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INCOMPREENSÃO E MANIPULAÇÃO NA APLICAÇÃO DOS CONCEITOS DE DÍZIMO E OFERTA NA IGREJA Vlademir Fernandes 1. INTRODUÇÃO Trabalhar com temas relacionados à dinheiro, contribuição, dízimos, ofertas e afins não é nada fácil no contexto da Igreja, pois reconhecidamente o assunto é polêmico devido às diversas práticas exercidas e extremadas, chegando até à manipulação e exploração dos fiéis, em alguns casos. Contudo, ainda assim o debate sincero e a análise das Escrituras quanto ao tema são importantes. Não se deve fugir de um assunto por causa de sua dificuldade, principalmente tendo em vista que “toda Escritura...é útil” (2 Timóteo 3.16). Logo, devemos enxergar a utilidade do tema por meio da Palavra de Deus. Percebe-se que muitas dificuldades pelas quais a Igreja da atualidade passa estão ligadas à falta de entendimento sobre o que, de fato, é a Igreja, bem como sua característica. É necessário, neste e em outros temas, para melhor aclaramento e cristalização das doutrinas aplicadas especificamente à Igreja, uma boa compreensão do que seja a Igreja. A confusão normalmente acontece por não se compreender a realidade de Israel, do Antigo Testamento, e a característica da Igreja, do Novo Testamento e misturar-se as instituições sob os mesmos parâmetros. Todos concordam que o Israel do Antigo Testamento e a Igreja do Novo Testamento tem elementos em dissonância, mas também elementos em comum. Em alguns aspectos, vários elementos dispostos ao Israel terreno “continuaram” para a Igreja; contudo, igualmente, diversos elementos do Israel antigo caíram em desuso e sofreram uma “descontinuação”, e não cabem mais no contexto da Igreja. Assim, o desafio maior seria compreender o que do Israel terreno, do Antigo Testamento, permanece no “Israel espiritual”, ou seja, na Igreja do Novo Testamento e o que se deve ser descartado. Essa linha é tênue e não tão clara, por isso os diversos mal-entendidos. A questão dos dízimos e ofertas recaem justamente neste ponto. Caso fôssemos o Israel terreno, do Antigo Testamento, a questão estaria fechada, definida e clara: “E ali trareis os vossos holocaustos, e os vossos sacrifícios, e os vossos dízimos, e a oferta alçada da vossa mão, e os vossos votos, e as vossas ofertas voluntárias, e os primogênitos das vossas vacas e das vossas ovelhas”. (Deuteronômio 12.6). Contudo, a questão torna-se mais dúbia justamente no ponto de se determinar se o conceito 2 continua plenamente no Novo Testamento, se continua em partes, ou se não continua de forma alguma. Assim, mostraremos neste breve artigo uma análise bíblica sobre o dízimo mostrando que o mesmo não é uma doutrina válida para a Igreja; analisaremos a aplicação equivocada do conceito; trataremos do tema das ofertas e sua prática na Igreja. Por fim, resumiremos nossas considerações e apresentaremos as referências consultadas. 2. O DÍZIMO FOI UMA CONTRIBUIÇÃO REGULAMENTADA APENAS PARA ISRAEL Demonstrar que o dízimo não é uma doutrina do Novo Testamento significa mostrar que isso não é exigido da Igreja. Significa mostrar que o conceito foi “descontinuado” no Novo Testamento. Portanto, caiu em desuso e não mais faz parte do contexto do cristianismo. Mas, como saber o que continuou ou sofreu descontinuidade entre o Antigo e o Novo Testamento? Basicamente, o que deve ter continuidade no Novo Testamento deve ser claramente exposto e retomado no mesmo. Por exemplo, por que a festa da páscoa não continua sendo celebrada no Novo Testamento? Simplesmente porque não se fez menção explícita dela como prática da Igreja e porque claramente Jesus Cristo a substituiu pela Ceia. “Porque eu recebi do Senhor o que também vos entreguei: que o Senhor Jesus, na noite em que foi traído, tomou o pão; e, tendo dado graças, o partiu e disse: Isto é o meu corpo, que é dado por vós; fazei isso em memória de mim. Por semelhante modo, depois de haver ceado, tomou também o cálice, dizendo: Este cálice é a nova aliança no meu sangue; fazei isto, todas as vezes que o beberdes, e, memória de mim”. (1 Coríntios 11.23-25). Por que o sacrifício de animais não continuou no Novo Testamento? Porque a Igreja compreendeu com facilidade que estes rituais do Antigo Testamento eram sombras das coisas futuras e a realidade estava em Jesus Cristo. “Ninguém, pois, vos julgue por causa de comida e bebida, ou dia de festa, ou lua nova, ou sábados, porque tudo isso tem sido sombra das coisas que haviam de vir; porém o corpo é de Cristo”. (Colossenses 2.16-17). E compreendeu que o ministério de Jesus Cristo era imensamente superior aos tipos antigos. “Portanto, se o sangue de bodes e de touros e a cinza de uma novilha, aspergidos sobre os contaminados, os santificam, quanto à purificação da carne, muito mais o sangue de Cristo, que, pelo Espírito eterno, a si mesmo se ofereceu sem mácula a Deus, purificará a nossa consciência de obras mortas, para servirmos ao Deus vivo!”. (Hebreus 9.13-14). Desde que se entendeu que o propósito do sangue de Cristo era purificar os pecados, os sacrifícios de animais se tornaram obsoletos. De modo diferente, por que a prática da oração continuou no Novo Testamento? Porque foi explicitamente reafirmada para a cristandade. “Orai sem cessar” (1 Tessalonicenses 5.17). Assim, mostrar que o dízimo não é uma doutrina para a Igreja é evidenciar que tal conceito não continuou no Novo Testamento. Não há uma retomada normativa do conceito para a Igreja do Senhor. 