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Historia Moderna Aula 01 – A invenção da modernidade INTRODUÇÃO A disciplina História Moderna das Transformações do Feudalismo as Reformas Religiosas visa comparar as abordagens da historiografia tradicional, que pensa a Idade Moderna como um momento de ruptura com os valores medievais e da nova história, que analisa as continuidades e heranças do medievo na modernidade. Estabelecer a operacionalidade dos conceitos fundamentais da modernidade, como estado, burguesia, classe social e poder, identificar os novos elementos trazidos pelo pensamento renascentista para o mundo moderno, além de avaliar a importância das reformas religiosas para a concepção de modernidade. Nesta aula, questionaremos o conceito de modernidade, partindo do marco da história tradicional para o início desta era – a tomada de Constantinopla. Faremos um contraponto entre a visão da historiografia clássica com as novas abordagens sobre modernidade, além de analisar alguns dos conceitos chave para a compreensão do mundo moderno. MATERIAL DIDÁTICO ANDERSON, Perry. Linhagens do estado absolutista. São Paulo: Brasiliense, 1998. OBJETIVO DA AULA Ao final desta aula, você deverá ser capaz de: 1. Identificar as diferentes abordagens; 2. historiográficas acerca da concepção de Idade Moderna; 3. reconhecer a abordagem tradicional e seus argumentos fundadores; 4. avaliar os conceitos chave para a compreensão de modernidade. APRENDA MAIS A obra História e memória traz artigos sobre o que discutimos nesta aula, em especial, sobre a questão da periodização em História e a mudança na maneira de conceber e interpretar fatos e fontes históricas, que caracteriza a passagem dentre as diversas eras e, no nosso caso, entre a concepção medieval e moderna. Podemos acessar os artigos neste endereço: http://xa.yimg.com/kq/groups/19906282/820661633/name/LE_GOFF_HistoriaEMemoria.pdf. Quando falamos em História do ocidente até a tomada de Constantinopla em 1453. Idade Moderna: Da Tomada de Constantinopla Moderna, a primeira questão que nos chama a atenção é, mas afinal o que é moderno? No nosso dia a dia, muitas vezes nos referimos ao conceito de moderno ao fazermos menção a um filme, uma roupa ou um livro. Em História, a modernidade possui muitos sentidos, que foram mudando ao longo do tempo e da interpretação que os historiadores fazem desse termo. Para começar a entender esse conceito, temos que nos remeter à periodização clássica em História. Vamos lá! Classicamente, a história está dividida em períodos, ou eras. Cada um desses períodos tem como marco inicial e final algum evento que os historiadores da época consideraram transformador. Idade Antiga: Da Invenção da escrita até a queda do Império Romano do ocidente, no século V d.C. Idade Média: Da queda do Império Romano até a Revolução Francesa, em 1789 Idade Contemporânea: Da revolução Francesa até nossos dias. É claro que esta periodização possui muitos problemas, não é? Não podemos comparar o homem de nossos dias àquele da Revolução Francesa. Também não podemos dizer que o homem moderno rompeu completamente com o homem medieval. Além disso, essa periodização foi feita a partir do ponto de vista dos historiadores europeus. Assim, acaba considerando eventos que são importantes, sobretudo, para a Europa. Entretanto, durante décadas, foi esse modo de pensar que lançou as bases do pensamento histórico que, agora, questionamos. O que podemos concluir? Que estas eras se basearam naquilo que era considerado como uma grande ruptura. É por isso que quando falamos de Idade Moderna, pensamos imediatamente em grandes transformações. É claro que ocorreram grandes transformações, mas elas não aconteceram de repente, nem de uma hora para outra. Como todo processo histórico, a mudança foi lenta. É por isso que podemos dizer que existe muito de medieval no homem moderno. Vamos voltar um pouco no tempo, até o final da Idade Média, para podermos perceber essa transição entre medieval e moderno. A Idade média está dividida em alta e baixa idade média, sendo: Alta idade média: Começa no seculo V e vai até o ano 1000 d.c., o sistema feudal esta em seu apogeu. Baixa idade média: Começa no seculo XI e mostra a estrutura feudal enfrentando seu desgaste, culminando em sua extinsão progressiva. No século XIV, a Idade Média vive sua grande crise. Um dos grandes responsáveis foi a peste negra, que dizimou boa parte da população europeia. A peste, que atingiu boa parte do campesinato, provocou um enorme ciclo de fome e miséria na Europa, levando a grandes motins e a uma enorme fuga do campo. As áreas em verde cobrem a pequena parte da Europa onde a peste não provocou uma enorme mortandade. O que deve ser enfatizado é a maneira como ela atingiu boa parte do continente e a imensa devastação demográfica que provocou. A igreja buscava culpados espirituais, e todo aquele que não era cristão foi duramente perseguido, como ocorreu com os judeus. Durante a Idade Média, os burgos abrigavam, sobretudo, artesãos e pequenos comerciantes. Com o renascimento urbano, estes burgos cresceram, consolidando as cidades. Seus habitantes eram chamados de burgueses e daí a denominação desta nova classe social, associada aos comerciantes. Com o crescimento das cidades, o comércio se desenvolveu e o trabalho passou a ser organizado em corporações de ofício ou guildas. Com o fortalecimento dessas instituições, nasciam novas formas administrativas. Algumas cidades se organizam em repúblicas ou comunas, e isso faz com que os burgueses possam concentrar em suas mãos poderes políticos e administrativos e, consequentemente, consolidar seu negócio. Se a terra era o indício de poder e riqueza durante a Idade Média, na Idade Moderna o comércio e os metais preciosos adquirem esta função. Reside aí uma das maiores “transformações” deste período: o significado de riqueza e prosperidade. A partir dessa noção, novas políticas foram empreendidas e o comércio foi o motor dessas mudanças. Mas, vejam só...estamos falando de RENASCIMENTO e não de SURGIMENTO. E o que isso quer dizer? Apesar do centro da vida medieval estar concentrado nos feudos e, portanto, nos campos, as cidades jamais desapareceram. Durante a Idade Média elas perderam sua relevância político-social, mas nunca deixaram de existir. Por isso, quando chegamos ao século XV, estamos falando de renascimento urbano. Isso quer dizer que as cidades readquirem importância e passam a ser importantes nos centros comerciais e políticos. Com a crise agrícola, o feudo, principal unidade produtiva da Idade Média, começou a ruir. Na França, ocorreram as jacqueries, levantes camponeses contra a situação que se agravava cada vez mais. Se lembrarmos que boa parte da estrutura feudal se baseava na relação senhor e servo, essas revoltas indicam o esgarçamento desta relação e o surgimento progressivo de uma nova ordem social, na qual os senhores feudais veriam seus poderes diminuídos. Somamos a isso as crises dinásticas, a disputa por territórios e o movimento cruzadista, que começara no século XI, além do quadro da crise que pôs fim à Idade Média. Se durante o período medieval, o centro socioeconômico estava no campo, isso começa a mudar com o renascimento urbano. Não é à toa que as cidades serão o coração sociopolítico da Idade Moderna. Vamos falar agora de uma questão super importante quando nos referimos à ideia de transição de um mundo medieval para o moderno: a economia. Economia agricula Sem dúvida, existem várias áreas em que podemos observar a mudança da mentalidade medieval para a moderna, mas poucas delas são tão evidentes como as mudanças econômicas operadas nesta época. Durante a Idade Média, a terra gerava a riqueza, a economia era agrária e todasas relações sociais se desenvolviam a partir desse princípio. Circulação de moedas Na Idade Moderna, a circulação de moeda ganha importância e são necessários metais preciosos para cunhá-las, o que vai ser um dos motores das grandes navegações, que veremos mais adiante. Isso quer dizer que não existia moeda na Idade Média? Troca agricula De jeito nenhum! Assim como as cidades, as moedas nunca desapareceram. Entretanto, cada feudo tinha sua própria unidade monetária e grande parte da economia se desenvolvia a partir da troca do excedente agrícola. Agora que temos a mudança do eixo econômico do campo para a cidade, a moeda readquire sua importância, mas... qual moeda? Se cada feudo tinha uma moeda, qual deveria ser adotada? Moeda única A unificação da moeda é um dos pontos fundamentais para compreendermos a centralização dos estados nacionais. Para que uma única moeda seja utilizada como padrão, é necessário que exista um poder central que a determine. Como na Idade Média este poder não existia, tampouco poderia haver uma moeda única, a unidade monetária é mais uma das características que distinguem uma era da outra. O que queremos demonstrar com isso é que, na verdade, não há uma ruptura súbita de valores e modelos sociais, mas uma transformação lenta e progressiva. Todos os fatores, políticos, sociais e econômicos estão interligados neste momento de transição. O grande questionamento que fazemos com relação a este momento da Idade Moderna é o que leva, então, a este período ser agora chamado de moderno. Temos que atentar exatamente para estas descontinuidades. A mudança do eixo econômico do campo para a cidade, a perda de poder dos senhores feudais, o renascimento urbano, a proeminência da burguesia, a circulação monetária, todos esses fatores vão formar a Idade Moderna e o “novo homem” que surge com ela. Ao estudarmos história, muitas vezes perdemos a dimensão humana destes fenômenos. É como se os fatos simplesmente se sucedessem, sem nos darmos conta de que há indivíduos por trás deles. Isso é algo que devemos ter em mente o tempo inteiro, que a história é feita por pessoas como nós, cada um fruto de seu próprio tempo. Por isso, quando começamos a falar sobre as grandes periodizações, começamos também a questioná- las. Mesmo que tomemos os grandes marcos históricos como ponto de partida, eles não são absolutos. O historiador italiano Beneddeto Croce se referia a esta periodização como importantes para a memória, mas não temos que ficar amarrados a ela. Os marcos históricos não devem servir para engessar o pensamento, e sim como ponto de partida para novas interpretações da história. Nesse sentido, é enorme a contribuição da Escola dos Annales para questionar as grandes linhas de pensamento histórico. Os Annales vão revolucionar a historiografia à medida que consideram os indivíduos envolvidos no processo histórico. Nasce aí a chamada história das mentalidades, e é sobre ela que discutiremos agora para entender a mentalidade do homem moderno. Fernand Braudel, em sua obra principal, O Mediterrâneo, vai dividir o tempo histórico em três grandes períodos, que podemos dispor, superficialmente, da seguinte maneira: Curta Duração Fenômenos transitórios, que mudam constantemente e podem ser observados no decorrer do tempo de vida de uma pessoa. Média Duração Onde se “encaixam” as grandes periodizações. A Idade Média, por exemplo, seria um “fenômeno” de média duração. Longa Duração Ligado a mudanças que levam milênios, como as mudanças geográficas. É claro que esta concepção já sofreu inúmeras revisões e constatações, mas o que queremos apreender dela é de que forma os indivíduos estão inseridos nestes fenômenos. Se estamos falando de modernidade, temos que considerar a mentalidade do homem moderno. As mudanças de que falamos ate agora estão amparadas numa mudança na maneira de ver o mundo. Se as estruturas políticas e econômicas podem levar séculos para mudar, com as mentalidades não poderia ser diferente. Entretanto, há uma peculiaridade: mesmo se transformando, as mentalidades guardam resquícios de outras eras. Podemos perceber esses resquícios mesmo nos dias de hoje, em nossos pequenos hábitos e costumes. É comum aos católicos fazerem o sinal da cruz ao passarem diante de uma igreja, um costume medieval. Em diversas festas e manifestações culturais, reproduzimos práticas ancestrais como nas festas religiosas ou em manifestações populares como o carnaval. Mesmo que tenhamos perdido as referências originais, de onde surgiram essas comemorações, elas fazem parte da nossa mentalidade. Assim, embora o homem moderno tenha mudado sua maneira de ver o mundo, ainda havia nele elementos do medievo. Nada exemplifica tão bem o que estamos falando quanto o papel da igreja católica e as transformações que ela sofreu durante a Idade Moderna. Em um mundo sem estado, como é o mundo medieval, a Igreja cumpria um duplo papel, político e religioso. Além da questão espiritual, a igreja constituía a única identidade entre os diversos reinos, que se identificavam, portanto, católicos. Durante a Idade Moderna, e a mudança intelectual que nela ocorre, o papel da Igreja continua sendo fundamental, quer como exemplo, quer como contraponto. Ou seja, mesmo quando é posta em discussão, ela ainda é um paradigma. O que isso quer dizer? Quer dizer que grande parte das mudanças nas mentalidades operadas, na Idade Moderna teve como pano de fundo a questão religiosa. Saiba mais sobre isso, lendo o PDF Papel e Poder da Igreja. Além disso, a nova organização social das cidades teve papel fundamental na mudança das mentalidades. Nessa mudança, podemos dizer que a burguesia foi, sem dúvida, um de seus principais agentes. Mas, afinal, como podemos definir burguesia? Este é um termo que falamos o tempo todo, mas raramente nos detemos para entendê-lo, não é? Primeiro, burguesia é um conceito. E como conceito, sua definição tem várias interpretações. Devemos considerar a ideia de burguesia de acordo com cada período que o utilizamos. Durante a Idade Média, burguês é o habitante do burgo. Na Idade Moderna, esse termo vai se referir não só ao habitante da cidade, mas também à classe mercantil. Ao se consolidar, ao longo da Idade Moderna, a burguesia se torna uma camada intermediária entre a classe trabalhadora e a nobreza. Embora não tenham títulos de nobreza, os burgueses serão os detentores de vasta riqueza, acumulada através do comércio. Este é o conceito que utilizamos, quando estudamos este período. Na baixa idade média e com a Revolução Francesa e o fim da Idade Moderna, muitos historiadores irão se deter no conceito de burguesia, definido conforme o utilizaremos quando falarmos de era contemporânea, o burguês como dono dos meios de produção. Então, podemos separar da seguinte forma: Idade Moderna: Habitante das sociedades, dedica-se à atividade mercantil, acumulando grande poder econômico. Idade Contemporânea: Dono dos meios de produção, esse conceito ganha força, sobretudo ao analisarmos alguns momentos históricos específicos, como a Revolução Industrial. Na modernidade, os burgueses irão agir como agentes transformadores, e sua atuação é fundamental para compreendermos o período. Do ponto de vista político, é a aliança entre o rei e a burguesia que permite a formação e consolidação dos estados nacionais. Do ponto de vista econômico, irão investir nas grandes navegações e no projeto colonial, mudando definitivamente a Europa. Já do ponto de vista social, financiam o renascimento e apoiam a reforma, construindo uma nova mentalidade. O Casal Rnolfini, do pintor flamengo Jan van Eyck, é um dos melhores retratos do momento de transição da burguesia. Pintado em 1434,a pintura mostra um casal burguês e é utilizada como documento iconográfico para entendermos a ascensão da burguesia enquanto classe social. Os interesses mercantis logo irão se aliar aos desejos da nobreza, e a aliança rei-burguesia irá inaugurar uma nova era na política, à medida que centraliza o estado nas mãos de um único soberano. Ainda não estamos falando de absolutismo, pois este só ocorre quando o estado já está centralizado, mas nas origens do que chamamos de estado-nação. Este é outro conceito que ouvimos e repetimos, mas que pouco estudamos. Qual o conceito de estado? Assim como vimos antes, quando falamos de burguesia, estado é um conceito múltiplo. Ele tem inúmeras definições e estas se alteram não somente de acordo com o tempo histórico estudado, mas também de acordo com os saberes disciplinares. Ou seja, a sociologia tem uma acepção de estado diferente da história, diferente da política, diferente da filosofia, e assim por diante. Em história, temos que localizar o conceito de acordo com o tempo que estudamos. O que estamos falando aqui é sobre a formação de um estado centralizado, ou seja, sobre a concentração de poderes nas mãos de um único indivíduo, no caso, o rei. Por que devemos fazer essa distinção? Porque se dissermos que o estado começou na era moderna, estaremos afirmando que ele não existiu na Idade Média, o que não é verdade. Existiam diversos estados, governados por senhores feudais. O que não existia era a centralização. Ou seja, havia um estado mas não havia uma nação. É isso mesmo... estado e nação não são sinônimos. Leia o PDF Estado e nação não são sinônimos e saiba mais sobre este assunto! Esses homens e mulheres que construíram a história mudaram o seu tempo e são frutos dele, assim como nós somos frutos de nosso tempo. É importante aqui quebrarmos um pouco a visão eurocêntrica de mundo e entendermos que a Idade Moderna está ocorrendo na Europa, mas não somente nela, e que as mudanças que serão vividas nesta época ecoam por séculos. SINTESE DA AULA Nesta aula você viu: Reconheceu alguns dos principais conceitos para a compreensão da Idade Moderna; Ccompreendeu que existem abordagens e sentidos diferentes para a modernidade; Identificou os elementos de transição entre o medievo e a modernidade. RELEMBRANDO 1 – Um dos principais elementos para a crise do século XIV foi a peste negra. 2 – O marco histórico tradicional para o início da Idade Moderna é a tomada de Constantinopla. 3 – Um dos principais expoentes da escola dos annales, que desenvolveu o conceito de longa, media e curta duração foi Fernand Braudel. 4 – Durante a Idade Média, o sentido de riqueza estava ligado a posse da terra. 5 – Como exemplo de nação sem estado, podemos citar os hebreus. Aula 02 – A transição: Medievo a modernidade INTRODUÇÃO Nesta aula, identificaremos os múltiplos marcos que iniciam a era moderna. Além disso, abordaremos os principais elementos estruturais da sociedade do medievo e as modificações sofridas por essas estruturas na chamada crise do feudalismo. A partir de então veremos de que forma o sistema de organização feudal dá lugar à organização sociopolítica do mundo moderno, compondo a sociedade do Antigo Regime. MATERIAL DIDÁTICO FALCON, F.; RODRIGUES, A. E. A Formação do Mundo Moderno. Rio de Janeiro: Elsevier, 2006. OBJETIVO DA AULA Ao final desta aula, você deverá ser capaz de: 1. Reconhecer a ideia de transição como algo em discussão; 2. comparar as estruturas sociais da Modernidade e seu legado medieval; 3. relacionar argumentos sobre os principais paradigmas da concepção de sociedade moderna. APRENDA MAIS ELIAS, Norbet. A Sociedade de Corte. Rio de Janeiro: Zahar, 2001, p. 27. Neste livro, Norbert Elias faz um estudo interdisciplinar, aliando história e sociologia para entender a formação da sociedade da corte do Antigo Regime e de que forma a própria existência da corte norteia a organização da sociedade como um todo. HESPANHA, António Manuel. A mobilidade social na sociedade de Antigo Regime.[on-line] Artigo. V11. n. 21. ano 9. indd. 123. Publicado em 27 jun. 2007. p. 121-143. