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O Rorschach O Rorschach Sebenta Testes Projectivos Instituto Superior de Psicologia Aplicada O Rorschach 2 Índice Página 1. O Rorschach 2 2. Conteúdo Manifesto 7 3. Conteúdo Latente 8 4. A cotação 12 4.1. Princípios Elem. da cotação dos protocolos de Rorschach 12 4.2. Modos de Apreensão 14 4.3. Determinantes 17 4.4. Conteúdos 22 4.5. Banalidades 23 4.6. Outros factores 24 4.7. O Psicograma 25 5. O Rorschach na prática Clínica 30 1. O Rorschach O Rorschach 3 As técnicas projectivas procuram essencialmente aceder por aproximação à realidade psicológica dum sujeito, realidade essa que é imutável, e cuja essência é inatingível. Usam-se principalmente no contexto clínico mas também podem ser utilizadas em situações de recrutamento de pessoal ou na educação. Técnicas Projectivas No contexto clínico podem ser utilizadas técnicas psicométricas e/ ou técnicas projectivas (técnicas de Manchas ou Técnicas Temáticas). Neste contexto parte-se de um problema, formula-se uma hipótese, e escolhe-se o instrumento a utilizar, seguindo-se a metodologia e a conclusão (a qual permite aceder ao sentido do problema e necessita de referenciais teóricos). § Problema § Hipótese § Metodologia § Conclusão O trabalho do psicólogo nestas técnicas é fundamentalmente o da atribuição de sentido. As técnicas projectivas de manchas e as temáticas são complementares, pois têm sensibilidades diferentes, a escolha entre uma e outras é feita em função do problema e das hipóteses. No contexto clínico pergunta-se ao sujeito “O que poderia ver aqui?”. Na resposta do sujeito é por vezes difícil aceder-se ao mundo interno, o que acontece quando a percepção prevalece sobre a projecção. A apreensão da realidade e a transformação entre a realidade e o mundo interno sujeito é Técnicas de Manchas ø Rorschach Técnica paradigmática, pois é a 1ª a aparecer; é objecto de muitos estudos e é a técnica mais utilizada na investigação Técnicas Temáticas øTAT – foi o 1º a aparecer, serve para crianças e para adultos (é a base de todas as outras técnicas que lhe sucederam) øCAT – para crianças com 4 anos øPata Negra - crianças øEra uma vez - crianças Escolha do instrumento a utilizar O Rorschach 4 o chamado processo de construção (o qual é diferente para cada indivíduo), que é transmitido ao clínico em forma de produto. A análise do Rorschach tem o objectivo de conhecer o funcionamento mental do sujeito, o que é possível sabendo o funcionamento do teste, o qual é possível saber pelo processo de resposta Rorschach (o qual consiste na elaboração, construção e elaboração da imagem). Funcionamento mental Funcionamento do teste Processo Resposta – Rorschach Objecto de cotação - Durante a aplicação do Rorschach: • Devem utilizar-se fontes de luz unidireccionais e devem ser evitadas as passagens da luz do dia para a luz artificial. • O material necessário deve estar colocado em cima da mesa: o Rorschach com os dez cartões virados para baixo, na ordem de apresentação e em posição direita; papel e lápis/ caneta; um cronómetro discreto e de fácil acesso. • O sujeito deve estar colocado do lado esquerdo, sensivelmente à frente (ou à direita caso seja esquerdino). Deve manter-se o controlo da situação - é o psicólogo que entrega o cartão e o recebe, estando sempre atento ao comportamento, continuando sempre a entregar todos os cartões, que é a forma de regular o ritmo de progressão (há cartões angustiantes que caso o psicólogo não controle o tempo, podem não ser bem explorados). - Instrução: A instrução deve ser adequada ao sujeito e deve ser introduzida na relação. Rorschach considera que as instruções devem ser curtas, o que vai cumprir o objectivo das técnicas projectivas, ou seja, estimula o sujeito de forma adequada – cria um espaço de liberdade no sujeito, onde estão presentes os dois objectivos principais das técnicas projectivas; a instrução será: “O que é que se poderia ver aqui?” ou “O que e que isto poderia ser?”. Outros psicólogos, como por exemplo Chebert, consideram que a instrução a dar deverá ser diferente, contendo objectivos mais explícitos: “Vou mostrar-lhe 10 cartões e peço-lhe que me diga tudo o que eles lhe fazem pensar e tudo o que se pode imaginar a partir de cada um deles”. § Modo de apreensão § Determinante § Conteúdo O Rorschach 5 É importante reter que todas as indicações devem ser formuladas como um pedido, assim abre-se um espaço de liberdade que é a base das técnicas projectivas. - 1ª Fase da Aplicação do Rorschach: • Dar a instrução ao sujeito • Entregar o cartão I na posição direita (pode entregar-se na mão ou colocá-lo em cima da mesa) • Accionar o cronómetro • O psicólogo deve escrever tudo o que o sujeito diz na folha de anotações • Devolução dos cartões Apesar de a regra ser a da não intervenção, por vezes, podem fazer-se intervenções durante a passagem dos cartões, quando o sujeito fala de algo paralelo na passagem dos cartões pode-se intervir; na fase inicial (1º, 2º e no máximo 3º cartão), quando o sujeito está a ter dificuldades, é útil e desejável que se faça um intervenção do tipo “Se pensar um pouco talvez consiga ver outras coisas”, isto, por exemplo, no caso de usar uma única imagem, ou de não nos dar imagem nenhuma, “Porque temos tempo...”. Se o sujeito falar muito rápido pode pedir-se para que repita a última palavra, ou fale mais lentamente. NOTA: O uso do talvez permite que o sujeito veja, ou não veja, o que mantém a liberdade. O trabalho do psicólogo é um trabalho de atribuição de sentido, pelo que a sua atitude deve ser uma atitude de neutralidade: de acolhimento e de aceitação das imagens e da resposta do sujeito. A primeira fase termina com a Prova Complementar de Escolha: É pedido ao sujeito que dos 10 cartões escolha os 2 dos quais gostou menos, e os dois dos quais gostou mais, e indique os motivos que o levaram a escolher os cartões, devemos tentar que os motivos apresentados sejam de ordem estética ou afectiva. É de notar a ordem pela qual o sujeito nos diz os cartões apesar de não ser muito relevante. Se os motivos de preferência forem iguais “Gostei mais dos cartões IX e X porque são coloridos”, há que aceitar, pois isso implica conceder o espaço de liberdade ao sujeito. Há sujeitos que escolhem apenas um cartão de cada, ou outros que escolhem 3 cartões, devemos aceitar esta escolha, tal como devemos aceitar se o sujeito insistir que são todos os cartões, pois cada escolha é objecto de atribuição de sentido. O Rorschach 6 - 2ª Fase – Inquérito (s): Explorar modalidades perceptivas O inquérito tem o essencial do processo de resposta do Rorschach, processo este que vai ser cotado através do inquérito para que consigamos aceder ao funcionamento mental. Os inquéritos são feitos no final para não perturbar o processo associativo, isto no caso dos adultos. No caso das crianças muito novas o inquérito faz-se no final de cada cartão ou de cada elaboração, porque neste caso está a favorecer-se o processo associativo (as crianças não têm tantas defesas como os adultos). O objectivo do inquérito é aceder ao processo de resposta Rorschach, o qual é reflectido na cotação (esem inquérito não é possível cotar). No inquérito procura-se informação complementar à informação espontânea, ou seja, retomam-se todos os cartões, um a um, e relemos as elaborações espontâneas de cada um e pedimos para que o sujeito as explique: “ No cartão I o que é que o fez pensar numa borboleta?”, normalmente isto é suficiente para que o sujeito diga tudo aquilo com que relaciona a imagem: • Localização da imagem (modo de apreensão) • Determinante da imagem (forma/ cor movimento) • Conteúdo Nos cartões em que há participação da cor não temos a certeza se este elemento participa ou não na resposta do sujeito. Para isso devemos ter uma folha A4 com os cartões diminuídos a preto e branco para mostrar ao sujeito durante o inquérito. Exemplo: “Ainda vê aqui a borboleta?” “Sim, sim. Veja aqui as asas recortadinhas.” Neste caso o que predomina é a forma e não a cor. Se o sujeito refere algo como «estranho» ou «esquisito» o psicólogo não deve deixar escapar estes elementos, pois por aqui pode revelar-se algo mais importante do que a imagem em si, deve saber-se porque é que há a introdução de algo desta forma. Exemplo “A borboleta está voar mas vai perdendo bocados do corpo”. Se o sujeito durante o inquérito diz algo diferente daquilo que disse na elaboração espontânea, ou altera o que viu, trata-se de uma resposta adicional (R. A.), e o inquérito deve ser feito em relação à segunda imagem. Inquérito de Limites Foi um inquérito introduzido por Klopper, tem uma presença mais activa por parte do psicólogo com o objectivo de explorar modalidades perceptivas, ou conteúdos evitados pelo sujeito. Conduzir o sujeito para os encarnados presentes nos cartões bicolor, e perguntar se há algo que se possa dizer sobre o vermelho. Isto só é feito O Rorschach 7 quando o sujeito não interpreta o vermelho, e só se faz no final para se poder esperar a resposta adicional. Conteúdos mais frequentes Normalmente estes conteúdos são chamados de banalidades pois são tão frequentes que o seu não aparecimento leva a que nos interroguemos quanto à causa e sejamos levados a fazer um inquérito de limites relativo a estes cartões. Figuras humanas presentes no cartão III, onde se aplica o inquérito de limites “Será que se podia ver aqui uma figura humana?”