3 A palavra “dízimo” tem três ocorrências no Novo Testamento: Mateus 23.23, Hebreus 7.2 e Hebreus 7.5. Já a palavra “dízimos” ocorre seis vezes no Novo Testamento: Lucas 18.12, Hebreus 7.4, Hebreus 7.6, Hebreus 7.8 e Hebreus 7.9 (duas vezes). (OLIVEIRA, 2012, v.1, p. 1020). É possível mostrar que em nenhuma dessas menções, o dízimo está sendo recomendado, requerido ou normatizado como uma prática para a Igreja. Em Mateus 23.23, temos: “Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas, porque dais o dízimo da hortelã, do endro e do cominho e tendes negligenciado os preceitos mais importantes da Lei: a justiça, a misericórdia e a fé; devíeis, porém, fazer estas coisas, sem omitir aquelas!”. O texto mostra Jesus Cristo repreendendo os escribas e fariseus por suas falhas. Assim, ele fala com judeus, no contexto ainda do Antigo Testamento, pois a Nova Aliança ainda não havia sido inaugurada. Portanto, Jesus recomenda a prática do dízimo, sim, para os Judeus, e naquele contexto, mas não se deve concluir que tal instrução sirva de norma para Igreja. Seria uma interpretação forçada. Segundo Mary Schultze (2005), em “Mt 23.23 e Lc 11.42 – Jesus falou para fariseu na época da Lei. O fato de Jesus ter dito a fariseus não obriga a Igreja em observar, até porque os termos e a dispensação era diferente da exigência do Novo Testamento”. Sobre Mateus 23.23, Vilar (2015, p. 82) comenta da seguinte maneira: Claro! Não eram todos eles judeus, ou seja, filhos de Israel, e não estavam todos sob as alianças de Horebe (Sinai) [Êxodo 19, 20] e de Moabe [Deuteronômio 29]? A lei e a ordenança do dízimo não tinham sido dadas a eles, por intermédio de Moisés? [Levítico 27]. Não viviam na terra de Canaã, que receberam por herança, conforme a promessa que Deus fizera a seus pais? Note que nesse momento, o Senhor Jesus não estava dando mandamentos nem ensinando doutrina aos seus discípulos, para que transmitissem aos futuros discípulos. Ele tinha perdido novamente a paciência e estava censurando duramente os fariseus. (...) Nesse discurso, em nenhum momento o Senhor Jesus endossou ou ensinou a prática do dízimo para a sua Igreja. No mesmo sentido, “(...) é surpreendente descobrir que, em nenhuma ocasião, o dízimo é mencionado em qualquerdas instruções dadas à igreja”. (COENEM, 2000, p. 600). Em Hebreus 7.2, temos: “(...) para o qual também Abraão separou o dízimo de tudo”. O texto fala que Abraão entregou o dízimo a Melquisedeque. Primeiramente, o objetivo do texto não é tratar de dízimo, mas mostrar a superioridade do sacerdócio de Cristo em relação ao sacerdócio levítico. Logo, o dízimo aqui é uma questão secundária. Pode- se perceber que o texto não traz nenhuma normativa para a Igreja, apenas narra uma ação de Abraão. Em segundo lugar, não se deve fazer confusão acerca do dízimo praticado por Abraão. Segundo Mary Schultze (2005), é importante fazer algumas observações sobre o dízimo antes da Lei. Há dois casos mencionados, de Abraão e Jacó. No caso de Abraão, não há nenhuma 4 evidência de que dizimar foi ordenado por Deus. O dízimo foi uma completa decisão de Abraão. Ademais, este é o único dízimo que as Escrituras mencionam que Abraão deu, não sabemos se era uma prática dele. Por fim, este dízimo veio do despojo de guerra, por meio de poderio militar. No caso de Jacó, há um voto em que ele se compromete a dar um dízimo caso retornasse em paz para sua terra. Semelhantemente ao ocorrido com Abrão, Jacó faz a doação livremente e não há indício de que tal ato fosse sistemático, ou seja, não existe a evidência de que a partir de então passou-se a dizimar. Esses dois casos são os únicos mencionados no Antigo Testamento antes de ser promulgada a Lei. Tais casos são muito escassos e inseguros para servir de base para construção de doutrinas. Em Hebreus 7.5, temos: “Ora, os que dentre os filhos de Levi recebem o sacerdócio tem mandamento de recolher, de acordo com a lei, os dízimos do povo, ou seja, dos seus irmãos”. O texto aqui afirma que os sacerdotes tinham o direito de receber dízimos. O versículo está construindo a ideia de que o sacerdócio levítico era detentor dos dízimos, mas, que, na figura de Abraão, entregou os dízimos a Melquisedeque, figura de Jesus Cristo, ou seja, o menor, entrega dízimos ao maior para ser “abençoado”. Assim, o sacerdócio de Jesus Cristo é superior ao dos levitas, pois Jesus Cristo é quem recebeu dízimos até mesmo dos levitas! Contudo, o texto não trata da aplicação do conceito de dízimo para Igreja. Mais uma vez, nossa interpretação deve se limitar ao texto. Em Lucas 18.12, temos: “jejuo duas vezes por semana e dou o dízimo de tudo quanto ganho”. A parábola é para exortar aqueles que se acham justos por seu próprio mérito. Um fariseu faz uma oração retumbante e parte dessa oração inclui o versículo mencionado acima. O fariseu diz que dá o dízimo de tudo que ganha. Novamente não há nada de errado com o fariseu dizimar, na verdade é próprio do israelita fazê-lo. O mais interessante na passagem é que novamente a prática do dízimo não está relacionada de forma alguma com a Igreja. “Aqui Cristo não está enfatizando o dever do crente neo-testamentário pagar o dízimo, mas da arrogância do homem que se vê a si mesmo como justo” (SCHULTZE, 2005). Essa oração foi condenada por Jesus Cristo, pois o fariseu era orgulhoso. A maior lição, então, seria que não devemos confiar em nosso próprio mérito, em nossas próprias obras para a propiciação, mas sim confiar no Senhor. Em Hebreus 7.4, temos: “Considerai, pois, como era grande esse a quem Abraão, o patriarca, pagou o dízimo tirado dos melhores despojos”. Novamente, o texto se refere a uma prática de Abraão. Em Hebreus 7.6, temos: “entretanto, aquele cuja genealogia não se inclui entre eles recebeu dízimos de Abraão e abençoou o que tinha as promessas”. O discurso desenvolve o argumento da superioridade do sacerdócio de Jesus Cristo. É mostrado que “aquele sem genealogia” recebeu dízimos de Abraão e o abençoou. É evidente a linguagem tipológica; Melquisedeque é um tipo de Cristo, ou seja, representava o futuro ministério de Jesus Cristo. 