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/tem/v11n21/v11n21a09.pdf. Neste artigo o autor faz uma análise dos mecanismos de mobilidade social na Idade Moderna e do papel determinante do Rei, que detém os recursos necessários a esta mobilidade. Conforme vimos, os marcos cronológicos que definem a Idade moderna tem sido postos constantemente em xeque. Embora tenhamos a Tomada de Constantinopla pelos turcos otomanos em 1453 como marco clássico, podemos citar como exemplo da nova mentalidade europeia outros eventos históricos importantes, como a invenção da imprensa, por Guttemberg ou a descoberta da América, por Cristóvão Colombo. A revisão desses marcos históricos acontece porque hoje entendemos a definição de História Moderna como algo que vai além desses marcos fixos. Ela é, na verdade, um grande processo sociopolítico e, portanto, deve ser analisada à luz dos grandes processos históricos que marcaram a chamada transição do mundo medieval para o mundo moderno. Da mesma maneira que os iluministas irão se referir à Idade Média como Idade das trevas, os críticos do absolutismo chamarão o período moderno de antigo regime. Ambas as expressões são carregadas de significado e ilustram a transição do pensamento de uma era para outra. Iluminismo Os filósofos iluministas entendem a Idade Média como um período estanque, no qual a preponderância da Igreja sobre a sociedade a manteve em uma era de irracionalidade, por isso a denominação Idade das trevas. Há, portanto, uma enorme crítica a esse período e o não reconhecimento das mudanças que se operaram durante os séculos correspondentes à Idade Média. Absolutismo Da mesma forma, com a Revolução Francesa de 1789, os críticos do absolutismo irão denominar o período anterior de Antigo Regime, pois entendiam o modelo de poder centralizado nas mãos de um único indivíduo como algo que deveria ser abolido. Entretanto, devemos entender essa centralização como um processo indispensável para a constituição do estado contemporâneo. Assim, modelo de sociedade e de estado da Idade Moderna irão servir como base para o estado que se seguirá a este. Se o poder centralizado pode ser considerado obsoleto no final do século XVIII, não podemos negar sua importância para a própria existência do estado moderno. Assim, adotaremos a expressão consagrada Antigo Regime ao nos referirmos à sociedade moderna e buscaremos entender a transição da sociedade feudal para a modernidade. Duas características se destacam quando pensamos a sociedade medieval: o papel da igreja na vida cotidiana e a quase inexistente mobilidade social. Vamos lembrar que aqui não estamos discutindo o papel da igreja nas relações de poder, assunto que veremos nas próximas aulas, mas como ela afetava diretamente a vida cotidiana do homem do medievo. A primeira coisa que temos que ter em mente é que, no regime feudal, os papéis sociais são bastante definidos e estão demarcados desde o nascimento. Dessa forma, o filho de um camponês sempre será um camponês, bem como o filho de um senhor feudal será um senhor feudal. A posse da terra está então concentrada nas mãos de alguns indivíduos que, por sua vez, serão os detentores do poder político e econômico nessa realidade. É importante avaliarmos a questão da fragmentação. Por que o mundo medieval é baseado na fragmentação de poder? Teremos que ir um pouco mais longe, na crise do Império Romano. Um dos fatores da queda do Império Romano, o maior império da época, foram as invasões bárbaras. Podemos dizer, de modo simplista, que o Império Romano cresceu até o ponto em que não era mais possível proteger suas fronteiras, deixando-as sujeitasàs invasões de outros povos. Sabemos, é claro, que existem várias razões para esse desgaste. Só para lembrar: os romanos definem como bárbaros todo aquele que não pertence ao império e não tem o latim como idioma. Bárbaro é, então, o estrangeiro. É legal percebermos como esse termo chegou até nós. Hoje, utilizamos a expressão “bárbaro” como sinônimo de primitivo ou violento e esta é um herança romana. Isso é interessante para que vejamos como não existem rompímentos bruscas na história, conforme falamos na aula passada, mas cada era histórica deixa seu legado, ainda que transformado ou adaptado a novas realidades. Entretanto, o que nos interessa aqui é perceber a importância dos bárbaros para a fragmentação de poder medieval. Quando ocorre o fim do império, as diversas regiões pertencentes a ele na Europa se fragmentam em outra estrutura. Nesse novo modelo, o centro da vida sociopolítico é o feudo e não mais as cidades. Além da relação entre senhor e servo, a sociedade medieval era baseada nos vínculos de dependência pessoal, chamados de suserania e vassalagem. Através da cerimônia chamada de homenagem, o vassalo recebia terras e bens do seu suserano, prometendo-lhe fidelidade e proteção em troca. Com isso, podemos notar que os vínculos sociais eram extremamente fortes e a definição das classes sociais bastante rígida. Vamos ver uma pirâmide social típica da Idade Média: Clero: A mais importante classe com uma importancia sociopolitica bastante elevada. É importante destacar que os Reis nunca desapareceram e sua importancia politica veio a se elevar na idade media com a centralização do poder. Nobreza: Abaixo esta a nobreza composta por senhores feudais e em seu interior os reis e principes que tinham obrigações como qualquer outro e sua importancia ficou em segundo plano durante um periodo Camponeses, servos e burgueses : A classe mais baixa da piramide social ou circulo feudal. O Antigo Regime herdará essa pirâmide social, mas a ela devemos acrescentar os burgueses - a classe mercantil que começa a se formar no renascimento urbano e comercial. Entretanto, por não possuírem títulos de nobreza, os burgueses também ocuparão a base da pirâmide. Durante a Idade Moderna, embora a burguesia concentre bastante poder econômico, ela não terá direitos políticos igualmente importantes. Essa insatisfação levará às chamadas revoluções burguesas que ocorrerão na época contemporânea, como a Revolução Francesa. Um dos problemas em se utilizar a denominação Antigo Regime é que, embora seja característica da Idade Moderna, seus marcos iniciais não são bem claros, mas podemos situa-la, aproximadamente, entre os séculos XV e XVII. A estrutura social do antigo regime talvez seja onde podemos perceber mais claramente a presença medieval na modernidade. Segundo o historiador português Vitorino Magalhães Godinho e sua obra A estrutura da Antiga Sociedade Portuguesa: “Na sociedade do antigo regime, o mais visível é a divisão em estados ou ordens: clero, nobreza, braço popular. É uma divisão jurídica, por um lado, e é, por outro, uma divisão de valores e comportamentos. As pessoas estão distribuídas por categorias, que se distinguem pelo nome, pela forma de tratamento, pelo traje e pelas penas a que estão sujeitas”. Isso quer dizer que, embora exista uma ascensão econômica por parte daqueles que se dedicam ao comércio, a estrutura baseada em estados permanece, ainda que não seja, a rigor, tão estanque como a medieval. O que devemos entender é que a pertença a uma classe social determina toda a vida do indivíduo. Nobres e povo possuem direitos jurídicos diferentes, o que significa, dentre outras coisas, que respondem de maneira diferente pelo mesmo crime, por exemplo. As vezes é difícil para nós, pessoas do século XXI, compreendermos o que isso significa. Um dos fundamentos da sociedade contemporânea é a igualdade jurídica. O que quer dizer que o primeiro principio de qualquer código de leis democrático é que todos os homens são iguais perante a lei. Em países como o Brasil, sabemos que na prática, a lei não funciona desse jeito, em todo caso, a existência desse principio é importantíssima para a democracia e os princípios de cidadania. Quando não há a garantia de igualdade jurídica, estamos afirmando que esta é uma sociedade desigual, onde existe um enorme abismo entre as classes sociais. Nesta sociedade de ordens, nas funções político-administrativas cabem a nobreza, excluindo, portanto, a maioria da população. O clero tem o monopólio do ensino, que vai bem além de suas funções espirituais. Nenhuma destas ordens paga impostos, que recaem apenas sobre o terceiro estado, ou seja, a maior parte da população. Nesta realidade, o terceiro estado tem obrigações políticas, mas não direitos. Vejamos a questão do clero. Quando dizemos que o clero tem o monopólio do ensino, queremos apontar que grande parte do conhecimento que é reproduzido passa pelas mãos da igreja. Isso concede ao clero um enorme poder de influenciar as mentalidades, além de ser o grande formador de opinião durante a Idade Moderna. Esta é outra herança do período medieval. É interessante pensar que sempre que falamos de Idade Moderna temos em mente algo radicalmente diferente da Idade média, como se a era anterior tivesse simplesmente desaparecido para dar lugar a uma nova mentalidade, moderna e arrojada. Isso é só parcialmente real. A base do pensamento medieval ainda ocupará um lugar de destaque na mentalidade moderna. Vamos ver um exemplo simples: Em meados do século XV, Johannes Gutemberg desenvolve a imprensa. Esta invenção revoluciona toda uma época – por isso, falamos no início da aula que a invenção da imprensa faz parte dos marcos iniciais da Idade Moderna. O que significou esta invenção? Durante séculos, cabia à Igreja Católica, através dos monges copistas, reproduzir os livros. Isso era feito manualmente e os livros eram copiados e transmitidos. Havia aí uma clara intervenção da igreja. Como era ela quem copiava e distribuía os livros, podia escolher o que produzir. Essa maneira de produzir também tornava o livro algo muito caro e portanto um símbolo de riqueza. A invenção da imprensa muda radicalmente essa situação. Os livros passam a ser produzidos em série, através de prensas. Tornam-se mais baratos e acessíveis a camadas mais baixas da população que, antes, estavam excluídas do conhecimento, ou seja, houve uma grande mudança, não é verdade? Entretanto, o primeiro livro impresso foi justamente a Bíblia, que indica que, mesmo em um momento de ruptura, esta ainda está ligada ao poderio católico. Isso acontece em outros aspectos, como a arte. Ainda que os pintores do renascimento estejam ampliando seus objetos, retratando o homem e diversos outros temas, ainda existe uma enorme produção de arte religiosa. Exemplo disso é a capela Sistina, pintada por Michelangelo, um dos principais nomes do renascimento, o que quer dizer que mesmo em transformação essa sociedade ainda é marcada por uma forte presença católica. A igreja também muda e se adapta aos novos tempos. Sobre o antigo regime: Localidade A noção de Antigo Regime pressupõe que este ocorreu na maior parte da Europa Ocidental. Certamente, isso não é homogêneo. Existem diferenças e especificidades que variam de uma região para outra, mas de modo geral, podemos dizer que o que unifica essa sociedade é a existência de uma economia fortemente atrelada ao estado, a economia mercantilista, que veremos na nossa próxima aula. Estado Além disso, o estado do Antigo Regime é centralizado e unitarista, onde a monarquia detém o poder soberano e não existe a divisão de poderes que conhecemos hoje. Essas características gerais coexistemcom as especificidades. Desenvolvimento Cada região se desenvolve de uma maneira própria e isso se reflete em sua sociedade. Dessa forma, ainda que o estado controle a economia, o desenvolvimento econômico de cada lugar depende de quanto o comércio se desenvolveu, do acúmulo de capital da burguesia, no investimento feito no processo de expansão marítima, na busca de novos mercados, na existência de um mercado consumidor, no investimento feito nas manufaturas, na relação existente entre o capital público e privado, dentre outros. Mobilidade O que queremos apontar é que essas categorias são diferentes de um país para outro, portanto, a mobilidade social também é diferente. A França é considerada o exemplo do Antigo Regime por excelência. Foi nesse país em que os estamentos atingiram tal nível de imobilidade que levou a uma revolução que derrubou o Antigo Regime, a revolução Francesa de 1789. Foi também na França que o absolutismo alcançou seu auge e, portanto, as contradições desse regime, também. O historiador Norbert Elias, em sua obra A sociedade de Corte, busca compreender a sociedade do antigo regime na instância que, para ele, constitui o melhor objeto de análise, a corte. Para Elias, é a partir da Corte, símbolo máximo do poder político e social, que esta sociedade se organiza. “...a corte real do Ancien Regime sempre acumulou duas funções: a de instância máxima de estruturação da grande família real e a de órgão central da administração do Estado como um todo, ou seja, a função de governo” (ELIAS, 2001, p. 27). ELIAS, Norbet. A Sociedade de Corte. Rio de Janeiro: Zahar, 2001, p. 27. Nessa interpretação, a corte funciona como o coração do Antigo Regime. Isso encontra explicação, em certa medida, pelo papel do Rei. Em uma sociedade com pouca mobilidade social, esta só é possível através dos favores reais. É o rei que concede terras e títulos de nobreza. Cabe lembrar que nesta realidade o rei pode se afirmar através de favores financeiros e não somente através da concessão de posses materiais, como acontecia na Idade Média. É importante lembrar que a noção de mobilidade social é largamente utilizada por analistas contemporâneos. Os homens da época estavam inseridos em um contexto em que essa mobilidade não era passível de ser observada. O que isso quer dizer? Não há mobilidade entre as classes sociais A organização em estados remontava ao medievo e fazia parte do que chamamos de corpo social. As classes são estabelecidas pelo lugar de nascimento e não pelas posses, o que só irá mudar na idade contemporânea. Isso quer dizer que um burguês, ainda que rico, permanecerá burguês e dessa forma, fará parte do terceiro Estado. Um nobre, mesmo que falido, ainda detém o titulo de nobreza e por isso mantém seus privilégios. Privilégios Esta é uma palavra-chave para entendermos a sociedade do Antigo regime, pois é através dos privilégios que as classes se mantêm e funcionam. Um nobre pobre ainda faz parte da corte e um burguês rico não. Isso faz com que muitos burgueses comprem títulos de nobreza, mas essa mentalidade está tão incorporada ao espírito da época que esses novos nobres serão vistos como nobreza de segunda classe. Com isso, podemos concluir que a riqueza não significa ascensão ou mudança de status social. Esta é uma realidade tão distante da nossa que às vezes achamos difícil compreendê-la. Devemos então pensar como os homens dessa época, para os quais a nobreza vem de berço e é hereditária. Os casamentos consanguíneos eram comuns, para manter o titulo e garantir a linhagem. De acordo com o direito de primogenitura – também uma herança medieval – cabia ao filho mais velho o direito ao título. Assim, veremos ao longo da Idade Moderna uma série de casamentos reais feitos entre as diversas casas da Europa, para manter a linha de nobreza, em uma prática secular. Podemos citar como exemplo o casamento dos reis católicos, em cujo reinado a Espanha foi unificada, Fernando de Aragão e Isabel de Castela. Esse casamento foi igualmente vantajoso para ambos, pois unificou os dois mais poderosos reinos da Espanha. Os casamentos reais eram, portanto, grandes alianças políticas. Podemos citar outro exemplo: o casamento de Henrique VIII e Catarina de Aragão, forjando a aliança entre Inglaterra e Espanha na época, dois reinos católicos. A incapacidade de Catarina em gerar um herdeiro homem para o trono foi uma das razões que levou Henrique VIII a pedir permissão ao papado para divorciar-se. A negativa fez com que o rei rompesse com o catolicismo e instituísse uma nova religião na Inglaterra, o anglicanismo. Não podemos, entretanto, pensar nos estados como homogêneos. No interior de cada uma dessas classes há diferentes vontades e interesses. O Alto Clero, formado por bispos e cardeais, estará muito mais próximo da nobreza que o Baixo Clero, que por sua vez, estará mais próximo da realidade da população. Os nobres que fazem parte da Corte estão mais propensos a receber favores do Rei que aqueles que não fazem parte dela. E é claro, como classe mais numerosa, é no terceiro estado que podemos notar as maiores discrepâncias. Convivem numa mesma ordem os pobres, os artesãos e os burgueses. Estes últimos, por terem maior poder financeiro, terão regalias que são negadas aos demais. Dentre elas, a possibilidade de estudar, ocupar cargos na magistratura e exercer influência decisiva no comércio. Expliquemos: a existência de um poder absoluto real só é fundamental enquanto a burguesia ainda se forma. Ela é necessária porque cabe ao rei fazer as leis que regulam o comércio, organizar as expedições que irão descobrir e colonizar novas terras, conceder privilégios e concessões mercantis. O rei é fundamental na montagem da empresa mercantil. Entretanto, a partir do momento em que essa estrutura está formada, ela pode prescindir da total influência real. Essa influência não só é desnecessária como passa a ser indesejada. Vejamos um exemplo: cabe ao Rei estabelecer as rotas e as regras do comércio marítimo. Quando isso está feito, cabe aos burgueses equipar seus navios e explorar as riquezas coloniais em nome da metrópole. Ao interferir, regulando e cobrando impostos, a Coroa diminui o lucro da burguesia, gerando insatisfação, ou seja, em um primeiro momento, o poder real foi necessário e depois que a estrutura estava funcionando, ele já não era mais necessário. Se pensarmos nesse exemplo de forma geral, veremos que, à medida que a burguesia se fortalece, passa a apoiar cada vez menos os reis absolutos. Além disso, a alienação política se torna cada vez mais evidente. Embora a burguesia pague impostos e financie o estado absoluto, ela não tem nenhum direito político que seja equivalente aos impostos pagos. É a insatisfação crescente da burguesia que põe fim ao Antigo Regime, quando estouram as revoltas burguesas que depõem os regimes absolutos. O que podemos concluir? Que embora estejamos vendo uma sociedade em franca transformação, como vimos na aula passada, a herança medieval na modernidade é inegável. Nas diversas estruturas, é na maneira que a sociedade se organiza que podemos ver essa herança claramente. Se na Idade Média não verificamos mobilidade social, na Idade moderna ela tampouco acontece. O rei substitui o senhor feudal como principal figura política e é em torno dele que as relações sociais são organizadas. Ao longo da idade moderna, a burguesia se torna indispensável ao rei financeiramente, mas não adquire direitos políticos, o que acaba por selar o fim desta ordem social. A mesma burguesia que ajudou a colocar o rei no poder é responsável pela sua queda e pelo início de uma nova era, a era contemporânea. SINTESE DA AULA Nessa aula você: Comparar a sociedademedieval com a sociedade moderna; Estabelecer as principais características da sociedade do Antigo regime; Identificar os agentes sociais que atuam na formação e consolidação do Antigo regime. RELEMBRANDO 1 – A Idade Média como Idade das trevas era denominada pelos filósofos iluministas. 