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XXI Congresso Nacional da Associação Brasileira de Educação Musical Ciência, tecnologia e inovação: perspectivas para pesquisa e ações em educação musical Pirenópolis, 04 a 08 de novembro de 2013 O Processo de Compreensão da Leitura e Escrita Musical Cristiane Baroni Alleoni Escola Harmonia escolaharmonia@terra.com.br Resumo: Este texto apresenta um relato de experiência de um trabalho realizado com alunos do curso de musicalização infantil, com idade de 5 a 8 anos, de uma escola de música localizada na cidade de Piracicaba, interior de São Paulo, nos anos de 2010 a 2012. Através de simbologias que as crianças pudessem compreender, foi iniciada a identificação da grafia e da leitura musical. Esse processo antecede aos símbolos usados universalmente para a identificação da linguagem musical e tem como objetivo a alfabetização em música. Para a criança absorver esses conceitos, é ideal, mas não fundamental, que ela já tenha vivenciado a música em movimentos corporais (andando, marchando, pulando, correndo ao som de canções tocadas) e em exercícios de percepção auditiva na classificação e execução de sons (iguais e diferentes, longos e curtos, agudos, médios e graves), e os automatismos de base (ordem das notas ascendente e descendente e das figuras musicais). O trabalho tem como fundamentação teórica a obra do educador musical belga Edgar Willems, na grafia da duração e da altura dos sons e na leitura relativa. Outros educadores também utilizados foram Dalcroze, Kodály, Koellreutter, Villa-Lobos e Carmem Rocha. Como proposta pedagógica, temos a confecção de um caderno para cada aluno, onde se registrou o processo de compreensão da linguagem musical. Após o término do curso de musicalização, as crianças que escolheram estudar um instrumento, tiveram facilidade e rapidez em compreender a técnica do mesmo, devido ao domínio da escrita e da leitura que facilitaram esse conhecimento. Palavras chave: Leitura e escrita musical, alfabetização musical, educação musical. 1. Introdução Este trabalho visa apresentar o processo de introdução e compreensão de uma linguagem musical desenvolvida para trabalhar com crianças de 5 a 8 anos, no curso de musicalização infantil de uma escola de música localizada na cidade de Piracicaba, interior de São Paulo, nos anos de 2010 a 2012. Com base na confecção de um caderno individual, os alunos tiveram a oportunidade de compreender os exercícios transmitidos em aula e não apenas estudar informações prontas. Nesse processo, foram adquiridos conceitos básicos para se entender a escrita e a leitura musical, tais como a ordem ascendente e descendente das notas, duração e altura do som e sua representação, pauta e a clave de sol. Para o início da alfabetização, foi utilizado o auxílio de cores na escrita que, na conclusão do processo, foi deixado de lado. Com o amadurecimento dos alunos, observou-se que o nome das notas não 1720 XXI Congresso Nacional da Associação Brasileira de Educação Musical Ciência, tecnologia e inovação: perspectivas para pesquisa e ações em educação musical Pirenópolis, 04 a 08 de novembro de 2013 tinha relação com as cores e sim com a posição da altura da nota na pauta e a fixação do nome da nota dependendo da clave utilizada. Para a criança ser introduzida na leitura e escrita musical é necessário que ela já tenha exercitado o ouvido sensorial (ouvir, reconhecer, reproduzir, classificar e ordenar material sonoro variado), tenha adquirido o sentido do movimento sonoro (ascendência e descendência do som) e os diversos automatismos (dos sons, dos nomes e das notas). (ROCHA, 1990, p. 48). O desafio de se ensinar música na primeira infância é unir o lúdico aos conteúdos formais. Podemos apresentar às crianças a aprendizagem em música como a formação de novas conexões entre os neurônios, onde surgem as sinapses. Essas ligações feitas pelo cérebro podem ter causa genética como informações que chegam através do meio ambiente, como imagens, sons, cheiros, etc. Um elemento importante para ampliar essa conexão do cérebro é a presença do prazer na atividade. Se a criança ou o adulto mostrar interesse, curiosidade, prazer no que faz, se a aula não for cansativa, por exemplo, a aprendizagem ocorrerá. 