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GABARITO - AD2 - Literatura Brasileira III 2019 1

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AD2 – 2019.1 
 
 
Fundação Centro de Ciências e Educação a Distância do Estado do Rio de Janeiro 
Centro de Educação Superior a Distância do Estado do Rio de Janeiro 
Universidade Federal Fluminense 
Curso de Licenciatura em Letras- UFF / CEDERJ 
 
Disciplina: Literatura Brasileira III 
Coordenadora: Profª Flávia Amparo 
 
 
De acordo com o que você estudou nas Unidades 4, 5, 6 e 7 sobre a literatura e a 
representação das classes, Machado de Assis, a literatura na Belle Époque e o 
Modernismo, responda às questões abaixo de modo dissertativo. 
As questões visam à reflexão dos conteúdos estudados, bem como ao 
aprofundamento nos assuntos presentes nas unidades. Por isso, pesquise sobre o tema, 
assista aos vídeos na plataforma virtual e leia os textos indicados, mas não copie respostas 
do seu material didático nem de qualquer site da internet. 
Bons estudos! 
 
Questão 1 (2,5): No vídeo 90 anos da Semana de Arte Moderna: De lá prá cá, presente 
na Unidade 7 da Plataforma virtual, o professor Eduardo Jardim fala a respeito de duas 
importantes questões que nortearam a Semana de Arte Moderna de 1922: insatisfação 
com o cenário cultural brasileiro da época e anseio por uma atualização estética. Desse 
modo, disserte sobre esses dois pontos citados por Eduardo Jardim e explique de que 
maneira é possível relacioná-los com o “Prefácio interessantíssimo”, de Mário de 
Andrade, texto que abre seu livro Paulicéia Desvairada (1922). 
 
 
Texto 1 – Prefácio interessantíssimo (1922) – Mário de Andrade (fragmento) 
 
Leitor: 
Está fundado o Desvairismo. 
 
Este prefácio, apesar de interessante, inútil. 
 
Alguns dados. Nem todos. Sem conclusões. Para quem me aceita são inúteis ambos. Os 
curiosos terão prazer em descobrir minhas conclusões, confrontando obra e dados. Para 
quem me rejeita trabalho perdido explicar o que, antes de ler, já não aceitou. 
 
Quando sinto a impulsão lírica escrevo sem pensar tudo o que meu inconsciente me grita. 
Penso depois: não só para corrigir, como para justificar o que escrevi. Daí a razão deste 
Prefácio Interessantíssimo. 
 
Aliás muito difícil nesta prosa saber onde termina a blague, onde principia a seriedade. 
Nem eu sei. E desculpe-me por estar tão atrasado dos movimentos artísticos atuais. Sou 
passadista, confesso. Ninguém pode se libertar duma sô vez das teorias-avós que bebeu; 
e o autor deste livro seria hipócrita si pretendesse representar orientação moderna que 
ainda não compreende bem. 
 
(...) 
 
Um pouco de teoria? Acredito que o lirismo, nascido no subconsciente, acrisolado num 
pensamento claro ou confuso, cria frases que são versos inteiros, sem prejuízo de medir 
tantas sílabas, com acentuação determinada. Entroncamento é sueto para os condenados 
da prisão alexandrina. Há porém raro exemplo dele neste livro. Uso de cachimbo... 
 
A inspiração é fugaz, violenta. Qualquer impecilho a perturba e mesmo emudece. Arte, 
que, somada a Lirismo, dá Poesia, não consiste em prejudicar a doida carreira do estado 
lírico para avisá-lo das pedras e cercas de arame do caminho. Deixe que tropece, caia e 
se fira. Arte é mondar mais tarde o poema de repetições fastientas, de sentimentalidades 
românticas, de pormenores inúteis ou inexpressivos. 
 
Que Arte não seja porém limpar versos de exageros coloridos. Exagero: símbolo sempre 
novo da vida como do sonho. Por ele vida e sonho se irmanam. E, consciente, não é 
defeito, mas meio legítimo de expressão. 
 
"O vento senta no ombro das tuas velas!" Shakespeare. Homero já escrevera que a terra 
mugia debaixo dos pés de homens a cavalos. Mas você deve saber que há milhões de 
exageros na obra dos mestres. 
 
Taine disse que o ideal dum artista consiste em “apresentar, mais que os próprios objetos, 
completa e claramente qualquer característica essencial e saliente deles, por meio de 
alterações sistemáticas das relações naturais entre as suas partes, de modo a tornar essa 
característica mais visível e dominadora". O Sr. Luís Carlos, porém, reconheço que tem 
o direito de citar o mesmo em defesa das suas “Colunas”. 
 