. Este cartão é um cartão bissexual que favorece a representação de si. Cartão V: borboleta, pássaro e morcego, “Será que aqui se pode ver uma borboleta?” O Rorschach 8 2. Conteúdo Manifesto - Dimensão Estrutural: Os cartões diferenciam-se pelo seu carácter unitário, inteiro e maciço ou pela sua obediência a uma configuração bilateral. • Cartões unitários (I, IV, V, VI e IX) – reflectem a imagem do corpo humano organizado simetricamente em torno de um eixo. • Cartões com configuração bilateral (II, III, VII e VIII) – reflectem as representações de relações. • Cartões fechados (I, IV, V e VI) • Cartões abertos (II, III, VII, VIII, IX e X) - Dimensão Sensorial: Os cartões diferenciam-se pelas cores e tonalidades. • Cartões cinzento-escuros ou com contraste negro-branco – quando atingem a sensibilidade do sujeito dão origem a manifestações da ordem da inquietude, ansiedade e angústia mais ou menos intensas. § A sensibilidade ao negro remete para a ansiedade, tristeza e depressão (cartões compactos, excepto cartão I (fechado/aberto)). • Cartões vermelhos (II e III) – a presença do vermelho solicita «afectos brutos», na reactivação de movimentos pulsionais (emoções violentas, sexualidade, agressividade). Estes cartões, pela sua configuração bilateral, são indutores de representações de relações. • Cartão VIII – configuração bilateral e uma construção oca e aberta; presença de cinzento-claro esbatido e grande participação do branco. • Cartões pastel – tintas pálidas e filtradas – indutores de afectos. § Cartão VIII – estrutura clara, sendo as diferentes partes delimitadas umas relativamente às outras, sem invasão das cores. § Cartão IX – mistura de tintas, dando uma impressão de interpenetração, acentuada pela presença de um branco azulado, ao centro. Situa-se simultaneamente no registo fechado (facilitando a abordagem global), aberto (tendo em conta o branco central) e bilateral (na parte superior). § Cartão X – multiplicidade de cores e dispersão das manchas. O Rorschach 9 3. Conteúdo Latente Cartão I – cartão compacto, negro, que facilita uma apreensão global (G), baseando- se na forma (F). O estímulo tripartido remete para a relação e interacção. Este cartão reflecte um sentimento de identidade (quando a linha média não é vivida como eixo do corpo mas como linha de separação entre duas entidades, dá conta de dificuldades de diferenciação entre o sujeito e o outro) (Chabert). A um nível menos evoluído, o cartão reactiva a relação com a mãe pré-genital nos seus aspectos positivos e/ou negativos, nas imagens de segurança ou ameaça. Cartão II – a parte central vazia reenvia para o regressivo e o luto; o vermelho reenvia para o sangue e as pulsões. Este cartão reaviva as pulsões libidinais e agressivas do sujeito. Se o sujeito lida mal com as pulsões agressivas, evita o vermelho interpretando só o preto. A problemática da castração é claramente visível, bem como a angústia que lhe está directamente ligada e os processos defensivos que o sujeito utiliza face a essa angústia. Quando as personagens se apresentam em duplo pode dar conta de problemas ao nível da identidade. Este cartão permite ao sujeito reviver alguns dos conflitos da sua infância, revelando uma relação simbiótica ou destruidora com a mãe. Cartão III - Este cartão permite uma identificação (uma identidade sexual) quer masculina (através do pénis) quer feminina (através dos seios). O resultado simbólico resulta da disposição destas silhuetas que estão muito próximas da realidade e o sujeito vai poder exprimir a necessidade de representação de si por um lado, e a representação de si face ao outro, e ainda a descoberta desse outro e o tipo de relação que é procurada com esse outro, uma relação de apoio (representação de si e representação da relação). O clima emocional é positivo e este cartão agrada normalmente aos sujeitos. É frequentemente escolhida como o cartão preferido. O próprio estímulo, por estar próximo da realidade objectiva, isto é, por evocar facilmente as silhuetas humanas, também pode levantar problemas por isso, podendo rapidamente adquirir uma tonalidade negativa se o sujeito se vê confrontado com um outro e esse outro tem dificuldades relacionais. Cartão IV – Este cartão está ligado à força, ao poder, à autoridade. Alguns autores também lhe chamam o cartão do superego. Um O Rorschach 10 superego que tanto pode ser materno como paterno. Sendo simbolicamente representativa dessa autoridade, podem haver reacções quer positivas quer negativas, na forma como os sujeitos se vão posicionar face a essa autoridade: sujeitos que ou se identificam com essa autoridade ou a ela se submetem. Os sujeitos vão exteriorizar representações de autoridade paterna, angústia infantil e sentimentos de culpa diante do superego, complexo de castração, transformação da agressão em depressão e eventualmente ideias de suicídio. Há sujeitos que dão respostas que valorizam o aspecto da força e outros que se refugiam numa atitude contrária à da força, dando respostas que dão conta dessa inconsistência, dessa passividade e do receio à figura de autoridade Há sujeitos que, devido ao impacto fantasmático e doloroso que acartão lhes provoca, põem em funcionamento o mecanismo de defesa – isolamento. Este é um mecanismo da série neurótica e mais especificamente das personalidades obsessivas. Isola para não ter de se confrontar com a angústia provocada pelo aspecto fantasmático do estímulo, que reenvia, do ponto de vista simbólico, para a força, para o poder. Cartão V - Este não é um estímulo que levante grandes questões, pois está muito próximo da realidade objectiva (tal como na cartão 3), surgindo com frequência respostas banais de animais voadores. Quanto ao valor simbólico, pelas características maciças e unitárias deste estímulo, este cartão apela sobretudo ao sentimento de integridade física e psicológica. É chamado o cartão da identidade, a representação de si (ego ideal), onde o sujeito expressa a ideia que faz de si próprio, o que nos remete para uma integridade ao mesmo tempo psíquica e somática. Este sentimento de integridade ao mesmo tempo física e psíquica, tem a ver com a representação de si e, se houver uma recusa, isso é um alerta para uma eventual luta do sujeito contra a desorganização de si, contra o caos interno. Também pode acontecer que o sujeito fuja da representação através de respostas impessoais ou a manifeste através de uma resposta simbólica. Cartão VI - Do ponto de vista simbólico, é uma cartão muita saturada em factores com implicações sexuais e/ou enérgicas- dinâmicas. Mas nesta cartão, tal como na 4, o que está mais facilmente implicado na análise do estímulo é muito mais a dimensão fálica, do que a representação do corpo feminino. Este cartão reenvia o sujeito para a problemática sexual: angústia predominante na neurose: angústia de castração; estados limite: angústia de perda do objecto; psicose: angústia de fragmentação. A recusa da interpretação dos cortes é sinal de problemas sexuais. O Rorschach 11 A reacção emocional é frequentemente negativa, ao ponto de não ser invulgar que este cartão seja recusado. Isto acontece devido ao significado simbólico deste cartão. Face ao impacto provocado por esta mancha, pode haver respostas adaptativas, sendo a mais comum “pele de animal”. Cartão VII - As reacções a este estímulo são variadas, podendo o sujeito percepcionar a figura, o fundo, ou os dois. Quanto ao valor simbólico, trata-se de uma cartão feminina, materna, onde o sujeito é confrontado com a sua primeira relação; o vazio central é vivenciado como colo materno. Pode encontrar-se dois tipos de resposta: Securizantes – encontram-se sentimentos de vivência, de segurança, com cinestesias femininas. O não aparecimento destas cinestesias, supõe uma perturbação das relações mãe/filho. A, H e obj. Ameaçadoras ou abandónicas – quando estas imagens são percepcionadas de uma forma negativa, surge a vivência de abandono, reflectindo a patologia da vinculação. Cartão VIII - Os D rosas laterais são as partes da cartão mais interpretadas e é aqui que aparecem as respostas banais “mamíferos”, que são determinadas quase sempre pela forma. Estes detalhes estão muito próximo da realidade e isso permite ao sujeito evitar a integração da cor, ou seja, evitar lidar com os afectos. A reacção emocional é geralmente positiva, mas a introdução da cor pode ser perturbadora para o sujeito, daí que, a tonalidade emocional também possa ser negativa. Neste caso as cores remetem para imagens do interior do corpo através de anatomias, mesmo que sejam intelectualizadas; se não for esse o caso temos imagens de corpos devorados, danificados, destruídos. As cores também