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LIONEY NOBRE CABRAL MARCO TULLIO BRAZÃO DANIEL SAITO INTRODUÇÃO As infecções odontogênicas são doenças originadas dos tecidos dentais, periodontais e pericoronários, que requerem tratamento imediato pois, apesar da imensa maioria poder ser tratada facilmente, com abordagem endodôntica, periodontal ou cirúrgica simples e antibioticoterapia de suporte, ocasionalmente, em breve espaço de tempo, podem variar de lesões de baixa intensidade a condições graves, de evolução para espaços fasciais, que causam risco de vida. Grande parte destas infecções tem origem a partir da necrose pulpar com invasão bacteriana dos tecidos periapicais e periodontais, o que ordinariamente leva à formação do abscesso dentoalveolar, lesão inflamatória muito frequente, confundida, devido à semelhança de suas manifestações clínicas com outras condições inflamatórias de evolução para a condição, especialmente a pulpite aguda supurativa e pericementite aguda ou de etiopatogenia periodontal: o abscesso periodontal agudo. Para um melhor entendimento, trabalharemos este capítulo considerando a microbiologia destas infecções e principalmente seu processo evolutivo, com a percepção primária de sua causa endodôntica ( contextualizando, no entanto, as periodontopatias e pericoronarites agudas, entre outras possibilidades etiopatogênicas de evolução), desde a fase intra-óssea do abscesso dentoalveolar agudo até suas potenciais complicações, como a sinusite aguda, osteomielite supurativa, celulite cervical descendente e trombose do seio cavernoso, passando pela compreensão das celulites orofaciais a partir do conhecimento da anatomia de difusão destas infecções relacionadas ao foco dentário primário e suas estruturas periodontais, ossos maxilares, inserções musculares e demais relações topográficas. MICROBIOLOGIA DAS INFECÇÕES ODONTOGÊNICAS As bactérias causadoras das infecções odontogênicas são normalmente as que fazem parte da flora normal da boca, denominadas indígenas, que colonizam o biofilme e são encontradas nas superfícies da mucosa e também no sulco gengival. Elas são anaeróbias facultativas e estritas, frequentemente encontradas neste padrão de infecção considerada polimicrobiana, predominantemente cocos e bacilos gram positivos e negativos, causadoras de gengivite e cárie dentária, cujo a evolução compromete os tecidos profundos subjacentes provocando, respectivamente, periodontite com formação de bolsa periodontal e pulpite, necrose e periapicopatia. A bolsa periodontal tende a ser assintomática, apesar de colonizada, por manter comunicação com o meio bucal, porém, se obstruída mecanicamente (Ex: presença de cálculo dentário ), pode agudizar e originar um abscesso periodontal agudo. Para facilitar a análise do perfil microbiológico presente nas doenças periodontais, as associações bacterianas representadas no biofilme sub-gengival, foram divididas em grupos. O primeiro e o mais associado a patogenicidade das doenças periodontais, é formado por três bactérias; Tanerella forsythius, Porphyromonas gingivalis e Treponema denticola. Em seguida, vem o composto por Fusobacterium nucleatum spp., Prevotella intermedia, Prevotella nigrescens e Peptostreptococcus micros. As bactérias Eubacterium nodatum, Campylobacter rectus, Campylobacter showae, Streptococcus constellatus e Campylobacter gracilis são associadas a este complexo também. Os microrganismos Streptococcus sanguis, Streptococcus oralis, Streptococcus mitis, Streptococcus gordonii e Streptococcus intermedius formam o terceiro grupo. O quarto é constituído pela Capnocytophaga ssp, Campylobacter concisus, Eikenella corrodens e Aggregatibacter actinomycetemcomitans tipo a. O último grupo, de menor fator de virulência e patogenicidade, é integrado por Veillonella parvula e Actinomyces odontolyticus. As bactérias A. actinomycetemcomúitans tipo b. Selenomonas noxia e Actinomyces são relacionados com os demais complexos. Espécies do primeiro grupo possuem maior fator de virulência e geralmente estão mais presentes em lugares onde há perda de inserção, sangramento a sondagem e bolsas recorrentes. A pericoronarite, definida como um estado inflamatório de caráter infeccioso ou não, envolve o tecido gengival denominado opérculo, localizado sobre e ao redor, geralmente do terceiro molar inferior em processo de erupção ou semi-incluso, favorecendo o acúmulo de alimentos e proliferação bacteriana da microbiota indígena, especialmente de anaeróbios Gram negativos e formas móveis de espiroquetas, tendo sido identificadas também, além destas cepas, colônias de Fusobacterium, Tannerella, Peptococcus, Peptostreptococcus, Actinomyces, Treponemas, Selenomonas e Eubacterium. Autores demonstram serem as espécies causadoras da pericoronarite as mesmas da gengivite e periodontite, com exceção da Porphyromonas gingivalis, raramente encontrada na condição. Na perspectiva endodôntica, as colonizações bacterianas, denominadas biofilmes, podem ser divididas em: intracanal, extracanal e periapical. Estas colonizações bacterianas iniciadas na placa dental promotora do processo cariogênico, geram alterações pulpares e periapicais, devido a seus fatores de virulência e produtos metabólicos. Suas toxinas, ao penetrarem nos túbulos dentinários, causam irritação ao tecido pulpar e aqueles, conferem a capacidade de estabelecer uma infecção e as possibilitam a evasão do sistema imunológico do hospedeiro. Estes fatores de agressividade das bactérias incluem as cápsulas, vesículas extracelulares, fímbrias (pilos), lipopolissacarídeos (LPS), enzimas, ácidos graxos de cadeia curta, poliaminas e produtos de baixo peso molecular de bactérias. Os LPS são encontrados na parede celular das bactérias Gram negativas, sendo denominados endotoxinas. Estas são de particular importância, pois existe uma relação direta entre suas presenças e a gravidade das lesões periapicais. As poliaminas também têm sido detectadas no interior de canais radiculares infectados. São exemplos: putrescina, cadaverina, espermidina e espermina. Altas quantidades de poliaminas totais têm sido correlacionadas a dentes portadores de necrose pulpar associados à sintomatologia dolorosa, sugerindo um papel importante destas substâncias nas alterações pulpares. A polpa necrótica constitui um rico substrato para a colonização por microrganismos provenientes da cavidade bucal. De fato, existe no interior dos canais radiculares infectados, um microambiente muito peculiar, composto de um ecossistema microbiano complexo, onde as bactérias sofrem contínuas interações dinâmicas de sinergismo e antagonismo. Estas inter-relações bacterianas direcionam a sucessão microbiana que, juntamente com a resposta do hospedeiro, determinam o grau da infecção . Estima-se que, até os primeiros seis meses após a colonização inicial, a microbiota presente nas infecções endodônticas sejam constituídas predominantemente por bactérias aeróbias e anaeróbias facultativas. A partir deste período, a microbiota sofre uma mudança de composição, sendo gradativamente substituída por bactérias anaeróbias estritas. Isto ocorre provavelmente porque o microambiente endodôntico é especial e bastante seletivo. Com o avançar do processo infeccioso, o ambiente torna- se pobre em oxigênio, favorecendo o crescimento de anaeróbios. Além disso, os remanescentes celulares e o fluido tecidual resultante da necrose, ricos em polipeptídios e aminoácidos, favorecem o crescimento de espécies bacterianas anaeróbias, capazesde metabolizar aminoácidos. Historicamente, Miller, em 1894, foi o primeiro pesquisador a demonstrar a presença de bactérias no tecido pulpar necrótico. Foi, no entanto, a partir de estudo clássico de Kakehashi, Stanley e Fitzgerald, em 1965, que se conseguiu comprovar a correlação direta entre a presença microbiana no interior dos canais radiculares e o desenvolvimento das lesões periapicais. Neste estudo, os pesquisadores expuseram a polpa de ratos convencionais e germ-free (livres de microrganismos) ao meio oral. Foi notado o desenvolvimento de lesões periapicais apenas nos ratos convencionais, demonstrando a grande importância da presença de bactérias na etiopatogenia destas alterações. Até o início da década de 70, os estudos microbiológicos dos canais radiculares relatavam a presença de bactérias predominantemente aeróbias e facultativas. A partir do desenvolvimento das técnicas de cultivo em anaerobiose, no entanto, houve uma gradativa mudança deste paradigma. Hoje, sabe-se que as infecções endodônticas são essencialmente mistas e dominadas por microrganismos anaeróbios. Estima-se que haja por volta de 500 espécies bacterianas na cavidade