5 Em Hebreus 7.8, temos: “Aliás, aqui são homens mortais os que recebem dízimos, porém ali, aquele de quem se testifica que vive”. Nessa linguagem metafórica o autor quer mostrar ainda a superioridade do sacerdócio de Cristo, uma vez que o sacerdócio levítico era exercido por homens mortais, mas aquele outro sacerdócio, por “Aquele que vive”, ou seja, exercido superiormente por um ser imortal. Alguns interpretam de modo equivocado o texto. Ramos (1994, p. 45) afirma que “Hebreus 7:8 declara que é o próprio Cristo quem recebe nossos dízimos” dando a entender que ainda hoje Jesus Cristo estaria recebendo nossos dízimos, portanto, o dízimo seria válido para o cristão. Contudo, conforme vimos anteriormente, o sentido do texto não é esse. A “testemunha” parece ser deduzida de Salmos 110.4. A lógica é que se o sacerdócio de Cristo deve ser para sempre e, ao mesmo tempo, de acordo com a ordem de Melquisedeque, então esta ordem de sacerdócio deve ter sido estabelecida para sempre. Portanto, Abraão estava dando dízimos a alguém que representava, não uma sucessão de sacerdotes, mas um tipo de sacerdócio que está perpetuamente investido em uma Pessoa perpétua. Este tipo de sacerdócio obviamente é superior à ordem levítica. (RICHARD, 2006, p. 64) Além disso, uma observação é extremamente necessária na interpretação de Ramos; ele colocou o pronome “nossos”, mas o texto não está comentando sobre “nossos” dízimos, mas sim acerca dos “deles”, ou seja, dos dízimos dos filhos de Israel na pessoa de Abraão. Em Hebreus 7.9, temos: “e, por assim dizer, também Levi, que recebe dízimos pagou-os na pessoa de Abraão”. Aqui se conclui a argumentação envolvendo o dízimo no sentido de enfatizar que Levi pagou dízimos ao Senhor, logo, o sacerdócio do Senhor Jesus é superior e perfeito, em oposição ao mortal e imperfeito. Mary Schultze (2005), comenta sobre Hb 7.1-10: Aqui o texto não está exortando os crentes a darem o dízimo. Mas, a ênfase é mostrar a superioridade do sacerdócio de Cristo. A passagem não tem nada a ver com cristãos dadivando das suas rendas para Deus. Após a análise dos textos do Novo Testamento envolvendo o conceito de dízimo, pode-se concluir que não há uma doutrina formulada e consistente que deve ser observada pela Igreja neste aspecto. Assim, com honestidade, e enorme respeito, deve-se postular que tal doutrina não pertence à Igreja. 3. APLICAÇÃO EQUIVOCADA DO DÍZIMO NAS IGREJAS Diante da convicção de que o dízimo é um mandamento apenas para Israel, e não para a Igreja, toda a forma de cobrança de dízimos na Igreja constitui-se, infelizmente, como equívoco! Contudo, é comum, na maioria das igrejas, a prática da cobrança incisiva da contribuição em cima dos 10% da renda do fiel. Tais igrejas que são insistentes na cobrança do dízimo e que se utilizam de outras estruturas do Antigo Testamento como o apelo às bênçãos e maldições 6 para estimular os pagamentos, outrora foram apelidadas de “igrejas malaquianas”, pois adoram o texto de Malaquias 3.10. Nesta perspectiva, pode-se citar Pauda (2007, p. 16) que fez a seguinte consideração: “Como poderemos ter a verdadeira prosperidade?” ao que responde: “Somente a teremos se andarmos na avenida chamada fidelidade através da obediência em devolvermos a Deus o que lhe pertence isto é: Dízimos e Ofertas”. E vai mais longe com a seguinte proposta: “Se você não precisa das bênçãos de Deus, e se você não quer as bênçãos de Deus, então não dê. Guarde o seu dinheiro, e a maldição que acompanha a falta de fé será sua”. (PAUDA, 2007, p. 25). Ramos (1994, p. 8) pergunta: “Por que há tantos irmãos nossos sempre envolvidos em dificuldades financeiras e outros problemas terríveis?” A resposta, segundo o autor, está em Malaquias 3.8-10, ou seja, o autor advoga que o crente que não dá o dízimo está roubando a Deuse é amaldiçoado por isso. Infelizmente, o grande pregador, escritor e conferencista Hernandes Dias Lopes, tem um pensamento de certa forma semelhante. Ele chega a afirmar que “A maldição do devorador não se quebra com ritos místicos nem com oração e jejum, mas enfiando a mão no bolso e devolvendo a Deus o que a ele pertence, os dízimos e as ofertas”. (LOPES, 2017, p. 75). E mais: “Deus propõe-nos duas alternativas. O que você vai escolher: bênção ou maldição? Se o povo de Deus trouxer os dízimos e as ofertas à casa do tesouro na terra, Deus abrirá os seus tesouros no céu”. (LOPES, 2017, p. 76). Os mais extremados, certamente se veem até mesmo no direito de exigir de Deus: “Meu Deus, envia um anjo lá, agora, para resolver essa situação, pois, como dizimista, eu exijo uma solução. Amém. [Folha Universal, n. 728, de 19 a 25 de março de 2006]”. (VILAR, 2015). O missionário R. R. Soares chegou a atrelar a salvação com a fidelidade do dizimista conforme vídeo de seu programa “show da fé” disponível no youtube. Naquele vídeo, R. R. Soares afirmou categoricamente que quem não entrega o dízimo está roubando a Deus e, conforme 1 Coríntios 6.10 (os roubadores não herdarão o reino de Deus) não será salvo! (SOARES, 2017). Lima (1998) beira esse entendimento quando afirma que (...) Deus sempre exige do ser humano a demonstração empírica do seu reconhecimento. Logo, o dízimo é parte desta exigência divina. O homem que não se curva diante deste imperativo fica à margem da misericórdia e providência de Deus. (p. 22). Além das incongruências citadas, é necessário mostrar que a impossibilidade de se dizimar na atualidade não está