podem ser utilizadas com o branco no seu carácter esbatido. Uma resposta típica é “mármore” ou “pôr-do-sol no gelo”. Quando não é vista a resposta animal, vulgar, tem-se um problema análogo ao do cartão V (sinal de debilidade patológica da ligação do sujeito à realidade). Também são significativos os graus de agressividade atribuídos aos animais, ou à sua desvitalização sob a forma de emblema. Cartão IX - Este cartão apela à regressão e nem todos os indivíduos se podem permitir tal coisa. Tem um grande impacto emocional no sujeito e não há resposta banal para este cartão. A solicitação para O Rorschach 12 esta regressão traduz-se numa sequência de imagens de conteúdos naturais, frequentemente ligadas ao meio aquático, que tem a ver com a imagem materna. Este cartão remete para uma simbologia pré-genital, ou seja, uma temática ligada ao nascimento e nem todos os indivíduos têm muita facilidade em lidar com esta simbólica, pelo que muitas vezes o que aparecem são fantasias pré-genitais ligadas à gravidez/parto. É um cartão frequentemente recusado, e, certamente, a mais difícil. Os sujeitos têm dificuldade em interpretá-la. Os sujeitos que gostam deste cartão apresentam respostas de cor elaboradas, isto porque vêem, na relação afectiva com o ambiente social, uma estimulação fecunda e propícia. Cartão X -Dadas as suas características de dispersão, remete o sujeito para fantasmas de fragmentação. Solicita o indivíduo para essa angústia de fragmentação, testa os limites. Se o sujeito é sensível a esta problemática, tem dificuldade em unir, tornando-se mais fácil detalhar a mancha sem sentir incómodo com isso. Através do mecanismo de isolamento, o sujeito pode apreender e interpretar imagens numa perspectiva mais agressiva, entre animais, ou entre animais e pessoas. Estimula quase sempre respostas em D. Uma resposta G revela uma capacidade intelectual organizadora de alto nível (G secundária) Há sujeitos que se perturbam com o cartão, devido à cor (reagindo, nesse caso, como aos cartões já interpretadas), ou devido à extrema dispersão das manchas (sentindo verdadeiro choque ao despedaçamento). O Rorschach 13 4. A cotação 4.1. – Princípios Elementares de Cotação dos protocolos de Rorschach Cotar um protocolo é reduzir as respostas a sinais convencionais, isto é, codificá-las. A cotação não é mais do que um esboço cómodo que serve de quadro e de ponto de partida para a reflexão e que facilita a comparação dos protocolos: • Pelo seu carácter objectivante a cotação fornece um quadro às impressões e à intuição do psicólogo; • A cotação é o ponto de partida da reflexão, na medida em que ela é a resultante da dinâmica instaurada entre a actividade perceptiva e a vivencia emocional e que ela reflecte também a integração da dimensão afectiva na organização mental. A cotação realiza-se após uma leitura atenta do conjunto do texto e depois de terem sido anotadas as impressões que dele se destacam (tonalidade emocional, verbalização, atitude, etc.) A leitura do texto, a cotação e o estabelecimento do psicograma constituem um preliminar da análise propriamente dita. É necessário cotar todas as respostas, isto é, cada imagem ou associação ou transformação de nova imagem, quer seja dada de forma afirmativa, negativa ou interrogativa. É também necessário anotar os elementos qualitativos (referências pessoais, observações de simetria, observações críticas, reacções choque, etc.) e os comentários pessoais. A cotação tenta dar conta de todos os aspectos “objectivos” de uma resposta. Esta decompõe-se em vários elementos que se podem evidenciar com a ajuda de quatro tipos de questões que s colocam para cada uma das respostas: • Qual a parte da mancha que é interpretada? Onde se situa a imagem dada? • O que é que determinou a resposta ou qual (is) a (s) particularidade (s) objectiva (s) ou subjectiva (s) do estimulo que provocou a interpretação? Porquê e Como? • Qual o conteúdo da resposta? O quê? • A resposta é frequente numa determinada população, isto é, banal? Cada uma destasquestões corresponde a uma série de símbolos convencionais, entre os quais é preciso escolher aquele (s) que podem dar O Rorschach 14 conta, o mais fielmente possível, da resposta do sujeito tal como ele a viu e enunciou, sem que a subjectividade do próprio psicólogo interfira. É evidente que não se poderá elucidar os mecanismos em jogo, nem responder às três primeiras questões sem se interrogar o próprio sujeito: é este o objectivo do inquérito. Todavia, é necessário ter presente que a cotação propriamente dita se refere às respostas dadas espontaneamente e que no inquérito é preciso distinguir entre o que corresponde a uma simples explicitação da resposta espontânea (que serve de base à cotação) e o que constitui uma nova abordagem ou uma reelaboração, que não deverá ser cotada, ou então só deverá ser considerada em tendência, embora entre na análise propriamente dita. O tempo de latência corresponde ao tempo a partir do momento que se dá o cartão ao sujeito e ele dá uma resposta cotável. A folha de Protocolo Símbolos ^ - Direito � – Inverteu <- Rodou para a direita Cotação Respostas RCH (como, porquê, etc… Discurso Espontâneo O Rorschach 15 > - Rodou para a esquerda - Quando o sujeito rodou muito o cartão Como se escreve a cotação? G F+ A Ban M.A. Det. Cont. Banalidade 4.2. Modos de Apreensão O verdadeiro sentido dos modos de apreensão só se encontra se soubermos qual o determinante e o conteúdo a eles associado. Os modos de apreensão estão relacionados com a estratégia perceptiva que o sujeito utiliza ao abordar a mancha, a qual se traduz na forma de como o sujeito situa ou localiza as interpretações. Estratégia Perceptiva Funcionamento do Teste Cinco Símbolos representam os diversos modos de apreensão: 1. G - resposta global, a qual se subdivide em G primário (que se divide ainda em G simples e G simples adaptativo) e G secundário 2. D – resposta de detalhe frequentemente interpretada 3. DD – resposta de detalhe raramente interpretada 4. DBL – interpretação de detalhe branco 5. DO – detalhe oligofrénico - Resposta global: As respostas globais são respostas que compreendem a totalidade da mancha. São respostas como: “borboleta”; “uma mancha negra de tinta-da- dão conta das relações que o sujeito estabelece com a realidade e com os objectos de realidade, ou seja, como o sujeito se situa na realidade. O Rorschach 16 china”; “bailarino a rodopiar sobre si mesmo, com duas bailarinas a apoiarem- se sobre ele, com as suas capas a esvoaçar; “caranguejo com duas pinças”, “uma aranha com uma mosca na barriga”; etc. Os produtos finais são semelhantes apesar do processo de resposta ser diferente. Para uma resposta ser considerada global é necessário que o sujeito interprete a totalidade da mancha, excepto no cartão III, onde se considera resposta global, se o sujeito considera dois negros laterais como duas figuras humanas. - G primário: G simples Um exemplo de um G simples será a resposta “borboleta” (é a imagem mais neutra), ou o morcego, aqui existe uma clara diferenciação entre sujeito e objecto, há uma identidade definida, o sujeito vê-se como inteiro e repara no meio envolvente. A estratégia perceptiva utilizada é a abordagem directa e imediata da mancha, sem elaboração, destacando a figura do fundo. Pelo facto da figura ser fechada este cartão () e outros (I, IV, V) favorecem o aparecimento de imagens G simples. Os G simples do ponto de vista do funcionamento mental dão conta de uma adaptação perceptiva de base que faz pensar se o sujeito se encontra minimamente inserido na realidade – G simples adaptativo. G simples Adaptativo Exemplos: -Lata de sardinhas bom petisco -Maxilar com dois caninos, um deles cariado -Borboleta no chão espalmada e morta à qual falta um bocado das asas – Aqui não há diferenciação, o que pode fazer pensar nas dificuldades ao nível da identidade, ou da imagem corporal. -Resposta de detalhe frequentemente Interpretada: Estas respostas usam partes da mancha que do ponto de vista estritamente perceptivo se impõem, são frequentemente isoladas e frequentemente interpretadas. Estas imagens são favorecidas ao aparecerem nos cartões bicoloridos e nos cartões pastel. Nestas interpretações está implícita a atitude de querer explorar os objectos da realidade interna e/ ou externa. Subjacente às respostas de detalhe existe uma função socializadora (querer conhecer o outro). Esta imagem não tem carácter adaptativo O Rorschach 17 -Resposta de detalhe raramente Interpretada: Nestas respostas são usadas partes da mancha que do ponto de vista perceptivo não se impõem, assim sendo são raramente isoladas e raramente interpretadas. Não existe nenhum cartão que favoreça o aparecimento dos DD, podendo aparecer em qualquer um. Os DDs podem dar conta de uma determinada problemática, porque normalmente há um conteúdo que se repete ao longo de um protocolo em DDs, o qual é algo que angustia o sujeito. São característicos de um pensamento minucioso e exaustivo. Quando estes se repetem ao logo dos cartões podem demonstrar