Já raciocinou sobre o chamado “belo horrível"? É pena. O belo horrível é uma escapatória 
criada pela dimensão da orelha de certos filósofos para justificar a atração exercida, em 
todos os tempos, pelo feio sobre os artistas. Não me venham dizer que o artista, 
reproduzindo o feio, o horrível, faz obra bela. Chamar de belo o que é feio, horrível, só 
porque está expressado com grandeza, comoção, arte, é desvirtuar ou desconhecer o 
conceito da beleza. Mas feio — pecado... Atrai. Anita Malfatti falava-me outro dia no 
encanto sempre novo do feio. Ora Anita Malfatti ainda não leu Emílio Bayard: “O fim 
lógico dum quadro é ser agradável de ver. Todavia comprazem-se os artistas em exprimir 
o singular encanto da feiúra. O artista sublima tudo”. 
 
Belo da arte: arbitrário, convencional, transitório — questão de moda. Belo da natureza: 
imutável, objetivo, natural — tem a eternidade que a natureza tiver. Arte não consegue 
reproduzir natureza, nem este é seu Fim. Todos os grandes artistas, ora consciente (Rafael 
das Madonas, Rodin do Balzac, Beethoven da Pastoral, Machado de Assis do Brás 
Cubas), ora inconscientemente (a grande maioria) foram deformadores da natureza. 
Donde infiro que o belo artístico será tanto mais artístico, tanto mais subjetivo quanto 
mais se afastar do belo natural. Outros infiram o que quiserem. Pouco me importa. 
 
(...) 
 
Não acho mais graça nenhuma nisso da gente submeter comoções a um leito de Procusto 
para que obtenham, em ritmo convencional, número convencional de 6 sílabas. Já, 
primeiro livro, usei indiferentemente, sem obrigação de retorno periódico, os diversos 
metros pares. Agora liberto-me também desse preconceito. Adquiro outros. Razão para 
que me insultem? 
 
Mas não desdenho baloiços dançarinos de redondilhas e decassílabos. Acontece a 
comoção caber neles. Entram pois às vezes no cabaré rítmico dos meus versos. Nesta 
questão de metros não sou aliado; sou como a Argentina: enriqueço-me. 
 
(...) 
 
Minhas reivindicações? Liberdade. Uso dela; não abuso. Sei embridá-la nas minhas 
verdades filosóficas e religiosas; porque verdades filosóficas, religiosas, não são 
convencionais como a Arte, são verdades. Tanto não abuso! Não pretendo obrigar 
ninguém a seguir-me. Costumo andar sozinho. 
 
Virgílio, Homero, não usaram rima. Virgílio. Homero, têm assonâncias admiráveis. 
 
A língua brasileira é das mais ricas e sonoras. E possui o admirabilíssimo “ão". 
 
(...) 
 
Escrever arte moderna não significa jamais para mim representar a vida atual no que tem 
de exterior: automóveis, cinema, asfalto. Si estas palavras frequentamme o livro não é 
porque pense com elas escrever moderno, mas porque sendo meu livro moderno, elas têm 
nele sua razão de ser. 
 
Sei mais que pode ser moderno artista que se inspire na Grécia de Orfeu ou na Lusitânia 
de Nun'Álvares. Reconheço mais a existência de temas eternos, passíveis de afeiçoar pela 
modernidade: universo, pátria, amor e a presençados-ausentes, ex-gozo-amargo-de-
infelizes. 
 
Não quis também tentar primitivismo vesgo e insincero. Somos na realidade os primitivos 
duma era nova. Esteticamente: fui buscar entre as hipóteses feitas por psicólogos, 
naturalistas e críticos sobre os primitivos das eras passadas, expressão mais humana e 
livre de arte. 
 
O passado é lição para se meditar, não para reproduzir. "E tu che sé costí, anima viva, 
Partiti da cotesti che son morti”. 
 
Por muitos anos procurei-me a mim mesmo. Achei. Agora não me digam que ando à 
procura de originalidade, porque já descobri onde ela estava, pertence-me,é minha. 
 