2 – As características abaixo dizem respeito ao Antigo Regime, sendo: - A economia do período é mercantil - Tem a burguesia como um importante agente social - Politicamente, é fundado no poder centralizado. - A centralização do poder foi possível graças a aliança Rei/Burguesia 3 – O vinculo de dependência pessoal estabelecido através da cerimonia de homenagem era chamado de Suserania e Vassalagem 4 – O papel da nobreza na sociedade estamental era exercer funções político administrativas. Aula 03 - A economia na Moderniodade INTRODUÇÃO Nesta aula, veremos as estruturas econômicas da Idade Média e sua superação por novos paradigmas. Definiremos os conceitos chave de modo de produção e sistema econômico e analisaremos de que forma o mercantilismo se afirma como a base do sistema capitalista que se estabeleceria após a Revolução Industrial. MATERIAL DIDÁTICO FALCON, Francisco; RODRIGUES, Antônio Edmilson. A formação do mundo moderno. Rio de Janeiro: Elsevier, 2006. OBJETIVO DA AULA Ao final desta aula, você deverá ser capaz de: 1. Identificar as origens da economia moderna; 2. Definir os principais conceitos econômicos da modernidade; 3. Reconhecer o sistema mercantil como a base do sistema capitalista. APRENDA MAIS Neste artigo, utilizaremos a interdisciplinaridade – já que foi escrito por economistas e especialistas em relações internacionais - para compreender as abordagens históricas que estudam a formação da economia moderna. Podemos acessar o artigo neste endereço: http://b36.moelabs.org/Teoria_das_RI_II- Rafael_Pons/II_semestre/Aulas_PDF/Economia_politica_do_moderno_sistema_mundial_as_contribuicoes _de_Wallerstein_Braudel_e_Arrighi.pdf. Ao longo da História, diversos estudiosos estabeleceram modelos explicativos tendo como base as grandes transformações econômicas. Na Idade Moderna, podemos definir, de modo amplo, esta mudança econômica, como a passagem do feudalismo para o sistema capitalista. Essa era vai se caracterizar, portanto, como a grande era do mercantilismo. Mas como podemos caracterizar o mercantilismo? Mais adiante, veremos mais detalhes sobre isso, mas o que devemos ter em mente é que o mercantilismo não é um sistema econômico. Como assim? Esbarramos em outro conceito chave, o de sistema econômico. Existem algumas definições possíveis deste conceito. Vamos ver a de Francisco Lacombe: Sistema econômico – Sistema de propriedade, de forma de decisão sobre a alocação dos recursos produtivos, de determinação de preços, e demais mecanismos que caracterizam o sistema produtivo de uma sociedade e a distribuição dos produtos pelos agentes econômicos. Fonte: LACOMBE, Frascisco José //asse. Dicionário de Administrado. São Pauto: Saraiva, 2004. O que isso quer dizer? Que um sistema econômico é a maneira pela qual uma sociedade organiza sua economia e, junto com ela, a sua política e a sua estrutura social. Um sistema econômico também possui um modo de produção, e o mercantilismo, em si, não possui estas características. Então, podemos definir mercantilismo como um conjunto de práticas econômicas que marca a transição do sistema feudal para o sistema capitalista. Falamos sobre modo de produção, não é? Esta expressão é muito comum e a encontramos o tempo todo nos textos: modo de produção feudal, modo de produção escravista, modo de produção capitalista. Mas afinal, o que é modo de produção? Modo de produção = forças produtivas + relações de produção Vamos ver, em separado, os elementos que constituem o modo de produção. Modo de produção O que são forças produtivas? Forças produtivas são formadas pelos meios de produção - a parte material como terra, capital, máquinas, ferramentas e a força de trabalho. Neste caso, não é só a mão de obra em si, mas a habilidade que essa mão de obra possui, como conhecimento técnico, por exemplo. O que são relações de produção? É a maneira como se relaciona quem possui os meios de produção - terra, capital, máquinas, ferramentas e a estrutura de classes. Um dos primeiros teóricos a pensar e definir estas questões foi Karl Marx, na obra O capital. Marx defendia que, sempre que houve uma contradição entre as forças produtivas e as relações de produção, haveria um colapso do sistema econômico. É o que acontece no feudalismo. À medida que mudam os agentes econômicos - o poder econômico deixa de ser do senhor feudal para pertencer à burguesia - o modo de produção também muda, para dar conta desta nova realidade. Para entendermos estas mudanças, vejamos como o feudalismo se organizou na idade media: Veremos cada um separadamente: Ver o PDF “A transição do capitalismo ao feudalismo”. Além deste processo de transformação da economia feudal, podemos caracterizar a economia moderna pela expansão mercantil que ocorre ao longo dos séculos XVI, XVII e XVIII. Essa expansão permite a ocorrência da acumulação primitiva do capital. Essa acumulação é parte das pré-condições que, no século XVIII, darão origem à Revolução Industrial. O que devemos lembrar é que o sistema capitalista que temos hoje teve sua origem na Idade Moderna e o seu fundamento está nas relações comerciais. Do modo de produção feudal, passamos a ter o mercantilismo baseado, sobretudo, no mercado. Embora não possa ser definido, a rigor, como sistema econômico, como já falamos antes, o mercantilismo é um conjunto de práticas econômicas cuja aplicação caracteriza a Idade Moderna. Vejamos os principais pontos nos quais esta prática se baseia: - Metalismo - Protecionismo - Pacto Colonial - Balança Comercial Favorável Vamos ver cada um desses pontos, separadamente. Metalismo Diferente da Idade Média, na qual o significado da riqueza estava na terra, na Idade Moderna, quando as nações estão ainda se formando, o que define a riqueza de um estado é o acúmulo de metais preciosos dos quais este estado dispõe. Como dissemos, há neste período a retomada do sistema monetário. Então, os metais eram muito necessários para cunhar as moedas, especialmente o ouro e a prata. A busca por estes metais será um dos motores da expansão marítima. Protecionismo O protecionismo foi a forma encontrada pelos reis para proteger e incentivar o desenvolvimento econômico do Estado. Como funcionava? Os reis cobravam altas taxas de impostos de produtos estrangeiros. Dessa forma, estimulavam o consumo e a confecção de produtos nacionais, dinamizando a economia interna. É interessante perceber que a prática do protecionismo existe ainda em nossos dias, em diversas economias mundiais. Mesmo nas atuais economias nacionais, quando um Estado entra em crise, ele lança mão deste recurso. Pacto Colonial Quando estudamos história do Brasil colonial é comum nos remetermos sempre ao pacto colonial, como exemplo da submissão entre a colónia e a metrópole. Por isso, estamos acostumados a entender o pacto colonial do ponto de vista colonial, percebendo-o como um problema para o desenvolvimento da colônia. Mas o que ele significava e qual sua função para a metrópole? Sabemos que a economia colonial era uma economia complementar, ou seja, de modo geral, a colônia produzia os recursos de que a metrópole necessitava. O pacto colonial era a garantia da metrópole de que a colônia comercializaria estes produtos somente com ela. Era, na verdade, o estabelecimento de um monopólio comercial. Esse monopólio garantia a opção da metrópole de comprar e vender os produtos coloniais ao preço que ela bem entendesse.Como a colônia era obrigada a vender para a metrópole, não podia determinar o preço que quisesse. Cabia à coroa fazer isso. Logo, ela comprava estes produtos mais baratos e podia revendê-los também a preços mais competitivos. Se para a colônia o pacto era um entrave, para a metrópole era a garantia de grandes lucros, que ele necessitava para consolidar sua economia. Balança Comercial Favorável EXPORTAÇÕES - IMPORTAÇÕES Essa é outra prática econômica que se inicia na Idade Moderna e segue existindo até nossos dias. Quando o capitalismo se consolida, a balança comercial favorável se torna quase um sinônimo de economia saudável. Consiste em exportar mais do que importar, ou seja, vender mais do que se compra. Esse recurso mantém o capital que circula no pais sempre em maior número do que aquele que é gasto no exterior, permitindo a formação de uma reserva financeira que pode ser utilizada em casos de crise econômica. Podemos nos referir ao mercantilismo corno uma política econômica, que será necessária para que as economias nacionais que estão nascendo na Europa sejam estáveis. O que temos de observar é que estamos em um momento de transição e que a economia precisa se estabilizar para poder desenvolver os recursos do pais. Dessa forma, cada uma das nações que lança mão do mercantilismo está preocupada em formar uma base sólida para que não esteja sujeita a crises. Podemos nos referir ao mercantilismo como uma política econômica, que será necessária para que as economias nacionais que estão nascendo na Europa sejam estáveis. O que temos de observar é que estamos em um momento de transição e que a economia precisa se estabilizar para poder desenvolver os recursos do pais. Dessa forma, cada uma das nações que lança mão do mercantilismo está preocupada em formar uma base sólida para que não esteja sujeita a crises. Podemos dividir a economia da idade moderna em tres fases O que podemos concluir? Que a economia modema tem sua base no mercantilismo, que reunirá as condições para a Revolução Industrial. Esta, por sua vez, é responsável por inaugurar uma nova era na economia, o periodo industrial, que irá consolidar o capitalismo como sistema econômico. SINTASE DA AULA Nessa aula você: - Identificou as estruturas econômicas da Idade Média e seu progressivo desgaste e substituição; - Compreendeu o que é mercantilismo e em quais práticas ele está amparado; - Analisou de que forma a economia moderna cria as condições para a transformação industrial que ocorrerá na Europa do século XVIII RELEMBRANDO 1 – Um fator que influenciou o pioneirismo das cidades italianas na época do renascimento urbano foi sua localização geográfica favorável, próximo ao Mediterrâneo. 2 – O mercantilismo se caracteriza por ter pacto colonial, metalismo, protecionismo e balança comercial favorável. 3 – As Relações de produção representam uma das características que define modo de produção. 4 – No século XVIII, é correto dizer que houva a consolidação das bases que dão origem ao sistema capitalista. 5 – Sobre a economia moderna, pode-se dizer que foi a era do mercantilismo, que se baseava em praticas econômicas que fortaleceriam os estados nacionais europeus. Aula 04 – O Estado INTRODUÇÃO Nesta aula, veremos a definição de absolutismo e as diversas formas em que ele se apresenta nos países que adotaram esse sistema de governo. Perceberemos a importância da unificação precoce dos países ibéricos para a consolidação de seus Estados Nacionais e o papel da Igreja Católica. Estudaremos também o caso francês e o inglês, e de que forma as guerras religiosas e a consolidação da burguesia são fundamentais para o pleno desenvolvimento do absolutismo. MATERIAL DIDÁTICO ANDERSON, Perry. Linhagens do estado absolutista. São Paulo: Brasiliense, 1998. OBJETIVO DA AULA Ao final desta aula, você deverá ser capaz de: 1. Distinguir os diversos modelos de absolutismo europeu; 2. reconhecer a importância da religião para a formação dos estados nacionais; 3. comparar a estrutura política da Península Ibérica com as da Inglaterra e da França. APRENDA MAIS VIANNA, Alexander Martins. Absolutismo: os limites de uso de um conceito liberal. In: Revista Urutágua, n.14 – dez. 07/jan./fev./mar. 2008, PR. Disponível em: http://www.urutagua.uem.br/014/14vianna.PDF Neste artigo, o historiador Alexandre Martins Vianna discute o conceito de absolutismo e sua importância para a formação política da história moderna. Filmes: 1) Elizabeth - Diretor: Shekhar Kapur - Ano: 1998 2) Elizabeth: a Era de Ouro - Diretor: Shekhar Kapur - Ano: 2007 Nestes dois filmes, podemos observar a consolidação do absolutismo através do longo reinado da Rainha Elizabeth I, desde a coroação até o apogeu do seu reinado. O filme discute os principais aspectos políticos e sociais da Inglaterra em uma excelente reconstituição histórica do período. Como vimos na última aula, a economia moderna precisou de um Estado forte e centralizado para se organizar. Ainda que tanto a economia quanto a sociedade guardem resquícios da Idade Média, durante a Idade Moderna, com a consolidação da Burguesia, a fragmentação medieval dá lugar à concentração de poderes nas mãos de um único indivíduo, no caso o rei, que por acumular todas as instâncias políticas, será conhecido como monarca absolutista. Embora seja um termo consagrado, a ideia de absolutismo continua sendo discutida entre os historiadores. Quando usamos esse termo, muitas dúvidas ainda surgem e também alguns equívocos. O fato de o governo absolutista ser centralista e não ser limitado pelos outros poderes, como estamos acostumados a ver nas sociedades modernas, faz com que confundamos absolutismo com ditadura. Por que isso acontece? Porque estamos habituados a tentar entender o passado com os olhos do presente. O que devemos ter em mente é que cada período histórico tem suas próprias características e sua própria dinâmica. Portanto, a não existência dos demais poderes não torna o Estado moderno necessariamente ditatorial ou totalitário. Não caberia, portanto, compararmos um Estado contemporâneo totalitário, como a Alemanha fascista de Hitler, com o Estado absolutista da França moderna. Cada um deles funciona de acordo com seu próprio tempo e com o contexto no qual está inserido. Relembrando o que já vimos até aqui: com a crise do feudalismo e o renascimento comercial e urbano, a organização política da Idade Média entra em crise e uma nova estrutura de governo começa a se organizar. Isso acontece, entre outras razões, porque o desenvolvimento mercantil torna necessário o estabelecimento de alguns princípios básicos para garantir o fortalecimento do comércio: investimento público, instituição de uma economia monetária e o controle da economia por parte do Estado. Politicamente, podemos dizer que a centralização do Estado Moderno foi baseada na aliança entre o rei e a burguesia. A burguesia apoiava o rei e este, em troca, organizava a economia. Entretanto, esse processo não é homogêneo, ou seja, não acontece no mesmo momento e da mesma maneira em todos os países da Europa. Por razões específicas de cada região, cada Estado se centraliza e se organiza de maneira diferente. Poder fragmentado medieval À primeira vista, é comum termos a ideia de que essa transição política deu-se sem maiores dificuldades. Mas não foi assim. A passagem do poder fragmentado medieval para o poder centralizado moderno foi alvo de grandes disputas, seja entre reinos ou entre classes. A burguesia contrapôs-se à aristocracia para garantir o desenvolvimento comercial, reinos cristãos entraram em choque com reinos muçulmanos para centralizar seu território, e assim por diante. No processo de formação do Estado Moderno, a PenínsulaIbérica, por razões que discutiremos adiante, saiu na frente. Poder centralizado moderno Por essa razão, Portugal e Espanha foram os primeiros países a se lançarem ao Atlântico, iniciando assim a expansão marítima. Esse pioneirismo é uma das razões porque a maioria dos territórios do continente americano foi colonizado pelos ibéricos. Um equívoco comum é desconsiderarmos o longo processo de centralização: parece que bastou o feudalismo entrar em crise e o comércio se desenvolver e pronto, estava feito o absolutismo. Mas não foi assim. A centralização percorreu um longo caminho e só ocorreu depois de vários séculos. Vejamos o caso de Portugal: sua centralização nos remete ao século XI, quando é fundado o Condado Portucalense. A fundação desse condado está ligada às guerras de Reconquista. Vamos ver isso melhor. Durante séculos, a Península Ibérica, que estava dividida em reinos, recebeu uma enorme quantidade de muçulmanos, que imigravam de diversos lugares. Esses muçulmanos estabeleceram suas próprias cidades e, no caso da Península Ibérica, também um reino muçulmano, Granada. Assim, ao longo dos séculos, os muçulmanos envolveram-se em conflitos com os católicos, que queriam expulsar os chamados “mouros” do território ibérico. Essas guerras são chamadas de guerras de Reconquista justamente por marcar a reconquista do território pelos católicos. Ficou claro? Portugal e Espanha só puderam realmente se unificar após a expulsão dos povos não católicos, como muçulmanos e judeus. Isso demonstra que a centralização não foi apenas um processo político, mas também social. Pelo mapa, podemos ver os avanços do cristianismo. Em verde, temos as regiões ocupadas pelos mouros. Progressivamente, à medida que os cristãos dominam essas regiões, os mouros vão sendo expulsos, até a retomada completa do território, em um processo que vai do século VIII até o século XV. Mas por que a expulsão dos muçulmanos foi importante para o processo de unificação dos reinos? Lembre-se do conceito de identidade, que discutimos em nossa primeira aula. Durante a Idade Média, não havia uma identidade nacional. O que havia era o compartilhamento de uma mesma crença, a fé católica. Dessa forma, podemos dizer que os reinos ibéricos foram unificados tendo como base o catolicismo. À medida que os portugueses conquistam novas regiões, o rei emite as Cartas de Foral, documentos que regulamentam a posse e a administração da terra. Os forais são documentos importantíssimos para a história de Portugal, pois foram a base da administração portuguesa entre os séculos XII e XVI. Assim, já no século XIII, Portugal consegue fixar as fronteiras de seu território. Com uma base territorial sólida, o governo português pode se unificar politicamente e tornar-se um dos pioneiros no processo de expansão marítima. Entretanto, não podemos falar de um absolutismo português. No século XVI, quando o império português alcança seu apogeu, o rei Dom Sebastião morre em batalha, sem deixar herdeiros, extinguindo a dinastia de Avis. O trono é reivindicado por vários nobres, mas acaba sob o domínio da Espanha. Portanto, entre 1580 e 1640 Portugal e Espanha são unificados, num período conhecido como União Ibérica. O que o caso português nos mostra é que unificação territorial não significa necessariamente absolutismo. É preciso tomar cuidado ao considerarmos esses termos como sinônimos. Mesmo com relação à Espanha, é controverso falarmos sobre a existência de um absolutismo espanhol. Se compararmos a estrutura de poder espanhola com a francesa, considerada absolutista por excelência, veremos que elas apresentam muitas diferenças. Autores como Perry Anderson defendem a existência de um regime absolutista espanhol, reconhecendo, entretanto, suas limitações. De modo geral, podemos dizer que, se há um período absolutista espanhol, ele não se desenvolveu plenamente como na França e na Inglaterra. Durante o século XVI, a Espanha foi o mais poderoso império da Europa, conhecendo uma expansão territorial e uma prosperidade econômicas inigualáveis. Mas a estrutura interna do império espanhol era ainda frágil, e sua base fortemente católica constituiu um entrave ao desenvolvimento do sistema absolutista. Em uma época de relações internacionais instáveis, cabia à Igreja Católica o papel de intermediador nas questões que envolvessem os diversos países e reinos. Nesse contexto, a Igreja tem um papel político fortíssimo e é quem intermedia a assinatura do Tratado de Tordesilhas, em 1494, dividindo entre Portugal e Espanha as terras descobertas e a se descobrir. A ligação entre a Igreja e o Estado espanhol era tão sólida que Isabel e Fernando receberam o título de reis católicos, e em nenhum país católico a Inquisição fez tantas vítimas como na Espanha. Se no século XVI a Espanha era o maior império da Europa, o auge do Estado espanhol foi breve. Seu apogeu ocorre durante a administração da dinastia Habsburgo, mas os reinos espanhóis unificados pelos reis católicos eram instáveis. As divergências internas e o conflito de interesses regional não permitem que o absolutismo floresça plenamente. A corrupção, os gastos desmedidos e o endividamento externo fazem com que a Espanha entre em ciclos de crise econômica. Nem mesmo as quantidades exorbitantes de prata das Minas de Potosi devolvem a saúde ao tesouro espanhol e a riqueza vinda das colônias americanas escorrem por entre os dedos dos espanhóis. A vantagem obtida com a unificação precoce dura pouco: após a formação dos Estados francês e inglês, a Espanha perde terreno político na Europa, sendo sobrepujada pelos demais países. Leia o PDF “Espanha perde terreno politico na Europa” e saiba mais sobre este assunto. Espanha perde o terreno político na Europa Podemos atribuir a perda dessa vantagem ao lento desenvolvimento de uma classe burguesa espanhola. Ao contrário da França, por exemplo, a burguesia espanhola se consolidou tardiamente e os vínculos que a ligavam ao estado espanhol nunca foram