um funcionamento mental obsessivo. Relativamente aos DDs interpretativos delirantes o critério que os analisa é o critério estatístico. -Interpretação de detalhe branco: Estas são respostas em que o sujeito usa o espaço branco, situado no interior ou no exterior da mancha, que do ponto de vista estritamente perceptivo se impõem com inversão figura fundo. Os cartões que favorecem o seu aparecimento são os cartões II e VII, dependendo do cartão e conteúdo os valores interpretativos também mudam: no cartão II terá um valor claramente defensivo, e no cartão VII considera-se o sujeito capturado pelo vazio – o que remete para vivências de falta, ou seja, carências afectivas. - Detalhe Oligofrénico: Foi constatado que estas imagens surgiam em sujeitos com défices cognitivos, apesar deste tipo de respostas não serem específicas deste tipo de sujeitos. Essencialmente Rorschach constatou que onde sujeitos normais viam figuras inteiras, outras pessoas viam apenas partes dessas figuras, o que atribuiu a restrições do campo perceptivo e do conteúdo – é esperado que não ocorram estas restrições (d e db). Os conteúdos mais frequentemente interpretados são animais (A), ou partes de animais (Ad), figuras humanas (H) ou partes de figuras humanas (Hd), bot (botânica), obj (algo fabricado pelo homem). Os Do’s estão sempre associados a Ad e Hd. Exemplo: no cartão III, se mencionar a cabeça como parte de um todo será um Do. -Modos de Apreensão Associados: Estes modos de apreensão são o resultado de diversos momentos perceptivos. Assim podemos referir-nos a: -G Primário: G barrado O Rorschach 18 Escomotizado técnico: o sujeito interpreta o todo, mas retira uma pequena parte (parte que, do ponto de vista estritamente perceptivo não se impõe – Dd). Ao nível interpretativo, este modo de apreensão dá-nos conta de que o sujeito evita essas partes por terem, grande parte das vezes, um valor sexual ou agressivo. (G) G sincréticos Existem três tipos de G sincréticos e todos eles nos remetem para problemas de separação e individualização: • G confabulados: são resultado de uma generalização abusivaa partir de um detalhe da mancha. Podem remeter para dificuldades claras ao nível da diferenciação. Isto porque a generalização começa a partir de uma parte da mancha que do ponto de vista estritamente perceptivo se impõe. (DG; DdG; DblG) • G contaminados: são o resultado de uma fusão ou sobreposição de imagens ou associações distintas, sendo que o resultado final vai ser uma combinação perfeitamente absurda. (D/G; Dd/G; Dbl/G) • G informulados: são o resultado de uma enunciação dos diversos elementos constitutivos de um todo sem, no entanto, se lhe referir (ao todo). Como se o todo fosse constituído por partes que se colam, o que denuncia uma fragilidade muito grande ao nível da identidade. (D(G); Dd(G)) G imprecisos Estas são respostas associadas a formas que o sujeito não precisa e dividem- se em dois tipos: • G vago: o sujeito introduz o vago para não ver coisas significativas e para não ter que se revelar, ou seja, este tipo de respostas aparece associado ao recalcamento. (F+/-) G • G impressionistas: o sujeito deixa impressionar-se pela cor. (C; C, E) G -G Secundário: Estas respostas são o resultado de uma articulação/combinação dos diversos elementos da mancha até que o sujeito tem em conta a totalidade da mesma através de um processo de elaboração. Este tipo de imagem remete-nos para um pensamento rico (creativo, com capacidade de ligar) e reflexão do sujeito. ((D)G; (Dd)G; (Dbl)G; (Do)G; G bl) 4.3. Determinantes Determinantes são as características do estímulo responsáveis por determinadas elaborações, e para as quais consideramos dois eixos: O Rorschach 19 • Eixo mais preceptivo onde incluímos: forma (F), Cor (C), e esbatimento específico, textura (E) • Eixo mais projectivo onde se incluem (K), claro ou escuro (Clob) e esbatimento tridimensional (E) - Forma F: As respostas formais são determinadas pela configuração da mancha (exemplo: borboleta é uma resposta que é determinada pela configuração da mancha). F+ é uma forma boa ou adequada F- é uma má forma ou forma inadequada F+-, neste caso, o sujeito é incapaz de precisar a forma/ imagem o que origina uma resposta indeterminada ou imprecisa (exemplo: cartão VII, resposta de detalhe em que isola uma parte e diz que é uma ilha). As respostas formais relacionam-se com a leitura que o sujeito faz da realidade, por isso, a percentagem das boas formas de Rorschach dá-nos conta da adaptação/ inserção do sujeito na realidade. - Cor C: • Cromática - (C) vermelho pastel • Acromática – (C’) negro, branco e cinzento A sensibilidade à cor ou às cores dá conta da sensibilidade ao mundo interno e externo, às cores ligam-se afectos, emoções... (exemplos: cartão II – “este vermelho parece-me sangue” DC; cartão IX – “pôr-do-sol” DC) Podem integrar um F, o qual pode ser secundário à cor (exemplos: cartão II – “mancha de sangue” C’F ou CF; cartão VII – “nuvens cinzentas”), ou então pode a cor ser secundária à forma, o que determina a imagem é a forma, mas a cor também contribui (exemplo: cartão V – “morcego negro” FC’; cartão VII – “nuvem com a forma da cabeça duma mulher”). NOTA: Quando o sujeito refere a cor apenas para a localização, a cor não entra na determinação da resposta. O estilo cromático vai-se modificando ao longo do Rorschach, o sujeito pode ser mais, ou menos sensível à modificação do estímulo. Quando o sujeito não é sensível a essa mudança, mostra que o sujeito não tem sensibilidade interna ao mundo externo (é como se os afectos e as emoções não circulassem, o que traduz uma dificuldade em relacionar-se com os afectos); se a cor entra como determinante da resposta está demonstrada a sensibilidade do sujeito relativamente aos afectos. O facto de a cor estar integrada numa forma demonstra maturidade afectiva. • Vermelho – pulsões sexuais ou agressivas, as quais podem surgir em contextos de castração ou separação (exemplos: cartão 2: animais que O Rorschach 20 estão a brigar em com o outro e salta sangue por todo o lado, ou dois cachorros que se lamentam porque lhes cortaram o rabo). • Pastel – sensibilidade ao meio, tendências ligadas à ternura, etc. • Negro - está relacionado com afectos mais depressivos (luto, morte) • Cinzento – está relacionado com afectos depressivos (mais ou menos negro) • Branco – relaciona-se com afectos que dão conta da inexistência (interpretação do branco como cor associada a temas de frio DBL), às vezes a pureza é de tal forma pura e imaculada que no limite toca no nada e não é nada; o branco remete para vazio -Esbatimento: São respostas determinadas pelas diferentes tonalidades – exemplo: cartões VII, algo de nebuloso, nevoeiro (GE), ou cartão VI, estas mudanças lembram- me lama, lodo (GE). As respostas de esbatimento podem ser EF, quando a forma é imprecisa e secundária, ou FE, quando o esbatimento é secundário. Exemplos: Cartão VII: - “Nevoeiro” (GE) - “Farrapos de nuvens pela diferença de tonalidades” (EF, há uma não definição dos limites) - “Cabeça duma mulher desenhada numa nuvem” (FE, o sujeito precisou a imagem) - “Cão fofinho de peluche” (GFE) Respostas que incluem tecido, veludo, peluche, são imagens que remetem para o toque e para o tacto – são respostas de esbatimento. Pele de animal pode ser Fe ou EF, há que fazer o inquérito para perceber se o esbatimento participa ou não na resposta (exemplos cartão VI – pele de animal, vê-se muito bem a cabeça e as quatro patas, está estendida no chão GF+; pele de animal, vê-se muito bem a cabeça, as quatro patas e o pelo GFE, pois demonstra sensibilidade à nuance, às diferentes tonalidades e ao esbatimento; ao longe parece uma pele de animal, é fofinha GEF) No esbatimento estão presentes diferentes cores e tonalidades, as cores ligam-se aos afectos, à sensibilidade ao mundo interno (pastel); por isso as respostas de tonalidade também se referem a afectos porém não a uma afectividade franca, mas a uma subtileza, perspicácia, a presença deste tipo de resposta (na ausência de resposta de cor) pode mostrar uma afectividade abafada, reprimida. Respostas de Esbatimento 1. Textura - A textura remete para uma dimensão táctil muito importante, os afectos. Exemplo: cartão VI “O cãozinho de peluche é tão fofinho, O Rorschach 21 apetece tocar!”. Afectos: nos primeiros objectos e nas primeiras relações muitas mensagens passam pelo tacto (o qual tem um papel fundamental). A presença deste tipo de resposta (em detrimento de outros) dá conta da imaturidade e carências afectivas. 