relacionada apenas aos equívocos e exageros, mas aos próprios princípios básicos que norteavam a prática do dízimo no Antigo Testamento que não podem ser reproduzidas em nossa época. De acordo com Russell Kalley citado por Mary Schultze (2005), existiam três tipos de dízimo no Antigo Testamento. O primeiro dízimo deveria ser entregue aos levitas e não aos sacerdotes na “casa do tesouro” conforme Números 18.21. Assim, os dízimos eram recebidos 7 completamente pelos levitas. O segundo dízimo da mesma forma não era levado à “casa do tesouro” no Templo. Este tratava-se do dízimo das festas conforme Dt 12.6-7 e Dt 14.23. Tal dízimo era trazido ao “local”, ou seja, à Jerusalém como uma “oferta nacional de alegria”. Esse dízimo era sempre de alimentos e deveria ser comido ou bebido por todos. O terceiro dízimo era o dos pobres. Podemos ler a respeito dele em Dt 14.28- 29 e Dt 26.12-13. O terceiro dízimo, portanto, nem sequer era entregue em Jerusalém. Para finalizar, apenas o dízimo dos dízimos era destinado aos sacerdotes, ou seja, à casa do tesouro conforme Neemias 10.38. Vilar (2015) complementa mostrando o sistema vetero- testamentário e sua impossibilidade de observância no Novo Testamento. O dizimista bíblico era um judeu que recebera uma herança na terra de Canaã. E dessa terra, tinha de separar todas as dízimas, tanto do grão do campo, como do fruto das árvores, do gado e do rebanho. Tinha de levar o dízimo ao lugar determinado por Deus e lá comer esse dízimo estando puro. No terceiro ano, tinha de distribuí-lo com o levita, o estrangeiro, o órfão e a viúva. Ao fazer essa entrega, tinha de recitar uma oração específica. Não podia dar do dízimo para a casa de nenhum morto, e nem dele comer estando impuro. E isso em nada se parece com o dízimo ensinado nas igrejas hoje. Qualquer outra prática diferente dessas estabelecidas por Deus é criação ou pura invencionice do homem. (p. 50-51). O ponto é que a prática da cobrança de dízimo, seja ela qual for, é um equívoco no seio da Igreja. No contexto do Novo Testamento não há como aplicar coerentemente o conceito de dízimo. 4. AS OFERTAS, ALÉM DE SEREM UMA PRÁTICA JUDAICA, FORAM INTRODUZIDAS NO NOVO TESTAMENTO PARA A IGREJA Ao contrário dos dízimos, que não são reafirmados no Novo Testamento, as ofertas recebem determinada atenção no texto. Elas são claramente reafirmadas, contudo, com um caráter igualmente condizente com a perspectiva da Nova Aliança. As ocorrências das palavras “oferta”, “ofertaram” e “ofertas” no Novo Testamento, conforme Oliveira (2012, v. 3, pp. 101-104), estão respectivamente, em: “oferta” – Mateus 5.23, Mateus 5.24 (duas vezes), Mateus 8.4, Mateus 15.5, Mateus 23.18, Mateus 23.19, Marcos 7.11, Lucas 2.24, Atos 21.26, Romanos 15.16, Efésios 5.2, Hebreus 5.3, Hebreus 10.5, Hebreus 10.8; “ofertaram” – Mateus 2.11; “ofertas” – Mateus 27.6, Lucas 21.1, Lucas 21.4, Atos 24.17. Em Mateus 5.23-24, temos: “Se pois, ao trazeres ao altar a tua oferta, ali te lembrares de que teu irmão tem alguma coisa contra ti, deixa perante o altar a tua oferta, vai primeiro reconciliar-te com teu irmão; e, então, voltando, faze a tua oferta”. O texto encontra-se dentro do “Sermão do Monte”. Muitos comentaristas concordam que a característica geral desse sermão de Jesus Cristo é exatamente reorientar os preceitos da Lei para sua nova dinâmica no Reino. “Jesus selecionou seis leis importantes do Antigo 8 Testamento e as interpretou para o povo à luz da vida nova que veio oferecer” (WIRSBE, 2006, v.1, p. 26). Dessa forma, a ênfase do ensino recai em reorientar a prática da oferta. Assim, pode-se assumir que tal “instrução” de Jesus Cristo é direcionada à Igreja, na medida em que o “Sermão do Monte” o é. Vale notar que neste contexto não é tratado nada a respeito do dízimo, caso fosse a regra de análise seria a mesma e o conceito estaria, sem dúvida alguma, validado no Novo Testamento. Em Mateus 8.4, temos: “Disse-lhe, então, Jesus: Olha, não o digas a ninguém, mas vai mostrar-te ao sacerdote e fazer a oferta que Moisés ordenou, para servir de testemunho ao povo”. Diferente do texto anterior, do “Sermão do Monte”, esta narrativa está novamente inserida no contexto judaico. Jesus fala a um israelita (possivelmente) e lhe promove uma cura. Mas, como o israelita vive na Antiga Aliança, ainda precisa satisfazer os ditames da Lei. Note que “fazer a oferta que Moisés ordenou” envolvia um ritual cheio de simbolismo inviável de ser replicado na Nova Aliança. Essa cerimônia, descrita em Levítico 14, é outra bela representação da obra de Cristo pelos pecadores. O pássaro sacrificado representa a morte de Cristo, e o pássaro solto representa sua ressurreição. O pássaro colocado no jarro representa a encarnação, quando Cristo assumiu um corpo humano para que pudesse morrer por nós. A aplicação do sangue na orelha, no polegar e no dedão do pé ilustra a necessidade de uma fé pessoal em sua morte. O óleo no sangue lembra o Espírito de Deus, que vem habitar naquele que crê no Salvador. (WIRSBE, 2006, v.1, p. 40). Em Mateus 15.5, temos: “Mas vós dizeis: Se alguém disser a seu pai ou a sua mãe: É oferta ao Senhor aquilo que poderias aproveitar de mim (...)”. Jesus Cristo estava, nesta ocasião, repreendendo novamente os escribas e fariseus. Esta oferta (Corbã – um presente para Deus) era uma tradição inventada pelos hipócritas fariseus que tentavam se livrar das responsabilidades financeiras para com seus pais idosos. Novamente Jesus corrige a supervalorização da oferta. Ela não tem sentido caso outros elementos não sejam atendidos, como o amor, por exemplo. Então, Jesus categoricamente afirma que tal não era a Palavra de Deus, mas mandamentos dos homens. Em Mateus 23.18-19, temos: “E dizeis: Quem jurar pelo altar, isso é nada; quem, porém, jurar pela oferta que está sobre o altar fica obrigado pelo que jurou. Cegos! Pois qual é maior: a oferta ou o altar que santifica a oferta?”