oral, considerando-se as espécies cultiváveis e não-cultiváveis, contudo, apenas uma parcela deste total é capaz de habitar o microambiente endodôntico. Acredita-se que aproximadamente 9% das espécies endodônticas sejam compostas por microrganismos desconhecidos, fastidiosos ou não-cultiváveis. A microbiota dos canais radiculares é representada, predominantemente, por bactérias anaeróbias dos gêneros, Actinomyces, Campylobacter, Eubacterium, Fusobacterium, ,Prevotella ( outrora classificada como do gênero Bacteroides ) Peptococcus, Peptostreptococcus, Streptococcus, Veillonella, dentre outras (Tabela 1). Microrganismos encontrados em menor freqüência incluem bactérias pertencentes ao gênero Mycoplasma e fungos do gênero Candida, principalmente C. albicans.. As bactérias do gênero Lactobacillus não são freqüentes em infecções endodônticas não expostas à cavidade oral, ou seja, nos casos em que a coroa dentária se encontra íntegra. Nos casos de infecções refratárias ao tratamento convencional, a microbiota parece ser ainda mais restrita, podendo conter bactérias reconhecidamente resistentes, como Enterococcus faecalis, Escherichia coli, Klebsiella pneumoniae e Pseudomonas aeruginosa. As técnicas mais modernas de identificação molecular, principalmente as baseadas em análises de DNA, corroboram os resultados dos estudos microbiológicos mais recentes e garantem uma identificação mais precisa de microrganismos endodônticos. O fato das lesões periapicais serem infectadas foi, há até pouco tempo, uma questão de significativa controvérsia. Estudos recentes têm, contudo, comprovado que os microrganismos podem colonizar não somente a luz dos canais radiculares principais, como também todo o sistema de canais, os túbulos dentinários e o corpo das lesões periapicais. De fato, pesquisas baseadas em técnicas variadas de identificação microbiana têm demonstrado que as lesões periapicais podem abrigar diversos tipos microbianos (Tabela 1), inclusive algumas espécies fúngicas, como C. albicans, C. glabrata e C. guilliermondii . Em 1987, Nair analisou histologicamente diversos elementos dentários e suas respectivas lesões periapicais, através de estudo por microscopias ótica e de varredura. Todos os dentes estudados continham lesões de cárie profundas. As amostras de tecido periapical constituíram-se de 30 granulomas e 1 cisto, obtidos por extração dentária. 5 dentes apresentaram-se sintomáticos, sendo diagnosticados como portadores de inflamações periapicais agudas. Os dentes assintomáticos foram diagnosticados como portadores de granulomas periapicais. Embora, na maioria dos casos, a flora estivesse restrita ao canal, bactérias extra-radiculares puderam ser observadas no interior de 4 granulomas e no cisto radicular. Foram encontradas também placas bacterianas (ou biofilmes bacterianos) aderidas às paredes dentinárias no forame apical. A microbiota encontrada consistia-se de cocos, bastonetes e filamentosos, sendo que os bastonetes geralmente apresentavam paredes Gram negativas. Todas as lesões que apresentaram microrganismos em seu interior eram invariavelmente sintomáticas. Posteriormente, diversos autores realizaram análises em microscópio eletrônico de varredura em canais radiculares e na porção apical radicular, encontrando resultados semelhantes ao estudo de Nair. Estruturas semelhantes à espigas-de-milho, caracterizando congregados bacterianos de cocos e filamentosos, ou cocos e bacilos, também foram visualizados pelos autores. Biofilmes bacterianos foram detectados tanto no interior dos canais como na região extra-radicular. Bohórquez et al.(1995), determinaram a presença e a localização de bactérias nos canais radiculares e nas lesões periapicais pelo método de coloração de Brown e Brenn. Dentes humanos apresentando necrose pulpar e lesões firmemente aderidas ao ápice foram extraídos e avaliados. A frequência verificada de bactérias nos canais foi alta, com predomínio de cocos e bacilos Gram positivos e bacilos Gram negativos. Bactérias também foram encontradas nas lesões periapicais, com predomínio de cocos e bacilos Gram positivos. Estas se situavam preferencialmente na região do forame apical, entre o ápice radicular e a lesão. Pela mesma técnica de coloração, Ribeiro e Consolaro (2000) procuraram evidenciar bactérias nas estruturas mineralizadas de dentes com necrose pulpar e granuloma periapical, encontrando resultados semelhantes aos de Bohórquez et al. As maiores concentrações de bactérias encontravam-se nos canais principais e acessórios, seguidos dos túbulos dentinários, cemento e granulomas. A presença de biofilmes na região periapical dos dentes foi salientada. Mais recentemente, o uso das modernas técnicas de Biologia Molecular tem contribuído significativamente na elucidação da questão sobre a existência de bactérias nas lesões periapicais. O estudo mais importante parece ser o de Sunde e colaboradores (2000), que demonstraram a presença praticamente inconteste de células bacterianas no corpo das lesões periapicais crônicas, através da evidenciação por sondas fluorescentes de DNA. Tabela1: Gêneros de microrganismos de importância endodôntica. Bacilos Gram-positivos Cocos Gram-positivos - Actinomyces* - Clostridium* - Eubacterium* - Lactobacillus* - Propionibacterium* - Pseudoramibacter - Peptococcus* - Peptostreptococcus* - Staphylococcus* - Streptococcus* Bacilos Gram-negativos Cocos Gram-negativos - Campylobacter - Capnocytophaga - Dialister - Eikenella - Filifactor - Porphyromonas - Prevotella - Selenomonas - Pseudomonas* - Burkholderia - Veillonella* Espiralados e Filamentosos - Fusobacterium* - Treponema Fungo - Candida* *Gêneros identificados também em lesões periapicais. Adaptado de: Sundqvist 1976, Brystom e Sundqvist 1981, Tronstad et al. 1987, Iwu et al. 1990, Wayman et al. 1992, Vigil et al. 1997, Waltimo et al. 1997, Saito et al. 2006. ABSCESSO DENTOALVEOLAR AGUDO Neste momento do capítulo, visamos fazer você compreender a organização e o desenvolvimento das infecções de origem odontogênica, primariamente a partir da perspectiva de uma infecção endodôntica.Imaginemos o incisivo central superior, tendo desenvolvido uma pulpite aguda irreversível, inicialmente serosa e depois supurativa a partir de uma cárie dentária, com evolução para um padrão de necrose pulpar liquefativa, pela organização de microabscessos pulpares e destruição progressiva deste tecido, devido à alta virulência da infecção polimicrobiana vigente. Estas bactérias em meio ao tecido necrosado, proliferam ativamente e invadem a região periapical, estabelecendo uma infecção ativa. A primeira reação tecidual ocorrente - quando da invasão do periápice dentário em continuidade com o tecido pulpar necrótico, altamente vascularizado e com um potencial bem maior de defesa, comparado à polpa dentária - é a descarga de mediadores químicos a partir desta agressão, o que gera alteração da microcirculação local (vasoconstrição transitória, vasodilatação e alteração da permeabilidade vascular ) e atração de células de defesa (Polimorfonucleares neutrófilos e monócitos ) para o local, devido a fatores quimiotáticos resultantes da invasão bacteriana e lesão tissular. A exsudação plasmática é o evento seguinte e isso gerará no paciente a sensação de dente crescido, devido ao edema local e discreta extrusão dentária de sua gonfose ( articulação dento-alveolar), com dor local ao menor contato de percussão ( figura 1 ) . Figura 1 : Pericementite apical aguda e os eventos relacionados. No momento seguinte, ocorre a exsudação celular, com a diapedese de neutrófilos e fagocitose bacteriana frenética que resulta na morte destes polimorfonucleares ( piócitos) com liberação de suas enzimas lisossomais, resultando em secreção purulenta, caracterizando o abscesso dentoalveolar em sua fase intra-óssea. Se o pus tem drenagem pelo canal radicular, os sinais e sintomas são muito atenuados. Dificilmente, a coleção purulenta drena através do periodonto, pois sua constituição fibrosa oferece muita resistência ( Figura 2 ). Figura 2 : Abscesso dentoalveolar intra-ósseo. Se a secreção purulenta não é drenada, fica acumulada na região periapical e à medida que o seu volume aumenta, a pressão dentro dos tecidos fica mais intensa e, a partir do osso cortical alveolar, o exsudato purulento tende a se disseminar em todas as direções, mas preferencialmente, seguindo as linhas de menor resistência, invadindo o tecido ósseo medular, de consistência esponjosa até chegar à lâmina cortical e se acumular sob o periósteo dos ossos maxilares , formando o abscesso subperiosteal ( Figura 3 ). Alteração de permeabilidade vascular Edema Bactérias n PMN Figura 3 : Abscesso subperiosteal : B- Bactérias, cocos e bacilos Gram positivos e negativos, P- Periósteo e Pi – Piócitos. Rompida a membrana periosteal, o pus irá se disseminar através dos tecidos moles podendo localizar-se na mucosa bucal ou no tecido subcutâneo facial, originando o abscesso submucoso (Figura 4 ) ou Figura 4 – Abscesso submucoso: B- Bactérias, M- Mucosa alveolar e Pi – Piócitos. . Subcutâneo (Figura 5), respectivamente. Porém, durante esta evolução, seja na fase subjacente ao periósteo ou mesmo após sua descontinuidade para a submucosa ou para região subcutânea - a menos que a drenagem seja estabelecida de forma natural, pela formação de uma fístula, ou provocada profissionalmente - em razão das bactérias envolvidas neste quadro polimicrobiano serem produtoras de enzimas ( tabela 2), o processo tende a tornar-se não circunscrito dispersando e, em consequência disso, há uma disseminação de extensão variável da reação inflamatória na região, podendo acometer planos fasciais. Tal condição denominada celulite, estudaremos a seguir. Figura 5 - Abscesso subcutâneo CELULITE O termo celulite, por si só, é genericamente utilizado nas diversas práticas médicas para designar quadros clínicos de infecção bacteriana com desenvolvimento de resposta inflamatória aguda associada a inchaço difuso nos tecidos circunjacentes, com enrijecimento e dor à palpação, formando área, que clinicamente, tem coloração vermelho/arroxeada. Algumas questões terminológicas e confusões diagnósticas merecem uma breve menção aqui. Em odontologia, uma confusão diagnóstica deve ser evitada em relação ao abscesso dentoalveolar agudo (coleção de pus localizada nos tecidos periapicais que se se estende à mucosa bucal e ao tecido subcutâneo facial), descrito anteriormente. O critério diagnóstico para distinção é puramente clínico. A celulite facial é o processo inflamatório que provoca intumescimento difuso dos tecidos faciais vizinhos, rigidez, e pode ou não estar acompanhado de abscessos multifocais, que por sua vez podem envolver múltiplos espaços. Já o diagnóstico primário de abscesso agudo, como já descrito, é dado para um processo bem delimitado, com acúmulo de coleção purulenta confinada em uma única cavidade ou espaço, mostrando ausência de edema e enrijecimento dos tecidos moles vizinhos. Se no momento da anamnese o profissional for P Pi B Pi M B cuidadoso, poderá descobrir no histórico de seus casos, situações em que houve uma celulite prévia que amenizara para um quadro de abscesso agudo ou, de maneira inversa, um abscesso agudo que evoluíra para uma celulite. Esta possibilidade de transição, que amiudaremos posteriormente, depende da resposta do hospedeiro, localização da lesão e virulência bacteriana, salientando mais uma vez que a diferença principal é, realmente, a forma de manifestação clínica pois, histologicamente, áreas de abscesso podem ser observadas tanto na celulite quanto no abscesso agudo. Outro ponto interessante para esclarecermos neste momento refere- se ao termo flegmão, que apesar de estar caindo em desuso, pode ser usado como sinônimo de celulite. Esta terminologia foi muito mais utilizada na dermatologia, sendo gradativamente substituída por, simplesmente, “celulite”. Talvez o melhor fosse neste caso, ser substituída por “celulite cutânea”, visto que existem implicações terapêuticas e manifestações distintas dependendo da região em que ocorre a celulite, como na celulite orbitária, celulite dissecante do couro cabeludo e celulite facial de causas relacionadas aos dentes e estruturas bucomaxilofaciais, aqui denominada celulite orofacial. A celulite cutânea envolve camadas profundas da derme, hipoderme, e até tecido adiposo e muscular. Este conhecimento é importante para esclarecer outra confusão clínica referente ao diagnóstico de erisipela. Este é um processo de infecção bacteriana cutânea que envolve apenas epiderme e derme superficial, o que clinicamente é visto por área de eritema sobre um relevo bem delimitado na pele, enquanto que na celulite cutânea ocorre envolvimento tecidual mais profundo, causando inchaço difuso e sem delimitação evidente. Finalmente, é importante esclarecer aqui que o termo “celulite”, utilizado no dia a dia pela população geral (“celulite popular”), refere-se a uma doença não inflamatória cuja nomenclatura médica apropriada é hidrolipodistrofia ginoide, e nada tem a ver com o assunto ora amiudado. ETIOPATOGENIA E EVOLUÇÃO A infecção bacteriana difusa que culmina nas celulites como um todo pode ser facilitada por condições sistêmicas debilitantes como : diabetes mellitus, infecção pelo HIV, obesidade, transtornos circulatórios (tromboses, linfadenites), doenças autoimunes cutâneascomo a psoríase, imunossupressores, tabagismo, etilismo, dependência química, abuso de drogas intravenosas, doenças mieloproliferativas e demais malignidades, quimio e radioterapia, dentre outras, o que faz com que seja obrigatória a anamnese detalhada do paciente para entender suas condições de saúde e assim alcançar um tratamento eficiente e redução de recidivas. Porém, há casos em que uma alteração sistêmica não é identificada, e o evento pode ocorrer a partir somente de condições teciduais locais. Formas comuns de inoculação bacteriana ao tecido conjuntivo incluem ferimentos por corte, abrasões, queimaduras, picadas de insetos, mordida de animais, cirurgias, etc. Outras vezes, as bactérias poderão sobressair nos tecidos de maneira oportunista a partir de sialoadenites, tonsilites, sinusites, acne, micoses, doenças autoimunes, neoplasias malignas, tecidos irradiados ou outras alterações locais menos comuns. Entretanto, se tratando da celulite orofacial, os focos infecciosos mais comumente associados são: • abscessos dentoalveolares / periapicais, • abscessos periodontais, • pericoronarites, • osteomielítes, • alveolítes, • lesões por projéteis e corpos estranhos. A partir das doenças primárias supracitadas, haverá uma porta de entrada bacteriana para acesso a tecidos profundos. Neste processo, o potencial de espalhamento difuso da infecção por entre os planos de tecido conjuntivo (fáscias) dependerá principalmente de 3 fatores: 1. Região anatômica envolvida: a localização do dente envolvido em processo infeccioso determina o caminho de difusão da infecção e possíveis espaços fasciais atingíveis (vide tópico anatomia e difusão das infecções odontogênicas); 2. Virulência do microorganismo - capacidade antigênica das bactérias envolvidas de estimular padrões de resposta imune com elevada produção de citocinas pró-inflamatórias; - produção bacteriana de enzimas que degradam matriz (Tabela 2); e 3. Resistência do hospedeiro: capacidade de resposta do organismo, associado ou não a comprometimento sistêmico. A infecção pode difundir-se por tecidos profundos e ganhar vias distintas, como os espaços fasciais - áreas revestidas pelas fáscias musculares, pobremente vascularizadas e sem limites precisos, de conteúdo conjuntivo (fendas), com presença de glândulas salivares, tecido adiposo e linfonodos, ou neurovascular (compartimento) - que podem ser perfurados ou distendidos pelo conteúdo purulento facilitando assim o quadro difuso da infecção que caracteriza as celulites orofaciais. A partir daí, fatores relacionados à resistência do hospedeiro e à virulência microbiana definirão o quadro. A celulite orofacial, como evolução natural de uma infecção supurativa odontogênica, é caracteristicamente polimicrobiana, composta geralmente por um conjunto de 2 a 6 isolados bacterianos (espécies diferentes) que agem de maneira sinérgica potencializando seus fatores de virulência individuais capazes de penetrar nos tecidos (Tabela 2). Tais bactérias quase sempre podem ser encontradas na microbiota bucal. A celulite tem seu início com a propagação de bactérias aos tecidos profundos a partir de processos patológicos odontogênicos primários como já mencionado. Nas fases iniciais da celulite, acredita-se que bactérias do gênero Streptococcus produtoras de streptoquinases e hialuronidases sejam particularmente importantes, assim comprometendo a coesão das células teciduais e permitindo permeio bacteriano aos tecidos (Tabela 2). Posteriormente, instala-se um ambiente de maior restrição de oxigênio que faz com que bactérias anaeróbicas produtoras de colagenases dominem o quadro, degradando tecido e frequentemente provocando formação de pus. No estudo de Kouassi e colaboradores (2011) é notória a predominância de bactérias anaeróbicas no material purulento coletado de casos de celulites orofaciais, perfazendo mais de 60% das espécies isoladas, com destaque para Prevotella sp. (Prevotella intermedia-11%, Prevotella oralis-9%, e Prevotella melaninogenica-6% e Prevotella