2. Tridimensional ou perspectiva 3. Difusão – refere-se a imagens nas quais o grau de organização é muito ténue. Estas imagens indicam recalcamentos: o sujeito introduz algo vago para não ver coisas mais significativas. Exemplos: “Algo nebulosos”, “Farrapos de nuvens a dispersarem- se”, “Fumo”, “Espirais de fumaça” -Clob: Para ser cotado com clob é necessário que a imagem se situe em D ou em G, é obrigatório que haja um sentimento de perigo, ameaça ou destruição (não se pode cotar Clob sem que exista um destes sentimentos). O que está subjacente são os medos, estes demonstram a presença duma angústia muito intensa, há que entender a dimensão projectiva é uma dimensão muito importante a qual se encontra aqui. Exemplos: Cartão IV - “Algo demoníaco, um pesadelo terrível!” Cartão I – “Uma impressão de terror, de fim de mundo.” Existem respostas que integram também um F, uma resposta do tipo F clob demonstra uma angústia contida e controlada (cartão IV: “É um homem terrível!”; “O abominável homem das neves”; “Um gigante”; cartão I “Parece uma bruxa”). Quando se verificam muitas respostas do tipo ClobF estádemonstrada uma fragilidade e que as dificuldades de contenção e de controlo são muito maiores (exemplo: “Ih! Qualquer coisa terrível! Pegajoso, repelente, nojento! Parece uma aranha!”. Este exemplo é claramente um ClobF porque foram os diversos sentimentos do sujeito que o levaram a associar a uma aranha, e não houve sensibilidade relativamente à configuração da mancha). - Respostas Cinestésicas: São respostas em que há atribuição de movimento a uma forma específica. - Conteúdo humano K - Conteúdo animal Kan - Objecto ou fenómenos naturais Kob - Partes do corpo humano (Hd) ou corpo inteiro em Dd (Kp) - K: Cota-se K quando houver atribuição de movimento a uma forma humana (uma figura humana inteira em movimento), também se cota K se uma figura K menores ou pequenas cinestesias K maiores O Rorschach 22 humana se uma figura humana se encontrar com uma atitude de intenção duma relação. Exemplos: Cartão VII: Duas mulheres que se olham; Uma mulher a ver-se ao espelho Cartão I: Um homem a orar aos céus K (sonhar, dormir, pensar... são cotados com K) Um palhaço também se cota como K porque está sempre a rir, assim como uma bailarina (está sempre associada a movimento). EXCEPÇÂO: cartão III, os negros laterais cotam-se sempre como K sem ser necessário que estejam associados a movimento ou a relação. - Kan: Cota-se Kan no caso de haver atribuição a movimento a um animal inteiro ou quando o animal inteiro se encontra numa atitude humana. Cartão I: uma borboleta a voar Cartão IV: (as partes mais claras dos detalhes laterais inferiores) “Parece um cão que está sentado a pensar na vida.” Excepção: No cartão VIII, dois animais a subir ou a andar nas partes laterais não são cotados como kan, mas como F+; mas se o cartão se encontrar na posição lateral cota-se Kan. - Kob: A cotação Kob refere-se a objectos vistos em movimento ou a fenómenos naturais em movimento, sendo que a força impulsionadora do movimento tem de se encontrar no interior do objecto. Exemplos: Cartão II: Um foguetão a subir, vê-se o fogo da propulsão (KobC) Cartão X: Fogo-de-artifício (KobC) Cartão VI: (posição invertida) explosão duma bomba atómica (é sensível às diferentes tonalidades e ao fumo - KobE) Cartão IX: (posição invertida) erupção vulcânica, vê-se muito bem a lava incandescente. - Kp: Refere-se a partes do corpo humano vistas em movimento ou o corpo humano em movimento visto em DD Exemplos: Cartão VII: Um homem que balança, hesita em atirar-se ou não. Cartão IV: dois olhos que me perseguem Cartão IX: Uma cabeça está escondida por trás duma moita a espreitar. O Rorschach 23 4.4. Conteúdos Resposta à questão o quê? A categoria de conteúdos a que pertence a resposta é indicada por uma abreviatura. As 15 categorias geralmente admitidas não esgotam a riqueza das respostas, apenas constituem um inventário de imagens correntes. É possível um reagrupamento posterior por grandes temas. Sendo artificial querer fazer entrar algumas respostas num grupo, é melhor deixá-las tal como aparecem, por exemplo, “máscara”, “explosão”. Entre as respostas humanas ou animais, cota-se (H) ou (Hd) e (A) ou (Ad) aquelas que pertencem ao domínio do irreal, do sobrenatural ou da lenda (mas não as da História). Por exemplo: “ogre”, “dragão”, “duende”. “Palhaços” são cotados H e as respostas “pele de animal” são cotadas A por convenção. - Conteúdos mais frequentes que surgem na aplicação do Rorschach: H - Figura humana inteira, personagens históricas, palhaço Hd - Partes de figura humana (H) - Figuras humanas irreais, sobrenaturais, de lendas A - Figuras animais inteiras, peles de animais Ad - Partes de figuras animais (A) - Figuras animais irreais Obj - Objecto Art - Arte (pinturas abstractas, desenhos) Elem - Elementos fundamentais (ar, água, fogo...) Anat - Interior do corpo (tripas, rins) Alim - Alimentos Sg - Sangue Sx - Referências sexuais explícitas Nat -Fenómenos da natureza (nuvens…) Frag - Bocados de qualquer coisa inumana Geo - Geografia (ilha, mar) Bot - Botânica O Rorschach 24 Másc - Máscara Geol - Geologia (gruta, buraco na terra) Abs - Abstracto (Primavera...) Arq - Arquitectura (Torre Eiffel) Emb - Emblema (águia do Benfica) 4.5. Banalidades São os conteúdos que aparecem 1 em cada 6 numa determinada população, numa mesma localização. A banalidade refere-se, assim, à frequência de uma certa localização com um determinado conteúdo, isto é, ao reconhecimento perceptivo de uma certa realidade, qualquer que seja a eventual elaboração do próprio conteúdo. Estas respostas são designadas pela menção Ban após o conteúdo. O determinante formal é, por definição, dominante e em F+ (FC+, K+, etc.), releva de uma confrontação de resultados que não foram verificados estatisticamente e de uma geração a outra verificam-se alterações, pelo que se justificaria a realização de trabalhos estatísticos sobre esses dados. - Lista Francesa de Banalidades ao Rorschach: Cartão Modo de Apreensão Banalidade I - G - Pássaro, morcego, borboleta II - D negros - Duas cabeças de animais ou 2 animais III - G - Homens, personagens D. verm. médio - Borboleta, laço IV - G - Pele de animal V - G - Pássaro, morcego, borboleta VI - G ou D inf. - Pele de animal VII - Não há VIII - D. rosa lat. - 2 animais (excepto peixes ou pássaros) IX - D. rosa - Cabeça de homem, de bebé X - D. azul lateral - Caranguejo, polvo, aranha D. verde médio - Cabeça de Coelho D. cinzento sup. - 2 animais O Rorschach 25 4.6. Outros Factores Recusa – Há recusa sempre que o sujeito devolve o cartão sem ter dado uma resposta cotável. Não há assim nem tempo de latência nem tempo total. Tempo de Latência – tempo que decorre entre a apresentação do cartão ao sujeito e a primeira resposta cotável. Tempo total por cartão – tempo que decorre entre a apresentação do cartão ao sujeito a fim das associações dadas nesse cartão. Elementos Qualitativos Choque ou Equivalente de Choque – Trata-se de perturbações do processo associativo que se referem a diferentes elementos e mais especificamente a factores temporais, à sequência dos modos de apreensão e à qualidade formal dos determinantes. Segundo a intensidade da perturbação e a maneira de dela se defender, distingue-se: • Choque Manifesto – que se exprime verbalmente de uma forma directa (“Oh! Que horror!”, “É horroroso!”), ou através do silêncio ou da recusa. • Equivalente de choque – que são objectivava de diferentes maneiras: numerosas manipulações, alongamento do tempo de latência (o tempo mais longo ou claramente superior ao tempo médio), comentários verbais, críticas objectivas e subjectivas, redução ou aumento espectacular do número de respostas, brusco empobrecimento da qualidade das respostas, em síntese, qualquer modificação importante na reactividade. • Os fenómenos de choque mais correntemente descritos são: § Choque Cor (cores pastel e vermelho) § Choque Clob, também designado por choque negro Há outras características do material que podem provocar reacções de choque. Preservação – quando uma resposta formalmente adequada num cartão se repete duas vezes de forma arbitrária (F-) nos cartões seguintes. Observação Cor – observação subjectiva de prazer ou de desprazer sobre as cores. Observações de Simetria – presença de observações sobre a simetria das manchas. A indicar como Sim. Crítica Subjectiva – crítica de si, da sua eficácia ou dificuldade. Crítica de Objecto – crítica às característicasdo estímulo. O Rorschach 26 É obvio que a cotação é redutora e não consegue dar conta de toda a riqueza e complexidade dos protocolos. Nem a cotação, nem o psicograma têm sentido tomados isoladamente, é indispensável proceder a uma análise qualitativa que integre todos os dados com o objectivo de uma síntese clínica. 