ser desafiada pelo entrevistador quando o seu relato for incongruente com a 
convicção inicial dele23. O fato é que se o entrevistador está previamente 
convicto acerca da ocorrência do delito, certamente vai dirigir todos os 
questionamentos de modo a confirmá-lo (o chamado de primado das hipóteses 
sobre os fatos, na célebre expressão de FRANCO CORDERO, em que primeiro se 
decide para depois se obterem as provas, a fim de justificar a decisão), sem 
investigar ou explorar qualquer outra hipótese, demonstrando um imenso 
grau de contaminação do relato. 
Em que pese parecer surreal, a realidade vivenciada na atividade 
forense não escapa do que aqui foi referido, principalmente nos delitos 
sexuais, comumente praticados na clandestinidade, em que a palavra da 
vítima, em contraste com a versão do réu, constitui-se na principal prova. O 
problema é desvelar o que realmente aconteceu, situação que na maioria 
das vezes não é tão simples, pois ou o fato não deixa vestígios ou estes 
foram apagados pelo tempo. Restando tão-somente a prova testemunhal 
como único meio de prova, nasce um novo e grave problema: o 
induzimento realizado pelos parentes, amigos, por policiais, psicólogos, 
assistentes sociais e julgadores ao formularem seus questionamentos, bem 
como pela mídia, devido à notoriedade do caso. 
O tema é complexo e de fundamental importância, na medida em que 
os atores judiciários lidam constantemente com as recordações das pessoas 
 
22 CECI e BRUCK apud PISA, Osnilda. Psicologia do testemunho: os riscos na inquirição de crianças, p.38. 
23 PISA, Osnilda. Psicologia do testemunho: os riscos na inquirição de crianças, p.17. 
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para obter provas de um determinado delito e para realizar 
reconhecimentos pessoais ou por fotografias, sejam elas vítimas, 
testemunhas ou apenas informantes. É preciso que tenham ciência e 
consciência do fenômeno, possam identificá-lo e, por fim, estejam 
preparados para lidar com ele, criando mecanismos procedimentais que 
sirvam para mitigar a situação. 
Em se tratando de processo penal, muito embora haja necessidade de 
uma prova robusta, se vêem inúmeras decisões condenatórias 
fundamentadas exclusivamente na prova oral, principalmente na palavra 
da vítima, quando a infração não deixa vestígios, como nos delitos de 
atentado violento ao pudor, sem falar nas condenações motivadas no cotejo 
entre a prova oral colhida na fase processual e na fase pré-processual, 
totalmente despida de contraditório e ampla defesa. 
Assim, inegável que o processo penal valha-se das testemunhas como 
o mais fácil e mais comum meio de prova. Infelizmente, a prova pericial é 
muito pobre, pois a investigação, muitas vezes, é despida de qualidade 
técnica. Daí a necessidade de um exame cuidadoso da prova oral, 
principalmente em razão dos erros judiciais cometidos em função de 
testemunhos falsos ou equivocados. 
No Brasil, o caso Escola Base de São Paulo é paradigmático, sendo um 
dos maiores exemplos de falsas memórias já vistos, ainda que não tenha 
sido suficientemente trabalhado sob essa óptica. 
Outro exemplo encontramos na Apelação Criminal nº 70017367020, 
julgada pela 5ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Rio 
Grande do Sul, na sessão do dia 27 de dezembro de 2006, onde se manteve a 
absolvição do réu, padrinho da suposta vítima, por atentado violento ao 
pudor. No acórdão foi transcrita a sentença da magistrada de 1º grau, 
Osnilda Pisa, a qual aplicou seus estudos sobre a psicologia do testemunho 
infantil e as falsas memórias para elucidar o caso concreto. 
Neste caso, as acusações de abuso sexual começaram quando a 
menina de oito anos, na época do fato, assistia juntamente com sua mãe ao 
programa Globo Repórter, que abordava a questão do abuso sexual contra as 
crianças. A vítima ficou impressionada com a história do pai que havia 
engravidado a própria filha e vivia maritalmente com ela. Diante disso, 
questionou a sua mãe se beijar na boca podia engravidar. A mãe ficou 
nervosa e procurou esclarecer a questão, ao mesmo tempo em que procurou 
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imputar a prática do delito a alguém. Não incriminou o pai, mas sim o 
padrinho da menor. 
Como a genitora não conseguia falar sobre o assunto com a filha, 
pediu para que esta escrevesse em bilhete contando o que havia ocorrido. 
Em um pedaço de papel, a menina descreveu uma experiência, com 
conotação sexual; contudo, ocorrida na creche onde estudava. Lá, as 
meninas teriam se beijado na boca e mostrado a “bunda” umas para as 
outras. Além disso, também teriam chamado os meninos para pegarem no 
“tico” deles. No bilhete não sabia expressar se gostava ou não daquilo. 
Esse fato não foi explorado na investigação, somente o foi em juízo. 
Associado a tudo isso, ainda salienta-seque a ofendida também beijava o 
irmão na boca, tinha visto acidentalmente um filme pornográfico na 
televisão a cabo, bem como seu pai costumava andar nu pela casa. 
O contexto em que ocorreu a acusação foi totalmente propício para a 
ocorrência das falsas memórias, por indução da própria mãe da vítima, a 
partir de uma experiência sexual vivenciada na escola. 
4 – CONSIDERAÇÕES FINAIS: A NECESSIDADE DE MEDIDAS 
DE REDUÇÃO DE DANOS 
Nessa breve exposição, pretendemos chamar a atenção para a 
problemática das falsas memórias no âmbito do direito e não solucioná-la, 
pois não há soluções simples para problemas complexos. Todavia, viável 
pensar-se em medidas de redução de danos, com o intuito de melhorar a 
qualidade da prova oral. 
As contaminações a que estão sujeitas a prova penal podem ser 
minimizadas através da colheita da prova em um prazo razoável24, objetivando-
se suavizar a influência do tempo (esquecimento) na memória. A adoção de 
técnicas de interrogatório e a entrevista cognitiva25 permitem a obtenção de 
informações quantitativa e qualitativamente superiores às das entrevistas 
tradicionais, altamente sugestivas. O objetivo aqui é evitar a restrição das 
perguntas ou sua formulação de maneira tendenciosa por parte do 
entrevistador, sugerindo o caminho mais adequado para a resposta. De 
outra banda, a gravação das entrevistas realizadas na fase pré-processual, 
 
24 Sobre o tema: BADARÓ, Gustavo Henrique; LOPES Jr., Aury. Direito ao Processo Penal no Prazo 
Razoável. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006. 
25 Sobre as técnicas de interrogatório e a entrevista cognitiva, consultar QUECUTY, María Luisa 
Alonso. “Psicología y Testimonio”. In: Fundamentos de la psicología jurídica. Madrid: Psicologia 
Piramide, 1998. 
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principalmente as realizadas por assistentes sociais e psicólogos, permite ao 
juiz o acesso a um completo registro eletrônico da entrevista. Isso possibilita 
ao julgador o conhecimento do modo como os questionamentos foram 
formulados, bem como os estímulos produzidos nos entrevistados. 
Assumem especial importância não como indício de prova propriamente 
dito, mas para que o julgador avalie como foi realizado o procedimento e 
que métodos foram utilizados, a fim de verificar ou não os graus de 
contaminação. 
Também é de grande valia que os entrevistadores não explorem tão-
somente uma versão da história, notadamente a versão acusatória, no 
sentido de confirmar a materialidade e a autoria do delito. É interessante 
que se faça também uma abordagem de outros aspectos ofertados pela 
própria vítima quando de seu depoimento. Isso porque é bastante comum 
que crianças e adolescentes utilizem a acusação de abuso sexual para fazer 
cessar outras formas de violência física, psicológica ou negligência26. Nestes 
casos, a prisão do pai ou padrasto representa o afastamento do lar. Não 
raras vezes, vêem-se em sede de revisão criminal, através de justificação 
judicial, menores retratando-se das acusações de abuso contra seus supostos 
agressores, afirmando abertamente que “inventaram” a situação para 
afastá-los do lar. Além disso, denúncias de abuso sexual figuram como uma 
arma poderosa nas ações de separação ou divórcio, em que se disputa a 
guarda dos menores. 
Por fim, há que se abandonar a cultura da prova testemunhal, tão 
presente em nosso processo penal, dando lugar a investigações policiais 
calcadas em novas tecnologias e novas técnicas de investigação. Somente 
com a inserção de tecnologia é que se poderão reduzir os danos decorrentes 
da baixa qualidade da prova produzida atualmente. 
 