buccae-6%), Fusobacterium nucleatum (9%), Veillonella sp. (6%), e Eubacterium sp. (6%). As bactérias aeróbicas facultativas foram encontradas em menor quantidade, como os Streptococcus do tipo β-hemolíticos, que inclui o clássico S. pyogenes, em 6% dos casos, Streptococcus do grupo anginosus em 6% (não mencionaram o S. intermedius separadamente), e um grupo de Streptococcus tipo α- hemolíticos em 11%, em que os autores não mencionam as espécies contidas (possivelmente inclui S. intermedius e cepas α- hemolíticas dos S. anginosus; vide adendo de taxonomia), além dos bacilos Capnocytophaga sp. e Haemophilus influenzae em 6%. Bactérias do gênero Staphylococcus, que historicamente não eram consideradas da microbiota bucal, foram observadas em 3%, divididas em S. epidermidis e S. aureus. Outros estudos também demonstraram a variável presença dos Staphylococcus nas infecções bucais, chegando a atingir uma frequência de até 47% em um deles, referindo sua prevalência maior em casos em que há formações supurativas expressivas, ou seja, coleções purulentas com maior grau de comprometimento do hospedeiro, principalmente em casos envolvendo crianças. Finalmente, em casos de pacientes hospitalizados, pós-irradiados, e imunossuprimidos, além do Staphylococcus aureus, várias bactérias entéricas Gram-negativas podem estar presentes. Considera-se nos estudos que não há diferenças significativas de perfil bacteriano dentre as celulites orofaciais segundo diferentes causas odontogênicas, ou seja, se advinda de foco dento-alveolar ou periodontal, e é importante ter ciência de que nem todas as bactérias têm fatores de virulência significativos quando isoladas, oferecendo riscos somente dentro de um contexto microbiológico. O processo inflamatório agudo resultante da invasão “esparramada” das bactérias que provoca as celulites é rico em neutrófilos, o que naturalmente provoca a formação de coleção purulenta (liquefação tecidual e piócitos) porém, frequentemente difusos e muitas vezes não detectados clinicamente, exceto em casos avançados, onde a coleção purulenta pode resultar em abscessos multifocais nas áreas de desintegração dos tecidos e espaços anatômicos naturais vizinhos. Caso a resistência do hospedeiro seja recuperada ou a virulência bacteriana seja restrita por fatores relacionados ao nicho microbiológico, o processo pode atenuar-se e a coleção purulenta ser o único achado clínico significativo, assim podendo evoluir para um quadro de abscesso. Adendo sobre classificação (taxonomia) de microrganismos:Dificuldades residem na interpretação da literatura sobre as contribuições relativas de espécies individuais de bactérias aos processos infecciosos odontogênicos, pois ocorrem mudanças taxonômicas e diferentes graus de precisão de isolamento nos estudos. As seguintes informações podem ser úteis caso o leitor decida por uma busca aprofundada de literatura: - Os “estreptococos”: O termo S. viridans poderá ser encontrado como causador de infecções odontogênicas. Refere-se a um grupo heterogênio de microorganismos que inclui o grupo S. mutans, S. salivarius, S. mitis, S. bovis e S. anginosus. Esse último é o grupo realmente importante com relação às celulites orofaciais e abscessos dento-alveorares, também conhecido como grupo “S. milleri”, composto pelas espécies S. constellatus, S. intermedius e S. anginosus, e foi descrito pela primeira vez apenas como estreptococos α- hemolíticos, mas na realidade podem variar para β–hemolíticos e não- hemolíticos.O S. pyogenes outra bactéria que pode estar envolvida no processo supurativo, mais frequentemente envolvida nos processos supurativos amigdalianos, é do tipo β –hemolítica e também conhecida como estreptococo beta-hemolítico do grupo A. Os “bacterioides”: Estudos antigos incluíam muitas espécies como simplesmente “Bacterioides”. Os gêneros Prevotella e o Porphyromonas foram extirpados deste grupo, que passou a manter até então apenas o Bacterioides Forsythus como agente etiológico potencial para celulites orofaciais, mas que também deixou o contexto dos “bacteriodes” e passou a ser chamado Tannerella forsythia em uma classificação mais recente. DIAGNÓSTICO DA CELULITE OROFACIAL A celulite orofacial caracteriza-se frequentemente por um quadro de inchaço difuso em determinada região facial, endurecido à palpação, extremamente sensível, mostrando comumente uma coloração arroxeada, exceto quando envolvendo apenas tecidos profundos. Outros sintomas incluem dispneia, disfagia e debilidade, e os pacientes com frequência podem apresentar febre, sudorese e linfadenopatia. O trismo é um quadro frequente, principalmente quando o processo infeccioso envolve molares inferiores, como em casos de pericoronarites. Relativo ao tratamento, vale considerar que a antibioticoterapia está indicada, associada à drenagem da coleção purulenta quando há pontos de flutuação palpáveis. A eliminação da fonte infecciosa é fundamental, ou seja, o tratamento adequado deve ser dado ao elemento dentário que representa o foco primário da infecção. Bochechos com água morna e sal são indicados quando há uma abertura de ferida para o meio bucal, enquanto que em pele, poderão ser utilizadas soluções salinas estéreis nos curativos. Indica-se o repouso até a melhora dos sintomas, sendo que a resolução do quadro deve ocorrer em 7 a 10 dias, exceto quando há complicações sistêmicas associadas, onde um acompanhamento médico torna-se fundamental, e a internação do paciente deve ser considerada. A Infectious Disease Society of America (IDSA) recomenda que alguns exames sorológicos para pacientes com sinais e sintomas de toxicidade sistêmica sejam solicitados, devendo o paciente ser internado em casos de: • Acentuado desvio à esquerda no hemograma completo • Elevação dos níveis de creatinina • Elevação dos níveis de creatina fosfoquinase (2-3 vezes maiores que o normal) • Elevação de proteína C-reativa >13 mg/L (123.8 mmol/L) • Redução de bicarbonato sérico. Tabela 2. Relação entre bactérias comumente envolvidas do processo de celulite e alguns de seus fatores de virulência capazes de produzir dano tecidual. Bactérias Virulência Ref. C o co s, a n a er ób ic o s fa cu lt a ti vo s, G ra m + Streptococcus grupo anginosus (variam entre α, β e não- hemolíticos) - Dissolução de tecido conjuntivo: hialuronidases, condroitina sulfatase; - Evasão de resposta imune: cápsula de polissacarídeos, DNases e RNases; metabólitos tóxicos ( sulfeto de hidrogênio e contribui para formação de abscesso). Asam e Spellerberg, 2014. Streptococcus pyogenes (β-hemolítico) - Dissolução de tecido conjuntivo: estreptoquinases e hialuronidases; exotoxinas piogênicas (ativam destruição local mediada pelo sistema imune); - Evasão de resposta imune: Cápsula de polissacarídeos; proteína M (antifagocítica); C5a peptidase (inibe quimiotaxia para neutrófilos). Stevens e Bryant, 2015. Staphylococcus aureus # - Dissolução de tecido conjuntivo: lipoproteínas de superfície (gera ativação imune com destruição tecidual); - Evasão de resposta imune: cápsula de polissacarídeos, SpA (impede opsonização por anticorpos); leucotoxinas (destroem leucócitos); - certas cepas produzem beta-lactamases e outras são resistentes a meticilina. Powers e Wardenburg, 2014. * B a ci lo s, a na er ó b ic o s, G ra m - Prevotella intermedia - Dissolução de tecido conjuntivo: hialuronidases; - Evasão de resposta imune: cápsula de polissacarídeos; proteases que degradam imunoglobulinas e complemento. Münchow et al 2015 Fusobacterium nucleatum - Estruturação de biofilme patogênico: proteínas de superfície eficientes para coagregação bacteriana; - Dissolução de tecido conjuntivo: colagenase tipo IV e capacidade de indução de colagenase III; - Evasão imune e destruição local: produção de metabólitos tóxicos como sulfitos, butirato, propionato, e amônia (induzem apoptose de fibroblastos, prejudicam o reparo tecidual e resposta imune local). Uitto et al 2005. Porphyromonas gingivalis - Estruturação de biofilme patogênico: invasinas (promovem invasão bacteriana); capacidade de sobreviver e multiplicar-se dentro de células do hospedeiro; - Dissolução de tecido conjuntivo: colagenase tipo IV, hialuronidase; - Evasão de resposta imune e destruição local: gingipaínas e proteases de cisteína (degradam preteínas do tecido conjuntivo, proteínas de adesão intercelular do hospedeiro, imunoglobulinas, fibrinogênio), produção de metabólitos tóxicos como sulfito de hidrogênio. Mysak et al 2014. Porphyromonas endodontalis - Evasão de resposta imune: cápsula de polissacarídeos, enzimas que degradam imunoglobulinas e complemento; - Evasão de resposta imune e destruição local: produção de metabólitos tóxicos como butirato