. Mais uma vez a distorção das Escrituras praticadas pelos escribas e fariseus é citada. Eles eramgananciosos e queriam obter vantagens por meio do sistema religioso. Distorceram completamente as prioridades. Contudo, mais do que orientações para a Igreja, Jesus estava tecendo duras críticas ao sistema doutrinário inventado pelos religiosos. Em Marcos 7.11, a discussão gira em torno do Corbã que já foi mencionado em Mateus 15.5. Em Lucas 2.24, temos: “e para oferecer um sacrifício, segundo o que está escrito na referida Lei: Um par de rolas ou dois pombinhos”. A circunstância mostra o que ocorreu após o nascimento de Jesus Cristo. 9 Esta consagração do primogênito era requerida pela Lei. A narrativa mostra que a oferta foi observada pelos pais terrenos de Jesus Cristo, uma vez que eram bons judeus e observadores da Lei. Em Atos 21.26, temos: “Então, Paulo, tomando aqueles homens, no dia seguinte, tendo-se purificado com eles, entrou no templo, acertando o cumprimento dos dias da purificação, até que se fizesse a oferta em favor de cada um deles”. Paulo estava sendo acusado injustamente de ensinar os judeus a abandonar a Lei de Moisés. Milhares de judeus zelosos que se converteram ao cristianismo não viam com bons olhos da ação do apóstolo. Paulo, então, ao retornar a Jerusalém, consente em participar de uma cerimônia com quatro homens que haviam feito um voto de nazireu (Números 6) para mostrar que não era contrário a Lei de Moisés. A ação foi um pouco política e apaziguadora. Contudo, o texto é uma narrativa e, pelas regras básicas da hermenêutica, não se deve fazer doutrina a partir de narrativa. Ademais, de fato, Paulo nunca esteve contra a Lei de Moisés. Nenhum cristão até mesma na atualidade se considera um opositor à Moisés. Em Romanos 15.16, temos: “para que eu seja ministro de Cristo Jesus entre os gentios, no sagrado encargo de anunciar o evangelho de Deus, de modo que a oferta deles seja aceitável, uma vez santificada pelo Espírito Santo”. O versículo fica mais claro na Nova Versão Internacional: “de ser um ministro de Cristo Jesus para os gentios, com o dever sacerdotal de proclamar o evangelho de Deus, para que os gentios se tornem uma oferta aceitável a Deus, santificados pelo Espírito Santo”. Paulo fala de seu ministério entre os gentios e usa o termo oferta metaforicamente como querendo que os gentios se tornassem uma oferta a Deus. “Paulo considera-se um sacerdote no altar, oferecendo a Deus os gentios que ganhou para Cristo. São um “sacrifício espiritual” para a glória de Deus”. (WIRSBE, 2006, v.1, p. 736). Em Efésios 5.2, temos: “e andai em amor, como também Cristo vos amou e se entregou a si mesmo por nós, como oferta e sacrifício a Deus, em aroma suave”. Mais uma vez o termo oferta é usado em sentido figurado. O objetivo aqui não é tecer comentários doutrinários acerca da oferta em si. Em Hebreus 5.3, temos: “E, por esta razão, deve oferecer sacrifícios pelos pecados, tanto do povo como de si mesmo”. O ofício do sumo sacerdote, dentre outras coisas, era oferecer sacrifícios pelo povo. Aqui o texto é uma descrição do ofício. Em Hebreus 10.5, temos: “Por isso, ao entrar no mundo, diz: Sacrifício e oferta não quiseste; antes, um corpo me formaste”. “A citação é do Salmo 40:6-8, e é aplicada a Jesus Cristo em sua encarnação (‘ao entrar no mundo’). A citação deixa claro que Jesus Cristo é o cumprimento dos sacrifícios da antiga aliança”. (WIRSBE, 2006, v.2, p. 406). Em Hebreus 10.8, temos: “Depois de dizer, como acima: Sacrifícios e ofertas não quiseste, nem holocaustos e oblações pelo pecado, nem com isto te deleitaste (coisas que se oferecem segundo a lei)”. O sentido continua o mesmo do texto anterior. 10 Em Mateus 2.11, temos: “Entrando na casa, viram o menino com Maria, sua mãe. Prostrando-se, o adoraram; e, abrindo os seus tesouros, entregaram-lhe suas ofertas: ouro, incenso e mirra”. A oferta mencionada na narrativa foi a dos reis magos feita quando visitaram o menino Jesus. Novamente, estamos diante de uma narrativa descritiva. Não é um texto doutrinário e não ajuda na construção de uma doutrina de oferta para o cristão. Em Mateus 27.6, temos: “E os principais sacerdotes, tomando as moedas, disseram: Não é lícito deitá-las no cofre das ofertas, porque é preço de sangue”. O sentido aqui é que os sacerdotes não poderiam receber aquelas moedas, fruto da traição de Jesus Cristo, ao tesouro. Em Lucas 21.1, temos: “Estando Jesus a observar, viu os ricos lançarem suas ofertas no gazofilácio”. Jesus observa o modo de ofertar dos judeus. Depois ele tece alguns comentários. Em Lucas 21.4, temos: “Porque todos estes deram como oferta daquilo que lhes sobrava; esta, porém, da sua pobreza deu tudo o que possuía, todo o seu sustento”. Jesus Cristo explicou porque considerou que a viúva pobre deu a maior oferta. Foi por causa de sua consideração à Deus, em lhe dar tudo o que possuía e não meramente sobras. Como o contexto da passagem é didático, ou seja, Jesus está ensinando aos seus discípulos, tal observação entra no rol de elementos que nos traçam informações doutrinárias importantes acerca da oferta. Neste sentido, a orientação básica é que a oferta deve ser feita a partir de algo de valor, das “primícias”, não do resto, do mínimo, da sobra, porque Deus não é honrado com restos. Por fim, Atos 24.17: “Depois de anos, vim trazer esmolas à minha nação e também fazer oferendas”. O texto mostra um pouco do propósito