26 PISA, Osnilda. Psicologia do testemunho: os riscos na inquirição de crianças. Dissertação de Mestrado, 
Programa de Pós-Graduação em Psicologia – Mestrado em Psicologia Social e da Personalidade – 
da PUCRS, Orientadora Lílian M. Stein. Porto Alegre, Julho de 2006, p.22. 
111 
 
 
UMA NOVA PROPOSTA DE ATUAÇÃO: OS 
REFLEXOS PENAIS DA DECISÃO DO 
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL NO 
HC 82.959-7/SP E DA LEI 11.464/2007 
LIZIANE DOS SANTOS* 
CONSIDERAÇÕES INTRODUTÓRIAS 
A recente modificação verificada na composição do Supremo 
Tribunal Federal, em virtude da tomada de assento por um grande número 
de novos Ministros, acarretou substancial alteração na jurisprudência até 
então consolidada na Corte. A questão ora tratada figura na condição de 
matéria que foi alvo de significativa revisão de linha de atuação 
jurisdicional, o que ocorreu com a conclusão do julgamento do HC 82.959-
7/SP em 23.02.2006, resultado de apertada votação majoritária de seis votos 
contra cinco, trazendo um novo viés em relação ao tema, uma vez que a 
jurisprudência da mais alta Corte de Justiça do país reconhecia até então 
como constitucional o regime prisional integralmente fechado para os 
crimes hediondos, tendo a partir de tal apreciação plenária afirmado a 
inconstitucionalidade de tal tratamento jurídico, inclusive com eficácia erga 
omnes e efeito ex nunc1, logo apta a produzir efeitos com relação à população 
carcerária nacional. 
Vislumbra-se a problemática partindo da interpretação constitucional 
levada a efeito pelo STF no julgamento do HC 82.959-7/SP, alterando a 
jurisprudência do próprio Tribunal, firmada há muitos anos, cumprindo 
 
* Assessora Parlamentar da Assembléia Legislativa do Rio Grande do Sul. 
1 Min. Gilmar Mendes: (...) foi todo o desenvolvimento do meu voto, no sentido de que declaramos 
essa lei inicialmente constitucional – não há dúvida em relação a isso –, e muitas penas se 
extinguiram segundo esse regime. A Constituição cogita de responsabilidade civil do Estado, ou 
por erro judicial, ou por prisão excessiva, até mesmo. É uma das hipóteses claras de 
responsabilidade civil do Estado, por conta deste aspecto. Daí eu ter ressaltado que o efeito ex 
nunc deve ser entendido como aplicável às condenações ainda suscetíveis de serem submetidas ao 
regime de progressão. 
RJ 364 
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DOUTRINA PENAL 
 
112 
investigarmos do acerto de tal decisão colegiada à luz da dogmática jurídica 
e de uma política criminal constitucionalista, bem como os seus reflexos 
penais. 
Constatando-se a evolução jurisprudencial pelo tratamento dado aos 
condenados que cometeram delitos de caráter altamente ofensivo, os 
constitucionalmente nominados e legalmente definidos como hediondos, a 
partir da análise dos votos dos Ministros do STF no julgamento havido no 
HC 82.959-7/SP, em 2006, no qual se percebe claramente uma maior 
preocupação do referido Tribunal com os Direitos Fundamentais inscritos na 
Constituição Federal de 1988, subsidiados pelos princípios norteadores do 
ordenamento, de forma a garantir a efetivação de uma interpretação 
constitucional sistemática, o que proporciona a relevância do presente 
escrito. 
Como bem menciona BITENCOURT, os princípios constitucionais 
penais explícitos ou implícitos em nossa Constituição (art. 5°) possuem a 
função de orientar o legislador ordinário para a adoção de um sistema de 
controle penal voltado para os direitos humanos, embasado em um direito 
penal da culpabilidade, um direito penal mínimo e garantista2. 
1 – O SIGNIFICADO DA DECISÃO DO SUPREMO TRIBUNAL 
FEDERAL 
O exame levado a efeito pelo colendo Supremo Tribunal Federal na 
sede do Habeas Corpus 82.959-7/SP, impetrado pelo próprio paciente, Oseas 
de Campos, foi precedido do seguinte iter percorrido pelo interessado: 
acusado pela prática do delito de atentado violento ao pudor, previsto no 
art. 214 combinado com os artigos 224, 226, inciso III, e 71, todos do Código 
Penal, primeiramente o acusado interpôs apelação da sentença 
condenatória, recurso julgado pela 1ª Câmara do Tribunal de Justiçade São 
Paulo, que lhe deu parcial provimento para reduzir a condenação para a 
pena de 12 anos e 3 meses de reclusão, mantendo o regime integralmente 
fechado fixado na sentença. 
Posteriormente, o paciente impetrou o habeas corpus perante o 
Superior Tribunal de Justiça, dotado do número 23.920, argumentando que 
o crime que praticara não poderia ser considerado hediondo, pois não 
resultou em lesão corporal grave, nem morte, admitindo a violência 
 
2 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal. São Paulo. Saraiva, 2003, v.I, p.9-10. 
RJ 364 
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113 
presumida, tendo asseverado acerca da inconstitucionalidade do § 1° do art. 
2° da Lei 8.072, ou seja, da imposição do cumprimento da pena em regime 
integralmente fechado. 
A 6ª Turma do STJ indeferiu o pedido, sustentando que a 
jurisprudência da aludida Corte considera hediondos os crimes de estupro e 
atentado violento ao pudor nas suas formas qualificadas ou simples, 
devendo suas penas ser cumpridas em regime integralmente fechado. 
Contra o acórdão do Superior Tribunal de Justiça houve nova 
impetração, o já mencionado Habeas Corpus 82.959-7/SP, perante o Supremo 
Tribunal Federal, no qual o autor-paciente alega, entre outras matérias de 
relevância para a tese defensiva, a incoerência na possibilidade de 
progressão de regime de cumprimento de pena quanto ao delito de tortura 
e a vedação de tal para o seu caso específico, pugnando pelo deferimento da 
progressão de regime prisional em seu favor. 
Conforme já referido, na apreciação plenária do habeas corpus 
noticiado, a colenda Corte acatou a tese da impetração relacionada à 
possibilidade de progressão de regime prisional quanto aos crimes 
hediondos, tendo inclusive declarado incidentalmente a 
inconstitucionalidade do § 1° do artigo 2° da Lei 8.072/90. 
De se ressaltar que tal reconhecimento empreendido pelo Supremo 
Tribunal Federal tem o especial significado de garantir a efetividade do 
mandamento constitucional respeitante ao princípio da individualização da 
pena. A modificação de entendimento da colenda Corte, após longa data de 
negativa sobre a possibilidade de progressão do regime prisional quanto 
aos crimes hediondos, guarda forte conotação garantista, afirmada pela 
novel composição da aludida Corte. Há falar sobretudo em maturidade 
democrática como um todo, notadamente com reflexo sobre as instituições 
públicas, entre elas o Supremo Tribunal Federal, e em um evoluir paulatino 
da concepção comum acerca dos direitos fundamentais, com especial 
valoração sobre o princípio da dignidade da pessoa humana. 
A mutação constitucional na espécie é inegável. Nesse sentido, vale 
registrar a observação de LARENZ, registrada no voto do Ministro Gilmar 
Mendes3: 
 