e propionato (prejudicam reparo além de outros efeitos). Winkelhoff et al 1992 Tannerella forsythia - Estruturação de biofilme patogênico: proteínas de superfície importantes para coagregação e transmissão de nutrientes; - Dissolução de tecido conjuntivo: sialidases ou SiaH (degradam oligossacarídeos e proteoglicanas que fornecem nutrientes às bactérias e prejudicam a estrutura tecidual); - Evasão de resposta imune e destruição local: proteases tripsina-símile e PrtH (degradam citocinas e imunoglobulinas), proteína BspA (induz mediadores de reabsorção óssea, faz coagregação e promove invasão bacteriana); atividade indutora de apoptose e produção de metabólitos tóxicos como metilglicoxal. Sharma, 2000. Fusiformes, anaeróbicos, Gram - Capnocytophaga sp - Estruturação de biofilme patogênico: estimula virulência de outras bactérias; - Evasão de resposta imune e destruição local: IgA1-protease;); possuem mecanismos pouco esclarecidos de evasão imune e inibição de proliferação fibroblástica; - algumas cepas produzem beta-lactamases (resistência a beta-lactâmicos Ishihara, Inagaki e Saito, 2011 Cocos, anaeróbicos, Gram + Parvimonas micra (Prévio Peptoestreptococus ou Micromonas micros) - Estruturação de biofilme patogênico: estimula virulência de outras bactérias; - Dissolução de tecido conjuntivo: colagenases. Ota-Tsuzuki et al 2010 * Cocos, anaeróbicos, Gram - Veillonella sp - Estruturação de biofilme patogênico: estimula virulência de outras bactérias. Matera et al 2009. *Espiroquetas, anaeróbicos, Gram - Treponema denticola - Estruturação de biofilme patogênico: BspA (facilita invasão e coagregação), Msp (cria poros nas células teciduais que podem extrair nutrientes e destruir células), possui grande motilidade; - Dissolução de tecido conjuntivo: oligopeptidase B (protease tripsina-símile); - Evasão de resposta imune e destruição local: metabólitos tóxicos como metil- mercaptano e sulfito de hidrogênio, - Evasão de resposta imune e destruição local: Dentilisina (protease que promove invasão bacteriana, degrada citocinas e proteínas de matriz). Dashper et al 2011. * Todas bactérias Gram-negativas possuem lipopolissacarídeos de membrana (LPS), que conferem alto poder de estímulo para geração de citocinas inflamatóriase com potencial de ativação de metaloproteinases de matriz, que são proteínas teciduais do hospedeiro que degradam a matriz colagenosa. Tais características são especialmente evidentes em relação aos LPS de P. gingivalis e P. endodontalis. # Tipicamente cutâneo, mas tem sido encontrado em celulites e abscessos ANATOMIA DA DIFUSÃO DAS INFECÇÕES ODONTOGÊNICAS O estudo da anatomia das regiões específicas envolvidas nos processos infecciosos dos maxilares e suas relações de contiguidade, é de fundamental importância para o entendimento da difusibilidade do exsudato infeccioso nos tecidos contíguos e as relações com as barreiras anatômicas que irá encontrar: ossos, músculos e suas inserções, tendões e fáscias, as quais devem ser bem conhecidas. Tal saber torna- se de singular importância para o diagnóstico clínico e tratamento destas infecções com potencial evolutivo gerador não só de graves morbidades, mas também de mortalidade para o paciente acometido. Relações dentoalveolares e musculares Em uma infecção periapical, o pus progredirá de maneira concêntrica, a partir da cortical alveolar e osso medular até alcançar e perfurar uma das lâminas corticais externas, geralmente a mais próxima. Desta forma, o primeiro conhecimento que se deve ter é o da topografia dentoalveolar, que é a relação existente entre os dentes superiores, inferiores e seus respectivos alvéolos, bem como aquela mantida com os acidentes anatômicos localizados nos ossos maxilares com os quais estes mantém relações de proximidade. O segundo e não menos importante saber, é o relacionado ao comprimento das raízes dos dentes com a profundidade do vestíbulo e inserções musculares adjacentes. Se o processo infecciosos supurativo se tornará ou não um abscesso vestibular, palatino (lingual) ou de espaço fascial será determinado primariamente pela relação daquelas inserções musculares com o ponto de perfuração na cortical óssea (Figura 5). Grande parte das infecções odontogênicas exteriorizam-se como abscessos vestibulares porém, ocasionalmente, penetram diretamente nos espaços fasciais de envolvimento primário (imediatamente adjacentes aos maxilares que suportam os dentes), sendo na maxila o canino ou infraorbitário, infratemporal e bucal (Figuras 17, 8 e 5, respectivamente), compartilhado com a mandíbula, e nesta além dele: o submentoniano, sublingual e submandibular (Figura 5). Os espaços secundários: Massetérico, Pterigomandibular, Temporal superficial e profundo, Lateral da faringe, Retrofaríngeo e Pré-vertebral(Figuras 8 e 13) , podem ser também comprometidos na evolução do processo, se não administrado tratamento adequado para as infecções nos espaços primários, tornando a condição mais grave, com complicações maiores e maior risco de morbi-mortalidade, sendo de difícil terapêutica sem a utilização da intervenção cirúrgica para a drenagem do exsudato purulento, pelo fato desses espaços serem circundados por fáscia de tecido conjuntivo com pobre suprimento sanguíneo. Fig. 5 . Possibilidades de disseminação de infecção de pré-molares e molares superiores e inferiores. A. Músculo bucinador B. Músculo Milo-hióideo C. Músculo platisma. 1.Abscessos vestibulares 2. Abscessos palatinos 3. Empiema em seio maxilar 4. Espaço sublingual 5. Espaço submandibular 6. Espaço bucal. Na maxila, se for realizado um corte horizontal no processo alveolar, nota-se que cada lâmina óssea, a externa ou vestibular e a interna ou palatina (lingual), é formada por duas corticais: uma é a superfície externa compacta do osso e a outra, a cortical alveolar que forra o alvéolo, denominada em radiologia como lâmina dura. A lâmina cortical vestibular é delgada e na região de dentes anteriores chega a tornar-se deiscente, o que facilita a difusão dos abscessos para a vestibular. A difusão lingual é exceção e o mesmo ocorre quando se abrem na cavidade nasal ( Figura 6) ou no seio maxilar (Figura 5). A tendência desta infecção ficar circunscrita intrabucalmente é devido à influência do músculo orbicular da boca e o denso tecido subcutâneo na base do nariz que limita a infecção abaixo da mucosa alveolar principalmente nos indivíduos de crânio leptoprosópico (figura 7), que veremos adiante. As corticais vestibular e alveolar estão intimamente unidas na maxila, principalmente nos terços cervical e médio da porção radicular. Uma pequena quantidade de tecido ósseo medular (esponjoso) pode ocorrer próximo ao ápice destes dentes, principalmente no do incisivo lateral, cujos processos sépticos podem alcançar o sulco nasolabial, palato e, devido à sua inclinação e em situações extremas, a cavidade nasal. Mesmo assim, a lâmina vestibular está mais próxima dos ápices dos dentes superiores, suas exceções ficando por conta da raiz palatina dos pré-molares, quando estão presentes, e de molares. No tangente à possibilidade palatina de propagação, sua submucosa é firmemente aderida ao periósteo e os abscessos palatinos são encontrados abaixo do periósteo e, desta forma, profundamente relacionados aos vasos e nervos palatinos. Estas estruturas podem ser lesadas se a incisão para a drenagem não for realizada paralelamente a eles e próxima ao arco dental. Saliências provocadas pelas raízes dentais denominadas eminências alveolares, podem ser encontradas na superfície externa do osso, destas a que mais chama a atenção em um crânio seco é a canina. Considerando estas estruturas e a disseminação das infecções a partir deste dente, devemos observar a origem dos músculos que elevam o lábio superior. Se o local da perfuração é abaixo da origem do músculo elevador do ângulo da boca, ocorrerá o abscesso intrabucal, semelhante àquele dos incisivos, com edema no lábio. Se o ápice do canino estiver situado acima da origem do músculo elevador do ângulo da boca, a coleção purulenta se localizará sob a pele, no espaço canino (Figura 17) , área compreendida entre a superfície anterior da maxila e os músculos elevadores do lábio superior. Apesar destes músculos impedirem que o abscesso se exteriorize na região infraorbital, uma fenda existente entre o elevador do lábio superior e a asa do nariz, permite sua superficialização, podendo ser notado ao lado do nariz, modificando o sulco nasolabial e continuar sua difusão até o ângulo medial do olho e tecido conjuntivo da pálpebra inferior, não devendo ser confundido com a dacriocistite (inflamação aguda ou crônica, mucopurulenta, do saco lacrimal). Esta região anatômica, pela