2. Métodos de Musicalização Infantil Muitos educadores musicais desenvolveram métodos para ensinar música às crianças. De acordo com a realidade que viviam e a época em que atuavam, os métodos tiveram sucesso e muitas vezes também críticas da sociedade por não acreditarem na eficiência do processo. A experiência relatada neste trabalho foi fundamentada em seis educadores musicais. No entanto, três foram mais utilizados e seus métodos de ensino e aprendizagem estão apresentados a seguir. 2.1 Émile Jacques-Dalcroze (1865-1950) Dalcroze observou que seus alunos executavam as músicas de forma mecânica, muitas vezes sem colocar interpretação, sentimento e sensibilidade. Sua metodologia foi utilizar de movimentos simples que as crianças fazem brincando como saltar, pular, galopar, correr, agachar para que tivessem um melhor resultado na execução na prática instrumental. De acordo com a necessidade de seus alunos, o autor citado buscou uma solução e a 1721 XXI Congresso Nacional da Associação Brasileira de Educação Musical Ciência, tecnologia e inovação: perspectivas para pesquisa e ações em educação musical Pirenópolis, 04 a 08 de novembro de 2013 encontrou nos movimentos corporais, como relata: “[...] Eu pus os meus alunos a caminhar e a cambalear, e treinei-os a reagir fisicamente à percepção de ritmos musicais. Esta é a origem da Eurítimica” (DALCROZE, 1967, p. 2). 2.2 Edgar Willems (1889-1978) Willems desenvolveu seu método e estratégia a partir da preparação auditiva. Trabalhando a audição a partir das propriedades do som: altura com grandes distâncias entre grave, médio e agudo; duração (longo, médio e curto); intensidade e timbre (animais, ruídos da natureza, máquinas); é que utilizamos dessa compreensão para registrar e transmitir a escrita musical. Rocha (1990), em seu trabalho sobre o educador, destaca diversos pensamentos para serem tomados como reflexões, que elucidam a possibilidade do professor ser livre de fórmulas, mas não de princípios. Ela destaca também a importância de se ter um método para seguir, independentemente de qual seja e ainda afirma que “aprende-se a fazer fazendo e por isso devemos falar o menos possível, pois a explicação é um processo intelectual” (ROCHA, 1990, p.21). 2.3 Heitor Villa-Lobos (1887-1959) Os ensinamentos pensados por Villa-Lobos estão direcionados ao canto. Seu fim não é o de criar artistas nem teóricos de música, mas sim incentivar o gosto pela mesma. Paz (2000) destaca esses ensinamentos, oferecendo sugestões de atividades para o desenvolvimento de cada um deles. No primeiro, busca-se desenvolver a consciência do ritmo, através de associações de um golpe para cada movimento, depois dois golpes para cada movimento e, mais tarde, quatro. Trabalha-se também com contratempo e síncope. No segundo ensinamento, busca-se a consciência do som, trabalhando nomes e notas. No terceiro, a consciência do timbre, com prática de diferentes vogais. Seguem-se mais três ensinamentos que buscam o desenvolvimento da dinâmica, do intervalo e do acorde respectivamente. No primeiro sugerem-se exercícios de entoação, crescendo e diminuendo. No segundo, exercícios de vocalismo, de escalas e arpejos. No último, exercícios de gênero das escalas, a duas e a três vozes simultâneas, na ordem de acorde de terça e sexta de preferência. 1722 XXI Congresso Nacional da Associação Brasileira de EducaçãoMusical Ciência, tecnologia e inovação: perspectivas para pesquisa e ações em educação musical Pirenópolis, 04 a 08 de novembro de 2013 Na aquisição da linguagem, o ser humano antes mesmo de saber ler e escrever, já sabe falar, construir frases, se expressar. Com a musicalização, o processo deve ser o mesmo: cantar, ouvir, identificar, classificar, se expressar através da música antes mesmo de saber ler e escrever uma partitura. “O conhecimento das regras não deve ser um objetivo, e sim, uma necessidade a ser atendida em tempo devido” (PAZ, 2000, p.16-17). 