do retorno de Paulo à Jerusalém. Ele voltou para trazer, ao necessitado povo judeu, as ofertas colhidas em suas viagens missionárias. Um fato interessante é que há poucas passagens no Novo Testamento envolvendo as palavras “oferta, ofertas, ofertaram”, conforme visto anteriormente, que tratam doutrinariamente das ofertas para a Igreja do Senhor, contudo, a partir da análise feita, estamos assegurados de que tal prática é legítima para o cristão. Ainda existem dois textos clássicos que mostram na prática o desenvolvimento de questões referentes a ofertas. São aquelas passagens nas quais o apóstolo Paulo promoveu uma companha para recolher dádivas (ofertas) ao povo da judeia que estava passando necessidade. Elas estão em 1 Coríntios 16.1-2 e 2 Coríntios 9. Com esses dois exemplos conseguimos retirar grandes lições sobre o perfil da oferta a ser praticada na Igreja neo-testamentária. Mary Schultze (2005), afirma com base em 1 Coríntios 16.1-2 que a contribuição deve ser voluntária e proporcional. Reforça ainda dizendo que o Novo Testamento não estipula um valor como padrão obrigatório. Mas, as Escrituras declaram que ‘cada um contribua segundo propôs no seu coração; não com tristeza, ou por necessidade; porque Deus ama ao que dá com alegria’ (2 Co 9.7). 11 Assim, a contribuição deve ser voluntária (2Co 8.3). (...) para o cristão, a contribuição é voluntária, um ato da livre vontade, o compartilhar não-compulsório das suas posses materiais, sem montante estipulado, como seria uma taxa ou dízimo, que pudesse ser exigido dele. (COENEM, 2000, p. 600). O texto de 2 Coríntios 9 é imensamente rico em ensinamentos sobre o ofertar. Mary Schultze (2005) faz algumas observações interessantes sobre o texto afirmando que: 1) Devemos dadivar voluntariamente 2Co 8.3-4; 2Co 9.7, 2) Devemos doar com expectativa 2Co 9.6;8-11 e 3) Devemos dadivar animadamente 2Co 9.7. Em 2 Coríntios 9 temos a famosa “lei da semeadura”. “E isto vos afirmo: aquele que semeia pouco pouco também ceifará; e o que semeia com fartura com abundância também ceifará”. Muitos distorcem a interpretação desse texto considerando-o quase na base da barganha. Contudo, esse não é o propósito. Evidente que Deus é um Deus abençoador de seu povo. Um Deus galardoador. Não se deseja diminui a grandeza e bondade do nosso Senhor. Contudo, a “lei da semeadura”não deve ser a motivação para a oferta. Caso se oferte visando algum rendimento, ou retorno, o caráter da oferta estará automaticamente desqualificado. Deixará de ser oferta para ser uma transação comercial. Deixará de ser uma contribuição sincera para ser uma prática interesseira. (...) a motivação daquele que semeia com fartura é a glória de Deus e o amor ao próximo. A ação correta precisa ter a motivação correta. Aquele que oferta para ganhar mais está com o coração posto no dinheiro, e não em Deus. (LOPES, 2017, p. 15). Além disso, as recompensas advindas da semeadura no evangelho não são bens para o crente se esbaldar nos prazeres e futilidades. Para os seus deleites carnais. O texto deixa claro que o ceifeiro terá abundância e suficiência de boas obras. Também diz que terá aumentado os frutos de sua justiça. Será o ceifeiro enriquecido para toda generosidade. Ou seja, o Senhor promete que continuará suprindo o ofertante para que continue produzindo bons frutos de justiça, continuando a auxiliar na obra. Neste sentido, é correto ofertarmos com expectativa, mas com a expectativa correta, almejando superabundar ainda mais em Deus nas boas obras. Alguns podem questionar o porquê do cristão ofertar, então. Ora, seria por causa dos mais nobres e verdadeiros motivos quais sejam: 1) Para satisfazer as necessidades dos santos (At 2.44-45; 1Jo 3.17; Gl 6.9-10 e Mt 25.31-40). 2) Para satisfazer as necessidades de obreiros (1 Tm 5.17-18). 3) Para ajudar a satisfazer as necessidades dos pobres. Lc 12.33-34. Ef 4.28. (SCHULTZE, 2005) Ou ainda por 1) ter consciência de ser o escravo (doulos, Rm 6:16; 1 Co 7:22; Ef 6:6; 1 Pe 2:16) de Deus (Cristo), 2) saber que nem ele nem suas posses são realmente dele mesmo para empregar como deseja (1 Co 6.20), 3) que essencialmente, é um mordomo encarregado com o manejar responsável dos bens do seu mestre (1 Pe 4:10), 4) saber que deve prestar contras daquilo que faz com estes bens (Rm 14:12), 5) ter a generosidade 12 de Cristo como seu modelo (2 Co 8:9), 6) ter o poder impulsionador do Espírito de Deus dentro dele como sua motivação. (COENEM, 2000, p. 600). Para finalizar esta seção, pode-se resumir dizendo que as ofertas constituem forma legítima de contribuição para o cristão. Jesus Cristo orientou objetivamente seus discípulos quanto a isso. Apesar de termos poucas referências doutrinárias no Novo Testamento, encontramos o suficiente para nortear os passos da Igreja nesta questão. O apóstolo Paulo delineou algumas orientações por meio da prática do recolhimento de ofertas que ajudam na estruturação de princípios para o ofertar legítimo. Dentre os princípios mais sublimes estão aqueles que envolvem a voluntariedade, a alegria no ato, a proporcionalidade e a liberalidade. Sendo assim, a contribuição do cristão, em contraste com aquela do santo no Antigo Testamento, não é feita com relutância ou compulsão (2 Co 9.7), nem se limita a um dízimo da renda de cada ano. Pelo contrário, é feita com bom ânimo, voluntária e sistematicamente, e com generosidade sem limites (1 Co 16:1-2; 2Co 9.6-9). (COENEM, 2000, p. 600-601). 