proximidade com uma importante veia emissária (veia angular), acaba sendo estratégica para o desenvolvimento de uma rara, mas importante, complicação do abscesso dentoalveolar que trataremos mais adiante : trombose do seio cavernoso ( Figuras 16 e 17) Nos pré-molares não ocorrem tantos relevos como nos dentes anteriores e quando o primeiro pré-molar apresenta duas raízes a lâmina vestibular mostra-se ainda mais delgada. Abscessos deles provenientes, podem evoluir para espaço submucoso vestibular, intrabucal ou, se a inserção do músculo bucinador estiver abaixo de suas raízes, podem evoluir para celulites genianas. Essa relação entre os ápices dentais e a origem do músculo bucinador, fator determinante da localização intra ou extrabucal do abscesso, é mais própria dos molares, e nestes a evolução extrabucal é mais comum, pois a coleção purulenta costuma perfurar o osso acima da inserção do músculo bucinador, resultando em infecção no espaço bucal (Figura 5), podendo, no entanto, difundir-se em direção a estruturas mais profundas craniocervicais e evoluircom graves complicações. Podem alcançar o espaço infratemporal, com envolvimento secundário do espaço temporal, área entre a fáscia e o osso homônimo (Figura 8). Este processo infeccioso pode evoluir em direção ao espaço submassetérico, subparotídeo e mastigador, porém a propagação ao músculo masseter e à glândula parótida é rara, devido a proteção da fáscia que reveste estas estruturas. Comprometimento de cavidade nasal e morfologia craniofacial Dentro da perspectiva da difusão das infecções de origem endodôntica do osso maxilar para a cavidade nasal é preciso considerar que entre as tábuas ósseas compactas do palato e soalho nasal se interpõe uma capa de tecido esponjoso que, nos cortes paralelos ao plano sagital, possui forma triangular. A espessura ou altura da porção subnasal da maxila varia em limites muito amplos em relação ao índice facial morfológico, fator determinante dos diferentes tipos craniofaciais. De acordo com os valores deste índice, estão classificados os seguintes tipos antropológicos craniais: euriprosopos, leptoprosopos e mesoprosopos. Sobretudo nos euriprosopos, onde o diâmetro transversal bizigomático é maior que a altura facial ( Figura 6 ), os ápices radiculares dos dentes anteriores estão muito próximos do soalho nasal e somente os separa uma delgada capa de osso; nos leptoprosopos ( altura facial maior que o diâmetro transversal bizigomático ) com raízes dentais de pouco comprimento, entre os ápices e a parede inferior das fossas nasais se intercala um tecido esponjoso de considerável espessura ( Figura 7). Como resultado da concavidade do soalho nasal, este se elevando à medida que se afasta da linha mediana em direção à coluna frontonasal, muito dificilmente algum ápice radicular pode chegar ao mesmo nível do soalho nasal, sendo a distância mínima 2mm, aproximadamente. A inclinação palatina da raiz do incisivo lateral, descrita anteriormente, é notadamente mais acentuada que a do central, por isso se afasta do soalho das fossas nasais até fundir-se no tecido esponjoso retroalveolar. Isso explica a maior frequência de abscessos palatinos que nasais originados no incisivo lateral. Figura 6. Crânio euriprosópico: O – Ófrio, G- Gnático, Z- Zígio. Predominância do diâmetro bizigomático sobre o ofriognático. Ápices radiculares dos incisivos, principalmente os centrais, podem manter íntimo contato com o soalho nasal, possibilitando a continuidade de infecções destes elementos dentais. Em síntese, as relações anatomotopográficas dos dentes com as fossas nasais dependem do índice facial morfológico e do comprimento e direção das raízes dentárias. Desta forma, os dentes que normalmente se relacionam com o soalho nasal, segundo os tipos craniofaciais, são os incisivos centrais e laterais, estes últimos menos, pela direção de sua raiz para o palato. A possibilidade relativa ao canino aumenta nos euriprosopos e neste caso, devido ao comprimento de sua raiz, ,é o que mais próximo se encontra do soalho nasal. Não raro, neste tipo de estrutura craniana, abscessos de incisivos podem causar elevações ou mesmo invadir o soalho da cavidade nasal (Figura 6). Figura 7. Crânio leptoprosópico: O – Ófrio, G- Gnático, Z- Zígio. Predominância do diâmetro ofriognático sobre o bizigomático. Ápices radiculares dos incisivos centrais distanciados do soalho nasal, tendência a difusão da infecção para a lâmina óssea vestibular. Vias de disseminação da infecção nos dentes inferiores A difusão das infecções nos dentes inferiores tende, de forma majoritária, à superficialização no vestíbulo bucal porém, pode ocorrer disseminação para os espaços fasciais mandibulares primários ( Figuras 11 e 12) . Quando os incisivos inferiores estão acometidos e seus ápices estão mais próximos da cortical óssea vestibular que da lâmina lingual, ao perfurar o osso tem sua via determinada pela origem do músculo mentoniano . Se a solução de continuidade for acima, será limitado ao vestíbulo; se abaixo, sua localização será o espaço submentoniano ( Figura 12), este limitado acima pelo músculo milo-hioídeo, abaixo pela fáscia cervical e lateralmente pelo ventre anterior do digástrico. O inchaço ocorrerá na ponta do mento ou abaixo dele, com possibiidade de invasão do espaço submandibular. A topografia do canino é similar a dos incisivos. Se presente esta infecção periapical elas tendem a evoluir para o vestíbulo bucal, devido , comumente, seu ápice encontrar-se acima das inserções dos músculos depressor do lábio inferior e platisma. Pode, no entanto, em alguns casos, evoluir extrabucalmente, caso o comprimento radicular ultrapasse esta origem muscular. O primeiro pré-molar está mais próximo da cortical vestibular que o segundo, que é quase vertical entre as duas lâminas. Infecções provenientes destes dentes tendem a se difundir para um espaço constituído pelos músculos abaixador do ângulo da boca, masseter, bucinador e pelo corpo da mandíbula. Esta região é denominada coletora, por ser destituída de inserções musculares e constituída de um tecido conjuntivo muito frouxo, daí, estes abscessos tenderem à superficialização gerando cicatriz antiestética. Eventualmente, podem evoluir, principalmente infecções do segundo, perfurando a cortical lingual, gerando um abscesso sublingual. Este espaço é limitado abaixo pelo músculo milo-hióide - pelo fato de seu ápice radicular encontrar-se acima da linha homônima, origem deste músculo - mucosa do soalho da boca (acima), corpo da mandíbula (lateralmente) e posteriormente pelo osso hióide. Processos sépticos agudos do primeiro molar abrem-se mais do lado vestibular, abaixo da origem do bucinador, formando um abscesso bucal ou geniano, igual àquele descrito para os molares superiores. No entanto, pode ocorrer evolução para espaço sublingual com rompimento da cortical óssea acima da linha milo-hióide e difusão infecciosa para esta área ou abaixo dela, para espaço submandibular, se as raízes forem muito longas , de ocorrência rara ( Figura 5). Este espaço, formado pelo desdobramento da fáscia cervical abaixo dos músculos milo-hióide e hioglosso e entre os ventres do músculo digástrico, pode ser comprometido primariamente por processos infecciosos supurativos oriundos dos demais molares inferiores, no entanto, além desta possibilidade, os segundos molares tem mais três vias possíveis de drenagem para seus abscessos. Sua posição vertical a igual distância das corticais vestibular e lingual possibilita, teoricamente, perfuração em um dos dois lados. Da mesma forma, há igual chance para seus ápices radiculares estarem abaixo ou acima da origem do músculo bucinador e milo-hióideo. O terceiro molar tem seu ápice mais próximo da cortical lingual e abaixo da linha milo-hióidea, o que possibilita que os abscessos originados neste elemento se localizem ordinariamente no espaço submandibular. Nos casos de abscessos operculares (pericoronários), exteriorizados vestibularmente, deve-se considerar que a linha de origem do músculo bucinador no processo alveolar vai subindo, do primeiro ao terceiro molar, em direção ao trígono retromolar, onde encontra-se o músculo constritor superior da faringe. Destarte, o fundo de sulco vestibular é bem mais raso na região do terceiro molar quando comparado a do primeiro e contém menor quantidade de tecido submucoso, por essa razão, não raro, esses abscessos se encontram ao lado do segundo ou mesmo do primeiro molar. COMPLICAÇÕESDAS INFECÇÕES ODONTOGÊNICAS A propagação para espaços específicos nas adjacências do foco de origem da infecção, além de hematológica e linfática, é consequência do caminho potencial do exsudato infeccioso