3. Relato de Experiência 3.1 Automatismos de Base Em nossa vida escolar, somos levados a conhecer muitos automatismos de base como: a ordem dos números ascendentes e descendentes, a ordem alfabética, e também na música a ordem das notas. Falar e/ou cantar no modo ascendente e descente faz com que se adquira esse automatismo que será usado em todo o estudo de música. “Antes das regras devem vir a vivência, a familiaridade com os sons e suas particularidades. Deve-se educar o ouvido para que sejam sentidas, perfeitamente, modulações e combinações sonoras diversas.” (PAZ, 2000, p. 16). Criado por Willems, o relógio das notas é usado para a memorização da ordem das notas musicais. Girando o ponteiro para o sentido horário falamos as notas ascendentes, e no sentido inverso as notas descendentes. Dentro desse projeto, foi proposto que o processo de assimilação da ordem das notas fosse visualizado no exercício da subida e descida do som. Como exemplo de ferramenta para esse aprendizado, foi usado uma escadinha de degraus onde é colocada uma bolinha de gude para subir manualmente e com os degraus inclinados, a descida é feita com a gravidade soltando a bolinha do último degrau até chegar ao primeiro. Ao subir e descer, as notas musicais foram cantadas ou faladas, ajudando no processo de memorização da sua ordem. Dalcroze, ao analisar o uso de movimentos corporais, possibilita expressar fisicamente a compreensão da atividade proposta. Os exercícios buscam estabelecer relações entre o movimento e o que se ouve, entre a música e o gesto corporal. Como sugestão para esse exercício foi usado o acorde de Dó Maior onde, quando ouviam a nota dó, as crianças colocavam as mãos no chão, quando ouviam a nota mi, as mãos ficavam na cintura, e ao som da nota sol, as mãos eram colocadas acima da cabeça. Na sequência do exercício, puderam-se 1723 XXI Congresso Nacional da Associação Brasileira de Educação Musical Ciência, tecnologia e inovação: perspectivas para pesquisa e ações em educação musical Pirenópolis, 04 a 08 de novembro de 2013 misturar as três notas, verificando se os movimentos e o canto estavam de acordo com o ditado melódico. 3.2 Grafia Musical O trabalho teve início com exercícios de ditado de som longo e som curto. Para a representação desses sons, foram utilizados traços grandes para sons longos e traços pequenos para sons curtos como mostra a Figura 1: FIGURA 1 – Representação dos sons Fonte: ROCHA, 1990, p. 49 O próximo passo foi acrescentar ao ditado a altura do som, tendo o cuidado de sempre iniciar com os sons extremos, de acordo com Willems, ou muito agudo ou muito grave, ainda variando com muito agudo e longo, muito agudo e curto e também muito grave e longo e muito grave e curto, aumentando sucessivamente as indicações (Figura 2). FIGURA 2 – Ditado do som longo e curto com variação da altura Fonte: ROCHA, 1990, p. 49 Outro educador que se preocupou com esta etapa do desenvolvimento musical da criança foi o alemão Hans-Joachim Koellreutter (1915-2005). Para ele, a introdução da escrita no plano podia ser representada da seguinte forma (Figura 3): 1724 XXI Congresso Nacional da Associação Brasileira de Educação Musical Ciência, tecnologia e inovação: perspectivas para pesquisa e ações em educação musical Pirenópolis, 04 a 08 de novembro de 2013 FIGURA 3 – Representação dos sons longo, médio, curto, mais curto Fonte: PAZ, 2000, p. 231 Para a criança, toda grafia é um desenho e neste caso, todo desenho é uma representação de algo que ela está ouvindo, sendo assim fica fácil substituir os gráficos pelas figuras musicais (Figura 4). FIGURA 4 – Substituição dos traços pelas figuras musicais Fonte: ROCHA, 1990, p. 53 Unindo à representação das figuras, trouxemos o solfejo rítmico, utilizando o uso de sílabas a cada figura musical, segundo o método proposto pelo educador musical húngaro Zoltán Kodály (1882-1967), onde a semínima é representada pela sílaba ta, as duas colcheias pelas sílabas ti ti e as quatro semicolcheias pelas sílabas ti ri ti ri. 3.3 A Flauta Doce Como primeiro instrumento melódico a ser usado pelas crianças no processo de musicalização, a flauta doce permite que se visualize bem a ordem das notas no modo descendente, pois iniciamos seu estudo com as notas Si Lá Sol e depois voltamos para o modo ascendente trabalhando Sol Lá Si Dó Ré. Neste momento, já podemos fazer a junção das informações exercitadas no ensino da grafia musical e o automatismo de base, ainda 1725 XXI Congresso Nacional da Associação Brasileira de Educação Musical Ciência, tecnologia e inovação: perspectivas para pesquisa e ações em educação musical Pirenópolis, 04 a 08 de novembro de 2013 buscando o lúdico dentro da técnica. Para Willems (In FONTERRADA, 2005, p. 126), “[...] toda criança pode ser preparada auditivamente, de modo a aprender a ouvir os materiais sonoros básicos que compõem a música e a organizá-los como experiência musical”. Nessa perspectiva, foi introduzido o estudo da flauta doce. A cor de cada traço que irá representar as notas é escolhida