3 HC 82.959-7/SP. Voto-vista do Min. Gilmar Mendes. 
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114 
“De entre os factores que dão motivo a uma revisão e, com isso, 
frequentemente, a uma modificação da interpretação anterior, cabe 
uma importância proeminente à alteração da situação normativa. 
Trata-se a este propósito de que as relações fácticas ou usos que o 
legislador histórico tinha perante si e em conformidade aos quais 
projectou a sua regulação, para os quais a tinha pensado, variaram 
de tal modo que a norma dada deixou de se ajustar às novas 
relações. É o factor temporal que se faz notar aqui. Qualquer lei 
está, como facto histórico, em relação actuante com o seu tempo. 
Mas o tempo também não está em quietude, o que no momento da 
gênese da lei actuava de modo determinado, desejado pelo 
legislador, pode posteriormente actuar de um modo que nem 
sequer o legislador previu, nem, se o pudesse ter previsto, estaria 
disposto a aprovar (...). De par com a alteração da situação 
normativa, existem factos tais como, sobretudo, modificações na 
estrutura da ordem jurídica global, uma nítida tendência da 
legislação mais recente, um novo entendimento da ratio legis ou 
dos critérios teleológico-objectivos, bem como a necessidade de 
adequação do direito pré-constitucional aos princípios 
constitucionais, que podem provocar uma alteração de 
interpretação. Os Tribunais podem abandonar a sua interpretação 
anterior porque se convenceram que era incorrecta, que assentava 
em falsas suposições ou em conclusões não suficientemente 
seguras. Mas ao tomar em consideração o factor temporal, pode 
também resultar que uma interpretação que antes era correcta 
agora não o seja.”4 
2 – OS EFEITOS DA DECISÃO DO SUPREMO TRIBUNAL 
FEDERAL 
O julgamento do Habeas Corpus 82.959-7/SP pelo Supremo Tribunal 
Federal teve grande repercussão no funcionamento do sistema penal 
brasileiro, mesmo que a decisão tenha sido proferida em sede de habeas 
corpus, ensejando assim o controle de constitucionalidade de forma difusa, 
tendo em linha de conta, de outra parte, que ao veredicto foram conferidas 
as eficácias erga omnes e ex nunc da declaração de inconstitucionalidade, 
nesse caso afirmando a aplicabilidade do resultado às condenações ainda 
 
4 LARENZ, Karl. Metodologia da Ciência do Direito. 3.ed. Lisboa: [s.e.], 1997, p.495. 
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115 
suscetíveis de serem submetidas ao regime de progressão, conforme 
salientado no voto do Min. Gilmar Mendes5. Desse modo, embora os efeitos 
imediatos se restrinjam a este habeas corpus, não há como negar a já 
destacada ampla repercussão quanto aos demais condenados em condição 
similar, que podem passar a vindicar ao Poder Judiciário o reconhecimento 
do direito à progressão de regime prisional, desde que atendidos os demais 
requisitos legais. 
O descumprimento da decisão do Supremo Tribunal Federal por 
qualquer órgão do Poder Judiciário dará ensejo a duas possibilidades: o 
ajuizamento de uma reclamação6 perante o próprio STF contra a decisão do 
juiz que deixar de observar o comando emanado quando da apreciação do 
Habeas Corpus 82.959-7/SP, assim como uma ação indenizatória contra o 
Estado, por estar o juiz afetando direitos fundamentais de um condenado7. 
Embora pela tão-só aplicação da Lei de Execução Penal (LEP), 
especificamente o seu art. 112, muitos juízes já vinham concedendo a 
progressão aos condenados pelos crimes em questão a despeito da 
jurisprudência superior firmada em sentido contrário, existe a afirmação de 
um dado concreto: após a decisão do STF, os condenados brasileiros por 
crimes hediondos submetidos ao regime integralmente fechado poderão 
invocar o recente precedente do colendo Tribunal em seu favor, manejando 
o habeas corpus, se necessário. 
A partir da decisão do pleno, o juiz pode, então, conceder a 
progressão em alguns casos concretos. Isso significa, na prática, conferir ao 
juiz muito mais responsabilidade, colocando fim à figura do “Juiz 
carimbador”, que só tinha o trabalho de dizer: crime hediondo: regime 
fechado. Enfim e felizmente começa a agonizar este tipo de magistrado 
“despachante”. No Estado Constitucional e Democrático de Direito, só 
existe espaço para um tipo de Juiz: o que dá a cada um o que é seu, 
fundamentando todas as suas decisões, tendo por base a 
constitucionalidade, a legalidade e a razoabilidade. Inclusive no âmbito 
criminal, estamos começando a ver o fim do Juiz burocrata, guiado por 
“automatismo”8. 
 
5 HC 82.959-7/SP. Voto-vista do Min. Gilmar Mendes. 
6 Nesse sentido: Reclamação 4.335-5/Acre, Relator Min. Gilmar Mendes. 
7 GOMES, Luiz Flávio. STF Admite Progressão de Regime nos Crimes Hediondos. Em Evidência. 
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal, n.10, p.78-79, fev.-mar. 2006a. 
8 GOMES, Luiz Flávio. Op. cit., 2006a, p.80. 
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116 
3 – O SOFISMA DA NOVA LEI 11.464/2007 
Após a decisão do Supremo Tribunal Federal no HC 82.959-7/SP em 
2006, surgiram alguns casos de grande comoção nacional, no mesmo ano 
inclusive. Além dos vários atentados cometidos pelo grupo denominado 
PCC9 em São Paulo alguns meses depois do encerramento do julgamento 
pelo STF, em fevereiro de 2007 ocorreu a morte do menino João Hélio10, no 
Rio de Janeiro, após o cometimento de assalto à sua mãe. A repercussão 
social de tais fatos, amplificada pelos meios de comunicação11, com o 
acréscimo do combustível das paixões momentâneas, não pautadas pela 
racionalidade, tem poder de mobilização fortíssimo12. 
Como conseqüência, tivemos a aceleração do processo de votação do 
PL 6.793/2006 na Câmara dos Deputados, sancionado pelo Presidente da 
República em 29.03.2007 sob a forma da Lei 11.464/200713. Se não houvesse 
cenas como as citadas, dificilmente teríamos a aprovação desta recente lei14. 
 