de origem dentária ou periodontal. Assim o empiema no seio maxilar e posterior sinusite de origem odontogênica ou a osteomielite supurativa aguda , são possibilidades de comprometimento de estruturas contíguas ao processo infeccioso primário. A disseminação do processo a partir da perfuração óssea da lâmina cortical vestibular ou palatina/lingual levará a outras possibilidades, dependendo das relações radiculares dos focos dentários com as inserções musculares adjacentes como já mencionado em tópico anterior. Os espaços primários maxilares e mandibulares tornam-se, nas infecções severas, áreas comunicantes de transição para espaços secundários como o mastigatório (temporal superficial e profundo, pterigomandibular e massetérico), parafaríngeos (retrofaríngeos e laterofaríngeos) e o cervical pré-vertebral ( Figura 13 ). Os parafaríngeos, por sua localização na confluência de diversos espaços, também são frequentemente acometidos quando os focos não são dentários, mas oriundo de infecções de vias aéreas superiores como as amigdalites. Figura 8. Espaços fasciais secundários: 1. Espaço infra-temporal 2. Espaço temporal profundo 3. Espaço pterigomandibular 4. Espaço massetérico 5. Espaço temporal 6. Fáscia temporal 7. Arco zigomático 8. M.Masseter 9. Mandíbula 10. M.Pterigóideo medial 11.M.Pterigóideo lateral 12. Processo hamular 13.Osso Esfenóide. Tais padrões de disseminação podem ocorrer não só pela agressividade dos microrganismos relacionados e demora no diagnóstico e tratamento do estágio inicial da infecção mas, principalmente, pela alteração no mecanismo de defesa do indivíduo acometido. Doenças de base e condições imunossupressoras, como outrora mencionado, podem agravar os quadros de infecção, permitindo que o processo se dissemine para espaços contíguos ou para regiões distantes do foco inicial, podendo resultar em celulites cervicais, mediastinite, fasceítes necrotizantes, trombose do seio cavernoso e septicemia. Pacientes nessas condições normalmente tem necessidade de internação hospitalar com aumento significativo do tempo de baixa, além de maiores complicações e altos índices de morbidade e mortalidade, tornando-se necessária sua observação mais rigorosa, pois neles o processo infeccioso tem caráter mais agressivo e sua disseminação é facilitada devido à baixa resistência presente. Sinusite maxilar O seio maxilar, um dos constituintes dos seios paranasais (frontal, etmoidal e esfenoidal são os outros), é o maior e primeiro seio a se desenvolver do ponto de vista embriológico, sendo de grande importância para a manutenção da homeostasia do organismo humano, promovendo a umidificação e o aquecimento do ar inspirado, além de funcionar como uma caixa de ressonância para a voz e diminuir o peso craniano. A relação de seu soalho com certos dentes superiores permite que infecções neles originadas rompam a membrana de Schneider atingindo esta cavidade pneumática, gerando uma reação inflamatória/infecciosa de continuidade, em sua mucosa. Esta comunicação depende em primeiro lugar, do grau de pneumatização da maxila, característica esta que condiciona o desenvolvimento do processo alveolar. É precisamente nos seios grandes que a estrutura óssea que recobre os ápices dentais é sumamente fina e, nestes casos, se desenvolvem as elevações chamadas cúpulas alveolares, que correspondem às raízes dos dentes e se apresentam como saliências visíveis por vestibular e por palatina, entre as quais existe uma depressão, resultado do aprofundamento do soalho sinusal ( nos ossos secos, sem dente, verifica-se pequenos forames por onde passam os vasos e nervos destinados aos dentes e estruturas periodontais ). A maior frequência de cúpulas pertence ao segundo molar, seguindo em ordem decrescente o primeiro molar, terceiro molar, segundo pré-molar e primeiro pré-molar. O canino pode manter contato íntimo com um seio maxilar bem desenvolvido, porém em geral é um dente distanciado do soalho sinusal. Nas maxilas muito pneumatizadas constata-se que a capa óssea que separa o seio dos ápices dentais é muito fina, papirácea ou se apresenta com áreas de deiscência. Este fato explica a rapidez de disseminação local das infecções agudas de origem dentária (Figura 9). Já nos seios pouco pneumatizados, entre o soalho e os ápices radiculares dos dentes, existe um tecido ósseo de relativa espessura como para retardar a difusão destas infecções ou mesmo distanciar o perigo das comunicações bucossinusais. Porém, uma periapicopatia crônica com área de destruição óssea ( Granuloma, Abscesso crônico ou Cisto periapical) pode provocar uma sinusopatia assintomática denominada pseudo-cisto antral e, se sofrer exacerbação aguda, torna-se um abscesso fênix com potencial de difusão e sinusopatia aguda, da mesma forma que processos infecciosos primários relacionados à maxilas muito pneumatizadas. A inflamação sinusal podem evoluir também de trauma dentário ou de cirurgia na parte posterior da maxila, incluindo exodontias, alveolectomias, redução da tuberosidade ou outros procedimentos que causem comunicação entre a cavidade oral e o seio em questão. Figura 9 : Abscesso periapical em segundo molar superior com difusão para o seio maxilar (empiema), causando uma sinusite de origem odontogênica. O portador de sinusite maxilar pode queixar-se de dor nos dentes, cefaléias que aumentam a intensidade com o movimento da cabeça, sensibilidade na região maxilar anterior e infraorbitária, além de congestão nasal e saida de secreção nasal amarelada. Em alguns casos, as sinusites de origem odontogênica podem apresentar-se menos dolorosas que as agudas de origem nasal pois, na maioria das vezes, não promove a obstrução do complexo óstio-meatal, no entanto, podem ser conduzidas como rinossinusite, levando a um tratamento ineficaz assumindo um caráter fulminante ou crônico. Portanto, um diagnóstico correto é necessário para a resolução do quadro, e isso inclui uma anamnese detalhada, além de exame físico amiúde e imagenológicos, como os radiográficos intraorais (periapicais e oclusais), extra-orais ( panorâmica e incidência de Waters) e tomografia computadorizada. Ressonância magnética, ultrassonografia, endoscopia e cintilografia, também podem ser indicados. Em sinusites de origem odontogênica, o processo infeccioso é, por conseguinte, também polimicrobiano, composto tanto por bactérias aeróbias quanto anaeróbias, dentre as quais se podem citar: Streptococcus spp., Bacteroides, Veillonella, Corynebacterium, Fusobacterium, Eikenella, Peptostreptococcus spp., Fusobacterium spp., Prevotella ssp e Porphyromonas spp 3,13,14 O tratamento da sinusite maxilar de origem odontogênica envolve uma série de cuidados que vão desde a eliminação dos fatores dentários causais, ao manejo da infecção do seio por antibioticoterapia e uso de descongestionantes nasais e gotas de hidratação - para reduzir o edema e inflamação da mucosa e promover a drenagem do seio pela sua abertura natural - até a drenagem cirúrgica do seio quando necessário. A sinusite maxilar não tratada ou tratada inadequadamente, pode progredir para uma variedade de complicações, como: celulite orbitária, trombosedo seio cavernoso, meningite, osteomielite, abscesso intracraniano e morte. Osteomielite aguda Considerando a invasão bacteriana medular, evento comum no processo evolutivo de um abscesso ou mesmo fratura do osso gnático (Figura 10) , a osteomielite raramente ocorre se as defesas do hospedeiro estiverem dentro dos padrões de normalidade. Condições sistêmicas debilitantes e demais estados de supressão imunológico, são fatores predisponentes associados ou não à alta virulência dos microrganismos. Dentro da perspectiva do comprometimento infeccioso odontogênico , a invasão da medula óssea por microrganismos no processo de evolução transósseo da coleção purulenta para sua exteriorização, causa inflamação e edema nos espaços medulares, resultando em compressão vascular e posterior colapso circulatório. Esta falência da microcirculação do osso esponjoso é fator crítico para a morte de osteócitos e posterior necrose óssea. Assim, o ambiente acaba ficando mais propicio à proliferação de bactérias anaeróbias estritas com redução ainda maior da possibilidade de defesa do hospedeiro, considerando sua baixa responsividade, agravando o estado infeccioso e a inflamação medular. O osso maxilar é menos comprometido que o mandíbular em razão de seu rico suprimento sanguíneo, com várias derivações arteriais que formam um complexo vascular de suprimento. A mandíbula por ter uma cortical densa, não permite a penetração de vasos sanguíneos periosteais, sendo suprida somente pela artéria alveolar inferior, estando seu osso esponjoso mais