aleatoriamente para cada nota musical, com o intuito de chamar a atenção das crianças à altura do som. O exemplo abaixo representa os sons subindo, ou seja, notas ascendentes (Figura 5): FIGURA 5 – Traços que representam as notas Fonte: do próprio autor Para cada gráfico de som curto foi dado uma figura que o substitui (Figura 6). FIGURA 6 – Substituição dos traços pelas figuras musicais Fonte: do próprio autor Para Willems, a leitura relativa na pauta musical deve ser bem trabalhada antes da apresentação da leitura absoluta. A importância da leitura relativa, que trabalha a relação sonora da subida e descida do som é fundamental antes da chegada da clave musical. A figura abaixo traz a leitura relativa partindo da segunda linha da pauta (Figura 7): 1726 XXI Congresso Nacional da Associação Brasileira de Educação Musical Ciência, tecnologia e inovação: perspectivas para pesquisa e ações em educação musical Pirenópolis, 04 a 08 de novembro de 2013 FIGURA 7 – Leitura relativa na segunda linha Fonte: do próprio autor No segundo exemplo, a leitura inicia na primeira linha da pauta e poder-se-á apresentar variações o quanto necessário, para obter-se a compreensão da leitura relativa (Figura 8). FIGURA 8 – Leitura relativa na primeira linha Fonte: do próprio autor Com a chegada da escrita e da leitura absoluta, já com a utilização da clave de sol, foi dado o momento em que não se muda mais o lugar da nota na pauta, fixando a leitura de acordo com a clave escolhida (Figura 9). FIGURA 9 – Leitura absoluta da clave de sol Fonte: do próprio autor 1727 XXI Congresso Nacional da Associação Brasileira de Educação Musical Ciência, tecnologia e inovação: perspectivas para pesquisa e ações em educação musical Pirenópolis, 04 a 08 denovembro de 2013 4. Considerações Finais Diversos exercícios foram praticados para a compreensão da alfabetização musical, baseados em autores como Carmem Maria Mettig Rocha, Edgar Willems, Émile Jacques- Dalcroze, Hans Joachim Koellreutter, Heitor Villa-Lobos e Zoltán Kodály. Utilizando essas cinco notas musicais, Sol Lá Si Dó Ré, variamos as figuras entre mínimas, semínimas e colcheias, formando pequenas melodias que foram escritas num caderno, com o cuidado de se ter uma pauta de tamanho bem ampliado, visto que estamos trabalhando com crianças que estão, muitas vezes, tendo o primeiro contato com a escrita e a linguagem musical. Estimulando o ouvido e exercitando a observação da escrita, as crianças concluíram que o som tem alturas diferentes e que as notas são colocadas em níveis de subida ou descida na pauta para representar as modificações do tom (grave, médio e agudo), sem necessitar das cores. O último passo dessa experiência foi deixar de colorir as notas escritas na pauta, que puderam então ser desenhadas em grafite (Figura 10). FIGURA 10 – Leitura absoluta da clave de sol Fonte: do próprio autor O objetivo desse trabalho foi alcançado visando iniciar a leitura e a escrita musical às crianças. Considerando o retorno da maioria com o conteúdo absorvido, o método pode ser visto como uma forma positiva e lúdica de se trabalhar com a idade proposta. O prazer das crianças em fazer cada atividade também foi observado, assim como a alegria e disposição na elaboração de cada processo. Segundo Willems (In MATEIRO, 2011, p. 103), com relação à vivência musical, “[...] é muito importante que a criança viva os fatos musicais antes de tomar consciência deles”. Após o término do curso de musicalização, as crianças que escolheram estudar um instrumento, tiveram facilidade e rapidez em compreender o desenvolvimento da técnica. 1728 XXI Congresso Nacional da Associação Brasileira de Educação Musical Ciência, tecnologia e inovação: perspectivas para pesquisa e ações em educação musical Pirenópolis, 04 a 08 de novembro de 2013 Referências DALCROZE, Emile Jacques. Rythm, Music &Education. Geneve: Institut J. Dalcroze, 1967. FONTERRADA, Marisa Trench de Oliveira. De tramas e fios: um ensaio sobre música e educação. São Paulo: Editora UNESP, 2005. MATEIRO, Teresa; ILARI, Beatriz (orgazizadoras); PAREJO, Enny. Pedagogias em educação musical. Curitiba: Ibpex, 2011. PAZ, Ermelinda Azevedo. Pedagogia Musical Brasileira no Século XX. Metodologias e Tendências. Brasília: Editora MusiMed, 2000. ROCHA, Carmen Maria Mettig. Educação musical “método Willems”: minha experiência pessoal. Salvador: Faculdade de Educação da Bahia, 1990. 1729