4.7. O Psicograma A análise quantitativa é realizada pela elaboração do Psicograma. O psicograma é a recapitulação dos dados obtidos. Uma vez terminada a cotação, agrupam-se todas as categorias de respostas numa folha de modo a que se possam comparar com os valores normativos, tornando-se evidentes os traços salientes (tudo o que se afasta da norma). A interpretação do protocolo do sujeito irá incidir sobre esses traços salientes. Na primeira coluna anota-se o número de respostas, as recusas e os diferentes tempos observados. R - número de respostas total (cerca de 20 a 30). Recusa - número de recusas e quais os cartões recusados. TT - soma dos tempos totais em cada cartão. È exprimido em minutos e segundos (20 a 30 minutos). T/R - é dada pela soma do tempo total a dividir pelo número de respostas (40 a 60 segundos). T/Lm - é dado pela soma dos tempos de latência a dividir pelo número de cartões interpretados. É exprimido em segundos. Localizações = N x 100 Na segunda coluna faz-se a reorganização dos modos de apreensão. G 20% a 30% D 60% a 80% Dd 6% a 10% Dbl 3% Do R O Rorschach 27 Na terceira coluna anota-se o número total de cada determinante. No caso de os determinantes serem duplos, cada determinante é recenseado na sua categoria, por exemplo, um KC é, em geral, decomposto em K e FC, enquanto um kobC é, em geral, decomposto em kob e C ou CF. Na quarta coluna anota-se o número total de conteúdos do protocolo. Os H e os A devem ser destacados. Os conteúdos não previstos na folha do psicograma devem ser acrescentados. É evidente que a soma de cada coluna deve ser igual ao número de respostas (excepto nos determinantes quando há determinantes duplos, pelo que se deve proceder a essa verificação. Na quinta coluna anota-se as percentagens dos vários tipos de F, A e H e o número de banalidades. A percentagem de F está relacionada com o recurso ao formal, ao intelectual ou ao socializado. Em princípio menos afectivo, a-conflitual. Se os valores dos F se situarem abaixo da norma há uma perturbação do funcionamento cognitivo. Se, pelo contrário, se situarem acima da norma há facilidade do funcionamento cognitivo. A normalidade da percentagem de A revela uma boa participação no pensamento colectivo. O número de banalidades de um protocolo não se expressa em termos de percentagem, uma vez que o seu número varia em função de R. As banalidades são 12 e só devem aparecer uma vez numa localização. Se o sujeito só expressa banalidades dá conta duma socialização de superfície, o que significa que o sujeito dá pouco de si. Regra geral, a normalidade é de 5 a 7 banalidades. Contudo, é variável consoante o número total de respostas do sujeito. F% = Número total dos F x 100 à (50% a 70%, mas situa-se a 60%) F+% = Número de (F+) + ½ (F±) x 100 à (80% a 85%; não é muito válido quando o número total de F é baixo) A% = A+ Ad x 100 à (35% a 50%) H% = H+ Hd x 100 à (12% a 18% ≈ 16% ) -Sucessão: - rígida – ordenada – relaxada – incoerente R R Número total de F R O Rorschach 28 Refere-se à ordem perceptiva das respostas num cartão, a qual deverá ir sempre do geral para o particular. Se esta ordem for igual em todos os cartões trata-se duma sucessão rígida; se for sistemática ao longo de 7/ 8 cartões, é uma sucessão ordenada; se a ordem for sistemática ao longo de 3/ 4 cartões, estamos perante uma sucessão relaxada ou frouxa; se esta ordem variar sistematicamente designa-se por incoerente. Nos dois primeiros casos existe controlo sobre os processos cognitivos. -Tipo de Apreensão: Anotam-se as localizações apresentadas no protocolo segundo a ordem convencional (G-D-Dd-Dbl-Do); sublinham-se aquelas cujas percentagens são superiores à norma e sobrelinham-se as que são inferiores à norma. G D Dd Dbl 20 a 23% à G 60 a 68% à D 6 a 10% à Dd 3% à Dbl 30 a 45% à G 68 a 80% à D 10 a 15% à Dd 3 a 6% à Dbl 45 a 60% à G 86 a 90% à D 15 a 25% à Dd 6 a 12% à Dbl + de 60% à G + de 90% à D + de 25% à Dd + de 12% à Dbl - Tipo de Ressonância Íntima (T.R.I.): É a comparação entre o número de cinestesias maiores (K) e a soma ponderada das respostas cor (C) T.R.I. = K / �C Do ponto de vista patológico, a perturbação histérica domina para os estímulos externos e o autismo é a patologia máxima associada à introversão. O T.R.I. permite aceder ao mundo interno/externo, ou seja, da atitude que o sujeito tem para consigo próprio e para com o mundo. O mundo (externo ou interno) é enriquecido pelo outro, e o T.R.I. vai permitir perceber se o sujeito investe mais no externo ou no interno. Dependendo desta relação, Rorschach As respostas são ponderadas da seguinte forma: 1 Ponto – cada cinestesia 0,5 Pontos – cada FC ou FC’ 1 Ponto – cada CF ou CF’ 1,5 Pontos – cada C ou C’ Será o sujeito orientado para a estimulação exterior (extratensivo), interior (intratensivo) ou misto? O Rorschach 29 distingue 4 tipos de ressonância íntima, distinguindo-os segundo a sua frequência de aparecimento entre indivíduos normais e, sobretudo, em doentes mentais, e apresenta as variáveis psicológicas do teste que acompanham esses tipos. É, portanto, em termos de dados do teste que o TRI é definido, e não em função do processo psicológico. - Tipo Extratensivo: É puro ou misto, conforme o pólo K seja nulo ou não. Os tipos extratensivos são dominados por cargas afectivas ou uma excitabilidade cuja utilização é frequentemente inadequada. Falta-lhes perspectiva na apreciação da realidade objectiva, mas podem ser espontâneos nas suas reacções. Sendo impulsivos, podem, no limite, ser instáveis. Estas respostas mais emotivas do que pensadas aparecem atenuadas no tipo extratensivo misto. A instabilidade torna-os muito maleáveis; o objecto, a realidade exterior, domina-os com facilidade, mas o relaxamento das funções cognitivas e do controle produz efeitos de regressão, uma regressão salutar ao serviço do Ego. - Tipo Introversivo: Também pode ser puro e misto, conforme as reacções cor C estejam ou não expressas nele. No caso do tipo puro a adaptação feita mais pelo pensamento do que pelo afecto. São sujeitos bastante virados para si próprios. Preocupam-se com a sua própria personalidade. Os indivíduos observam o objecto, reflectem, são capazes de protelara acção e a gratificação, e parecem ter um carácter reservado. Neste sentido, podem ter um bom conhecimento de si mesmos, talvez estejam conscientes das suas dificuldades, mas podem absorver-se na sua contemplação imaginária e o seu mundo interior prevalece sobre a realidade exterior. A reacção do tipo misto é mais impulsiva, sendo os indivíduos muito centrados em si mesmo mas capazes de incidentes explosivos. A sintomatologia dos tipos introversivos será, sobretudo, ideacional e só ocasionalmente comportará descargas afectivas. Encontram-se, portanto, os introversivos nas neuroses obsessivas e fóbicas, nos estados esquizóides e certas esquizofrenias paranóides. - Fórmula Complementar (F.C.): É a comparação entre o número de cinestesias menores (kan, kob e kp) e a soma ponderada das respostas esbatimento (E) F.C. = (kan+kob+kp) / �E As respostas são ponderadas da seguinte forma: 0,5 pontos – cada FE 1 ponto – cada EF 1,5 pontos – cada E O Rorschach 30 Ao calcular a FC, vamos verificar se ela confirma ou informa o TRI. Quando o TRI é contraditório com a FC, isso indica que há uma parte inconsciente (recalcada) do sujeito que tende a ir contra o consciente. - Reactividade Cor (R.C.%): Percentagem das respostas dadas nos três últimos cartões em relação com o número total de respostas. Dá-nos conta do potencial afectivo do sujeito. É importante que algumas destas respostas integrem a cor como determinante, pois são elas que dão conta da mobilização dos afectos. Há outros cartões que também nos dão conta dos afectos (II, III), pelo que se deve fazer a ligação disto com aqueles cartões e perceber se houve respostas determinantes com a cor vermelha ou não. R.C.% = Número de respostas ao VIII, IX e X x 100 à (30 a 40%) - Índice de Angústia (I.A.%): Há autores que usam o IA; normalmente é igual a 16%. I.A.% = Anat + Sg + Sexo + Hd x 100 K TRI C K FC C Consciente Inconsciente R R O Rorschach 31 5. O Rorschach na prática Clínica O objectivo do Rorschach é apreender a realidade psicológica do sujeito, isto é, a sua subjectividade (o que é, como se vê a si próprio na relação consigo e com o mundo, a natureza dos conflitos) e tentar descobrir as modalidades de funcionamento mental dominantes. • Os mecanismos de defesa; • A angústia presente; • Identidade (o que sou eu? – a nível da consciência como humano); • Identificação (ao nível do género); • Limites do corpo; • Relação de objecto. Identificar o tipo de estrutura mental (diagnóstico psicológico): • Psicótica • Neurótica • Estados-limite Podemos admitir a situação de teste Rorschach como um triângulo, onde vão aparecer vários aspectos. Por um lado, num dos vértices, teremos a problemática do testador. Esta não é anódina, há sempre algo de intrusividade; pode ser um estilo mais directo ou autoritário, mas há sempre um estilo. No outro vértice poderemos pôr a comunicação da dinâmica interpessoal na interpretação, isto é, os aspectos transferenciais e contra- transferenciais. Há um interpenetração de dinâmicas de uma parte e de outra: o que o sujeito vê em mim e que se repercute na forma como se relaciona com o teste e, por outro lado, a forma como eu o vejo a ele e que se repercute na forma de eu interpretar os protocolos. Finalmente, num terceiro vértice temos a dinâmica do teste, isto é, o regressivo e progressivo no próprio teste. Quer isto dizer que o Teste Rorschach é feito de movimentos progredientes, ou regras. O que nós assistimos às vezes é a melhores níveis de funcionamento nuns cartões do que noutros. Por exemplo, um sujeito pode dar 3 ou 4 respostas perante um mesmo