tão sólidos como a aliança entre o rei e a burguesia francesa e inglesa. Sejam quais forem as razões, é certo que o rei da Espanha não obteve o sucesso na concentração de poderes em suas mãos, uma das principais características absolutistas, que tem na França seu exemplo máximo. Apesar do absolutismo inglês e francês ter se desenvolvido de forma plena, Inglaterra e França passaram por uma crise que a península ibérica nunca conheceu: as guerras religiosas. O caso mais emblemático é o da Inglaterra, no qual o estado rompe com a Igreja Católica, como veremos mais adiante. Na antiguidade, a região da Inglaterra pertencia ao Império Romano e era conhecida como Bretanha. Quando houve a queda deste império, a região foi tomada pelos povos bárbaros, anglo-saxões, mantendo o território dividido e sem um poder central. A unificação inglesa começa no século XI, mas as sucessivas crises e disputas da nobreza impediram o desenvolvimento de um estado inglês propriamente dito. Um dos mais famosos reis do período foi Ricardo Coração de Leão, cuja história nos chegou através de diversas lendas, como a de Robin Hood. Na verdade, esse rei não era muito popular no seu tempo, e teve um governo breve, durante o qual ele aumentou impostos para financiar o movimento cruzadista , do qual fazia parte. É interessante perceber que Ricardo Coração de Leão participou da Cruzada dos Reis, a terceira cruzada, cujo objetivo era retomar a terra santa, Jerusalém, das mãos dos mouros. Séculos depois, outro rei, Henrique VIII, romperia com a igreja católica fundando sua própria religião, o anglicanismo A incapacidade administrativa dos reis ingleses resulta na assinatura da Magna Carta, que concede plenos poderes aos senhores feudais, aumentando a autonomiaregional e enfraquecendo o poder central. Nesse contexto, no século XIII o rei Henrique III assinaria os Estatutos de Oxford, criando a mais poderosa das instituições inglesas, que permanece até os dias de hoje: o Parlamento. No século XIV, o Parlamento foi dividido em duas câmaras: a Câmara dos Lordes e a Câmara dos Comuns; nessa divisão reside o fundamento do Estado inglês. Ao longo de sua história, o parlamento terá maior ou menor poder político, sendo que, no período absolutista, era submetido à vontade real. A Câmara dos Lordes era composta pelo clero e pela nobreza e seus membros tinham o direito de hereditariedade, ou seja, o cargo passava de pai para filho. Já a Câmara dos Comuns era composta por burgueses e cavaleiros, e seus membros eram eleitos por meio do voto. É importante percebermos que a existência do Parlamento não impede que o absolutismo se desenvolva na Inglaterra. O que ocorre é que essa estrutura tem suas funções alteradas ao longo da sua existência, adquirindo maior ou menor influência política em diferentes reinados. Um dos maiores problemas enfrentados pela Inglaterra era a rivalidade secular com a França. No século XIV, estoura a Guerra dos Cem Anos, que na verdade durou cento e dezesseis. Os motivos do conflito são diversos, mas duas razões se destacam: disputas territoriais e dinásticas. É difícil para nós, hoje em dia, imaginarmos o sentido de uma disputa dinástica, por quais motivos ela acontecia. Por que razão um rei francês podia, por exemplo, reivindicar o trono inglês e vice-versa? Como já foi dito, temos sempre de levar em conta a conjuntura histórica, fazendo um esforço para pensarmos como os homens daquele período. Em aulas passadas falamos sobre a importância dos casamentos entre membros das diversas casas da nobreza, não é? O resultado disso é que as diversas casas reais da Europa eram todas aparentadas entre si. Para a França, a vitória significa o fortalecimento da monarquia e abre caminho para a unificação do Estado francês. Já para a Inglaterra a derrota significa uma enorme perda de prestígio, aumentando a crise que vivia a monarquia inglesa. Agora, vamos imaginar os resultados dos mais de cem anos de conflito. A economia fica desestabilizada, a agricultura sofre grandes prejuízos, há um enorme número de mortos e o poder político se fragiliza: esta é a situação da Inglaterra no século XV. A instabilidade política leva a uma disputa interna pelo trono entre duas casas nobres inglesas, os York e os Lancaster. O conflito ficou conhecido como Guerra das Duas Rosas, porque a casa dos Lancaster era representada por uma rosa vermelha e a dos York, por uma rosa branca. Não há vitoriosos e o conflito é resolvido, novamente, através de um casamento entre membros das duas casas. Isso ilustra a desorganização política e administrativa da Inglaterra e a razão pela qual o Estado inglês acaba se unificando tardiamente, se comparado com a Península Ibérica. Com o enfraquecimento dos York e dos Lancaster, uma terceira dinastia ascende ao poder, os Tudor, que reinam do século XV ao XVII. Esta dinastia finalmente consegue conciliar os diversos interesses, dando início o absolutismo inglês no reinado de Henrique VIII. Seguindo a tradição de casamentos entre casas reais, Henrique VIII toma por esposa a princesa espanhola Catarina de Aragão, católica fervorosa. A escolha a princípio pareceu favorecer a Inglaterra, já que a Espanha era um poderoso império e a aliança era algo muito desejado pelos ingleses. Mas Catarina não teve filhos homens que pudessem continuar a linhagem real. Henrique VIII pediu, então, permissão à Igreja Católica para divorciar-se da rainha e casar-se novamente. A Igreja recusa o pedido. Se o aceitasse, entraria em choque com a Espanha, o que não era de forma alguma desejável, considerando o poderio espanhol da época. Seria muito simplista defender que Henrique VIII rompe com a Igreja católica apenas por não ter tido um filho homem. Não há dúvida de que isso é um fator, mas devemos considerar diversas outras questões, sobretudo do ponto de vista político. A Igreja Católica tem um enorme poder na Inglaterra, como nos demais países europeus. Ao romper com o papado, Henrique VIII concentra no trono todos os poderes que antes pertenciam à Igreja. O rei torna-se não só um chefe político, mas o líder espiritual da Inglaterra. Mesmo do ponto de vista religioso, há poucas diferenças entre a ideologia católica e a anglicana, exceto que os católicos são submetidos ao papa e os anglicanos, ao rei. O rompimento com o catolicismo e o estabelecimento do anglicanismo abrem o caminho para o absolutismo monárquico, que será consolidado no reinado de Elizabeth I. Com a morte de Henrique VIII, herda o trono sua filha, Maria I, já que, mesmo tendo se casado seis vezes, o rei teve um único filho homem, que morreu antes de poder assumir o trono. Maria I era filha de Catarina de Aragão e, como a mãe, uma fervorosa católica. Em seu curto governo, ela passa a perseguir os protestantes, dando início às sangrentas guerras religiosas inglesas. Somente após sua morte assume o trono Elizabeth I, filha de Ana Bolena, segunda esposa do rei, que restaura o anglicanismo e consolida o absolutismo monárquico. Um dos fatos interessantes do reinado de Elizabeth I é que, embora não tenha combatido abertamente Portugal e Espanha, disputando os territórios coloniais, ela incentivou a prática da pirataria, sobretudo o saque aos navios espanhóis. Um dos mais famosos corsários da época, Francis Drake, foi condecorado pela rainha pelos serviços prestados à coroa. O reinado de Elizabeth I foi um dos mais prósperos da história inglesa. Afirmando-se como uma rainha absolutista, ela teve poderes para fazer as reformas necessárias no Estado, fortalecendo a burguesia e investindo na expansão marítima. A rainha teve na burguesia protestante uma forte fonte de apoio, com a qual ela combateu ferozmente a nobreza católica. Sob seu reinado, cresceu o comércio de lã e a exploração das minas de carvão. Com a expansão marítima, o comércio ultramarino conheceu um impulso notável, que estimulou a indústria naval. A rainha nunca se casou e não deixou herdeiros. Com sua morte, chega ao fim a dinastia Tudor e assume o trono Jaime I, então rei da Escócia. A morte de Elizabeth I também marca o fim o absolutismo inglês e, no século XVII, a Inglaterra seria o primeiro país a vivenciar uma revolta burguesa, a Revolução Puritana. Por último, veremos o caso da França, onde o absolutismo alcançou seu pleno desenvolvimento. Como vimos, com a vitória na Guerra dos Cem Anos a monarquia francesa se fortalece e, progressivamente, consolida seu poder. Porém, o processo foi longo e lento e, além das disputas com a Inglaterra, a França enfrenta sangrentas guerras religiosas entre católicos e protestantes, conhecidos como huguenotes. A doutrina protestante, em especial o calvinismo, faz muitos adeptos na Paris do século XVI. Quando a burguesia e parte da nobreza aderem ao calvinismo, o Estado francês se vê obrigado a conciliar interesses para evitar uma grande guerra, que mergulharia a França em crise. Assim, a regente Catarina de Médici concede aos huguenotes alguns privilégios, como o direito de celebrar cultos em alguns pontos específicos da França. Esse massacre indispõe a população contra o Estado e, sobretudo, contra a dinastia dos Valois, que após o evento enfrenta várias crises internas e disputas pelo poder. Podemos considerar uma ironia que, com a morte do último Valois, o trono seja entregue a um protestante, Henrique IV, que, para assumi-lo, tem que se converter ao catolicismo. É dele uma famosa frase sobre sua conversão: “Paris bem vale uma missa”. Henrique IV inaugura a dinastia Bourbon, que a princípio estava sob forte influênciada Igreja Católica, através dos ministros reais. Com a morte de Henrique IV, seu filho Luís XIII assume o trono. Embora o rei exercesse o poder de direito, quem o exercia de fato era o seu ministro, o cardeal Richelieu. Após sua morte, ele é substituído por outro cardeal, Mazzarino, que seria ministro de Luís XIV. Somente após a morte de Mazzarino e livre da influência da Igreja é que Luís XIV consegue chegar ao auge de seu governo, tornando-se o principal rei absolutista da França. Luis XIV resume seu governo em uma frase: “O Estado sou eu”. De fato, o rei concentra todo o poder decisivo em suas mãos. Adota a prática do mercantilismo e institui um burguês, Colbert, como ministro, aproximando a burguesia do Estado. Se por um lado o rei concede algum poder político à burguesia, por outro busca contentar a nobreza com o luxo e a ostentação da corte. Além disso, mantém os privilégios do Primeiro e Segundo Estados, clero e nobreza, que não pagavam impostos, fazendo com que recaia sobre o Terceiro Estado (o resto da população) o custo de manter uma corte imersa na ostentação. Um exemplo dessa ostentação é a construção do palácio de Versalhes, que acabou se tornando um dos maiores símbolos do absolutismo. Antes de sua construção, a residência da família real era o palácio do Louvre, que abriga hoje o museu do mesmo nome. A corte ignora a miséria e a fome crescente da população. A situação não é nova: a França passava por constantes revoltas, conhecidas como Frondas, que demonstram a insatisfação popular com a Coroa Francesa. Luís XIV é a melhor tradução do absolutismo, pois concentra todas as decisões do Estado em sua figura, fazendo um governo personalista que ignora as necessidades da população e satisfaz os nobres e a alta burguesia. Esse regime só cai no século XVIII, com a Revolução Francesa, quando a situação de miséria da população chega a níveis espantosos. Além disso, a recusa dos sucessores de Luís XIV em fazer as necessárias reformas políticas e administrativas opõe a burguesia ao Estado. Assim, sob a direção dos burgueses, o rei é deposto e um novo período se inaugura na França. O que devemos ter em mente com relação ao Estado absolutista é que ele não é único, assumindo diferentes formas em diferentes conjunturas. Entretanto, o sentido de absolutismo – um governo personalista, centralizado, que adota o mercantilismo e estimula o crescimento comercial - ocorre em todos os países em que ele se estabeleceu. SINTESE DA AULA Nessa aula você: Distinguiu os diversos modelos de absolutismo europeu; reconheceu a importância da religião para a formação dos estados nacionais; comparou a estrutura política da Península Ibérica com as da Inglaterra e da França. RELEMBRANDO 1 – Sob a dinastia Habsburgo o império espanhol alcançou seu apogeu. 2 – A dinastia de Avis chegou ao seu final com a morte do rei Dom Sebastião. 3 – O rei Henrique VIII iniciou o período absolutista na Inglaterra. 4 – Os Huguenotes eram conhecidos como os protestantes na França. 5 – O reino de Granada foi formado inicialmente por muçulmanos. Aula 05 – Renascimento INTRODUÇÃO Nesta aula, analisaremos a importância das universidades medievais para a difusão do pensamento moderno e de que forma a herança do mundo medieval está presente na construção dessa mentalidade. A seguir, conceituaremos humanismo e veremos de que modo ele pode ser percebido no movimento renascentista, tanto do ponto de vista cultural quanto científico. MATERIAL DIDÁTICO CARDINI, Franco. Dois ensaios sobre o espírito da Europa. São Paulo: Companhia Ilimitada, 1993. OBJETIVO DA AULA Ao final desta aula, você deverá ser capaz de: 1. Identificar a importância do pensamento medieval para o mundo moderno; 2. avaliar o sentido do termo Idade das Trevas para designar a Idade Média; 3. relacionar o conceito de humanismo aos diversos renascimentos. APRENDA MAIS BITTAR, Eduardo C. B. O aristotelismo e o pensamento árabe: Averrois e a recepção de Aristóteles no mundo medieval. In: Revista Portuguesa de História do Livro e da Edição. Ano XII, n. 24, 2009, p. 61-103. Disponível em: http://www.scielo.oces.mctes.pt/pdf/rphl/n24/n24a04.pdf OLIVEIRA, Terezinha. Origem e memória das universidades medievais a preservação de uma instituição educacional. In: Varia Historia. v. 23 n. 37 Belo Horizonte. Jan./Jun. 2007. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-87752007000100007 Nas aulas anteriores, mencionamos o monopólio que a Igreja católica exercia durante a Idade Média e como esse privilégio se traduziu no aumento do poder católico nesse período. Vejamos agora de que forma esse pensamento medieval foi gestado e serviu como base para o pensamento moderno. Vamos falar sobre as universidades medievais e como essas instituições foram fundamentais para o desenvolvimento do pensamento e cultura do homem europeu. Quando falamos em universidade, nos vêm à mente instituições de ensino superior que cursamos após o fim do ensino médio, como forma de adquirirmos uma profissão e nos especializarmos em uma área de conhecimento. Antes de falar sobre essa estrutura propriamente dita, vamos voltar nossos olhos para o Oriente e para os saberes trazidos pela presença muçulmana na Europa. Lembra-se? Falamos dela na última aula. Os muçulmanos ocuparam durante séculos uma parte da Europa e, mesmo tendo sido expulsos no processo de unificação dos estados nacionais, deixaram uma grande herança cultural como legado. Durante a baixa Idade Média, sobretudo a partir do século XIII, há uma enorme transformação do pensamento Ocidental, pois as obras que haviam sido produzidas durante a antiguidade chegam, por intermédio do oriente, aos pensadores do medievo. Mas como podemos compreender essa influência árabe no mundo medieval, já que neste último imperava a igreja católica? Como o renascimento urbano e comercial e, mesmo antes disso, com as cruzadas, muito do conhecimento muçulmano penetrou no medievo. Além disso, nas universidades, coexistiam tanto o ensino religioso como o laico. Como exemplo, podemos citar a obra do filósofo grego Aristóteles, que chega ao ocidente através de traduções feitas, inicialmente do árabe. Grande parte das obras, escritas em árabe e grego, vinha das regiões hispânicas dominadas pelos mouros. Isso aponta para uma maior integração dos reinos europeus, proporcionada pelo comércio realizado entre essas regiões. Podemos perceber mais uma vez a noção da história não como uma estrutura linear, mas como fruto de vários processos ligados um ao outro. Mas atenção, não estamos falando aqui de um sistema baseado em causa e consequência. Vamos "abrir um parêntese" para discutir um pouquinho essa questão, "causa e consequência". Em história, existe uma discussão que é feita há décadas sobre se ela é ou não ciência. Essa pergunta nunca terá uma resposta correta, pois há aqueles que defendem a história como ciência e outros discordam. Não vamos discutir aqui os argumentos defendidos por um e outro. O que nos cabe é entender porque isso é uma preocupação que aparece muitas vezes nos discursos historiográficos. O paradigma mais comum para definir a ciência seria algo que pode ser observado e cuja experiência pode ser repetida até que os resultados possam ser considerados um padrão. Vamos ver um exemplo simples. Sabemos que a água ferve a 100 graus centígrados. Para termos essa informação, os cientistas ferveram a água incontáveis vezes e chegaram a conclusão de que esta afirmação é verdadeira. Sob qualquer condição, a água ferve a 100 graus. Em história, não podemos fazer isso. Não podemos repetir os fenômenos e eventos históricos várias vezes para tirarmos nossas conclusões, ou seja,o paradigma de ciência tradicional pode ser aplicado às ciências exatas, mas não às ciências humanas, o que não quer dizer, necessariamente, que ela não seja ciência. Será que se tivéssemos as mesmas circunstâncias que provocaram a Revolução Francesa em outro país teríamos o mesmo resultado? Jamais saberemos. Por isso, também não podemos falar em causa e consequência em história, já que não podemos dizer que as mesmas causas provoquem consequências idênticas. A mesma conjuntura provoca processos diferentes, dependendo do lugar, das classes sociais envolvidas, do desenvolvimento dessas classes, do conhecimento acumulado pelos indivíduos, enfim, depende de uma série de fatores que são únicos em cada lugar e tempo histórico. Por isso também é impossível utilizarmos a ideia de “e se..” Ela não tem validade em história. E se Inglaterra e França tivessem se unificado antes de Portugal e Espanha? Teriam se lançado antes na expansão marítima e colonizado a América? É impossível saber! Entendendo a questão como um processo histórico, temos um conjunto de fatores que permitiram a existência das unidades medievais. Como fruto do seu tempo, as universidades servem também para suprir a mão de obra qualificada, já que tinha como um de seus objetivos o ensino de ofícios. Mas ao lado desse tipo de ensino, também havia uma forte formação cultural com o estudo de filósofos e escritos da antiguidade. Esses elementos estarão fortemente presentes na constituição do pensamento moderno. Os marcos precisos para quando essas instituições começaram de fato a existir é motivo de controvérsia. Entretanto, é certo que as universidades existiram não só como uma necessidade de sua época, mas também como uma disputa entre o ensino laico e religioso. Leia o PDF Disputa entre o ensino laico e religioso O que podemos concluir é que mesmo em meio à mentalidade medieval, dominada pela Igreja, há o florescimento e a expansão do ensino e da cultura, além da recuperação do conhecimento da antiguidade. Por isso, não faz sentido nos referirmos a esse termo como Idade das Trevas. Falamos disso em outras aulas, você se lembra? Agora que vimos mais sobre o pensamento medieval, podemos perceber o quanto esse termo é pejorativo. Estima-se que o primeiro a se referir ao período medieval como Idade das trevas tenha sido Francesco Petrarca, intelectual e poeta italiano, no século XIV. Petrarca era um homem de seu tempo, culto e que, além disso, vivia em um dos maiores centros de efervescência cultural da época, a Itália. Para essa nação, durante os séculos anteriores, a literatura latina havia experimentado um enorme declínio, o que o fez considerar o período como obscuro ou tenebroso. O termo foi apropriado pelos iluministas que entendiam o medievo como uma época de misticismo e