9 Primeiro Comando da Capital, facção criminosa que atua em vários presídios do país. 
10 O menino foi arrastado por alguns quilômetros pendurado no carro levado pelos assaltantes, o 
que ocasionou sua morte. 
11 O papel da imprensa neste contexto não é difundir/divulgar conhecimento, mas sim vender, e 
não há nada que venda mais do que a desgraça alheia. E o crime é uma dupla desgraça da vida, 
tanto para quem sofreu a violência como também para quem a praticou. LOPES, Aury. Introdução 
Crítica ao Processo Penal: Fundamentos da Instrumentalidade Garantista. 2.ed. Rio de Janeiro: 
Lumen Juris, 2005, p.185. 
12 Anota-se que os fatos que promoveram o advento da Lei 8.072/90 têm estreita relação com o 
advento da Lei 11.464/2007: Como a criminalidade viveu, e ainda vive numa espiral crescente de 
criminalidade, além de uma carência de resposta à sociedade, o mais fácil foi estabelecer uma 
resposta simbólica, isto é, uma resposta que aplacasse o clamor social gerado pela insegurança. 
Em vez de uma polícia mais numerosa, bem preparada e remunerada, que no plano imediato tem 
inegável capacidade dissuasória, tivemos a promulgação de uma lei (8.072/90) que introduziu 
profundas modificações no nosso sistema punitivo. TORON, Alberto Zacharias. A Lei de Crimes 
Hediondos Sobre a proposta do Ministro da Justiça de Alteração da Lei de Crimes Hediondos. In: XIX 
Conferência Nacional dos Advogados. República, Poder e Cidadania. Anais. v.2. Florianópolis, 25 
a 29 set. 2005. 
13 (...) Estava errada a Lei que eliminava a progressão de regime prisional quando o crime fosse 
enquadrado na lista dos cometidos com a crueldade ou a nocividade da hediondez. Era uma 
visível contrariedade ao nosso modelo constitucional. Agredia-se o sistema como um todo. Bom 
comportamento tem prêmio, mau comportamento tem castigo, mas fechar alguém por 20 anos na 
cela e dar-lhe depois o livramento condicional, sem etapas de gradativo merecimento, era um 
absurdo inaceitável (...). BRITTO, Cláudio. Zero Hora, Porto Alegre, 11 mar. 2007. 
14 Nesse sentido, comprova Elio Gaspari: Em quatro anos, foram apresentadas 646 propostas 
relacionadas com o crime. Delas, 626 destinavam-se a agravar penas, regimes e restrições. 
GASPARI, Elio. Folha de S. Paulo, São Paulo, 21 abr. 2007. 
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117 
O sofisma15 decorrente da inserção desta lei no coletivo público, apto a 
produzir ilusão acerca da verdade, diz substancialmente com o fato de que 
gestada no âmbito de um chamado pacote legislativo de incremento à 
segurança pública, apresentado enquanto solução que faltava para 
assegurar a paz aos cidadãos em geral, ao passo que em realidade apenas 
posterga em algum lapso de tempo a saída das pessoas que cumprem pena 
por crimes hediondos de instituições que não lhes garantem o mínimo, a 
propósito do intento ressocializador legalmente previsto e idealmente 
esperado. Diante de tal perspectiva, há de se perguntar: é possível contar 
com o incremento de segurança prometido pelas autoridades? 
O outro aspecto sofístico de tal tessitura legislativa diz com a falsa 
representação da realidade de que podem eventualmente ser vítimas os 
condenados por crimes hediondos, que passaram a jubilar com a 
possibilidade de progressão de regime prisional a partir da decisão do STF, 
mas em verdade com o advento da Lei 11.464/2007 o prazo para tal 
progressão passou a ser consideravelmente mais extenso do que aquele 
genericamente contemplado na Lei de Execução Penal. 
3.1 Progressão de Regime Prisional 
A Lei 11.464/2007 vem confirmar a decisão do Supremo Tribunal 
Federal, permitindo a progressão de regime fechado para o semi-aberto e 
 
15 Nesse sentido vale a explicação sobre o surgimento dos sofistas: A questão da linguagem sempre 
esteve posta em diferentes épocas. Pode-se colocar como a primeira obra de filosofia da 
linguagem o escrito Crátilo, de Platão, do ano de 388 a.C. Nele, além de Sócrates, há mais dois 
personagens: Hermógenes, que representa os sofistas, e Crátilo, que representa Heráclito, que 
inaugura a discussão acerca do ser e do pensar. São contrapostas duas teses: o naturalismo, pela 
qual cada coisa tem nome por natureza, tese defendida por Crátilo, e o convencionalismo, posição 
sofística defendida por Hermógenes, pela qual a ligação do nome com as coisas é absolutamente 
arbitrária e convencional, é dizer, não há qualquer ligação das palavras com as coisas. O Crátilo 
representa o enfrentamento de Platão à sofística. Com a tese convencionalista dos sofistas, a 
verdade deixava de ser prioritária. A palavra, para os sofistas, era pura convenção e não obedecia 
nem à lei da natureza e tampouco às leis divinas (sobrenatural). Como era uma invenção humana, 
podia ser reinventada e, conseqüentemente, as verdades estabelecidas podiam ser questionadas. 
Os sofistas provocam, assim, no contexto da Grécia antiga um rompimento paradigmático, 
levando “a cabo una revolución espiritual”. Aristóteles via os sofistas como falsos filósofos, que 
representavam uma ameaça à própria filosofia. Não aceitava a linguagem como ciência universal, 
ao contrário dos sofistas que, com a linguagem, achavam que podiam fazer e dizer tudo sobre 
qualquer coisa, vendo no discurso possibilidades ilimitadas. Dito de outro modo, não aceitava 
que a linguagem pudesse ter uma autonomia em relação às coisas, mas tampouco aceitava que 
esta fazia parte da physis pré-socrática. STRECK, Lênio Luiz. Hermenêutica Jurídica e(m) Crise: uma 
exploração hermenêutica da construção do direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001, 
p.113, 115,118. 
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118 
depois para o aberto nos crimes hediondos (alteração promovida pelo art. 1° 
da Lei 11.464/2007 no § 1° do art. 2° da Lei 8.072). 
Por força da nova redação da lei, surgem hipóteses nas quais o 
condenado poderá ser enquadrado de forma a viabilizar o benefício, tendo 
em consideração sua específica condição de cumprimento de pena. A pena 
será cumprida “inicialmente” em regime fechado, e não mais 
“integralmente”, porém exigindo 2/5 do cumprimento da pena, se o 
apenado for primário, e 3/5, se for reincidente. 
3.1.1 Requisitos para a progressão de regime prisional nos 
crimes hediondos 
a) Bom comportamento 
O novo texto do § 2° do artigo 2° da Lei 8.072/90 dispõe: 
“A Progressão de Regime, no caso dos condenados aos crimes 
previstos neste artigo, dar-se-á após o cumprimento de 2/5 (dois 
quintos) da pena, se o apenado for primário, e de 3/5 (três 
quintos), se reincidente.” 
O dispositivo em questão não estabelece qualquer outro requisito 
para a obtenção da progressão, cabendo indagar se além deste requisito 
temporal deve ser exigido outro, como o bom comportamento carcerário, 
previsto no art. 112 da Lei de ExecuçãoPenal, requisito, aliás, exigível dos 
demais condenados por crime não-hediondo16. 
Embora não esteja expressa na nova lei a exigência do “bom 
comportamento carcerário”, é preciso interpretar e aplicar o novo comando 
do § 2° do artigo 2° da Lei 8.072/90 juntamente com o § 2° do art. 33 do 
Código Penal e também com o art. 112 da LEP, pois o último continua 
vigente, apenas não será mais aplicado o requisito temporal de 
cumprimento de 1/6 da pena, em se tratando de crimes hediondos, mas sim 
de 2/5 ou de 3/5, conforme o caso, como já visto; portanto, o mencionado 
dispositivo da LEP aplica-se aos casos em questão, à exceção do 
quantitativo temporal específico. 
 