estímulo, começando por uma resposta de boa qualidade que se vai degradando. Por outro lado, pode suceder o inverso. Portanto, pode haver uma degradação da resposta ou um melhoramento da resposta inicial. Quando há uma degradação da resposta, o sujeito tentou fazer face àquele estímulo, mas os mecanismos de defesa que utilizou não foram suficientemente sólidos para que ele se aguentasse e daí surgir a queda na qualidade da resposta. São movimentos regredientes. Há indivíduos que ficam perturbados inicialmente, e depois são capazes de mobilizar mecanismos de defesa adequados para aguentar e melhorar o nível da resposta. São movimentos progredientes. Em termos de prognóstico e diagnóstico, é muito melhor um indivíduo que é capaz de encontrar recursos em si, do que um indivíduo que acaba por mergulhar pela fantasmática que está em jogo e que não tem capacidade de distinguir o fantasma da realidade. O Rorschach 32 São, pois, três vértices de uma mesma questão que estão sempre em jogo nesta questão da avaliação psíquica através do uso das técnicas projectivas. Produz-se, antes de mais, num contexto, segundo numa interacção e finalmente numa intersubjectividade. É redutor pensarmos que as respostas produzidas pelo sujeito são produto unicamente do confronto entre o sujeito e a mancha, de onde estaria evacuado todo o olhar e a presença do próprio examinador. Esta interacção, esta intersubjectividade, tem expressão no próprio comportamento e na própria forma do indivíduo se expressar. - A análise do protocolo tem duas vertentes: Modelos quantitativos e explicativos Medida psicológica e demonstração a partir de certos princípios psicométricos e estatísticos. É uma medida objectiva e é expressa no psicograma. Modelos Interpretativos Hermenêuticos Análise subjectiva das respostas, expressa em três eixos: • Expressão dos aspectos intelectuais; • Dinâmica afectiva; • Socialização. Estão ligados à significação, relação entre teoria, teste e psicopatologia. O conhecimento objectivo é fundado no real e nos sinais exteriores (atribuição de nota); o conhecimento intersubjectivo tenta perceber o processo que levou à resposta, em vez de a avaliar. A objectividade pura esconde os fenómenos - os instrumentos de medida não devem passar de auxiliares de observação que revelam dados cujo valor se apura na análise e interpretação, que têm de estar submetidos a uma teoria, modelos e métodos, para os descodificar. - Processo-resposta Rorschach: O Rorschach é um instrumento para conhecer o que o seu uso provoca; permite revelar os processos mentais que fundam a relação de objecto e do sujeito com ele próprio, a representação do objecto e a representação da relação. Permite conhecer as suas capacidades criativas e de recriação (liga interno e externo e vai criar um novo objecto, uma criação sua). A realidade interna éúnica em cada sujeito, não é partilhável; a realidade externa é partilhável, mas é interpretada pela realidade interna. É O Rorschach 33 na interacção e inter-relação destas duas realidades que reside o ponto fulcral do Rorschach. A partir desta conceptualização, o sujeito formulará o processo-resposta Rorschach – ligação, transformação e criação entre o mundo interno e o externo (subordinado pela intersubjectividade). A reposta é um novo objecto resultante desta confrontação, tentando dar sentido ao que não tem sentido – revela a natureza dos objectos internos (foram mobilizados pelos objectos externos porquê?). Chegamos assim à natureza do Eu � mais importante que prestar atenção à resposta do sujeito é tentar perceber esse processo associativo, que vai desde a percepção do estímulo até à resposta final. A partir de um protocolo de Rorschach bem sucedido, podemos saber qual o modo de funcionamento mental dominante (e conflitos dominantes) do sujeito noutras situações. É através da simbolização que podemos explicitar o processo-resposta Rorschach. A simbolização é fundamental dado que lidamos com material verbal, que veicula uma imagem, um conceito e um símbolo (susceptível de interpretação). A resposta Rorschach (símbolo) é permitida por: • Contexto; • Relação interpessoal; • Características do próprio estímulo; • Instrução dada ao sujeito. Revela a forma do sujeito pensar, como articula as ideias entre si. Esta actividade de pensar faz-se através do processo de ligação e transformação de diversos universos psíquicos, recriação e criação. A resposta final é a recriação do objecto (produto entre o interno e o externo). Tem um conteúdo explícito e um conteúdo latente. - Projecção: A projecção é utilizada para apreender o real, e pode ser de natureza: • Avaliativa – atribuição de significados e valores. Ou • Evacuativa – mecanismo patológico (pertence à serie psicótica, em particular à paranóia) - é um mecanismo de defesa psicótico que consiste na atribuição ao exterior das coisas que o sujeito rejeita em si próprio. O Rorschach 34 A percepção e a projecção estreitamente relacionadas, sendo que uma não existe sem a outra, permitem a delimitação entre mundo interno e mundo externo e também a representação do mundo interno e externo. No Rorschach, o estímulo é a mancha, o qual tem características perceptivas bem precisas, apesar de ambíguas. A ambiguidade e as características da mancha vão levar o sujeito a usar a projecção, para lhe dar um sentido: • Atribuindo a imagens ambíguas o estatuto de imagens bem definidas; • Articulando o imaginário com a realidade ambígua que lhe é próxima e transformando essa realidade; Está presente quando os sujeitos utilizam estratégias defensivas e pode ser associada a uma situação de conflito. A ambiguidade do estímulo leva à mobilização da imaginação por parte do sujeito de uma forma activa, o que provoca, numa mesma resposta, a conciliação entre forças inconscientes e conscientes, tendo em conta a realidade interna e externa; O sujeito articula o imaginário com a realidade ambígua que lhe é próxima e transforma a realidade noutra realidade. A resposta global vai ter de levar em conta a fantasia. O processo projectivo leva a que só sejam acolhidas e investidas pelo sujeito as percepções e as representações que reactivam traços mnésicos individuais ou que integram essas reacções num sistema prévio. Na situação projectiva o sujeito tem de se mobilizar para ordenar as percepções internas e externas, ver o estímulo, sentir e pensar o estímulo, e conciliar estas duas coisas numa só resposta; por isso se vão operar oscilações entre a realidade interna e a externa. Real Externo � Pressão Interna A resposta final desejada deverá conter as duas realidades, conciliando as duas pressões; deve mostrar que o sujeito tem a capacidade de regredir, dando uma resposta secundarizada, perceptível e inteligente (deve conter elementos reais propostos pela situação, que sejam coloridos pelos afectos) - a situação projectiva pode ser assimilada a uma situação de conflito, porque as características ambíguas dos estímulos levam o sujeito a ter de mobilizar activamente a imaginação e o sujeito vai ter de, num mesmo movimento, numa mesma resposta, conciliar imperativos inconscientes e imperativos conscientes; vai ter de ter em atenção a sua realidade interna e a realidade externa, desta forma a resposta final vai ter de ter em conta a realidade e a fantasia. A boa distância permite que a resposta, mantendo presente a realidade, mostre igualmente as ressonâncias fantasmáticas, ou seja as produções do sujeito deverão conter os elementos reais que são propostos, mas coloridos pelo afecto, isto é, com ressonância afectiva e fantasmática e sendo os afectos emoções, há-os mais emotivos ou menos emotivos (Se o sujeito diz “Estão aqui dois homens (ou duas mulheres) a dançar numa festa com borboletas a esvoaçar à volta”, a imagem “Seres humanos” proposta pela pessoa, coaduna-se com a realidade mas está colorida pelo afecto; as O Rorschach 35 percepções estão sempre ligadas a representações. Há um encadeamento de percepção, representação e afecto e o sujeito durante o encadeamento associa sempre um afecto a essa representação que lhe surge no espírito). Percepção Representação Afecto (Retroacção) Cada cartão tem características precisas (embora ambíguas) que se centram em dois eixos: 1. Eixo da Representação de Si 2. Eixo da Representação da Relação O conteúdo latente dos cartões pode perturbar o sujeito de tal forma (pressões fantasmáticas) que ele se refugia no imaginário e perde o contacto com o princípio da realidade (quase delirante); o contrário também acontece – agarra-se à realidade e revela um funcionamento mental muito empobrecido. Os cartões II e III (com vermelhos) e VIII, IX e X (cores pastel), têm características que permitem ao sujeito situar-se diferentemente e são susceptíveis de permitir ao sujeito uma compreensão simbólica sentida em dois eixos: o eixo da representação de si e o eixo da representação da relação. Basicamente, quando o indivíduo se revê, se projecta nestas manchas de tinta, é natural que se reveja como ser humano e possa ver essas figuras humanas em relação. É