superstição, no qual a ciência ficou relegada a segundo plano e o mundo era regido pelas sagradas escrituras. A existência e desenvolvimento das universidades mostram o quanto esse termo é errôneo, mas essa revisão foi feita somente no século XX. Levamos séculos para perceber que o conhecimento medieval é a base na qual se sustentaria o conhecimento moderno e que este, como qualquer dinâmica humana, se transforma e se adapta aos novos tempos. Nas universidades, especialmente a partir do século XV, teremos o desenvolvimento e a difusão do humanismo. Podemos definir humanismo, de modo geral, como o conjunto de ideias e valores que priorizam a visão de mundo do homem. O que isso quer dizer? Visão teocentrica do mundo Durante séculos, predominou na Europa a visão teocêntrica de mundo. Todos os fatos da vida humana, do nascimento à morte, eram determinados por princípios divinos e baseados na fé. Como qualquer conjunto ideológico baseado no principio divino, a trajetória da vida humana não teria nenhuma definição racional, já que todas as escolhas estariam submetidas à vontade de Deus. Nesse mundo, o homem é um mero espectador de seu destino e depende da vontade de seu criador para existir. Crença em um ser divino Não queremos aqui questionar o sentido ou validade na crença em um ser divino. O que temos que compreender, como historiadores, é como essa fé determinou a trajetória dos homens do medievo. Se tudo é determinado pela vontade divina, então faz parte do plano superior o homem ter nascido servo ou nobre e a imobilidade social é vista como algo natural, inato e que não pode ser transformado. Isso contribuiu para a manutenção da estrutura feudal enquanto esse pensamento vigorou. O homem não é mais um mero espectador A expansão do conhecimento permite que o homem questione o seu papel no mundo e, é claro, o papel de Deus na ordem das coisas. Na Idade Moderna, o homem não é mais um mero espectador, mas um agente transformador da realidade e do mundo que o cerca, interferindo diretamente em seu meio. Esse é o principal sentido do humanismo, ou da perspectiva antropocêntrica, na qual as necessidades humanas passam a ser valorizadas. Progressivamente, os dogmas católicos passam a ser questionados, especialmente no tocante ao acúmulo de capital. A igreja condena o lucro e a usura, que por sua vez são a base do comércio que permitirá à burguesia enriquecer. Não é à toa que a burguesia será um dos principais agentes que apoiarão as reformas religiosas, como veremos nas próximas aulas. A antiguidade trazia em sua filosofia e arte traços do humanismo que serão recuperados na Idade Moderna. Podemos notar isso em diversos exemplos, como na filosofia de Platão e Aristóteles, em suas discussões sobre a organização social, ou na medicina de Hipócrates, o pai da medicina, para quem a definição de saúde envolvia não só o corpo físico, mas também uma grande parte espiritual. Na antiguidade, já existia uma preocupação com o corpo humano e com a forma como ele era representado. Buscava-se a perfeição e a simetria das formas, o que vai ser retomado no renascimento. Vamos ver as diferentes maneiras como isso se materializava na arte? Esta é a escultura feita pelo artista grego Fidias, representando o Deus Dionísio. Essa obra foi feita no século IV e mostra uma preocupação com as formas, o torso bem definido, numa clara tentativa de representar o corpo humano da maneira mais realista possível. Para os romanos, os deuses assumem formas humanas e por isso o corpo de Dionísio está sendo esculpido como um corpo humano de simetria perfeita. Vamos compará-lo com esta pintura de Pietro Cavallini. O artista, que viveu entre os séculos XIII e XIV retratou nessa obra chamada A Anunciação, o anjo de Deus anunciando à Maria a gravidez dela. Não só a escolha do tema religioso é característica da idade Média, mas tambem a maneira como as figuras são retratadas. Completamente vestidas, como convém a uma obra religiosa, e que destoa completamente do Dionísio nu de Fidias, não há uma preocupação na reprodução dos traços fisionômicos, na expressão do rosto ou no desenho das mãos e dos traços físicos. Por último, vejamos uma das esculturas mais famosas de todos os tempos: o Davi de Michelângelo. O que impressiona nesta obra é o cuidado do artista com a representação do corpo. Os músculos, a expressão facial, o contorno das mãos, todos esses elementos indicam um conhecimento científico da anatomia humana. Era comum que os pintores e escultores fossem às universidades assistir às aulas de medicina e anatomia e isso se reflete em suas obras. Quando vemos essa progressão da arte, da antiguidade até a renascença, podemos perceber a clara retomada de valores da antiguidade. O conceito de renascimento como “recuperação de valores e ideais da antiguidade clássica grega e romana” é algo que vemos desde os nossos tempos de escola. Agora vimos, através dessas imagens, como de fato ela se manifesta. É claro que é na arteque o renascimento se manifesta de maneira mais visível. Sempre que falamos em renascimento nos vem à mente a expressão “renascimento artístico”. Mas o renascimento é bem mais do que uma manifestação artística e cultural. Ele é um conjunto de valores que se manifesta não só na pintura e escultura, mas na medicina, na física, na astronomia e em vários campos do saber. Isso acontece porque são transformações no campo das ideias e por isso afetam o conhecimento humano como um todo. Os séculos XV e XVI assistem a uma nova maneira do homem se expressar e descrever o mundo que o cerca. Nesse aspecto, Leonardo da Vinci é considerado um homem do renascimento, por excelência. Suas pinturas são conhecidas no mundo todo, mas Da Vinci também foi inventor e engenheiro, acumulando diversos saberes e atuando em diversas áreas. Isso mostra o espírito artístico e científico da época, que busca no homem e na natureza a explicação para vários fenômenos da vida cotidiana. Fatos hoje que nos paracem triviais constituem enormes descobertas, como é o caso da circulação sanguínea. Sabemos que é bombeado pelo coração e percorre todo o nosso corpo. Mas como chegamos até essa informação, imprescindível para o desenvolvimento da medicina moderna? Em mais um exemplo da importância do pensamento clássico no renascimento, um dos pioneiros no estudo do sangue foi Cláudio Galeno, médico que viveu na Roma Antiga. Galeno fazia experiências em macacos, já que era proibido o uso de cadáveres e foi um dos primeiros a estudar as veias e artérias. Durante a Idade Média, estudos com cadáveres eram considerados uma grande profanação e proibidos pela igreja. No século XVI, Andreas Vessalius, usando os trabalhos de Galeno, estebeleceu um minicioso trabalho na descrição do funcionamento do corpo humano e da circulação sanguínea. Vessalius dissecou inúmeros cadáveres para chegar às suas conclusões e por isso foi considerado o pai da anatomia moderna. Mas a produção de conhecimento não estava totalmente livre da interferência da Igreja. Cientistas como Galileu Galilei foram duramente perseguidos por deferenderem suas ideias e teorias. No século XV, Nicoulau Copérnico desenvolve o modelo heliocêntrico, que mudaria por completo a astronomia. Antes de Copérnico, vigorava o modelo geocêntrico de universo, ou seja, a terra era o centro do universo e ao redor dela orbitavam os demais corpos celestes. Baseado no estudo e na observação dos planetas, Copérnico criou um novo modelo, no qual o sol substitui a terra como centro do universo. A Igreja recusa a descoberta, apesar de Copérnico ser, dentre outras funções, cônego da Igreja Católica. Até então, embora condenasse as descobertas, a Igreja ainda não tinha passado a persegui-las sistematicamente. Mas em 1542 o papa Paulo III restabelece o tribunal da Inquisição que passa a observar as descobertas científicas mais de perto. Leia o PDF e veja mais informações mais sobre a Inquisição. Por fim, a invenção da imprensa por Guttemberg, da qual falamos na última aula, vai revolucionar definitivamente o mundo moderno. As obras científicas produzidas durante o renascimento puderam chegar a um número muito maior de pessoas. Mesmo constando no Index, alguns livros ainda são impressos e distribuídos clandestinamente. A importância dessas obras não se encerram em si mesmas. Elas são importantes porque dão origem a novas pesquisas e novos questionamentos. E isso não se restringe às camadas mais altas da sociedade. Cada vez mais, o homem comum buscará a educação como uma maneira de transitar no mundo das ideias, de fazer parte dessa nova realidade. Ler e escrever irão, aos poucos, deixando de ser privilégios restritos aos membros da nobreza. É claro que esse é um processo longo, mas o acesso ao conhecimento, antes quase impossível, é uma das marcas que distinguem a Idade moderna da Idade Média. SINTESE DA AULA Nessa aula você: Analisar a importância das universidades para o pensamento moderno; Aplicar os conceitos de humanismo e Idade das Trevas; Compreender o processo do renascimento como algo que engloba distintos saberes. RELEMBRANDO 1 – Para o ingresso nas universidades medievais, era importante o conhecimento de latim. 2 – A escultura Davi é obra do artista do renascimento Michelangelo. 3 – O Index Proibiturum foi estabelecido pelo Concílio de Trento. 4 – Este cientista foi condenado pela inquisição a morte na fogueira. Estamos falando de Giordano Bruno. 5 – O modelo heliocêntrico foi estabelecido por Nicolau Copérnico. AULA 06 – Novas e Velhas Mentalidades INTRODUÇÃO Nesta aula, identificaremos a influência do pensamento tomista como uma das bases do pensamento moderno. Além disso, a partir do conceito de circularidade cultural, vemos questões como a interdisciplinaridade e a aplicaremos no estudo de caso produzido por Carlo Ginzburg. Veremos também como o homem comum, pertencente às camadas mais baixas da população, entende e assimila as mudanças do início da Idade Moderna. MATERIAL DIDÁTICO GINZBURG, Carlo. O queijo e os Vermes. São Paulo: Companhia das Letras, 2006. OBJETIVO DA AULA Ao final desta aula, você deverá ser capaz de: 1. Avaliar a importância de São Tomás de Aquino para a filosofia moderna; 2. aplicar o conceito de circularidade cultural; 3. identificar como as mudanças operadas no campo das mentalidades são assimiladas pelo homem moderno. APRENDA MAIS CHAIA, Miguel. A natureza da política em Shakespeare e Maquiavel. In: Estudos Avançados. v. 9 n. 23. São Paulo, 1995, jan./abr. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103- 40141995000100011. CÔTÉ, Antoine. Tomás de Aquino e o Problema das Ideias Divinas de Coisas Singulares. In: Dois Pontos. Curitiba, São Carlos, v. 7, n. 1, p. 41-68, abril, 2010. Disponível em http://www.google.com.br/url? sa=t&rct=j&q=sao%20tomas%20de%20aquino %20scielo&source=web&cd=15&ved=0CIgBEBYwDg&url=http%3A%2F%2Fojs.c3sl.ufpr.br %2Fojs2%2Findex.php%2Fdoispontos%2Farticle%2Fdownload%2F20121%2F13298&ei=Ptf8T- nPBaq36wHN36TuBg&usg=AFQjCNGSZ17vf8jiHVRFYp7w41y-X_qiGw. DUARTE, André Luis Bertelli. Cultura Popular na Idade Média e no Renascimento: revisitando um clássico. In: Fênix – Revista de História e Estudos Culturais. abr./Maio/Jun. de 2008. v. 5, ano V, nº 2. Disponível em: http://www.revistafenix.pro.br/PDF15/Resenha_03_ABRIL-MAIO-JUNHO_2008_Andre.pdf. SILVA JUNIOR, Otávio Cândido da.; MELLO Adilson da Silva. Uma leitura da “Circularidade” entre culturas em Carlo Ginzburg. In: Janus. Lorena, ano 3, nº 4, 2º semestre de 2006. Disponível em: http://www.fatea.br/seer/index.php/janus/article/viewFile/42/45. Como vimos nas aulas anteriores, o pensamento medieval não foi simplesmente substituído por uma nova mentalidade. Ele, na verdade, surgiu como base para o pensamento moderno. Mesmo no interior da Igreja Católica, existiam pensadores que procuravam conciliar as novas transformações e descobertas com a ideologia católica Neste contexto, destacamos a obra de São Tomás de Aquino, que consegue, através das obras que produziu ao longo de sua vida, alinhar duas instâncias aparentemente incompatíveis, a fé e a razão. A escola de pensamento fundada por São Tomás se denominará tomismo e seus princípios foram fundamentais para a manutenção do ideal eclesiástico durante a Idade Moderna. Cabe lembrar que ele era filho de uma família nobre e abastada e pôde estudar em Nápoles, uma das mais importantes universidades de seu tempo. Se levarmos em consideração apenas os marcos temporais, aqueles que discutimos anteriormente, restringiríamos seu pensamento à Idade Média, já que este filósofo viveu no século XIII e, pelos marcos tradicionais, a IdadeModerna começaria somente no século XV. Mas seus escritos serão uma das mais importantes bases do pensamento moderno, o que é também um exemplo de como não devemos nos prender tão fixamente a esses marcos. Quando fazemos nossa análise sobre os diversos processos históricos, vemos que não há uma rigidez para que possamos realmente determinar o fim de uma era e o começo de outra. De fato, para elaborar suas teses, São Tomás recupera um filósofo da antiguidade, Aristóteles. Hoje, quando pensamos em filosofia, entendemos essa disciplina como algo inteiramente ligado ao mundo das ideias, e, aparentemente, descolado do mundo físico e das ciências exatas. Essa concepção é em si, um equívoco, já que a filosofia constituiu o fundamento da maior parte das ciências e os grandes cientistas e artistas eram, também, filósofos. Portanto, quando pensamos na filosofia na antiguidade, devemos compreender que esses filósofos estavam envolvidos nos mais diversos campos do conhecimento. Aristóteles, por exemplo, dedicava-se à política, à poesia e à astronomia, tendo sido um dos primeiros a defender o modelo geocêntrico de universo que foi refutado posteriormente por Copérnico e Galileu. Conhecimento Podemos reconhecer aqui um exemplo de como o conhecimento é cumulativo. Sabemos hoje que o modelo geocêntrico não está correto. Entretanto, ele serviu como ponto de partida para a elaboração de novas teorias. Essa é a dinâmica pela qual os saberes se aprimoram. Ao retomar Aristóteles, São Tomás destaca o método de observação de mundo desse filósofo, na qual todos os eventos e todos os indivíduos tem um propósito implícito. Há, portanto, uma ordem universal nas coisas que, para São Tomás, é dada pela vontade divina. Dessa forma, a partir do pensamento tomista, a igreja adquire um fundamento teológico, baseado na Bíblia e um fundamento racional, baseado na filosofia. Podemos resumir essa improvável junção entre fé e razão em uma famosa frase de São Tomás. Crer para poder entender e entender para crer. Como vemos, a fé se mantém como o fundamento da obra tomista, mas ao dedicar sua vida a racionalizar os princípios da fé, sendo reconhecido pela igreja por sua contribuição ideológica, o filósofo buscou demonstrar que todas as coisas que existem provinham de Deus e não havia, portanto, nenhuma contradição ou separação entre a fé e a ciência. Ao abraçar as ideias tomistas, podemos perceber que a igreja não permanece estática e imutável ao longo dos séculos, mesmo sendo sua ideologia fundada em dogmas. Dogmas...esse é outro conceito que precisamos definir antes de continuarmos. Em termos religiosos, dogmas são princípios irrefutáveis e a partir dos quais uma crença é fundada. Tomemos o exemplo cristão: na ideologia cristã, Maria, mãe de Jesus, concebeu virgem. Esse é um principio de fé: ou acreditamos ou não acreditamos. Ele não pode ser racionalizado, pois é um...dogma, ou seja, uma verdade absoluta. Na verdade, não só o catolicismo é fundado em dogmas, mas todas as religiões os possuem. Outro dogma cristão é que há um único Deus. Esse é um princípio no qual se sustenta a fé católica, não podendo, portanto, ser questionado. Em grande parte, são os dogmas católicos que nos passam a impressão da Igreja como um corpo rígido, o que está muito longe de ser verdadeiro, como podemos notar nas teses de São Tomás. Suas ideias fazem com que ele seja um dos principais representantes da filosofia escolástica. A escolástica é uma corrente filosófica muito disseminada na Idade média, em especial a partir do século XI e que teria servido como ponto de partida para a filosofia moderna. Sem dúvida, São Tomás foi também profundamente influenciado pela sua formação napolitana. Durante o século XIII, as cidades italianas, como vimos nas aulas passadas, viviam um intenso movimento de renascimento urbano e comercial e muitas culturas confluíam para elas, formando um caldeirão cultural propício ao surgimento e desenvolvimento de novas teorias. Além disso, como vimos na última aula, o acúmulo de riquezas oriundas do comércio permitiu à burguesia napolitana patrocinar diversos artistas e pensadores. Mesmo pintores renascentistas que não eram italianos, como o flamenco Pieter Brueghel, ficaram encantados com o cosmopolitismo e a paisagem napolitana, imortalizando-a em suas obras. Em uma de suas obras, Brueghel retrata o porto, fonte de poder e riqueza não só de Nápoles, mas das cidades italianas como um porto. É interessante pensarmos que o porto não era somente o meio de escoar e receber mercadorias, mas era também um lugar por onde chegavam mercadores de terras distantes, burgueses, filósofos e artistas. Quando vemos as várias obras que pudemos estudar nas últimas aulas, vemos o surgimento de um mundo novo, de luxo e riqueza para os nobres e de ascensão social para a burguesia. São estas as classes retratadas nas pinturas e documentos, são sobre elas os documentos que são escritos. Mas...e as classes subalternas? Onde estão os camponeses, os pobres, os mendicantes? Em que parte da história eles se encaixam? Aquelas que não podem pagar por seus retratos, não conseguem frequentar as universidades, não vivem nas grandes e efervescentes cidades, como conhecê-las? As classes baixas foram, durante muito tempo, uma classe silenciosa. Não tinham livros escritos sobre ela, não narravam suas memórias, não eram imortalizadas na literatura ou nas artes plásticas, mas sempre estiveram ali, e sempre foram importantes e mostraram suas forças nas grandes eclosões sociais como os motins de fome e as revoluções burguesas. Somente no século XX, a historiografia, sendo a Inglaterra uma das pioneiras nesse processo, retomou a história das classes populares, em sua history from bellow, ou história vista de baixo. De fato, a metodologia histórica foi profundamente renovada durante o século XX, com a escola dos Annales e as novas correntes historiográficas inglesa e italiana. A partir de então, a cultura popular também foi considerada um objeto da história e percebeu-se que havia muito ainda a ser descoberto e estudado. Mas como revelar a história das classes que durante séculos se mantiveram sem voz? Esse foi um dos primeiros grandes obstáculos que, a princípio, pareceram quase instransponíveis. Quase. Uma das mais preciosas ferramentas para transmitir o conhecimento entre as classes baixas era a oralidade. Assim, práticas cotidianas, artes de cura, senso comum, histórias diversas, lendas, mitos passavam de pai para filho através da oralidade. Mas é claro, cada geração ouvia e transformava aquilo que escutava de acordo com suas próprias experiências e com o tempo em que vivia. Como contribuição para o estudo do pensamento das classes populares, o historiador italiano Carlo Ginzburg recuperou um processo inquisitorial que trouxe à tona uma parcela da mentalidade do homem comum da época. Estudando os arquivos inquisitoriais italianos, Ginzburg deparou-se com um processo de um moleiro, chamado Domenico Scandella, conhecido como Menocchio, e sobre ele traçou um dos mais importantes estudos de caso para a compreensão da mentalidade popular da época. Antes de falarmos sobre este caso propriamente dito, vejamos um conceito fundamental para a sua compreensão: o de circularidade cultural. Ginzburg defende a existência de uma influência recíproca entre as culturas das classes abastadas e das classes