5. APLICAÇÃO DAS OFERTAS NAS IGREJAS Apesar de endossada por Jesus Cristo, a prática do recolhimento de ofertas na Igreja não está isenta de erros. Pelo contrário, há muito equívoco no meio da liderança e do povo quanto a realizar a ação de forma condizente com os parâmetros do Novo Testamento. Como visto anteriormente, os elementos mais importantes para a Igreja neste quesito giram em torno de: 1) A oferta deverá ser voluntária, sem a existência de pressão, sem coação, sem atrativos de marketing para que o ofertante contribua; 2) Não deverá existir taxação, valor estipulado ou pré-estabelecido; o ofertante é quem deve decidir o quanto contribuir; 3) O ofertante deverá ter consciência de que é mordomo de Deus, logo fará sua oferta com alegria; 4) O ofertante também deverá ser liberal; dadivará do melhor e em abundância e 5) Em hipótese alguma deverá existir barganha com Deus, nenhuma negociata no estilo de “toma-lá-dá- cá” em busca de bênçãos. Caso o ofertório fosse realizado assim, estaria diante dos princípios orientados pelas Escrituras, contudo, a realidade é bem diferente; diversas distorções são cometidas. Algumas até com boas intenções, para fazer avançar o Reino de Deus, outras, por ignorância mesmo. Mas, de qualquer forma, equivocadas quanto ao princípio. O que vemos normalmente em nossas igrejas ou nos pregadores que são “ícones-mor” dos evangélicos brasileiros? Quase que um completo desdém quanto às orientações citadas. A questão da voluntariedade é solapada quando igrejas promovem uma petição constante, recalcitrante e até constrangedora. Alguns utilizam “pressão psicológica” para sensibilizar o fiel; chorando, mostrando desespero, apresentando contas sem fim, projetos mirabolantes que tem de ser cumpridos. Outros lançam mão de verdadeiras estratégias de marketing para alcançar seus objetivos. E o 13 pior, existem os que promovem uma verdadeira barganha com Deus e comercializam a fé sem o menor decoro. Usar pressão psicológica, ameaça espiritual e mecanismos heterodoxos para arrecadar dinheiro é uma prática reprovável. Fazer do culto uma ocasião para constranger as pessoas a dar dinheiro é uma distorção da verdadeira adoração. Usar textos bíblicos fora do seu contexto para comercializar a fé uma ofensa a Deus e uma paganização da igreja. (LOPES, 2017. p. 18) Continuando, é importante lembrar que não deve haver estipulação de taxas, valores, limites, piso, teto, cota e coisas afins para a oferta. O ofertante deve estar totalmente livre para ofertar o que quiser segundo “propôs no seu coração”. Seja um real ou um milhão. A questão da quantia é de foro pessoal. Outra vez batemos numa tecla descuidada em nosso tempo. Geralmente as ofertas já vem embaladas por condicionantes. Já vem rotuladas com determinado valor, determinada taxa. Na televisão assistimos um que quer tantos fieis contribuindo com x reais, por exemplo. Na igreja (algumas para ser honesto), a proposta é decrescente. Inicia-se procurando ofertantes de mil reais, depois de quinhentos, até chegar aos ofertantes de dez reais. Mas, num caso ou no outro, essa taxação configura-se prática estranha à fé cristã. Mas, além da coleta de ofertas apresentar falhas, o uso e aplicação do dinheiro é ainda pior. Lopes (2017, p. 16) frisa que a “ética cristã tem a ver com a forma pela qual os recursos são levantados e também como a forma pela qual os recursos são usados”. Há muito egoísmo, vaidade e ganância em jogo. Infelizmente. Os novos líderes milionários da fé esbanjam em jatinhos particulares, carrões de luxo, mansões suntuosas, fazendas imensas, corporações empresariais e patrimônios estratosféricos. Além disso, a vaidade com templos faraônicos, estruturas ministeriais colossais e megalomaníacas são quase a regra. A aplicação do dinheiro arrecadado na Igreja gira, em maior parte, para suprir tais demandas. Contudo, tal não era a prioridade no Novo Testamento. Não havia tanta vaidade, ganância e orgulho a ser mantido. O objetivo das ofertas era para ser usado exclusivamente na manutenção das necessidades básicas para se manter a pregação, a missão e auxiliar as pessoas carentes. Mary Schultze (2005) comenta que o dadivar no Novo Testamento é sempre para satisfazer as necessidades das pessoas. A ideia de gastar com templos caros não é mencionada no N.T. Assim, não havia despesa não estrita e diretamente com o evangelho e com pessoas. Outro tipo de problema com as ofertas está relacionado com práticas totalmente estranhas à Igreja que vieram à tona por causa de movimentos judaizantes. Estão resgatandopráticas judaicas e trazendo para a Igreja diversas orientações para ofertas que eram próprias dos Judeus e não cabem à Igreja, tais como: primícias, ofertas alçadas, segundo e terceiro dízimo e coisas semelhantes. 14 Especificamente sobre as primícias, diversos pregadores insistem e apoiam a prática, até mesmo pregadores reconhecidos no meio evangélico. O fato de não podermos impor a oferta de primícias não significa que não podemos praticar este princípio! Em nossa igreja local, não ensinamos isto como uma imposição a ninguém, mas eu mesmo pratico este princípio e dou total liberdade (e incentivo) a quem quiser praticá-lo também. (SUBIRÁ, 2017). Neste sentido, o pregador Luciano Subirá, endossa a prática e orienta sobre diversas instruções de como o procedimento deve ser feito. Como, antigamente, ninguém poderia comer dos grãos da colheita antes da entrega da oferta de primícias (Lv 23.14), aconselhamos, no caso dos trabalhadores que não têm renda fixa, a entrega do primeiro ganho do mês (o lucro da primeira comissão, por exemplo). Neste caso, a entrega do valor referente ao ganho real do primeiro dia de trabalho poderia ser feita antes de se apurar o balanço final de ganhos (e de se comer dos frutos do trabalho). Quanto aos dízimos, eles poderiam ser entregues depois desta apuração de lucros. (SUBIRÁ, 2017). Tais ideias