(Fonte: https://sanderlei.com.br/PDF/Mario-de-Andrade/Mario-de-Andrade-Pauliceia-Desvairada.pdf) 
 
No vídeo “90 anos da Semana de Arte Moderna: De lá prá cá”, o professor e escritor 
Eduardo Jardim teoriza sobre duas importantes características que os modernistas de 1922 
apresentavam em comum: uma insatisfação com o cenário intelectual brasileiro da época 
– muito preocupado com a questão estética e extremamente afastado da realidade do país 
– e um desejo por atualização da mente artística a fim de criar algo novo e definitivamente 
nosso. De fato, ao estudarmos o Modernismo de 1922, é possível perceber que o cenário 
literário vigente na época – preciosismo linguístico e rigor estético dos beletristas e 
parnasianos – incomodava uma parte da elite intelectual de São Paulo que começou a 
articular um movimento que rompesse com essa literatura e modernizasse o nosso fazer 
literário. Para alcançar esse objetivo, os escritores modernistas retomaram o olhar voltado 
à cor local do Brasil e buscaram se alinhar às novidades estéticas encabeçadas pelos 
Movimentos de Vanguarda da Europa no início do século XX, defendendo uma poesia 
que, ao mesmo tempo em que valorizava as origens da formação do brasileiro, também 
enaltecia a velocidade, as máquinas e o tempo moderno. No “Prefácio interessantíssimo”, 
Mário de Andrade ratifica esses ideais ao apresentar uma espécie de manifesto do 
Modernismo, no qual o autor expõe os principais anseios de seu círculo de escritores 
modernistas e contra quem e o que o movimento se voltava. Assim, uns dos principais 
motes do movimento, a liberdade rítmica em contraposição às rimas rigorosamente 
construídas pelos parnasianos e um maior uso das possibilidades da língua portuguesa, 
também aparecem no “Prefácio interessantíssimo” como uma reivindicação do autor 
paulista: “Minhas reivindicações? Liberdade. Uso dela; não abuso. Sei embridá-la nas 
minhas verdades filosóficas e religiosas (...). A língua brasileira é das mais ricas e sonoras. 
E possui o admirabilíssimo “ão".”. Muitos são os trechos que os alunos podem usar para 
relacionar a fala do professor Eduardo Jardim ao texto de Mário de Andrade, na medida 
em que, no fragmento destacado, ao expor o que pensava de seu fazer poético e da 
literatura que estava inaugurando, o autor paulista falava de todo um grupo de artistas 
modernistas que buscava dar novos rumos ao cenário intelectual brasileiro, atribuindo às 
nossas criações artísticas uma cara mais nacional, mais próxima do povo, mais livre e 
conectada às mudanças sócio-históricas da modernidade. 
 
Questão 2 (2,0): O Modernismo de 1922 travou interessantes diálogos com os 
Movimentos de Vanguarda que eclodiram na Europa no início do século XX, como, por 
exemplo, o Cubismo, o que influenciou a produção artística brasileira desse período. 
Nessa perspectiva, leia o poema “Hípica”, de Oswald de Andrade, e analise como o poeta 
se apropriou de técnicas cubistas para construir seu texto. 
 
 
Texto 2 – Hípica – Oswald de Andrade 
 
Saltos records 
Cavalos da Penha 
Correm jóqueis de Higienópolis 
Os magnatas 
As meninas 
E a orquestra toca 
Chá 
Na sala de cocktails 
 
(ANDRADE, Oswald de. Poesias Reunidas. 4ª ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira S.A., 1974, p. 
129) 
 
A proposta de atualização do panorama artístico brasileiro idealizada pelos modernistas 
de 1922 contou com algumas atitudes, dentre elas o alinhamento às perspectivas dos 
Movimentos de Vanguarda vigentes no início do século XX na Europa. Dos poetas desse 
movimento literário brasileiro, Oswald de Andrade foi, definitivamente, o que mais se 
apropriou dos conceitos das vanguardas europeias, o que pode ser visto em muitos de 
seus poemas publicados nesse primeiro momento do Modernismo. Em “Hípica”, o 
diálogo travado com o Cubismo se deve, sobretudo, à utilização da técnica da colagem 
cubista, que consistia, no campo das artes plásticas, na representação de cenas e de objetos 
de forma “desmontada”, “solta”, como se a realidade apresentada pudesse ser vista de 
diferentes ângulos, importando somente a observação dos elementos que a compõem e 
não a maneira com que esses elementos se unem. Por isso, no poema “Hípica”, as palavras 
que o compõem, compreendidas por um mesmo campo lexical, delineiam gradativamente 
a cena da própria hípica, sociedade nobre onde se pratica hipismo, a partir da enumeração 
de elementos encontrados neste ambiente, como os magnatas, os cavalos, a sala de 
coquetéis e a orquestra. É necessário perceber que a ausência quase total de conectivos, 
comumente responsáveis por garantir a articulação entre as orações e períodos, e a 
inversão dos versos não acarretam prejuízos à compreensão da cena em sua totalidade, 
evidenciando um processo de colagem de figuras a fim de alcançar um panorama total – 
neste caso, a própria hípica. Assim, a cena retratada pode ser contemplada de vários 
ângulos e perspectivas, tal como as pinturas cubistas, como as de Pablo Picasso. 
 