16 LEAL, João José; LEAL, Rodrigo José. Progressão de Regime Prisional e Crime Hediondo. Análise 
da Lei n° 11.464/2007 à Luz da Política Criminal. Jus Navigandi, Teresina, n.1426, 28 maio 2007. 
Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=>9936>. Acesso em: 28 maio 
2007. 
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119 
No entanto, o juiz não está obrigatoriamente vinculado ao atestado de 
“bom comportamento carcerário”. Poderá acatá-lo ou rejeitá-lo, se entender 
que as informações prestadas pelo diretor do estabelecimento prisional não 
se conformam com os fins maiores dos princípios da individualização da 
pena e da segurança coletiva17. Por isso, caberá ao juiz saber trabalhar com a 
complexidade e a gravidade de cada caso concreto, solicitando, se 
necessário for, até mesmo um exame criminológico18. 
b) Tempo de Cumprimento de Pena 
Há entendimentos doutrinários divergentes quanto à retroatividade 
ou à irretroatividade dos requisitos objetivos para a progressão de regime 
em crimes hediondos. 
Uma corrente19 já está interpretando que se compararmos a nova lei 
(11.464/07) com a lei anterior (8.072/90), que vedava totalmente a 
progressão de regime, as novas regras poderão ser consideradas mais 
benéficas, já que permitem a progressão, mesmo que o condenado tenha 
que cumprir 2/5 ou 3/5 da pena para ter concedido o benefício. 
Obviamente que para esta corrente o regime integral fechado era 
considerado constitucional, por isso o novo regramento é mais benéfico, 
porque permite a progressão. 
A outra corrente20, que considerava inconstitucional a vedação da 
progressão do regime prisional (§ 1° do art. 2° da Lei 8.072 em sua redação 
originária), reputando conseqüentemente aplicável aos crimes hediondos o 
art. 112 da LEP, no qual a progressão é contemplada a partir do 
cumprimento de 1/6 da pena, atendidos os demais requisitos, viu sua 
posição respaldada pela decisão do STF no HC 82.959-7/SP, que reconheceu 
a inconstitucionalidade da vedação à progressão, concluindo tal corrente 
por afastar os novos patamares de cumprimento de pena exigidos pela lei 
de 2007, que são mais severos, quanto aos fatos ocorridos antes de sua 
 
17 Ibidem. 
18 Embora o exame criminológico tenha sido abolido através da Lei 10.792/03, o STF já manifestou 
sua validade, cabendo ao Juiz fundamentar a sua necessidade. HC 88.533/PE; HC 84.811/PR; HC 
88.149/GO. 
19 BASTOS, Marcelo Lessa. Crimes Hediondos. Regime Prisional e Questões de Direito Intertemporal. 
Jus navegandi. Teresina, n.1380, 12 abr. 2007. Disponível em: 
<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto/.asp.?id=9734>. Acesso em: 16 ago. 2007. 
20 LEAL, João José; LEAL, Rodrigo José. Op. cit., 2007. 
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120 
entrada em vigor, não podendo haver retroatividade em prejuízo do 
condenado. 
Do cotejo de tais entendimentos, resulta que o tempo de pena a ser 
cumprido para o exame da pretensão à progressão de regime prisional 
constitui objeto de controvérsia, que gravita em torno dos intervalos 
correspondentes a 1/6, 2/5 e 3/5 da pena. 
Adota-se a posição segundo a qual a Lei 11.464/2007 é lei mais grave, 
na medida em que exige o cumprimento de lapso maior da pena privativa 
de liberdade à progressão de regime. Os novos marcos temporais agravam a 
situação dos condenados. Com a admissibilidade expressa da progressão 
em crimes hediondos, de acordo com a nova lei o requisito temporal passou 
de 1/6 para 2/5 ou 3/5, dependendo da primariedade ou da reincidência. 
c) Reincidência 
Conforme já sinalizado, questão que se agrega ao tópico concernente 
à definição segundo a Lei 11.464/07 do tempo necessário de cumprimento 
de pena para o deferimento da pretensão do condenado à progressão do 
regime prisional diz respeito à verificação de eventual reincidência. É o que 
resulta dos expressos termos do já transcrito § 2° do artigo 2° da Lei 
8.072/90, na redação atribuída pela Lei 11.464/07. 
Assim, o lapso necessário de cumprimento de pena para a progressão 
do regime prisional na sede dos crimes hediondos quanto aos condenados 
primários é de dois quintos da pena e a respeito dos reincidentes é de três 
quintos. 
Natural, na questão ora examinada, à vista do elevado quantitativo de 
cumprimento de pena necessário para a progressão de regime quanto aos 
condenados reincidentes, a ponderação acerca da espécie de reincidência 
tratada no novel diploma legal. A expressão excepcional do montante 
arbitrado pelo legislador parece indicar no sentido da inexorabilidade da 
indagação acerca de que espécie de reincidência se está a tratar, se genérica 
ou específica. Em outras palavras, o prazo exacerbado para o alcance do 
benefício da progressão de regime é exigível da pessoa que já foi condenada 
com trânsito em julgado por qualquer crime anterior ao cometimento do 
delito hediondo, na forma do artigo 63 do Código Penal, ou apenas para o 
caso de anterior cometimento de outro crime definido como hediondo. 
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Os termos da Lei 11.464/07 dão conta da simples expressão “se 
reincidente”, circunstância que, não obstante a clareza do enunciado, pode 
ensejar a tomada de vulto da indagação mencionada. 
A favor da corrente que defende na espécie a necessidade de 
configuração de reincidência específica, apesar da ausência do qualificativo 
no texto legal, militam os argumentos no sentido da salvaguarda da 
humanidade da pena criminal e da razoabilidade, assim como na defesa de 
que a Lei dos Crimes Hediondos representa subsistema punitivo especial ou 
próprio, demandando para a incidência da regra que prevê o prazo de três 
quintos para o deferimento da progressão do regime prisional a 
superposição de crimes catalogados como hediondos21. 
De outra parte, há de se asseverar que da literalidade da norma em 
discussão resulta, conforme já destacado, a simples consideração da 
reincidência, sem a indicação de qualquer qualificativo, diferentemente do 
que ocorre a propósito da regra do inciso II do artigo 44 do CP, a qual versa 
sobre a reincidência em crime doloso para o caso da substituição da pena 
privativa de liberdade, assim como em relação ao disposto no inciso I do 
artigo 83 do mesmo CP, a respeito do livramento condicional, com a 
ponderação novamente da reincidência em crime doloso. 
A teor ainda da consideração tendente a afastar a idéia de subsistema 
penal quanto à Lei dos Crimes Hediondos, ao menos para os efeitos do 
exame da reincidência inscrita no § 2° do artigo 2° da Lei 8.072/90, na 
redação atribuída pela Lei 11.464/07, tendo em conta que na referência ao 
instituto da reincidência resta inevitável o socorro da definição estabelecida 
no artigo 63 do CP, notadamente à míngua de outra no diploma legal 
específico, firma-se posição pela aplicabilidade da reincidência genérica. 
Muito embora fulcrada inicialmente em interpretação literal do 
dispositivo, do contexto sistemático outra solução não parece se afirmar de 
forma segura, já que se a vontade da lei visasse a resultado distinto, deveriahaver expressa menção à reincidência específica, o que, de fato, não há. De 
mais a mais, quer parecer que nem o STF em eventual controle de 
constitucionalidade da disposição legal poderá ensejar interpretação 
conforme a Constituição22 para fazer ver no caso a expressão “reincidência 
 