subalternas. “Pode-se ligar essa hipótese àquilo que já foi proposto, em termos semelhantes, por Mikhail Bakhtin, e que é possível resumir no termo “circularidade”: entre a cultura das classes dominantes e a das classes subalternas existiu, na Europa pré-industrial,um relacionamento circular feito de influências recíprocas, que se movia de baixo para cima, bem como de cima para baixo...” (GINZBURG, Carlo. O queijo e os vermes. São Paulo: Cia das Letras, 2009). Partindo desse trecho, há varias questões importantes que devemos discutir. Vamos começar com a citação a Mikhail Bakhtin. Bakthin foi um estudioso e linguista russo que se dedicou, dentre outros objetos, a estudar a literatura e a cultura popular na Idade Média. Bakhtin escreveu diversas obras importantes, mas para apreendermos sobre a questão da circularidade veremos o trabalho intitulado Cultura popular na Idade Média e no renascimento: o contexto de François Rabelais. Nele, o autor estuda a obra de Rabelais a partir das trocas entre a cultura popular e a cultura erudita de seu tempo, entendendo seu contexto também a partir da influência da igreja no período em que Rabelais viveu. Ao se utilizar de um conceito gestado originalmente na linguística e na filosofia da linguagem, áreas de atuação principais de Bakthin, Ginzburg faz uso da interdisciplinaridade. Lembra-se de quando falamos sobre transformações na historiografia do século XX? A interdisciplinaridade é uma dessas transformações. Ela propõe o uso de conceitos produzidos por diversas ciências humanas, ou seja, um livre trânsito de utilizações e usos dos conceitos. De fato, o uso de múltiplos conceitos de diferentes áreas amplia sobremaneira as possibilidades do fazer história, enriquecendo os textos e ampliando o conhecimento de um modo geral. A outra questão importante diz respeito à ideia de circularidade cultural em si. Na verdade, em outras obras, Ginzburg diz, a respeito da sociologia, que quanto mais a história for sociológica e a sociologia for histórica, melhor para ambas. Por mais que aparentemente exista uma cultura dominante e esta seja mais visível em monumentos, documentos e fontes, esta cultura jamais será “pura”. Ela sempre estará em contato e absorverá a característica da cultura popular e vice-versa. Isso pode ser percebido nos modos de falar, nos costumes em geral, modos de vestir, artes, enfim, no campo cultural como um todo. Depois dessa necessária parada metodológica, voltemos ao estudo de caso de Ginzburg: o moleiro Menocchio. Veremos também uma outra forma de cultura popular na qual podemos verificar a mentalidade do homem moderno: o teatro. Nesse caso, vamos falar de um dos maiores dramaturgos da história: William Shakespeare. Continuando, as criações de Shakespeare não eram movidas pela vontade divina, mas faziam suas escolhas, certas ou erradas, e sofriam as consequências de seus atos. Othelo mata sua amada por ciúmes, Hamlet enlouquece, Romeu e Julieta preferem morrer juntos a viver separados. O homem assume as rédeas de seu próprio destino, um dos princípios do humanismo. Nas suas peças convivem o real e o sobrenatural, assim como na mentalidade moderna do homem. Em uma determinada cena de Hamlet, o personagem principal vê o fantasma de seu pai. Em uma sociedade cuja maioria era analfabeta, é através do teatro que essas ideias que circulam no mundo letrado chegam à população. Tanto o Menocchio de Ginzburg quanto a recepção ao teatro Shakesperaino demonstram recepção do homem comum, das classes subalternas, as mudanças que se operam na Europa na transição do medievo para a modernidade. Nas palavras de Ginzburg, são homens como nós, mas ainda assim, muito diferentes de nós. Devem, portanto, ser entendidos a partir da dimensão humana, como indivíduos inseridos em sua própria época e que dispõem de seu próprio conjunto de ideias e costumes, e não serem pensados como uma massa, uniforme e sem rosto, que atua como coadjuvante nos processos históricos. SÍNTESE DA AULA Nessa aula você: Conheceu o pensamento tomista, a partir da recuperação da filosofia de Aristóteles; Percebeu a mentalidade das classes subalternas através do estudo de caso; Avaliou a importância da obra de Shakespeare na disseminação da mentalidade moderna entre as classes subalternas. RELEMBRANDO 1 – São tomas de Aquino elabora suas teorias a partir do filósofo da antiguidade Aristóteles. 2 – O conceito de circularidade aparece, inicialmente, na obra de Mikhail Bakhtin. 3 – No caso do moleiro Menocchio, este foi julgado pela inquisição. 4 – A obra de Shakespeare destaca-se por seu humanismo. 5 – William Shakespeare compôs a maior parte de suas obras durante o reinado de Elizabeth I. AULA 07 – Uma disputa secular: Gládio Espiritual e Gládio Temporal INTRODUÇÃO Nesta aula, veremos o cristianismo primitivo e sua expansão na Idade Média através da conversão dos povos germânicos. A partir da estrutura montada no medievo, veremos como a igreja se adapta à Era Moderna, sendo parte fundamental dos estados nacionais que se formam e legitimam o modelo absolutista. MATERIAL DIDÁTICO KANTOROWICZ, Ernst H. Os dois corpos do rei: um estudo sobre teologia política medieval. São Paulo: Cia das Letras, 1998. OBJETIVO DA AULA Ao final desta aula, você será capaz de: 1. Estabelecer as origens do cristianismo e sua influência no medievo e na modernidade; 2. Identificar a relação entre o poder temporal e espiritual; 3. Diferenciar o papel ocupado pela igreja na Idade Média e na moderna. APRENDA MAIS PRODI, Paolo. Cristianismo, modernidade política e historiografia. In: Revista de História. n.160. São Paulo, jun. 2009. Disponível em: http://www.revistasusp.sibi.usp.br/scielo.php?pid=S0034- 83092009000100008&script=sci_arttext SÁ, Geraldo Ribeiro de. A religião e as origens do estado moderno. In: Cadernos CERU. v.19, n.2, São Paulo, dez. 2008. Disponível em: http://www.revistasusp.sibi.usp.br/scielo.php?pid=S1413- 45192008000200003&script=sci_arttext O período medieval foi marcado pela importância adquirida pela igreja católica. Entretanto, essa importância não surge nessa época. Ela é anterior e remonta ao Império Romano. Embora seja de conhecimento geral que após a crucificação de Cristo os cristãos tenham sido perseguidos por Roma, esse tempo de perseguições não só termina, como o cristianismo passa a ser a religião do Império romano. Mas como se dá este processo? Roma, a exemplo de outras civilizações da antiguidade era, originariamente, politeísta, ou seja, acreditava em vários deuses. De fato, a mitologia romana é uma herança direta da mitologia grega e os romanos incorporam os deuses gregos, renomeando-os, mas mantendo as mesmas características. Zeus para os gregos é Júpiter para os Romanos, a deusa Hera em Roma assume o nome de Juno e assim por diante. Após a morte de Cristo, aproximadamente no ano 33, seus seguidores e apóstolos são perseguidos e mortos. Sua crença no Deus único é vista como uma ameaça ao império romano. Entretanto, com a conversão de Paulo de Tarso, o cristianismo entra em uma nova fase, de franca expansão. Com suas pregações e cartas, Paulo divulga e expande o cristianismo para o Ocidente. No início do século IV, os cristãos obtém de Roma a liberdade de culto e no final desse mesmo século, o cristianismo se torna a religião oficial do império. Isso ocorre a partir da conversão do imperador Constantino. Não podemos atribuir as razões dessa conversão a algo puramente espiritual. Constantino tinha problemas em impor-se como imperador e alguns grupos romanos questionavam sua legitimidade. O cristianismo expandia-se por todas as partes do império e a conversão do imperador acabou por garantir-lhe o apoio dos numerosos fiéis que aumentavam a cada dia. De todo modo, foi a consolidação de Roma o primeiro momento de afirmação da fé cristã. Após a crise e o fim do império romano, a igreja católica continua a existir e a aumentarseu poder, confundindo-se cada vez mais com o próprio estado. O fato do cristianismo não ter desaparecido junto com o próprio império romano deu-se, sobretudo, pela conversão dos povos germânicos a essa religião. Quando ocorrem as invasões bárbaras que desagregam o império, os germanos adotam o deus dos cristãos. É interessante perceber um exemplo do que falamos nas aulas passadas, que mesmo o fim de uma era não significa seu completo desaparecimento e as culturas, sejam elas vencidas ou vencedoras, mantêm um diálogo e influenciam-se mutuamente. Mencionamos em outras aulas que, em um mundo fragmentado como é o caso do mundo medieval, a igreja constituiu muito mais que apoio espiritual, mas também a própria identidade política e cultural do continente. Por que isso ocorre? Os diversos feudos que constituíam a estrutura medieval não possuíam características unificadoras. Cada um deles funcionava de maneira autônoma, mantendo seus costumes, seu dialeto, sua economia, enfim, é como se cada unidade feudal fosse um universo em si mesmo. Nesse contexto, a igreja surge como instituição única. O mesmo livro sagrado, a bíblia, é a base onde quer que ela se estabeleça. As missas são rezadas em latim e a mesma hierarquia é montada em todos os lugares. Assim, um bispo terá seu status garantido, independente da região que esteja. Os cargos eclesiásticos e a legitimidade do Papa são comuns às mais diversas regiões da Europa. Podemos dizer que em um mundo fechado, a igreja é a única constante, sendo a mesma em todos os lugares, por isso o caráter de identidade que ela assume. Progressivamente, o seu poder econômico será igualmente importante ao lugar que ela já ocupa na mentalidade europeia. Através de compras e doações dos fiéis, a igreja se torna a maior proprietária de terras do continente. Em um momento em que possuir terras é sinal de riqueza, não havia nenhuma instituição que se equiparasse à igreja nesse quesito. Essa prosperidade era obtida e ampliada através de diversos mecanismos e estratégias. As famílias mais ricas da região pagavam pelo privilégio de serem enterradas no interior dos templos. Quanto mais próxima do altar, mais rica e nobre era a família. Mesmo na morte, era preciso assegurar a posição social e a manutenção da hierarquia. Além disso, a ideologia católica condenava o lucro e a usura, ou seja, o acúmulo primitivo de riqueza. Muitos senhores pagavam uma enorme quantia para que seu nome fosse mencionado nas missas, mesmo após sua morte. Como propriedade de terras a igreja também era uma senhora feudal e possuía os privilégios dessa posição. Suas terras eram arfadas pelos servos e, da mesma forma que ocorria com os demais senhores feudais, recebia uma parte dessas colheitas, além dos impostos da época. Por outro lado, era isenta de pagar impostos, podendo assim acumular riquezas e expandir sua influência. Como historiadores, devemos separar o estudo da igreja católica, ou de qualquer outra religião, da fé que professamos individualmente. Como professores, devemos sempre apontar para as diferenças entre estudar um objeto e defender uma ideologia. É comum, quando ministramos aulas, por exemplo, que os alunos, diante da trajetória da igreja católica, assumam um juízo de valor, colocando-a como uma instituição opressora por natureza. O que devemos sempre lembrar é que essa trajetória está inserida em um contexto específico e não nos cabe fazer esse juízo de valor. Podemos analisar a expansão da fé católica e o alcance do seu poder em diversos períodos da história, mas não é produtivo tomarmos partido, atribuindo a essa história adjetivos como boa, má, opressora ou autoritária. Afinal, assim como os homens, as instituições também são fruto de seu tempo. Vimos, em outras aulas, como essa influência religiosa opera no campo da literatura e das mentalidades. Mas ao considerar o campo artístico, em poucas manifestações a mentalidade católica aparece tão bem definida como no campo da arquitetura. Os templos católicos característicos da idade média possuem dois grandes estilos, o românico e o gótico. As catedrais góticas, além de serem consideradas um triunfo arquitetônico pela sua beleza e grandiosidade, transmitem o que se espera ser o sentimento do homem diante de Deus: humildade e adoração. Essas catedrais possuem um efeito tridimensional, com suas naves em arco, que dão a ideia de que o homem é pequeno diante de Deus. Grande parte das catedrais europeias da idade média foi construída nesse estilo, sendo a catedral de Notre Dame, em Paris, uma das mais famosas. Notre Dame foi consagrada à Maria, mãe de Cristo, e sua construção remonta ao século XII. Em catedrais como essa, podemos perceber não só o poderio espiritual, mas também material da Igreja católica dessa época. Podemos perceber a influência católica de maneira diferenciada nos diversos países cujas monarquias estabelecem seus estados nacionais. O caso de Portugal e Espanha é emblemático para compreendermos essa influência para além da esfera religiosa. Por terem se unificado antes dos demais estados europeus, os países ibéricos reuniram as condições para lançar-se na expansão marítima. As descobertas que advieram daí foram reguladas por tratados intermediados pelo papado, dentre os quais o Tratado de Tordesilhas, que dividia as possessões entre Portugal e Espanha. Os reis espanhóis detinham ainda o título de reis católicos, concedidos pela igreja. Também no momento da colonização da América, o papel da igreja foi fundamental e nele podemos notar a disputa entre os poderes temporais e espirituais, colocando a igreja de um lado e o estado, de outro. No caso de Portugal e da colonização do Brasil, a ordem jesuíta se fez presente desde os primeiros momentos. O primeiro evento formalizado pelo colonizador em terras brasileiras foi a execução de uma missa, que acaba entrando para a história como um dos momentos fundadores do Brasil. É certo que a igreja moderna não é a mesma igreja que vivenciou o período medieval, mas sua presença na configuração dos estados nacionais aponta para uma transformação e adaptação aos novos tempos. Não é possível estudar o período de transição sem levar em consideração o papel da doutrina religiosa – seja católica, seja protestante – nos assuntos de estado. Se é aparentemente mais fácil perceber a religiosidade nos hábitos da população, que mantém seus costumes e crenças, é na esfera do estado que a igreja consolida seu poder. SÍNTESE DA AULA Nessa aula você: Distinguiu os diferentes momentos da igreja e seu papel na transição política e social da era moderna; Definiu a teoria de direito divino e sua importância para a consolidação do absolutismo na França; Reconheceu as diferenças entre as relações político-religiosas dos diversos estados nacionais euro RELEMBRANDO 1 – Um dos principais divulgadores do cristianismo no Ocidente foi Paulo de Tarso. 2 – Na Idade Média, a igreja se expande devido sobretudo a conversão dos povos Germânicos. 3 – Por ser proprietária de terras, os poderes eclesiásticos na administração de suas propriedades eram iguais aos dos senhores feudais. 4 – As teorias de Jean Bodin e Jacques Bossuet justificam o principio do direito divino. 5 – O tratado de limites firmado entre Portugal e Espanha que substituiu o Tratado de Tordesilhas foi o tratado de Madri AULA 08 – As Grandes Navegações INTRODUÇÃO Nesta aula, veremos como o processo de expansão marítima atinge todos os aspectos da era moderna, sendo importantes nos campos político, econômico, social e cultural. Além disso, analisaremos os diversos fatores que levaram à expansão marítima e identificaremos a especificidade de cada país envolvido. MATERIAL DIDÁTICO DELUMEAU, Jean. A história do medo no Ocidente. São Paulo:Companhia das Letras, 1996. OBJETIVO DA AULA Ao final desta aula, o aluno será capaz de: 1. Definir as bases do processo de expansão marítima; 2. Reconhecer os fatores do pioneirismo ibérico; 3. Comparar as diferentes iniciativas de expansão entre os diversos países envolvidos. APRENDA MAIS GESTEIRA, Heloísa Meireles. Da liberdade dos mares: guerra e comércio na expansão neerlandesa para o Atlântico. In: Revista de História, n. 154, USP: 2006. Disponivel em: http://www.revistasusp.sibi.usp.br/scielo.php?pid=S0034- 83092006000100009&script=sci_arttext SOUZA, Néri de Almeida. Peregrinação, conquista e povoamento. Mito e realismo desencantado numa hagiografia medieval portuguesa. In: Revista Brasileira de História. v. 21, n. 40. São Paulo: 2001. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0102-01882001000100010&script=sci_arttext RAMOS, Fábio Pestana. Os problemas enfrentados no cotidiano das navegações portuguesas da carreira da Índia: fator de abandono gradual da rota das especiarias. In: Revista de História. n. 137, USP: 1997. Disponivel em: http://www.revistasusp.sibi.usp.br/scielo.php?pid=S0034- 83091997000200005&script=sci_arttext Filme: 1492: A CONQUISTA DO PARAÍSO. Direção de Ridley Scott. 1992. Neste filme, podemos observar os diversos embates em torno da expansão marítima espanhola: o papel da coroa e a perspectiva de Cristóvão Colombo. Percebemos também o momento inicial da colonização: suas dificuldades e os interesses envolvidos na montagem da empresa colonial espanhola. Nas aulas anteriores, vimos a transição da mentalidade do homem medieval para o homem moderno e percebemos que, mesmo na modernidade, muitas heranças medievais se fazem presentes. Essa convivência entre o medieval e o moderno será a característica de toda essa área e transparece em todos os aspectos da vida sociopolítico da época. Veremos agora de que forma as enormes mudanças econômicas também estão imbuídas desse espírito de transição. Além do renascimento comercial que já abordamos, uma das maiores transformações na vida econômica da idade moderna foram as chamadas grandes navegações. Esse processo ficou conhecido como expansão marítima e afetou não só a Europa, mas também um novo continente, até então desconhecido pelos europeus: a América. Devemos entender esse processo como fruto de um conjunto de fatores, em especial, o fortalecimento da burguesia e a centralização do Estado. Ainda que os processos sejam diferentes em cada país, sem o poder estatal e o investimento burguês, não seriam possíveis naquele momento. Se o século XIV marcou a Europa pelas crises constantes, provocada pela peste que dizimou milhares de pessoas, pela crise agrícola, que gerou um enorme período de fome e pelas rebeliões camponesas, o século XV foi um momento de relativa prosperidade. Com a centralização dos Estados e o renascimento urbano e comercial, havia um acúmulo financeiro e também uma necessidade crescente de investir e expandir o comércio. Lembre-se que estamos falando de uma enorme mudança de paradigma. Enquanto na Idade Média a terra era o símbolo de poder e riqueza, neste novo contexto a posse da terra é substituída pelo poder monetário. O comércio e o lucro gerado por ele se tornam, então, as maiores fontes de riqueza do período permitindo que o chamemos de acumulação de capital. As grandes navegações devem então ser entendidas como um desdobramento do desenvolvimento comercial. Embora, aos nossos olhos contemporâneos, esse pareça ser o caminho natural, havia muitas barreiras que deveriam ser transpostas e esse processo, como um todo, envolveu diversos interesses e implicou na superação de uma série de obstáculos, não só políticos e econômicos, mas também culturais. Culturais? Como assim, culturais? Pense nas grandes navegações que nos remetem imediatamente aos interesses econômicos. Conseguimos visualizar com bastante clareza o aspecto cultural quando falamos da chegada do europeu na América, do contato com os indígenas, da imposição cultural do branco, mas não temos essa mesma percepção quando falamos da cultura presente no próprio processo de expansão marítima. O mar, para o homem europeu, era a própria definição de desconhecido. E, é claro, tememos o que não conhecemos. Portanto, aventurar-se no Oceano era uma experiência que estava repleta de muitos perigos. É interessante pensar que as sociedades da antiguidade tinham enorme familiaridade com o comércio marítimo, tendo desenvolvido várias técnicas importantes de navegação. Mas, durante a Idade Média, o comércio era quase inexistente, a vida se restringia aos domínios feudais e o mar caiu no esquecimento. Sobre ele se contavam várias lendas e esta visão era o lar de criaturas marinhas apavorantes. Não é à toa que o Atlântico era conhecido como mar tenebroso. Veja só: Esta imagem é de uma carta náutica, do século XVI. Mesmo depois do europeu ter se aventurado no Oceano, as superstições não desapareceram. Nela vemos uma série de monstros e perigos que habitam os mares desconhecidos. Além da questão cultural, a sobrevivência de algumas estruturas econômicas feudais foi um empecilho para o início da exploração marítima. No século XV, embora o comércio tenha se desenvolvido, ainda havia resquícios do feudalismo, sobretudo nas zonas rurais. Nelas, ainda predominava o trabalho servil, mas este não se desenvolvia no mesmo ritmo que o comércio urbano. Isso acarretava uma crise agrícola que, por sua vez, gerou crises de abastecimento generalizadas. Temos então, um grande problema... ...a produção agrícola não era suficiente para abastecer o campo e a cidade. Por sua vez, a produção artesanal das cidades não tinham consumidores na população camponesa. Se conseguir se alimentar já representava uma dificuldade, imagine então comprar produtos como roupas ou artigos domésticos. Vamos imaginar o caminho que estas mercadorias faziam até chegar ao consumidor europeu? A este problema, soma-se outro. O comércio de luxo europeu, que produzia lucros extraordinários, era baseado, sobretudo, nas especiarias vindas do Oriente. Veja o mapa 1 – Primeiro, era necessário organizar uma caravana de mercadores. Isso exigia transporte, pessoas e muito, muito dinheiro. Essas caravanas percorriam um caminho enorme até chegar ao Oriente, em uma viagem extremamente longa. Alguns pontos-chave desse caminho estavam sob o domínio dos árabes que cobravam altas taxas para permitir a passagem das mercadorias. Quando estas chegavam ao seu destino, o mercado europeu, tinham preços exorbitantes para poder compensar todos os gastos realizados e, além disso, gerar lucro. A nobreza era uma das principais consumidoras desses produtos, mas sua principal fonte de renda eram as terras, que por sua vez, não produziam tanto quanto deviam para suprir estes gastos. Virou um ciclo vicioso, não é mesmo? 