Questão 3 (3,0): O crítico literário Antonio Candido, em Formação da literatura 
brasileira, põe em evidência o caráter inovador dos romances de Machado de Assis, na 
medida em que o escritor carioca rompeu com a tradição dos romances de costumes ao 
investir em obras que priorizavam uma sondagem psicológica de seus personagens. A 
partir da leitura do capítulo II de Dom Casmurro (1899-1900), intitulado “Do livro”, 
disserte sobre a importância desse movimento de ruptura machadiano para a Literatura 
Brasileira e explique como o relato de Bento Santiago no trecho destacado materializa 
essa questão. 
 
Texto 3 – Do livro – Machado de Assis 
 
Agora que expliquei o título, passo a escrever o livro. Antes disso, porém, digamos 
os motivos que me põem a pena na mão. 
Vivo só, com um criado. A casa em que moro é própria; fi-la construir de 
propósito, levado de um desejo tão particular que me vexa imprimi-lo, mas vá lá. Um dia, 
há bastantes anos, lembrou-me reproduzir no Engenho Novo a casa em que me criei na 
antiga Rua de Mata-cavalos, dando-lhe o mesmo aspecto e economia daquela outra, que 
desapareceu. Construtor e pintor entenderam bem as indicações que lhes fiz: é o mesmo 
prédio assobradado, três janelas de frente, varanda ao fundo, as mesmas alcovas e salas. 
Na principal destas, a pintura do teto e das paredes é mais ou menos igual, umas grinaldas 
de flores miúdas e grandes pássaros que as tomam nos bicos, de espaço a espaço. Nos 
quatro cantos do teto as figuras das estações, e ao centro das paredes os medalhões de 
César, Augusto, Nero e Massinissa, com os nomes por baixo... Não alcanço a razão de 
tais personagens. Quando fomos para a casa de Mata-cavalos, já ela estava assim 
decorada; vinha do decênio anterior. Naturalmente era gosto do tempo meter sabor 
clássico e figuras antigas em pinturas americanas. O mais é também análogo e parecido. 
Tenho chacarinha, flores, legume, uma casuarina, um poço e lavadouro. Uso louça velha 
e mobília velha. Enfim, agora, como outrora, há aqui o mesmo contraste da vida interior, 
que é pacata, com a exterior, que é ruidosa. 
O meu fim evidente era atar as duas pontas da vida, e restaurar na velhice a 
adolescência. Pois, senhor, não consegui recompor o que foi nem o que fui. Em tudo, se 
o rosto é igual, a fisionomia é diferente. Se só me faltassem os outros, vá; um homem 
consola-se mais ou menos das pessoas que perde; mais falto eu mesmo, e esta lacuna é 
tudo. O que aqui está é, mal comparando, semelhante à pintura que se põe na barba e nos 
cabelos, e que apenas conserva o hábito externo, como se diz nas autópsias; o interno não 
agüenta tinta. Uma certidão que me desse vinte anos de idade poderia enganar osestranhos, como todos os documentos falsos, mas não a mim. Os amigos que me restam 
são de data recente; todos os antigos foram estudar a geologia dos campos-santos. Quanto 
às amigas, algumas datam de quinze anos, outras de menos, e quase todas crêem na 
mocidade. Duas ou três fariam crer nela aos outros, mas a língua que falam obriga muita 
vez a consultar os dicionários, e tal freqüência é cansativa. 
Entretanto, vida diferente não quer dizer vida pior; é outra coisa. A certos 
respeitos, aquela vida antiga aparece-me despida de muitos encantos que lhe achei; mas 
é também exato que perdeu muito espinho que a fez molesta, e, de memória, conservo 
alguma recordação doce e feiticeira. Em verdade, pouco apareço e menos falo. Distrações 
raras. O mais do tempo é gasto em hortar, jardinar e ler; como bem e não durmo mal. Ora, 
como tudo cansa, esta monotonia acabou por exaurir-me também. Quis variar, e lembrou-
me escrever um livro. Jurisprudência, filosofia e política acudiram-me, mas não me 
acudiram as forças necessárias. Depois, pensei em fazer uma História dos Subúrbios, 
menos seca que as memórias do padre Luís Gonçalves dos Santos, relativas à cidade; era 
obra modesta, mas exigia documentos e datas, como preliminares, tudo árido e longo. Foi 
então que os bustos pintados nas paredes entraram a falar-me e a dizer-me que, uma vez 
que eles não alcançavam reconstituir-me os tempos idos, pegasse da pena e contasse 
alguns. Talvez a narração me desse a ilusão, e as sombras viessem perpassar ligeiras, 
como ao poeta, não o do trem, mas o do Fausto: Aí vindes outra vez, inquietas sombras?... 
Fiquei tão alegre com esta idéia, que ainda agora me treme a pena na mão. Sim, 
Nero, Augusto, Massinissa, e tu, grande César, que me incitas a fazer os meus 
comentários, agradeço-vos o conselho, e vou deitar ao papel as reminiscências que me 
vierem vindo. Deste modo, viverei o que vivi, e assentarei a mão para alguma obra de 
maior tomo. Eia, comecemos a evocação por uma célebre tarde de novembro, que nunca 
me esqueceu. Tive outras muitas, melhores, e piores, mas aquela nunca se me apagou do 
espírito. É o que vais entender, lendo. 
(ASSIS, Machado de. Do livro. In: Dom Casmurro. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 14-16.) 
 