21 LEAL, João José; LEAL, Rodrigo José. Op. cit. 
22 Nesse sentido cabe a lição de JORGE MIRANDA: “A garantia da Constituição é a da Constituição no 
seu complexo normativo tomada como um todo”, e a garantia da constitucionalidade “é a 
garantia de que cada norma e cada ato subordinados à Constituição lhe são conformes”. Temos 
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específica” onde ela não está, pois a mencionada Corte não pode, à luz da 
Constituição, operar enquanto legislador positivo. 
3.1.2 A aplicação da Lei 11.464/07 no tempo 
Questão que comporta exame apartado, apesar de já adiantada em 
pequena monta quando da análise do requisito relacionado ao tempo de 
cumprimento de pena necessário para o reconhecimento do direito à 
progressão do regime prisional na seara dos crimes hediondos, que é objeto 
do presente estudo, diz respeito à aplicação das inovações decorrentes da 
Lei 11.464/07 no tempo. 
Resgatando a menção realizada no intróito deste capítulo quanto à 
dimensão sofística desta nova lei, vinculada em um dos casos mencionados 
a eventual ilusão que poderia vitimar os condenados por crimes hediondos 
ao fazer supor sobre a aplicabilidade da regra geral de progressão de 
regime constante da LEP, ao passo que em verdade há previsão de prazos 
específicos consideravelmente mais extensos, cumpre destacar que se trata 
de questão dependente da definição do modo de aplicação no tempo da Lei 
n° 11.464/07. 
A disciplina de tal questão tem assento constitucional específico sob a 
forma do princípio que veda a retroação da lei penal, salvo na hipótese de 
beneficiamento da condição jurídica do réu23. Assim, tratando a progressão 
de regime prisional de matéria relacionada ao cumprimento da pena, tópico 
jurídico vinculado ao direito penal material, evidentemente atrai ainda a 
incidência combinada dos artigos 2° e 4° do Código Penal, com o que só há 
falar na incidência dos preceitos correlatos à progressão de regime da Lei n° 
11.464/07, visivelmente mais gravosos, quanto aos crimes praticados a 
partir do advento dos seus efeitos, ou seja, a contar de 29.03.2007, data da 
publicação do aludido diploma legal. 
Nessa linha, cumpre a transcrição do seguinte excerto doutrinário de 
SCHMIDT: 
 
direitos não só a garantia da Constituição, mas também à constitucionalidade, ou seja, sermos 
processados por leis que se assemelham ao programa constitucional democrático (...). BAUM, 
Adler; SANTOS, Liziane dos. Uma Leitura Constitucional sobre a Desjudicialização da Execução 
Fiscal. Revista de Estudos Tributários, n.55, p.115, maio-jun. 2007. 
23 Constituição Federal de 1988, art. 5°, inciso XL: “a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o 
réu”. 
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“(...) pode-se afirmar, agora, que as normas materiais de 
execução penal sujeitam-se ao princípio da irretroatividade da lex 
gravior, bem como à retroatividade da lex mitior e da abolitio, 
enquanto que as normas formais de execução, ao princípio da 
aplicação imediata. Assim, teríamos de fixar o ‘momento critério’ 
de aplicação da lei penal no tempo, quanto às normas processuais 
penais materiais, no tempus delicti, ou seja, devem ser aplicáveis as 
normas processuais – caso sejam elas mais leves – em vigor à 
época da ação ou omissão delituosa (art. 4° do CPB), prescindindo-
se, para tanto, da análise da legislação vigente à época em que o 
processo penal teve início. Justifica-se tal investigação pelo simples 
fato de a Lei n° 7.210/84, em seu Título I, disciplinar o Objeto e a 
Aplicação da Lei de Execução Penal, sem fazer menção, entretanto, 
a qualquer norma expressa que regule a aplicação da lei de 
execução penal no tempo. 
A execução da pena encontra-se regulada por normas de direito 
material (p. ex., as penas de reclusão e detenção), de direito 
processual material (p. ex., as condições impostas à progressão de 
regime) e de direito processual formal (p. ex., a expedição de guia 
de recolhimento como condição necessária ao início do 
cumprimento da pena privativa de liberdade). No primeiro caso, o 
princípio da legalidade, bem como seus desdobramentos, possui 
inteira aplicabilidade. Assim, se à época da prática do delito (art. 
4° do CPB) o fato era punido com pena de detenção, a lei nova que 
determine a pena de reclusão não se aplica retroativamente, dada a 
sua natureza de lex gravior. Da mesma forma, se o quantum de pena 
autorizava o início de seu cumprimento em regime semi-aberto, a 
lei superveniente que determina a satisfação inicial da pretensão 
executória do Estado em regime fechado não pode ser aplicável 
aos delitos anteriores à sua efetiva entrada em vigor.”24 
Desse modo, cometido o crime hediondo até 28.03.07, o réu 
condenado por tal prática não sofrerá os efeitos relativos ao regime de 
cumprimento prisional, no enfoque da disciplina específica da progressão 
de regime, dispostos na Lei n° 11.464/07, restando alcançado, de outro 
tanto, pela preceitação levada a efeito pelo colendo Supremo Tribunal 
 