da maneira como o sujeito vai jogar com estes elementos projectivos, que nós percebemos quais são os seus estilos relacionais. A realidade objectiva entra em confronto com a realidade interna, sendo uma projecção. No limite, o real não existe, apenas a realidade individual - produto da projecção do eu sobre o exterior. Percepção e projecção participam ambas na delimitação entre o mundo interno e o mundo externo. Quando dizem que as figuras humanas estão a sangrar, o envelope físico não está constituído, o processo projectivo leva também a que só sejam acolhidas, investidas pelo sujeito as percepções, as excitações que reactivam traços mnésicos individuais. O material que interessa ao psicólogo é o que reactivar no sujeito traços mnésicos, lembranças que são importantes para o sujeito - em todos os sujeitos há estímulos que irão ser integrados num sistema pessoal. Ainda na situação projectiva, o sujeito vai ter de se mobilizar para ordenar as percepções interna e externa, aquilo que ele observa e aquilo que ele pensa sobre o que observa. Assim, vai oscilar entre a realidade e a fantasia, entre a realidade objectiva e subjectiva. É por isso que vamos observar O Rorschach 36 oscilações no discurso do sujeito, movimentos mais ou menos subtis entre a realidade interna e a realidade externa, de modo a dar uma resposta quecontenha essa realidade externa e, ao mesmo tempo, a sua realidade interna. De um lado temos o percepto, do outro a pressão interna - a boa distância será aquilo que permite que a resposta, mantendo presente a realidade, mostre igualmente a ressonância fantasmática do sujeito. Podemos ter duas situações extremadas: uma pressão fantasmática pode ser de tal forma que o sujeito deixe de poder contar com a realidade externa, por outro lado, há indivíduos que são incapazes de se alimentarem dessa ressonância fantasmática e então só existe realidade externa. Nesses casos, pode acontecer que só dêem uma resposta por cartão sem interjeições nem adjectivações. Uns deixam-se ultrapassar pela ressonância fantasmática ao ponto de ser quase delirante, outros não conseguem sair da realidade externa, não há nada de si, só o real. A capacidade de ler os fenómenos é mais protectora para as pessoas. Cartão I Mancha cinzenta escura centrada, onde existem 4 lacunas com grandes aberturas de bordos muito irregulares. Normalmente os modos de apreensão são G, baseando-se na forma (determinante F). O sujeito é sensível à condição tripartida do estímulo (1 central, 2 laterais). Esta composição tripartida vai permitir pôr esses diferentes elementos que compõem o estímulo em relação, seja essa relação entre seres humanos ou entre animais. Exemplo: “Dois anjos a elevarem uma mulher”. Pode ser uma relação com seres humanos ou animados, ou então uma resposta securizante ou de perigo. Neste cartão não há grande reacção à textura (determinante sensorial), e quando isso acontece são respostas vagas F± e sem grande rigor intelectual ou estrutura definida (ex. “Rochedos”, “Nuvens”). A partir do momento em que o sujeito precisa a sua resposta quanto à forma, só se pode cotar F+ ou F- As lacunas centrais são pouco interpretadas, embora haja 4 buracos ou espaços brancos, e que ora passam despercebidas, ora acabam por ser integradas na própria imagem, podendo trazer consigo elementos de inquietude, desagradáveis, persecutórios (ex. “Uns olhos de um lobo”). A tonalidade emocional é quase sempre mais disfórica que eufórica (há pouco entusiasmo), visto apresentar uma tonalidade depressiva, no entanto, a partir dos buracos brancos podem também aparecer respostas securizantes, como por exemplo “as janelas da minha casa”. Quando o sujeito refere que “É uma máscara” remete para o voyeurismo, porque permite ver sem ser visto. Este cartão está ligado ao desconhecido, o sujeito não sabe o que vai acontecer a seguir, é o primeiro contacto com o psicólogo, daí que possa gerar uma certa inquietude. O sujeito pode tomar uma atitude passiva, O Rorschach 37 socializada, e como tal, dar respostas banais (G F+ ban), ou então mobilizar as suas forças face ao desconhecido, traduzindo-se em respostas K. A cinestesia é projectiva e como esta é criativa, há mobilização de recursos. Este cartão reenvia para a relação com o imago (representação inconsciente) materno todo-poderoso, podendo ter respostas a um nível mais evoluído, mais relacional, mais lúdico, ou menos evoluído, mais perturbado, mais ameaçador. De acordo com o que o sujeito disser podem-se levantar hipóteses quanto à relação com esse imago interiorizado. Essas hipóteses, essas pistas, têm que ser trabalhadas e têm que encontrar sentido na relação com o sujeito. As duas respostas mais comuns são “animal alado” G e “personagem feminino” D central. A ausência das mesmas levanta um problema, cuja solução só será possível considerando-se o restante do protocolo. O “Animal alado” ilustra como o sujeito reage de imediato às situações novas. Neste sentido, foi possível situar um choque inicial e uma dificuldade de dar início. Uma resposta banal é a defesa mais comum contra este tipo de choque. Algumas respostas possuem um significado especial, a ser confirmado pelo resto do protocolo: G (cabeça de gato ou de outro animal) à medo do mundo exterior; G (pássaro batendo as asas) à tendências paranóides; D lat (perfis) à atitudes de críticas sistemáticas; D lat (feiticeiras) à imagem materna ameaçadora; D centr· (vestes transparentes) à tendência a adivinhar o que está por trás do personagem vivido pelas pessoas; (monges, figuras religiosas) à recusa a diferenciar os sexos; (órgão feminino), visto por uma mulher à fixação incestuosa; D sup (mãos) à ou pedido de socorro ou ameaça; D sup (boca aberta) à agressividade oral; Dbl centr (fantasma andando, homem invisível) à tendências paranóicas; Dd cinza claro central (tomahawk, machado) à psicopata agressivo; Quanto à significação global do cartão, foram feitas as seguintes hipóteses: • Situação do primeiro confronto: “quem és?” • Autoridade paterna: o choque indicaria, se confirmado no cartão IV, uma perturbação no relacionamento com a figura paterna; • Distúrbio nas relações pré-genitais com a mãe (confirmar nas cartões VII e X) se o D central for visto como “vestimenta, esqueleto, vaso, arquitectura”, A ou Pl (substituto desvitalizado da mulher); “barco” G: O Rorschach 38 símbolo da vida intra-uterina, dependência total da mãe; “montanha” G: símbolo dos seios, desvalorização da imagem materna, busca do apoio fundamental. A diversidade de tais hipóteses é explicada por um fenómeno mais básico: o sujeito entra em contacto com o examinador, começando a desenvolver, em relação ao mesmo e à prova, um processo dinâmico de transferência, no sentido psicanalítico do termo. Cartão II Este cartão é composto por uma mancha que inclui a cor negra e vermelha, de estrutura simétrica, que engloba um grande espaço vazio – o branco. A resposta global G, quando é dada, é sempre como resultado da mistura das cores (ex. pintura rupestre à G impreciso). É raramente adequada se o determinante for formal, sendo assim, será um F-. Há uma estrutura bilateral em volta da parte central vazia, onde se insere o vermelho. Este é importante na medida em que reaviva as pulsões libidinais e agressivas do sujeito. Exemplo da boa integração destas pulsões através de dois elementos que lutam: “São dois palhaços que lutam”; ou “Dois elefantes jogando à bola”. Se o sujeito lida mal com as pulsões agressivas, evita o vermelho interpretando só o preto. Do ponto de vista emocional, os sujeitos reagem a esta cartão porque é a primeira a incluir a cor vermelha. A resposta global G mais frequente é: “Dois homens” ou “Dois animais” em interacção, no entanto, a cinestesia pode ser bloqueada pela perturbação devida à cor. O branco pode ser interpretado como um buraco, uma falha (ex. entrada para uma gruta). Também pode ser vista como um objecto, sendo muitas vezes visto como “Um foguetão a levantar voo num céu cheio de nuvens”. A um nível mais evoluído de respostas estas remetem para situações de luta, de competição, e a um nível mais primário, menos evoluído, estas remetem para situações com temáticas destrutivas, ligadas por exemplo, a explosões e rebentamentos. A problemática da castração é claramente visível, bem como a angústia que lhe está directamente ligada e os processos defensivos que o sujeito utiliza para fazer face a essa angústia. Neste cartão, assiste-se à emergência duma temática obstétrica, pré- genital (nascimento), o sujeito revive alguns dos conflitos da sua infância, revelando uma relação simbiótica ou destruidora com a mãe (ex. “Um feto que quer sair do corpo da sua mãe mas não consegue”; “Um útero esvaziado”). Se mobilizado pela cor (choque cor), reage quer através da passividade ansiosa, quer através duma explosão de agressividade (fogo, sangue), ocorrendo tais reacções tanto em pessoas normais, como em neuróticos. O centro evoca representações sexuais, com bastante naturalidade.
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