No século XIX, como foi estudado na Unidade 5, os romances brasileiros apresentavam 
um caráter estritamente localista, na medida em que valorizavam a descrição dos 
costumes da cidade, do campo e até mesmo os costumes indígenas, como, por exemplo, 
algumas obras de José de Alencar. Machado de Assis, entretanto, rompe com essa 
perspectiva ao produzir narrativas cujo foco não era descrever os costumes da cidade, 
mas sim observar as relações sociais de sua época e os conflitos internos de seus 
personagens, que, de certa forma, correspondiam aos conflitos dos Homens de todos os 
tempos. Assim, Machado foi o responsável, no panorama da Literatura Brasileira, por um 
movimento inaugural de sondagem psicológica das figuras que compunham as suas obras, 
explorando os dramas humanos e refletindo sobre a relação entre o homem e a sociedade 
em que estava inserido, atribuindo ao romance brasileiro um caráter universalista que, até 
então, não era priorizado. O capítulo destacado de Dom Casmurro evidencia 
perfeitamente esse processo de sondagem psicológica, uma vez que nele contemplamos 
Bento Santiago – narrador do romance e do trecho em questão – enfrentando seus próprios 
dramas ao ter de lidar, sobretudo, com a solidão e com suas lacunas, seus vazios. Bento 
Santiago é um homem que falta a si mesmo, cujo único e possível objetivo já no fim da 
vida é tentar relembrar a sua história a fim de, quem sabe, compreender como chegou ao 
estado em que se encontra. Desse modo, a escrita de Machado se volta ao interior de 
Santiago ao mesmo tempo em que expõe essas feridas que são não só íntimas ao 
personagem, mas também ao leitor de qualquer tempo e espaço devido ao caráter 
universal atribuído ao relato e ao desenrolar da narrativa. 
 
Questão 4 (2,5): Aluísio Azevedo, ao escrever O cortiço (1890), apoiou-se na concepção 
de Naturalismo de Émile Zola, seguindo as tendências do Cientificismo, da Teoria 
Evolucionista e do Determinismo para construir seu romance. Assim, explique de que 
maneira é possível perceber a influência dessas teorias no trecho destacado da obra de 
Azevedo. 
 
Texto 4 – O cortiço (Cap. IV) – Aluísio Azevedo (fragmento) 
 