24 SCHMIDT, Andrei Zenkner. A Crise da Legalidade na Execução Penal. In: CARVALHO, Salo de. 
(Coord.) Crítica à Execução Penal. Rio de Janeiro. Lumen Juris, 2007, p.40. 
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Federal no julgamento do HC 82.959-7/SP no sentido da afirmação com 
eficácia erga omnes e ex nunc da inconstitucionalidade do § 1° do art. 2° da 
Lei 8.072 em sua redação originária, nesse caso com aplicabilidade às 
condenações ainda suscetíveis de serem submetidas ao regime de 
progressão. De tal forma, resta assegurada a tal condenado a progressão de 
regime prisional em razão do reconhecimento da inconstitucionalidade da 
vedação legal originária de forma a produzir efeitos na sua esfera jurídica, o 
que permite a incidência das regras contidas na LEP, no caso as do artigo 
112, com a garantia do benefício a partir do cumprimento de 1/6 da pena, 
desde que atendidos os demais requisitos. 
Já a respeito dos crimes hediondos cometidos a partir de 29.03.07, 
resta claro o alcance do diploma legal ora em comento, qual seja a Lei 
11.464/07, com a incidência de suas regras específicas a propósito da 
progressão de regime prisional, na forma da nova redação conferida aos §§ 
1° e 2° do artigo 2° da Lei 8.072, com prazo mínimo de cumprimento de 
pena de 2/5 para o condenado primário e de 3/5 para o reincidente, 
aplicação normativa cumulada com os demais dispositivos da LEP, 
conforme salientado anteriormente. 
Com a edição da Lei 11.464/07, restou configurada hipótese de novatio 
legis in pejus, que só vale para crimes cometidos a partir do dia 29.03.07, já 
que a lei penal não poderá retroagir em desfavor do réu; portanto, para os 
delitos cometidos a partir desta data é que se aplicará a regra dos 2/5 e dos 
3/5. 
Segue tal orientação a jurisprudência que começa a se firmar a contar 
do advento do novo diploma legal: 
“Recurso em Habeas Corpus – Direito Penal – Progressão de 
Regime Prisional – Crimes Hediondo – Inconstitucionalidade da 
Vedação ao Cumprimento Progressivo da Pena – Exigência de 
Lapso Temporal Não Previsto na Legislação Pátria – 
Impossibilidade – Princípio da Legalidade – Advento da Lei nº 
11.464/07 – Lapsos Temporais Mais Gravosos – Aplicação 
Exclusiva aos Casos Supervenientes – 1. Reconhecida a 
inconstitucionalidade do art. 2º,§ 1º, da Lei nº 8.072/90, na sua 
antiga redação, não pode o magistrado exigir lapso distinto do 
previsto na legislação pátria para a progressão de regime, sob pena 
de ferir-se o princípio da legalidade. 2. Com o advento da Lei nº 
11.464/07, a progressão de regime prisional aos condenados pela 
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prática de crimes hediondos é permitida após o cumprimento de 
2/5 da pena, em se tratando de réu primário, ou 3/5, nos casos de 
reincidência, lapsos aplicáveis somente aos casos supervenientes à 
sua vigência, em razão do maior rigor. 3. Recurso provido” (RHC 
21.055/PR, Relª Min. Maria Thereza de Assis Moura, 6ª Turma, 
julgado em 17.05.2007, DJ 04.06.2007, p.427). 
3.1.3 Legitimidade constitucional da ampliação do prazo 
de cumprimento de pena para o deferimento do 
benefício 
Ultimado o exame a respeito dos requisitos introduzidos pela Lei 
11.464/07 quanto à progressão de regime prisional em se tratando de crimes 
hediondos, assim como realizadas ponderações acerca de sua aplicação no 
tempo, cumpre promover ligeira apreciação no que tange à legitimidade 
constitucional da alteração substancial verificada em relação ao tempo de 
cumprimento de pena exigido para o deferimento do benefício. 
Novamente trazendo à baila o título deste capítulo, afigura-se 
enquanto inolvidável a ilusão da verdade que representa a edição do 
diploma legal em comento sobre as expectativas dos condenados pelo 
cometimento de crimes hediondos, à vista da brusca elevação do patamar 
de cumprimento de pena necessário para o alcance da progressão de regime 
prisional em contraste com o disposto para as demais espécies delitivas na 
condição de regra geral no bojo da Lei de Execução Penal, topicamente em 
seu artigo 112. 
Nesta perspectiva, oportunas a indagação e a especulação no que toca 
à conformidade constitucional da modificação referida. Em tal mister, desde 
já busca-se subsídio na moderna doutrina constitucional, que opera com a 
noção da proibição de retrocesso na seara dos direitos fundamentais, 
consoante a seguinte formulação: 
“(...) resulta evidente que a dignidade da pessoa humana não 
exige apenas uma proteção em face de atos de cunho retroativo 
(isto, é claro, quando estiver em causa uma efetiva ou potencial 
violação da dignidade em algumas de suas manifestações), mas 
também não dispensa – pelo menos é esta a tese que estaremos a 
sustentar – uma proteção contra medidas retrocessivas, mas que 
não podem ser tidas como propriamente retroativas, já que não 
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alcançam as figuras dos direitos adquiridos, do ato jurídico 
perfeito e da coisa julgada. Basta lembrar aqui a possibilidade de o 
legislador, seja por meio de uma emenda constitucional, seja por 
uma reforma no plano legislativo, suprimir determinados 
conteúdos da Constituição ou revogar normas legais destinadas à 
regulamentação de dispositivos constitucionais, notadamente em 
matéria de direitos sociais, ainda que com efeitos meramente 
prospectivos. Com isso, deparamo-nos com a noção que tem sido 
‘batizada’ pela doutrina – entre outros termos utilizados – como 
proibição (ou vedação) de retrocesso (...).”25 
Assim, sem descurar da ponderável ofensa aos princípios da 
razoabilidade e da proporcionalidade que a elevação do quantitativo 
temporal necessário para a progressão de regime prisional em relação aos 
crimes hediondos de 1/6 (artigo 112 da LEP) para 2/5 ou 3/5 (redação 
atribuída ao § 2° do artigo 2° da Lei 8.072/90 pela Lei 11.464/07) 
representou, quando sabidamente se está a falar de penas concretizadas 
como regra em patamares bastante elevados, há também de se sindicar a 
respeito de eventual contrariedade à cláusula da proibição de retrocesso. 
Para tanto, basta considerar que apesar da circunstância de as 
alterações debatidas atingirem, como já salientado no tópico anterior, 
apenas os autores condenados por crimes hediondos praticados a contar do 
advento da Lei 11.464/2007, operando então efeitos prospectivamente, com 
a significativa majoração dos níveis de cumprimento de pena necessários 
para o deferimento do benefício de progressão conforme referido no 
parágrafo anterior, haveria falar em mácula à condição jurídica de toda uma 
coletividade mediante o ataque à sua segurança jurídica perpetrado pelo 
retrocesso concretizado através de tal elevação desmesurada da exigência 
temporal, em flagrante ofensa ao princípio fundamental atinente à 
dignidade da pessoa humana, com a imposição de prolongado intervalo de 
cumprimento de pena no regime fechado, em notório desfavor quanto ao 
intuito ressocializador da pena. 
De outro vértice, há de se ter em vista que a investigação sobre o 
mencionado retrocesso impõe algumas dificuldades, tais como o seu usual 
alcance a propósito dos direitos sociais, hipótese de que ora não se trata, a 
necessidade de que a eventual ofensa atinja o núcleo essencial do direito 
 
25 SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais, p.405-406. 
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tutelado e a obrigatoriedade da consideração deste direito em ponderação 
com as demais esferas jurídicas, o que na espécie acarreta expressivo 
enfraquecimento da fundamentação acerca do referido retrocesso, na 
medida em que o advento da Lei 11.464/2007 foi marcado por uma série de 
incidentes relacionados à segurança pública, tidos como carecedores de 
medidas mais rigorosas a respeito da criminalidade. 
De todo modo, seja à luz dos princípios da razoabilidade e da 
proporcionalidade, seja em função da cláusula da proibição de retrocesso, é 
necessário o amadurecimento do debate sobre a matéria, cumprindo ao 
Supremo Tribunal Federal o derradeiro exame em sede jurisdicional sobre o 
ponto. 
3.2 Liberdade Provisória 
A Constituição Federal não se mostrou indiferente à questão da 
liberdade provisória, ao contrário, interessou-se por ela. Antes de tudo, 
erigiu-a à condição de direito fundamental da pessoa humana na medida 
em que estabeleceu no inciso LXVI do art. 5° “que ninguém será levado à 
prisão ou nela mantido, quando a lei admitir a liberdade provisória, com ou 
sem fiança”26. 
No entanto, a Lei 8.072/90, na redação originária do inciso II do art. 
2°, além de vedar a fiança, considerou inadmissível a concessão da 
liberdade provisória em sede de crimes hediondos. Aí está outra 
modificação importante trazida pela Lei 11.464/2007, que foi a autorização 
da liberdade provisória para tais crimes. Houve a supressão da expressão “e 
liberdade provisória” do mencionado inciso II do art. 2°. 
Os constitucionalistas (intérpretes e juízes adeptos do Estado 
Constitucional e Humanitário de Direito) já não viam nenhum sentido na 
proibição da liberdade provisória. Os legalistas (interpretação seca da lei) já 
não podem sustentar a impossibilidade de liberdade provisória nos crimes 
hediondos e equiparados27. 
Em primeiro lugar, observa-se que o inciso XLIII do art. 5° da CF/88, 
ao tratar dos crimes hediondos, impede apenas e tão-somente a fiança, a 
graça e a anistia, não se referindo à liberdade provisória. Logo, lei 
 
26 FRANCO, Alberto Silva. Crimes Hediondos. 5.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p.489. 
27 GOMES, Luiz Flávio. Lei. 11.464/2007: Liberdade provisória e Progressão de Regime nos Crimes 
Hediondos. Disponível em: <http://lfg.blog.br>. Acesso em: 13 abr. 2007. 
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infraconstitucional não poderia ir além, arvorando-se ao constituinte 
originário, proibindo também a possibilidade de liberdade provisória. De 
mais a mais, no processo penal a “regra é a liberdade28”, admitindo-se 
excepcionalmente a prisão provisória em casos deextrema e comprovada 
urgência e necessidade29. 
Estas breves anotações permitem concluir que a Lei 11.464/07 
reconheceu que o simples recrudescimento de regras processuais, como a 
vedação genérica à liberdade provisória e à progressão de regime de 
cumprimento da pena, inauguradas pela Lei 8.072/90, em evidente afronta 
aos fundamentos da prisão cautelar e ao princípio da individualização da 
pena, em nada inibiu a prática de crimes ou minorou a sensação de 
impunidade no seio da sociedade, fomentando apenas o debate doutrinário 
e a divergência jurisprudencial sem qualquer efeito prático30. 
A vedação à liberdade provisória não está prevista no inciso XLIII do 
art. 5° da CF/88 a propósito dos crimes hediondos e equiparados, portanto 
o inciso II do art. 2° da lei 8.072/90 na sua redação originária excedeu os 
limites do preceito constitucional, ensejando a superveniência da Lei 
11.464/07 para reparar o evidente equívoco. Para que toda pena não seja 
uma violência de um, ou de muitos, contra um cidadão particular, deve ser 
essencialmente pública, pronta, necessária, e mínima possível nas dadas 
circunstâncias, proporcionada aos delitos, ditadas pelas leis31. 
CONCLUSÕES 
Ao acórdão lavrado no mencionado habeas corpus restaram conferidas 
as eficácias erga omnes e ex nunc da declaração de inconstitucionalidade, 
neste caso afirmando a aplicabilidade do resultado às condenações ainda 
 