soam simplesmente absurdas e descabidas no contexto da Igreja. Tem um sabor farisaico e uma mística cabalística. Em se tratando de mística, há muito dela envolvida no ato de ofertar. Não raro, se faz promessas e mais promessas de prosperidade financeira para aqueles que ofertam; muitas delas baseadas quase que num passe de mágica. O pregador internacional Mike Murdock é um mestre nisso, para não citar outros. Numa passagem pelo Brasil realizou uma palestra e “profetizou” que dali sairiam 12 novos milionários! Claro que seria entre aqueles que “semeassem” em seu ministério uma quantia mínima de R$ 20 mil reais por mês durante um ano! A Igreja Universal do Reino de Deus não se cansa de mostrar os testemunhos dos “abençoados” que exibem suas conquistas advindas de sua fé em ofertar. Empresários falidos que agora são bem-sucedidos porque entregaram tudo ao Senhor. Ofertaram milhares de reais no “altar do sacrifício” e conseguiram milagrosamente dar a volta por cima. Os olhos do fiel ou do telespectador até brilham com o caso. O problema dessas práticas é que elas desqualificam tanto a motivação quanto o propósito das ofertas. A motivação, como vimos anteriormente, não é por uma barganha. O propósito não é retornar prosperidade financeira para suprir deleites pessoais. A instituição da oferta na Igreja é para servir a algo muito maior e mais nobre do que essa perspectiva capitalista/consumista. Muitos pregadores, movidos pela ganância, torcem as Escrituras e enganam o povo com uma pregação mercadológica, induzindo- o a contribuir com a motivação errada. A ideia é ofertar mais para ganhar mais. Assim, a oferta deixa de ser um ato de adoração a Deus por quem ele é, e um tributo de ação de graças a Deus por aquilo que ele faz, para ser um negócio lucrativo para o homem. Contribuir na casa de Deus com essa motivação é fazer uma barganha com Deus. Este tipo de pregação “Você deve dar mais para receber mais” corrompe a motivação do adorador. A motivação desse tipo de ofertante não é a glória de Deus nem 15 o crescimento do seu reino. O vetor que move a pessoa é a ganância. Tudo gira em torno do desejo de ter mais. O crente torna-se uma espécie de investidor celestial. Quanto mais você puser na mão do banqueiro celestial, mais você terá. (LOPES, 2017, p. 14). A cristandade, de certa forma, atribui uma importância maior às ofertas e contribuições em relação a outras demandas do viver cristão. A lógica parece ser a das obras; há uma falsa sensação de que uma vez contribuindo o Senhor estaria obrigado a abençoar; o Senhor estaria preso a uma espécie de pacto de troca. Igualmente há uma falsa religiosidade envolvida nisso, porque é algo visível, e até controlado (em alguns casos) quando o crente dá seu dízimo e oferta. Logo, é uma prática religiosa rígida e de aparência. Jesus Cristo insistiu no fato de que as aparências enganam. As ofertas não devem ser mistificadas e elevadas como ápice da espiritualidade. Mostrou que a reconciliação é mais importante do que o ofertar, ou seja, se tiveres queixa contra um irmão ou vice-versa, é necessário consertar-se com ele primeiro. (Mateus 5.23-24). O Senhor está mostrando que a comunhão entre os irmãos é muito importante e não deve ser negligenciada. Aos fariseus repreendeu o conhecido Corbã, já mencionado. Isso nos traz uma aplicação interessante. Trocar o cuidado e apoio financeiro aos pais idosos com a pretensa ideia de converter isso em oferta igualmente não é bem visto pelo Senhor, pelo contrário, Jesus disse que isso era doutrina de homens invalidando o “honra do pai e a tua mãe”. Assim, o ofertar não deve ser aplicado em detrimento aos cuidados necessários dispensados à própria casa. Outra mística farisaica era que consideravam o juramento pelo altar algo que poderia ser invalidado, mas o juramento pela oferta que está sob o altar era inquebrável, obrigatório. Ou seja, elevavam a oferta acima do próprio valor do altar de Deus. O Senhor Jesus os chamou de cegos! (Mateus 23.18-19). Por fim, a oferta da viúva constitui-se exemplo. Não é a quantia o mais importante, mas sim a disposição do coração e a fidelidade com Deus. Essa foi a lição da história. (Lucas 21.1-4). O que deve permanecer, depois dessas considerações, é que os princípios sobre o ofertar são simples e claros na Palavra de Deus, para sua Igreja. O povo de Deus deve ouvir tais orientações e evitar as gritantes distorções que pairam no meio do corpo de Cristo. CONSIDERAÇÕES FINAIS Evidentemente o tema de dízimos e ofertas não está esgotado. Contudo, o recorte analisado possivelmente abordou uma boa parcela das incompreensões e distorções praticadas atualmente na Igreja. O dízimo, para escândalo de alguns, não deve ser cobrado na realidade da Igreja, contudo, não se propõe simplesmente uma crítica vazia e desconcertante; reconhece-se a importância, ainda assim, das contribuições a título de ofertas para a manutenção das demandas 16 materiais da Igreja. Contudo, as características do dízimo eram muito particulares e próprias de Israel e não cabem replicação na Igreja. As ofertas, que foram reafirmadas no Novo Testamento, diferentemente dos dízimos, devem ser praticadas, mas de acordo com os parâmetros do novo pacto. Tal desafio não está sendo observado em muitos redutos cristãos, pois a prática de ofertas tem sido exercida de forma corrompida. Assim, deseja-se que tal texto ultrapasse a crítica, o desconforto e a exposição da Igreja tornando-se um alerta que sinalize, no mínimo, que maiores estudos devem ser feitos e que a Palavra deva ser melhor compreendida e aplicada, especificamente para a realidade da Igreja. 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