A labutação continuava. As lavadeiras tinham já ido almoçar e tinham voltado de 
novo para o trabalho. Agora estavam todas de chapéu de palha, apesar das toldas que se 
armaram. Um calor de cáustico mordia-lhes os toutiços em brasa e cintilantes de suor. 
Um estado febril apoderava-se delas naquele rescaldo; aquela digestão feita ao sol 
fermentava-lhes o sangue. A Machona altercava com uma preta que fora reclamar um par 
de meias e destrocar uma camisa; a Augusta, muito mole sobre a sua tábua de lavar, 
parecia derreter-se como sebo; a Leocádia largava de vez em quando a roupa e o sabão 
para coçar as comichões do quadril e das virilhas, assanhadas pelo mormaço; a Bruxa 
monologava, resmungando numa insistência de idiota, ao lado da Marciana que, com o 
seu tipo de mulata velha, um cachimbo ao canto da boca, cantava toadas monótonas do 
sertão: 
“Maricas tá marimbando, 
Maricas tá marimbando, 
Na passage do riacho 
Maricas tá marimbando.” 
A Florinda, alegre, perfeitamente bem com o rigor do sol, a rebolar sem fadigas, 
assoviava os chorados e lundus que se tocavam na estalagem, e junto dela, a melancólica 
senhora Dona Isabel suspirava, esfregando a sua roupa dentro da tina, automaticamente, 
como um condenado a trabalhar no presídio; ao passo que o Albino, saracoteando os seus 
quadris pobres de homem linfático, batia na tábua um par de calças, no ritmo cadenciado 
e miúdo de um cozinheiro a bater bifes. O corpo tremia-lhe todo, e ele, de vez em quando, 
suspendia o lenço do pescoço para enxugar a fronte, e então um gemido suspirado subia-
lhe aos lábios. 
(...) 
À esquerda, por cima de um vestígio de rio, que parecia ter sido bebido de um 
trago por aquele sol sedento, havia uma ponte de tábuas, onde três pequenos, quase nus, 
conversavam assentados, sem fazer sombra, iluminados a prumo pelo sol do meio-dia. 
Para adiante, na mesma direção, corria um vasto telheiro, velho e sujo, firmado sobre 
colunas de pedra tosca; ai muitos portugueses trabalhavam de canteiro, ao barulho 
metálico do picão que feria o granito. Logo em seguida, surgia uma oficina de ferreiro, 
toda atravancada de destroços e objetos quebrados, entre os quais avultavam rodas de 
carro; em volta da bigorna dois homens, de corpo nu, banhados de suor e alumiados de 
vermelho como dois diabos, martelavam cadenciosamente sobre um pedaço de ferro em 
brasa; e ali mesmo, perto deles, a forja escancarava uma goela infernal, de onde saiam 
pequenas línguas de fogo, irrequietas e gulosas. 
(AZEVEDO, Aluísio. O cortiço. São Paulo: FTD, 1998. p. 52-54.) 
 
O romance naturalista de Aluísio Azevedo, influenciado pelos ideais do Naturalismo de 
Zola, entendia esse gênero como uma experiência de laboratório, em que eram analisadas, 
de forma objetiva, as relações humanas e o comportamento dos homens, assemelhando-
se a uma experiência de laboratório realística, direta e científica, cujo foco era tentar 
compreender e analisar o desenvolvimento do homem face ao meio em que está inserido. 
Assim, os vieses cientificistas, evolucionistas e deterministas do século XIX que tanto 
inspiraram Zola e Aluísio Azevedo, assim como outros escritores naturalistas, 
embasavam-se na teoria de que a raça, o ambiente e o clima condicionavam o 
comportamento humano, atribuindo caráter negativo ao clima tropical, decalor 
excessivo, em comparação ao clima ameno presente na Europa, além de reafirmarem, de 
acordo com a perspectiva darwinista, a soberania dos mais fortes sobre os mais fracos na 
luta pela sobrevivência. Dessa forma, o clima brasileiro, na obra de Azevedo, é o fator 
que guia as atitudes de seus personagens, fazendo com que estes recebam características 
animalizantes e realizem atitudes “condenáveis” aos olhos do autor. O calor, portanto, no 
trecho destacado, gera um ambiente de caráter degradante, na medida em que o autor 
prioriza expressões que sempre associam o local e as personagens à sujeira, à desordem 
e à degeneração: “A Machona altercava com uma preta que fora reclamar um par de 
meias e destrocar uma camisa; a Augusta, muito mole sobre a sua tábua de lavar, parecia 
derreter-se como sebo; a Leocádia largava de vez em quando a roupa e o sabão para coçar 
as comichões do quadril e das virilhas, assanhadas pelo mormaço”. Nesse sentido, todo o 
trecho volta-se à explanação de como aquele ambiente e aquele clima eram capazes de 
influenciar de forma negativa o homem, criando um cenário desolador para o país, que, 
segundo os naturalistas, teria de passar pelo obstáculo do clima e da natureza tipicamente 
brasileiros para conseguir progredir.

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