28 A CF/88 em seu art. 5°, caput, assegura o direito à liberdade, porém, de outro lado, permite 
expressamente a prisão dos indivíduos submetidos a inquérito ou a processo (art. 5°, LXI). Assim, 
onde couber a prisão, não se poderá negar o seu efeito mais imediato, ou seja, a privação 
temporária da liberdade. Ora, só se pode cogitar de liberdade provisória, no sistema processual 
penal vigente, quando o indiciado ou acusado estiver regularmente submetido a uma ordem de 
prisão (flagrante ou mandado judicial). Se essa ordem não for regular ou legítima, caberá, 
obviamente, o relaxamento ou a revogação do ato coator, não a liberdade provisória. Portanto, a 
liberdade provisória supõe prisão legítima, regular, pelo que pode ser ampliada ou restringida na 
lei que a admite. FRANCO, Alberto Silva. Op. cit., 2005, p.497. 
29 MOREIRA, Rômulo de Andrade. As Alterações na Lei dos Crimes Hediondos – A Lei 11.464/2007. 
IBCCRIM. Disponível em: <http:// www.ibccrim.org.br >. Acesso em: 05 jun. 2007. 
30 AMICO, Carla Campos. Inovações Decorrentes da Lei 11.464/2007. IBCCRIM, n.176, jul. 2007. 
31 BECCARIA, Cesare. Dos Delitos e Das Penas. Rio de Janeiro: Rio, 2002, p.141. 
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suscetíveis de serem submetidas ao regime de progressão. Tal julgamento 
provocou imediata repercussão quanto aos demais condenados em 
condição similar no território nacional, apta a desencadear inúmeros 
pedidos para o exame acerca da pretensão à progressão de regime prisional, 
sujeitando os órgãos do Poder Judiciário que recusarem autoridade à 
decisão do colendo Supremo Tribunal Federal aos efeitos da reclamação 
eventualmente ajuizada perante esta Corte, quiçá de ação indenizatória. 
Na esteira do julgamento empreendido pelo Supremo Tribunal 
Federal no bojo do referido Habeas Corpus 82.959-7/SP e da espiral de 
violência urbana experimentada nas grandes cidades brasileiras, tomou 
corpo no Congresso Nacional forte iniciativa no sentido de dotar a 
população de supostos meios preventivos da criminalidade, sintetizados no 
chamado “pacote para a segurança pública”, do qual resultou a aprovação 
da Lei 11.464/2007, que dispõe substancialmente sobre a possibilidade da 
progressão de regime prisional quanto aos crimes hediondos e equiparados, 
sabidamente inclusos os delitos de estupro e atentado violento ao pudor, 
além da viabilidade de concessão da liberdade provisória em tais casos. 
Há de falar efetivamente em sofisma, a propósito do advento da 
referida Lei 11.464/07: tendo em consideração que tal diploma legal 
importa ilusório aceno tendente ao incremento na segurança pública, uma 
vez que apenas posterga em algum lapso de tempo a saída de pessoas que 
cumprem pena por crimes hediondos em instituições que não lhes garantem 
o mínimo quanto ao escopo ressocializador legalmente previsto e 
idealmente esperado. De outra perspectiva, a ilusão da verdade resultante 
da Lei 11.464/2007 diz também com a expectativa da massa carcerária 
condenada por crimes hediondos, que poderia ver na edição da lei em 
comento o alcance da progressão de regime prisional nos moldes temporais 
até então previstos para os demais delitos, quando, em realidade, o diploma 
legislativo dispõe sobre prazos consideravelmente mais extensos para o 
caso específico dos crimes hediondos e equiparados. 
Conforme salientado, a medida legislativa acabou por confirmar o 
veredicto do Supremo Tribunal Federal acerca da inadequação de proibição 
da progressão do regime prisional a respeito dos crimes em comento, tendo, 
assim, passado a permitir a tal progressão, impondo como requisito, em 
contraste com o patamar de 1/6 previsto na Lei de Execução Penal, o 
cumprimento de 2/5 da pena para os condenados primários e de 3/5 para 
os reincidentes (§ 2° do art. 2° da Lei 8.072/90 na nova redação atribuída 
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pela Lei 11.464/07); neste caso sem destacar o fato da reincidência 
específica, com o que se conclui que a simples reincidência genérica atrai a 
aplicação do prazo mais gravoso para o condenado. Em todos os casos, este 
deve contar com bom comportamento carcerário, na forma do art. 112 da 
Lei de Execução Penal, dispositivo excepcionado unicamente a respeito do 
quantitativo de pena a ser cumprido em relação aos crimes hediondos e 
equiparados. 
Adotada a posição segundo a qual a Lei 11.464/2007 representa lei 
penal mais gravosa aos condenados, vez que a contar da antecedente 
decisão do colendo Supremo Tribunal Federal no Habeas Corpus 82.959-
7/SP, que, por sua vez, reconheceu o direito à progressão de regime 
prisional nos casos em estudo, passou a ter aplicação integral o art. 112 da 
Lei de Execução Penal, o qual dispõe sobre prazo de cumprimento de pena 
inferior ao daquele diploma legal. Sublinhe-se na sua incidência apenas a 
propósito dos crimes praticados a partir do advento dos seus efeitos, ou 
seja, a contar de 29.03.07, data da sua publicação; em observação ao 
enunciado constitucional vazado sob a forma do princípio que veda a 
retroação da lei penal, salvo na hipótese de beneficiamento da condição 
jurídica do réu, do que ora não se trata. 
Afigura-se como digna de exame a questão relativa à legitimidade 
constitucional da ampliação substancial do prazo de cumprimento de pena 
para o deferimento do benefício de progressão de regime prisional a 
propósito dos crimes hediondos e equiparados. À luz dos princípios da 
razoabilidade e da proporcionalidade, a elevação do quantitativo de 
cumprimento de pena de 1/6 (art. 112 da LEP) para 2/5 ou 3/5 (de acordo 
com a redação atribuída ao § 2° do artigo 2° da Lei 8.072/90 pela Lei 
11.464/07), nesta hipótese a depender da configuração da reincidência, 
tendo em linha de conta a realidade de penas concretizadas, como regra, em 
expressivo número de anos, o que acarreta a imposição de prolongado 
intervalo de tempo de cumprimento de pena no regime fechado, aparenta 
depor contra a dignidade da pessoa humana e o intuito ressocializador da 
pena, carecendo conseqüentemente de compatibilidade constitucional. 
Ademais, na linha do moderno constitucionalismo, a mencionada 
majoração do quantitativo de pena principiada pelo legislador pode 
enfrentar óbice por conta da cláusula de proibição de retrocesso na seara 
dos direitos fundamentais. Tal se afirma diante do decesso da condição 
jurídica de toda uma coletividade,

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