2 – Como podemos ver pelo mapa, parte das rotas comerciais passava por países muçulmanos, como Arábia e Egito. A situação se tornou mais grave em 1453, com a tomada de Constantinopla pelos turcos otomanos. Constantinopla era a porta de entrada para o Oriente e o domínio muçulmanos encareceu ainda mais as especiarias como cravo, canela, gengibre, sedas e perfumes. 3 – Para agravar a situação, parte dos metais preciosos disponíveis no continente era direcionado ao Oriente para poder pagar as mercadorias, o que provocava uma enorme escassez de moeda. Como sabemos, a falta de moeda disponível é um dos fatores da inflação. Vamos relembrar a lei básica de oferta e demanda: A. Se um artigo é raro, ele se torna caro; B. Só que nesse caso, o artigo raro é extremamente necessário, pois é a própria moeda, o que aumenta enormemente o valor dos metais preciosos; C. Para contornaresse quadro, era preciso buscar maneiras de baratear estas mercadorias, e uma das soluções foi a busca de novos caminhos para o Oriente. Mas, sem o poder estatal, essa alternativa não seria possível. Sabe por quê? Porque, se as caravanas de mercadores já eram um empreendimento custoso, imaginem toda a estrutura necessária para navegar pelo Oceano. Só o Estado centralizado tinha poder e estrutura econômica suficiente para apoiar e organizar este empreendimento. Leia o PDF sobre as caravanas salvo. Embora também tenha sido pioneira nas grandes navegações, a Espanha tinha outras preocupações internas. Colombo, um homem muito à frente de seu tempo, já havia proposto uma viagem marítima, muitos anos antes, aos reis Isabel e Fernando. Entretanto, a Espanha lutava para se unificar, sendo necessária a expulsão dos muçulmanos que ainda dominavam Granada. Os muçulmanos foram expulsos em 1492 e, nesse mesmo ano, os reis católicos concederam a permissão a Colombo para realizar a viagem. Foi um golpe de sorte. Cansado de esperar, o navegador estava prestes a levar seu projeto para a França. Em outubro do mesmo ano, Colombo chegou às ilhas de caribe. Acreditando ter chegado às Índias, chamou seus habitantes de índios. Colombo não acreditava ter chegado a um continente desconhecido. Coube a Américo Vespúcio a chegada ao continente, que por isso ficou conhecido como América. Diferente dos portugueses que se fixaram no litoral, os espanhóis se dedicaram a explorar as novas terras, deparando-se com diversas sociedades indígenas, entre elas a asteca e a inca. A exploração dos metais preciosos das minas, em especial a prata do Peru, elevou a Espanha a um novo patamar e a tornou um dos grandes impérios europeus. Em 1494, foi assinado o Tratado de Tordesilhas que estabelecia os limites das possessões espanholas e portuguesas. Mas a questão das fronteiras sempre foi problemática e outros tratados foram firmados até que as colônias americanas, dentre elas o Brasil, assumissem a forma que possuem atualmente. Embora tenham sido pioneiras na expansão marítima, Portugal e Espanha não conseguiram manter a riqueza que obtiveram com a exploração de suas colônias. O investimento feito na manufatura era incipiente e obrigava aos ibéricos a comprar produtos manufaturados, sobretudo da Inglaterra. A dificuldade em administrar um território tão extenso logo se fez sentir. Impedir o desvio de metais preciosos, assegurar a chegada dos navios em segurança na Europa e montar uma rede administrativa eficiente foram alguns dos principais problemas que se apresentaram. Dessa forma, o ouro e a prata que chegavam na península ibérica logo escoava para os bolsos da Inglaterra e da Holanda. Vários tratados foram firmados, vantajosos para a Inglaterra, mas nem tão vantajosos para Portugal, por exemplo. Podemos citar o Tratado de Methuen, firmado entre Inglaterra e Portugal no século XVIII que ficou conhecido como tratado de panos e vinhos. Por este acordo, Portugal teria privilégios para comprar os tecidos ingleses e em troca, a Inglaterra teria os mesmos privilégios na compra de vinhos portugueses. O objetivo era estimular a produção agrícola portuguesa e suprir o déficit econômico que caracterizava a economia lusitana, mas o resultado ficou muito aquém do esperado para Portugal. Como tinha comprador garantido, muitos agricultores se dedicaram ao plantio da uva, causando uma crise de abastecimento. Além disso, a demanda por tecidos era muito maior que a demanda por vinhos, mantendo a balança comercial desfavorável, ou seja, Portugal sempre comprava mais do que vendia. No tocante ao sistema colonial, as diferenças também se fizeram sentir. A Inglaterra aplicou a chamada negligência salutar, que permitia que os colonos se organizassem livremente, concedendo autonomia administrativa. Isso minimizou sobremaneira os conflitos entre colônia e metrópole e os colonos tinham como referência política a própria Inglaterra e seu sistema parlamentar. Entretanto, não é correto fazermos uma divisão do sistema colonial entre colônias de exploração e povoamento. Quando observamos mais a fundo, percebemos que esta classificação cai em desuso. Todas as colônias tiveram que ser povoadas e todas foram exploradas, ainda que de maneira diferente. Se aceitarmos essa classificação, como explicaríamos as colônias inglesas localizadas no sul dos Estados Unidos que tinham uma estrutura socioeconômica muito semelhante à brasileira, com a prática do latifúndio e o uso da mão de obra escrava? Outros fatores explicam as diferenças tomadas na trajetória das colônias: a distribuição de terra, as iniciativas de povoamento e, é claro, a administração metropolitana. Isto posto, devemos entender a expansão marítima como um acontecimento global, que interferiu direta ou indiretamente em todos os indivíduos, não só da Europa e da América, mas do mundo como um todo. Dela emergem o conhecimento de novas culturas e o estabelecimento de novas estruturas sociopolíticas que se aperfeiçoariam durante toda a era moderna. Alguns teóricos veem na expansão marítima a origem do processo de globalização que falamos tão correntemente hoje em dia. Seja como for, devemos pensá-lo como um processo que atinge todas as áreas, social, política, econômica e cultural e que abarca os mais diversos setores da sociedade moderna. SÍNTESE DA AULA Nessa aula você: Avaliou a importância do aspecto cultural no início das navegações; Identificou o conjunto de fatores que permitiram a Portugal e Espanha ter a primazia no processo expansionista; Diferenciou os diversos projetos de expansão marítima. RELEMBRANDO 1 – Como fator determinante para o inicio da expansão marítima, podemos citar a formação dos estados nacionais. 2 – O fatores para a crise do século XIV são as rebeliões camponeses, as epidemias, as crises de fome e a crise agrária. 3 – Representam as especiarias orientais os tecidos, perfumes, cravo e canela. 4 – O poder estatal foi fundamental para as grandes navegações 5 – O domínio muçulmanos das principais rotas de comércio com o oriente provocou a busca por novos caminhos. 6 – Podemos definir a Escola de Sagres como um conjunto de conhecimento náuticos produzidos por um grupo de estudiosos. AULA 09 –Ampliando o Olhar INTRODUÇÃO Nesta aula, identificaremos o conceito de império e o aplicaremos em três casos específicos, os impérios russo, chinês e sacro império. Também veremos como a centralização de poder ocorre ou não nesses países, discutindo o atrelamento do sentido de modernidade a um estado nacional centralizado. Veremos também conceitos-chave, como despotismo esclarecido e o diálogo possível entre o iluminismo e o absolutismo. MATERIAL DIDÁTICO Não deixe de reler o material didático que você recebeu. Também aumente o seu conhecimento pesquisando sobre os tópicos abordados na aula. Dessa forma, você se preparará melhor para realizar suas avaliações. OBJETIVO DA AULA Ao final desta aula, você deverá ser capaz de: 1. Definir o conceito de império de acordo com a especificidade das sociedades estudadas; 2. reconhecer as diferenças entre a modernidade no Ocidente e no Oriente; 3. identificar os principais pontos de confluência na história moderna nos diversos países fora do eixo da Europa Ocidental. APRENDA MAIS BURKE, Peter. História como alegoria. In: Estudos avançados. v. 9, n. 25. São Paulo. Set./dec. 1995. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-40141995000300016 PINTO, Paulo Antônio Pereira. China – a ascensão pacífica da Ásia Oriental In: Revista Brasileira de Política Internacional. n.48. 2005. p. 70-85.Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/rbpi/v48n2/a04v48n2.pdf TEIXEIRA, Francisco Carlos; MUNHOZ, Sidney; CABRAL, Ricardo. Os impérios na história. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009. Vídeo: Construindo um Império - Rússia - History Channel. Disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=GHx0mPDZ3jo Desde o início desta disciplina, temos falado sobre a idade moderna, nos concentrando nas transformações ocorridas na Europa. Isso acontece porque possuímos, inegavelmente, uma visão antropocêntrica de mundo. Assim, grande parte dos estudos e pesquisas que foram produzidos, durante bastante tempo, valorizam o olhar europeu, em detrimento dos outros países. Mas a modernidade não ocorre somente na Europa, ela atinge também outros países fora do eixo Inglaterra – França e Península Ibérica. A própria colonização da América pelos países europeus facilitou o trânsito de ideias entre estes dois continentes, deixando o resto um pouco de fora. Outra dificuldade que ocorre ao estudarmos a modernidade em países como a China é que, neste caso, a China se manteve fechada ao Ocidente durante décadas, o que dificultou o acesso às fontes e, portanto, a elaboração de pesquisas. Em, 1949, quando a China vive a Revolução comunista, ela se isola do resto do mundo, em uma postura que durou um longo tempo. Logo, só muito recentemente é que conseguimos nos dedicar com mais profundidade a história deste país. Esse mundo é o tema da nossa aula. Veremos então como a modernidade ocorre em três casos: Sacro Império Romano Germânico, Rússia, China. Antes de mais nada, vamos começar com a ideia de império. Alguns historiadores defendem que a ideia de império permanece presente nos diversos reinos, mesmo durante a fragmentação medieval. Ela seria uma das heranças da antiguidade presente no medievo. Isso ocorre porque o Império Romano, mesmo depois de sua extinção, era o símbolo de civilização e traduzia a própria ideia de mundo ocidental. Imperadores como Carlos Magno, no século VIII traduzem perfeitamente a ideia de Império. Na formação do império carolíngio, há muito da herança da estrutura imperial herdada da antiguidade. Segundo Teixeira: “ (...) a história moderna do Ocidente entre o fim do império romano e Napoleão – seria, em síntese, a busca da reconstrução da unidade fundante do império.” (TEIXEIRA, Francisco Carlos; MUNHOZ, Sidney; CABRAL, Ricardo. Os impérios na história. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009. p. 137. A trajetória do Sacro Império Romano Germânico ilustra bem esta afirmação. Sua história começa justamente com Carlos Magno e o Império Carolíngio. Falamos dele quando estudamos as relações de suserania e vassalagem, lembra-se? No século VIII, Carlos Magno, governante do reino franco, anexou os territórios da península Itálica. Esse foi só o começo e o rei expandiu seu território até tornar o Reino Franco um dos maiores e mais poderosos de sua época. No mapa, podemos ver os limites do império Carolíngio e a expansão promovida por Carlos Magno que o estendeu até os limites da Europa Ocidental. As conquistas de Carlos Magno chamaram a atenção da Igreja Católica. Que fique claro, estamos falando do período anterior à reforma, o que fez o papa Leão III a colocar-se sobre sua proteção. O desejo do papa era ampliar a fé e o poderio católico, amparado na expansão territorial dos francos. No ano 800, no dia de Natal, o papa coroou Carlos Magno como sagrado imperador em Roma. Este ato é extremamente simbólico e repleto de significado. O Natal é a festa máxima da cristandade e significa o nascimento de Cristo. A coroação nesta data mostra um outro nascimento, o de um imperador. É, portanto, de um império. Ter sido em Roma, centro do Império Romano, remete ao apoio da Igreja e, portanto, de Deus. Segundo Arruda, ao ser coroado, o papa proferiu a benção: “A Carlos Augusto, coroado por Deus, grande e pacífico imperador dos romanos, vida e vitória.” (ARRUDA, José Jobson de; PILETTI, Nelson. Toda a história. São Paulo: Ática, 1999. p. 103.) Percebemos, neste caso, que o império romano permanece vivo como herança imaterial das sociedades deste período. O poder e a estabilidade proporcionados pelo império de Carlos Magno permitiu o desenvolvido da região sob seu domínio, mas a unidade do império não sobreviveu ao imperador. Quando ele morre, seu filho Luís, herda o trono. Como era filho único, não houve disputas pelo poder, mas Luís tinha três filhos e após sua morte, o enorme império construído nas gerações anteriores foi dividido em três reinos: França Oriental, França Ocidental e França Central. A aliança católica firmada no período carolíngio será fundamental na formação e na consolidação do sacro império. No século X, os duques germânicos fundam o Reino Germânico e elegem Henrique I, do reino da Saxônia, como seu rei. Mas foi o filho de Henrique, Oto I, quem o transformou em um grande império. Oto foi coroado imperador pelo papa João XII e, mais uma vez, nascia um imperador e o império, o Sacro Império Romano Germânico O sacro império nasceu como uma potência. Vejamos sua extensão territorial: Ver PDF sobre as alianças da igreja catolica na epoca do Sacro Imperio Romano. A história do império russo também se confunde com a história religiosa. Neste caso, da Igreja Ortodoxa. Mas vamos voltar um pouco para entendermos a formação deste império. A região do império russo, muito antes de se organizar como uma estrutura imperial, foi invadida pelos povos bárbaros, em especial os mongóis e, mais tarde, os tártaros. A Rússia estava então dividida em principados e os príncipes russos pagavam tributos aos bárbaros. Esse período é conhecido como domínio tártaro-mongol. Além disso, os príncipes, de certa forma, beneficiam-se da presença bárbara, pois seus exércitos reprimem invasores estrangeiros. Os bárbaros foram extremamente tolerantes no que se relacionava à prática religiosa, neste caso, a Igreja Ortodoxa Cristã. O principal centro da fé ortodoxa era Constantinopla, mas com sua queda e a tomada pelos turcos otomanos, a fé russa tornou-se um fator agregador. É interessante percebermos como um mesmo evento – neste caso, a tomada de Constantinopla, provocou reações diferentes nas regiões europeias. Se na Europa Ocidental preponderou a questão econômica que levaria à expansão marítima, na Rússia preponderou o aspecto espiritual, a partir do momento em que esta se viu como guardiã da fé ortodoxa. A partir do século XIV, os russos começam a se reunir e procuram expulsar os invasores bárbaros, após séculos de dominação. A religião nesse caso funciona como um motor, proporcionando uma identidade entre etnias muito diversas. Estado de Moscou conhece sua origem no século XIV, ainda sob o domínio dos tártaros, mas se desenvolve e se expande nos dois séculos seguintes. Moscou era um ponto estratégico e privilegiado, pois ficava no cruzamento de diversas rotas comerciais. A presença bárbara deixou uma forte herança que se fez sentir também do ponto de vista administrativo. Os príncipes russos impunham o terror e praticavam uma extensa cobrança de impostos que enriquecia e favorecia o estado em expansão. Quer saber mais sobre as Expansão do Império Russo? Leia o PDF salvo sobre a expansão russa. No século III a. C, a China era dividida em reinos, a exemplo da Europa medieval, mas já no século seguinte foi unificada por Qin Shihuang. O imperador começou a centralizar o poder e estabeleceu uma nova administração, padronizando, por exemplo, a escrita e a moeda. Estabeleceu também uma espécie de censura, queimando todos os livros que não fossem considerados clássicos. De acordo com Carvalho, “o soberano prudente não toleraa existência do mínimo escrito: no seu estado, a lei constitui a única doutrina; está fora de questão preservar o ensinamento dos antigos soberanos, os quadros do estado serão os únicos mentores do povo”. (CARVALHO, João Gilberto S. O império Ming ou o tempo dos dragões. In: TEIXEIRA, Francisco Carlos; MUNHOZ, Sidney; CABRAL, Ricardo. Os impérios na história. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009. p. 160.) Como podemos notar, o autoritarismo que hoje associamos ao estado chinês também não é nada novo na sua história. Apesar da cobrança de impostos, o primeiro império passou por crises econômicas, mas estas não abalaram o desejo de grandeza e imortalidade do imperador. Na década de 70, por acaso, como quase sempre acontece, foram descobertas aproximadamente oito mil estátuas, na cidade de Xian. O exército de Terracota tinha um objetivo: guardar o túmulo do imperador. Cada uma das figuras é única, em vestuário, traços faciais e armamentos. Para além de ser uma obra de valor histórico incalculável, este exército demonstra engenhosidade e técnica na sua confecção, o que nos permite um vislumbre dos primeiros momentos da China imperial. A chamada dinastia Qin iniciou a construção de um dos mais famosos monumentos do mundo, a muralha da China. É comum, ao citarmos esta muralha, lembrarmos que ela é a única construção feita pelo homem que pode ser vista da Lua. Seus idealizadores talvez nao soubessem, mas, além de estar erigindo uma barreira que duraria séculos, ela se tornaria um símbolo da China mesmo no espaço. O objetivo da Muralha era repelir invasores, mas este objetivo não foi plenamente alçançado. Nem tampouco a centralização inicial de poder iniciada por Qin. No século XIII, como ocorre antes na Europa, a China foi invadida pelos mongóis, sob o comando de Genghis Khan. Se ao falarmos da presença mongol e tártara na Rússia podemos vislumbrar uma aliança e até alguns benefícios, o mesmo não ocorre durante a ocupação chinesa. Os mongóis ficaram conhecidos por sua violência e ferocidade, saqueando cidades e diziamando parte da população local. Entretanto, foi o impulso conquistador e expansionista de Genghis Khan que deu a China parte de sua dimensão continental, pois os mongóis dominaram grande parte da Ásia e do Leste Europeu. Após sua expulsão, estes territórios acabaram com os impérios russo e chinês, além de alguns outros estados independentes. A modernidade chinesa ocorre após a expulsão mongol e durante a mais famosa dinastia, a Ming, no século XIV. Grande parte do que conhecemos como a China tradicional foi criada nesse período. Esta dinastia investiu na formação de um poderoso exército, contando com milhares de soldados. Ampliou o comércio marítimo, terminou a construção da grande muralha e iniciou a construção da Cidade Proibida, na capital, Pequim. Por duzentos anos, a cidade proibida foi sede do estado Ming, além da residência oficial do imperador. Era fortemente guardada e seu acesso, restrito. Os governantes Ming criaram um eficiente sistema de produção agrícola que gerava um enorme excedente agrário. No século XVI, a Companhia das índias Orientais passou a transportar da China para a Europa um novo tesouro: a porcelana. Ainda que mantivesse uma estrutura agrária o artesanato e o comércio chinês eram bastante desenvolvidos e o alto valor que a porcelana chinesa encontrava entre os consumidores europeus era uma mostra da sua beleza, precisão técnica e domínio de materiais frágeis. Entretanto, neste mesmo século, os japoneses entraram em guerra, desejando conquistar a China, não foram bem-sucedidos, mas os esforços de guerra consumiram fortunas, e a próspera dinastia secular Ming começa a entrar em decadência. O agravamento da crise econômica ocorre por fatores que vão muito além do contexto chinês. Quando falamos sobre grandes navegações, enfatizamos a ação dos piratas ao pilhar os navios espanhóis carregados de prata que faziam a rota América – Espanha, certo? Com a constante ação da pirataria, o rei espanhol fortaleceu a vigilância e o saque se tornou mais difícil. Com a dificuldade em obter prata, o comércio de ingleses e holandeses com a China diminuiu e, portanto, a entrada de metais preciosos no país também, o que, aliado ao prejuízo da guerra contra o Japão, provoca uma enorme crise econômica. À crise monetária, juntamos um fator sobre o qual nenhum governo possui qualquer tipo de controle: o clima. No século XVII, a China passa por longos períodos de frio, o que prejudica as colheitas e provoca uma epidemia de fome generalizada. O conjunto desses fatores corroeu a outrora brilhante trajetória da dinastia Ming. As rebeliões camponesas não tardaram a acontecer e no século XVII, aproveitando o enfraquecimento do poder Ming, os manchus, originários da Manchúria, invadem e tomam o poder, inaugurada a dinastia Qing, a última dinastia chinesa, que perdurou até o fim da monarquia, no século XX. O que podemos perceber analisando estes três impérios são as diferentes características que a modernidade assumiu. Dessa forma, mesmo ao generalizarmos um período, não podemos desconsiderar as especificidades assumidas em cada região. Estas especificidades são conjuntos de fatores: social, político, econômico e cultural que compõem cada localidade de forma única. O legal é nos darmos conta da diversidade histórica, levando em consideração sempre o período e as sociedades que estudamos. SÍNTESE DA AULA Nessa aula você: Estabeleceu a existência de um sentido de para além da Europa; Compreendeu que a ideia de modernidade funciona de modo diferente, levando-se em consideração o contexto na qual é aplicada; Avaliou os processos imperiais russo, germânico e chinês, comparando-os com o Ocidente. RELEMBRANDO 1 – O império formado por Carlos Magno foi o Império Carolíngio 2 – A principal dinastia do Sacro Império Romano Germânico foi a dos Habusburgo. 3 – O Império Russo foi fundado por Catarina II. 4 – A principal característica politica da imperatriz Catarina II foi o despotismo esclarecido. 5 - O auge do império chinês ocorreu durante a Dinastia Ming. AUA 10 – As Reformas Religiosas INTRODUÇÃO Nesta aula, veremos o conjunto das reformas religiosas, estudando-as não somente como fruto dos anseios da classe burguesa, mas também como uma reforma de cunho espiritual, que tinha como base a reformulação de princípios fundamentais da fé católica. Estabeleceremos também o projeto de reação da Igreja Católica, a contrarreforma e seus efeitos nos países em que ocorreu e nas colônias americanas. MATERIAL DIDÁTICO DELUMEAU, Jean. Nascimento e afirmação da reforma. São Paulo: Pioneira, 1989. OBJETIVO DA AULA Ao final desta aula, você deverá ser capaz de: 1. Localizar a Reforma Protestante no conjunto de transformações da idade moderna; 2. Reconhecer o movimento reformista como fruto de seu tempo; 3. Distinguir as diferenças entre os diversos movimentos. APRENDA MAIS SÁ, Geraldo Ribeiro de. A religião e as origens do Estado moderno. In:Cadernos CERU. v.19, n.2. São Paulo dez, 2008. Disponível em: http://www.revistasusp.sibi.usp.br/scielo.php?pid=S1413-45192008000200003&script=sci_arttext. Acesso em: 31 ago. 2012. LIMA, Lana Lage da Gama. O tribunal do santo ofício da inquisição: o suspeito é o culpado. In: Revista de Sociologia e Política. n.13. Curitiba, nov. 1999. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0104- 44781999000200002&script=sci_arttext. Acesso em: 31 ago. 2012. Filme: LUTERO. Direção de Eric Till. 2002 Neste filme, podemos compreender a trajetória de Martinho Lutero, a partir de sua experiência na Igreja Católica até o momento em que questiona seus dogmas, levando-o a propor uma intensa reforma que mudaria sobremaneira a religião de sua época.Diversas vezes, temos ressaltado, durante nosso curso, a importância da Igreja Católica não só na Idade Média, mas também durante a modernidade. Podemos perceber que a Igreja não se mantém inerte ao conjunto de transformações sociopolíticas no mundo que a cerca, mas se adapta e cria novos mecanismos para sobreviver e manter seu poder. Entretanto, se na Idade Média o catolicismo constituía o instrumento de unidade em uma realidade fragmentada, com a formação dos Estados nacionais e o estabelecimento de novos signos de identidade – fronteira, idioma, moeda – estabelecido pelos reis, esta não é mais a realidade do mundo moderno. Não que a Igreja tenha perdido completamente este papel, mas agora teria que dividi-lo frente a um novo processo que se ampliava e conquistava novos adeptos, mesmo entre os reis, a Reforma Protestante. É importante ressaltar que o que está em jogo não é o fim do cristianismo, mas novas maneiras de entendê-lo e praticá-lo. Nesse sentido, a reforma parte dos princípios católicos e, a partir deles, busca novas maneiras de aproximar o homem de Deus. Isso acontece porque a fé não diz respeito somente ao campo espiritual, mas, sobretudo, ao campo político. Às vezes, temos dificuldade em compreender estas questões, pois elas parecem muito distantes do mundo que vivemos. Mas só parecem. Mesmo no século XXI, a força da religião é inegável, seja ela cristã ou não. Países muçulmanos ainda possuem líderes políticos que são também líderes religiosos, como o caso dos aiatolás no Irã. O Dalai lama é o líder espiritual do Tibet, mas desde que o país passou a ser dominado pela China, na década de 50, o Dalai Lama foi expulso, mas não perdeu, para os tibetanos, seu papel de líder político do país, mesmo distante e impedido de retornar. Os Estados pontifícios desapareceram, mas o Vaticano sobreviveu, tendo o papa como líder de seu Estado. Cada vez mais, a religião evangélica se expande, sobretudo na América, e seus membros fazem parte de importantes órgãos decisórios, como câmaras e senados ao longo de todo o continente. No nosso tempo, de avanços tecnológicos, “milagres” médicos, internet e globalização, o campo espiritual não recuou, tampouco despareceu, mas se adaptou e ganhou força, nos mais diferentes setores da sociedade e da política. Evidenciar esta questão nos aproxima do processo histórico ocorrido no período reformista. Faz-nos entender que também somos agentes históricos, tanto quanto as grandes figuras da época, como João Calvino e Martinho Lutero. As grandes transformações históricas são como correntes, com vários elos entre si. Para falar de reforma, temos que, antes de tudo, falar das transformações políticas e econômicas do Estado moderno. Com o renascimento urbano e comercial, cada vez mais a burguesia se afirmava como classe, cujos interesses não podiam mais ser ignorados. A aliança rei/burguesia elevou esta classe a um novo patamar, concedendo-lhe poder político. É certo que este poder político era limitado tanto pela existência de uma nobreza que compunha a corte, quanto pelo clero, que tinham enorme influência nas decisões reais. A ascensão burguesa gerou uma contradição: ao passo que obtinham poder econômico, viam o lucro e a usura, fontes de sua riqueza, serem veementemente condenados pela religião que seguiam, o catolicismo. A vida espiritual entrava em choque com a realidade em que viviam. Como princípio, a Igreja Católica condenava o lucro e a usura. Vamos ver seu significado: Lucro – ganho oriundo de uma relação comercial. É a diferença entre o valor de produção da mercadoria e seu preço de venda. Usura – lucro exagerado, no qual se paga mais do que o valor real do bem. Ler texto abaixo ou PDF salvo sobre a usura. A Usura A usura, portanto, condena o próprio lucro, e este era um tema constante nos sermões católicos. O que acabava gerando uma outra contradição. A igreja condenava a usura, mas era sua principal beneficiaria. Pregava o voto de pobreza, mas era a mais rica instituição da Europa. Tinha restrições ao comércio, mas vendia indulgencias, o que quer dizer que, por determinada quantia, era possível receber o perdão pelos pecados. Praticava a simonia, que é o comércio de relíquias ditas sagradas, como pedaços da cruz de Cristo e ossos e objetos de santos. Ou seja, o discurso católico passava muito longe de sua pratica real. A usura, portanto, condena o próprio lucro, e este era um tema constante nos sermões católicos. O que acabava gerando uma outra contradição. A igreja condenava a usura, mas era sua principal beneficiaria. Pregava o voto de pobreza, mas era a mais rica instituição da Europa. Além disso, ao recomendar e valorizar a pobreza alheia, a igreja cumpria um importante papel no campo social. A pobreza terrena e uma vida de virtudes e obediência tinham como recompensa a vida eterna, na esfera celestial. Isso atingia, sobretudo os camponeses e servos, que toleravam uma vida de privações esperando serem recompensados por ela após a morte. A riqueza e a prosperidade burguesas era um problema, pois traziam um novo sentido de riqueza e conforto que os camponeses desconheciam. A igreja ostentava seu luxo não só na grandiosidade de seus templos, mas também como proprietária de terras, sendo ela própria uma poderosa senhora feudal. Na organização dos estados nacionais, isso se torna um entrave e países como a Inglaterra, ao adotar o protestantismo e se tornar anglicano, tem como uma de suas primeiras medidas o confisco das terras eclesiásticas. O que foi um duro golpe no poder econômico da igreja naquele país. Nesse panorama, podemos inferir que a reforma ocorre não só devido a um contexto político econômico, mas também espiritual. É a ascensão burguesa, o renascimento comercial e a centralização dos Estados que criam as condições para que ela ocorra e se propague. As críticas ao modo de proceder da Igreja Católica não começam com os grandes reformistas como Lutero e Calvino. Suas doutrinas ganharam destaque e adeptos porque ocorreram em uma conjuntura propícia. Entretanto, a contestação ao catolicismo não era nova. No século XII, floresceu na França o movimento cátaro. Os cátaros acreditavam na dualidade, no bem e no mal e reivindicavam uma vida de pureza, pobreza e celibato dos clérigos. A Igreja considerava o movimento herético, e no século XIII ocorreu a cruzada albigenses, com o objetivo de reconduzir a população aos princípios da fé católica. Deve-se aos cátaros a criação da inquisição. Um equívoco comum é acharmos que a inquisição passou a existir somente no período de contrarreforma. Na verdade, ela ganha impulso com a contrarreforma, mas já existia desde o século XII. Além do movimento cátaro, um dos precursores da reforma foi Jan Huss. Huss inspirou-se em outro teólogo, o inglês John Wyclif que se dedicou à tradução da Bíblia para idioma inglês. Wyclif fazia enormes críticas aos abusos do papado, ao luxo da Igreja e ao estilo de vida do clero que vivia de forma opulenta com o dinheiro dos pobres. Estas críticas encontraram eco na região da Boêmia onde Huss vivia. A Boêmia era parte do sacro Império Romano Germânico que por sua vez tinha relações intrínsecas com a Igreja. A punição foi implacável. Além de excomungado, Huss foi queimado na fogueira. Dois pontos chamam a atenção em especial no comportamento da Igreja: Primeiro, no caso de Wycliff, ao traduzir a bíblia para o inglês, ele permitia que mais pessoas tivessem acesso a ela, já que grande parte da população não dominava o latim. Isso tornava possível novas interpretações do documento sagrado e, portanto, novas ideias sobre ela. O outro ponto é a punição de Huss. Se considerarmos a noção de contrato social, que os iluministas se dedicaram a estudar com afinco, cabe ao Estado o uso da força e daviolência. O que inclui o direito de julgar e punir crimes e transgressões. Quando a Igreja assume o papel que, por direito, pertence ao Estado, está demonstrando a fusão entre religião e política. O movimento reformista possui muitas facetas. Mas o interessante é perceber que estes reformistas não eram pensadores laicos. Ao contrário, normalmente eram membros da Igreja, teólogos, professores das universidades, pensadores que estavam ligados ao catolicismo e conheciam a fundo seus dogmas. É o caso de Martinho Lutero. Lutero vivia no Sacro Império Romano germânico e, como teólogo, vivendo em um país onde Igreja e Estado se confundiam, passou a estudar profundamente a Bíblia. Além de perceber as contradições no seio da Igreja, Lutero se concentrou nos ensinamentos bíblicos de Paulo, no Novo testamento e na obra de Santo Agostinho. Ele parte de um princípio que é parte integral do ensinamento bíblico, a salvação pela fé. Segundo a carta aos Efésios, escrita pelo apóstolo Paulo: “Porque pela graça sois salvos, mediante a fé; e isto não vem de vós; é dom de Deus; não de obras, para que ninguém se glorie” (Efésios, 2: 8-9). Saiba mais sobre os pensamentos de Lutero lendo o PDF salvo. No sacro Império, portanto, o luteranismo criou um impasse. Enquanto o imperador o condenava, diversos príncipes o estimulavam e incentivavam abertamente. Para solucionar o problema, em 1555, a Dieta de Augsburgo concedeu autonomia a cada príncipe para adotar sua própria religião em seus domínios. As ideias de Lutero se espalharam como um incêndio pela Europa. Além de novos seguidores, surgiram outros reformadores da fé católica. Aproximadamente em 1534, o francês João Calvino, a partir da reforma luterana, estabeleceu sua própria doutrina, o Calvinismo. Simplificando o culto e a arquitetura dos templos, Calvino criou uma doutrina acessível, baseada na chamada doutrina da predestinação. A reação da Igreja Católica contra a reforma não tardou e a religião perdia adeptos a cada dia, especialmente entre a classe burguesa. Os burgueses estavam especialmente interessados nas novas doutrinas que se espalhavam pela Europa, por que: - Elas não condenavam o lucro, nem o comércio lícito; - Estimulavam o trabalho e a prosperidade de seus fiéis, o que vinha exatamente ao encontro dos anseios burgueses, aderindo ao protestantismo que, neste contexto, estava muito mais afinado ao modo de vida burguês do que a rigidez das doutrinas católicas. Vendo seus templos esvaziarem e suas ideologias em risco, a Igreja Católica inicia o movimento de contrarreforma. No século XVI ocorreu o Concílio de Trento que, na prática, estabelecia as estratégias de reação católicas. Neste concílio, reafirma-se a importância da missa e do celibato eclesiástico. Reagindo a Lutero, é reafirmado a transubstanciação do pão e vinho no corpo e sangue da missa, no sacramento da comunhão, além de reforçar a hierarquia da Igreja e o culto aos santos. Como medidas práticas, é fundada a Companhia de Jesus, também conhecida como ordem jesuíta. Esta ordem foi criada a partir de princípios militares e não era à toa que seus membros eram chamados de Soldados de Cristo. Este exército tinha uma missão: levar a fé católica aos povos pagãos, especialmente na América. Se na Europa a Igreja perdia terreno, com o apoio dos reinos ibéricos, o mesmo não iria acontecer nas terras coloniais. Além disso, a Igreja instituiu o Index Proibithorum, uma lista de livros proibidos e cuja posse e leitura constituíram uma heresia. A ideia de heresia irá, inclusive, ganhar contornos muito amplos. Inicialmente, podemos conceituar heresia como filosofias ou doutrinas que se opunham à Igreja Católica. Com o Concílio de Trento, mesmo a posse de livros proibidos passa a ser considerada uma heresia. O que estamos presenciando é uma radicalização da Igreja. Entre escolher se adaptar e rever sua ideologia, ela optou por fortalecê-los e torná-los ainda mais inquestionáveis. José Antônio Saraiva, em seus trabalhos sobre os cristãos novos em Portugal define a inquisição como uma verdadeira fábrica de cristãos novos. Os processos, julgamentos e confisco de bens cresciam em progressão geométrica, o que fortalecia a Igreja e instaurava o terror na população. As mudanças nas mentalidades costumam ser fenômenos de longa duração. Não foi este o caso da reforma. As mudanças provocadas foram tão intensas e profundas que ultrapassaram oceanos, chegaram à América e à Ásia e alteraram completamente o panorama do mundo moderno. Mas, como todo processo histórico, deve ser entendida em seu contexto de produção e no conjunto de fatores que levaram não só ao movimento reformista, mas também à reação católica. Restringi-lo ao campo de uma mudança ideológica ou no plano das ideias seria simplificá-lo, assim como vê-lo como fruto da necessidade de uma nova classe social. Todos os fatores atuaram para que a reforma fosse definitiva e a fé na modernidade adquirisse novas práticas e novas representações. SÍNTESE DA AULA Nessa aula você: Identificou o processo histórico que dá origem à Reforma Protestante; Avaliou o impacto destes movimentos na vida sociopolítico da Europa moderna; Analisou a reação católica e o significado da contrarreforma para os países católicos e suas possessões. RELEMBRANDO 1 – Os fatores que contribuíram para a reforma foram o fortalecimento dos estados nacionais, renascimento urbano, desenvolvimento da burguesia e o renascimento comercial. 2 – Podemos definir simonia como o comércio de relíquias sagradas. 3 – O movimento que dá origem e a inquisição foi a heresia dos cátaros. 4 – O teólogo Inglês John Wycliff pretendia ampliar o conhecimento da Bíblia através da tradução da bíblia para o inglês. 5 – Dentre os sacramentos originalmente católicos que foram mantidos pelo Luteranismo estão o batismo e comunhão.