propenso a isquemia e, portanto, a infecção. A inflamação medular dos ossos maxilares é classificada em: Osteomielite supurativa aguda e osteomielites crônicas: condensante focal, esclerosante difusa, com periostite proliferativa ( também denominada de Garrè) e supurativa crônica, que persiste por longos períodos, seja pelo fato do não acerto diagnóstico ou em razão do processo infeccisoso agudo ter sido resistente aos tratamentos prévios, cronificando. Fig 10. Osteomielite aguda. Invasão medular de processo infeccioso dentoalveolar. A microbiologia da osteomielite aguda tem demonstrado que as bactérias primárias que preocupam, são as mesmas que provocam as infecções odontogênicas. Os achados clínicos são tipicamente dor profunda e intensa, aumento de volume e, não raro, febre e mal-estar, na presença de uma infecção de origem dentária ou mesmo fratura do osso gnático. No quadro supurativo crônico, os sinais e sintomas são diferentes: dentes amolecidos ou mesmo soltos na área infectada, sensibilidade à percussão e palpação, presença de fístulas cutâneas ou mucosas drenando pus. Radiograficamente, o quadro agudo mostra pouca ou nenhuma alteração, pelo fato de serem necessários 10 a 12 dias para que a perda óssea seja detectada por imagem radiográfica. No padrão supurativo crônico ocorre: aumento da radiolucidez local com padrão uniforme ou salpicado ( aspecto de roído de traça), presença de áreas radiopacas em meio às radiolúcidas ( representam sequestros, áreas de osso necrótico não reabsorvido ) e aumento da radiopacidade circundando regiões radiolúcidas nas inflamações de longa duração, condição resultante de uma reação do tipo osteíte, onde ocorre produção óssea reacional como resultado da reação inflamatória. O tratamento da osteomielite é tanto clínico quanto cirúrgico. O quadro agudo é tratado primariamente com antibioticoterapia pois o tratamento cirúrgico é geralmente limitado e consiste primariamente na remoção dos dentes não-vitais na área da infecção e fragmentos ósseos, quando presentes. As supurativas crônicas exigem antibioticoterapia e tratamento cirúrgico agressivos devido às amplas áreas de isquemia e necrose óssea. A incisão deve ser ampla e generosa e todos os sequestros ósseos e osso não-vital removidos até que áreas saudáveis e sangrantes sejam atingidas em todas as direções, com a ferida cirúrgica sendo irrigada copiosamente para assegurar a não presença de fragmento ósseo desvitalizado. Angina de Ludwig ( Celulite cervical descendente ) O processo inflamatório envolvendo soalho bucal e região submandibular, descrito por Wilhelm Friedrich Von Ludwig em 1836, é uma infecção cervical grave, de evolução rápida, severa e potencialmente fulminante, envolvendo bilateralmente os espaços sublingual, submandibular e submentoniano ( Figuras 11 e 12), que tende a disseminar-se posteriormente para os espaços secundários da mandíbula com risco potencial de obstrução de vias aéreas superiores . Antes do surgimento dos antibióticos, a condição apresentava taxas de mortalidade que ultrapassavam os 54%. Atualmente, devido a sua evolução e à melhoria nos hábitos de higiene bucal, sua incidência é reduzida, embora ainda seja considerado um quadro de alta morbidade e gravidade, principalmente entre pacientes com comprometimento sistêmico. Origina-se comumente de abscessos dentoalveolares de molares inferiores, especialmente de segundo e terceiro molar, sendo o espaço sublingual ou submandibular ( Figura 11) o primeiro espaço envolvido. Figura 11 . Possibilidade do Abscesso dentoalveolar de primeiro molar inferior gerar a Angina de Ludwig. Exsudato purulento perfurando cortical lingual acima do músculo milo-hióide (1) ganhando espaço sublingual bilateralmente (3) e posteriormente submandibular ( 4 )- limitado, inferiormente, pelo músculo platisma(2)- e submentoniano,. Esta infecção poderia evoluir para vestíbulo ou para o espaço bucal, limitada pelo músculo bucinador (5). Não somente infecções periapicais podem evoluir para a condição, mas também: periodontopatias, fraturas mandibulares, sialadenites submandibulares, abscessos peritonsilares, epiglotites, trauma endotraqueal causado por intubação ou broncoscopia, ferimentos penetrantes do soalho bucal e malignidades orais. Figura 12 – Espaços primários mandibulares com exceção do bucal: 1. Espaço submentoniano 2. Espaço submandibular e 3. Espaço sublingual. As bactérias causadoras desta celulite incluem várias anaeróbias e gram negativas, além de estreptococos e estafilococos. Entre os isolados, Estreptococos alfa-hemolíticos, Estafilococos e Bacteróides, são comumente reportados. Outros anaeróbios como Peptoestreptococos, Peptococos, Fusobactérias do gênero nucleatum, Veillonella e Espiroquetas também são encontrados, o que justifica o odor fétido ordinariamente presente no quadro. Neisseria Catarrhalis, Escherichia coli, Pseudomonas aeruginosa e Haemophilus influenzae são exemplares de organismos gram-negativos presentes. O diagnóstico diferencial da Angina de Ludwig (AL) inclui edema angioneurótico, carcinoma lingual, hematoma sublingual, abscesso de glândulas salivares, linfadenite, celulite e abscesso peritonsilar. Nesta celulite quando o espaço mandibular é primariamente comprometido, há propagação para o sublingual a partir da margem posterior do músculo milo-hióide - tendendo à evolução bilateral nesta área pelo cruzamento do plano mediano entre o músculo genioglosso e a mucosa do soalho bucal, realizado pelo exsudato purulento- e também submentoniano e submandibular colateral por contiguidade, devido ao comprometimento do espaço sublingual bilateralmente. Porém, abscessos dentoalveolares de segundo premolar e primeiro molar inferior, podem perfurar a lâmina cortical por lingual, como já mencionado, e evoluir para espaço sublingual bilateralmente, com posteriorcomprometimento submentoniano, submandibular e também potencial evolução para espaços parafaríngeos e cervicais ( figura 13). Relembrando que o fator determinante da infecção ter disseminação primária sublingual ou submandibular é a inserção do músculo milo-hióide na face interna da mandíbula. Caso a infecção perfure acima da linha milo-hióide, irá exteriorizar em espaço sublingual ( oriundas do segundo pré-molar e primeiro molar ) , se abaixo, em espaço submandibular ( originadas do terceiro molar ). O segundo molar podendo envolver ambos os espaços primariamente, na dependência do comprimento de suas raízes. Pelo fato do espaço sublingual ter sua borda posterior aberta, comunicando-se livremente com o submandibular e os espaços secundários da mandíbula em sua região mais posterior, não se observa clinicamente, quase nenhum aumento de volume extra-oral na infecção deste espaço porém, há um grande aumento de volume do soalho da boca do lado infectado, comprometendo em seguida o lado oposto, elevando a língua, provocando disfagia, dispneia e disfonia, além de trismo, sialorréia e febre, aumentando a ansiedade do paciente pela impossibilidade da deglutição e dificuldade respiratória. A difusão progressiva para o espaço submentoniano, mais anterior (Figura 12), e submandibular, localizado entre o músculo milo-hióideo , a pele e fáscia superficial , tendo como limitante posterior os espaços faríngeos e cervicais, causa aumento de volume endurecido e bilateral que inicia na bordas inferiores mandibulares entendendo-se medialmente ao músculo digástrico e posteriormente ao osso hióide, conferindo aspecto denominado pescoço de touro ao acometido, com disseminação previsível para os espaços laterais da faringe, retrofaríngeos e pré-vertebrais( Figura 13). Figura 13. Espaços primários e secundários da mandíbula: 1. submandibular 2. Ptérigo-mandibular 3. Lateral da faringe 4. Retro-faríngeo. 5. Massetérico. Detalhes anatômicos: Letra A. M.Bucinador B. M. Masseter C. Glândula Parótida. Quando estes espaços são envolvidos em consequência de uma Infecção odontogênica são quatro, as potenciais complicações : 1. Obstrução de via aérea superior – Resultante do deslocamento anterior da parede posterior da faringe para a orofaringe; 2. Asfixia – Resultante da ruptura do abscesso do espaço retrofaríngeo com aspiração do pus para os pulmões; 3. Mediastinite – Disseminação da infecção dos espaços retrofaríngeos para o mediastino. 4. Fasceíte necrotizante – Necrose extensa e formação gasosa no tecido subcutâneo e fáscia superficial, levando a quadros de toxicidade sistêmica, comumente associada à doenças de base como o diabetes mellitus, alcoolismo, má nutrição e insuficiência renal crônica ( Figura 14) Figura 14. Fasceíte necrotizante, oriunda de infecção de primeiro molar inferior esquerdo. A abordagem terapêutica da AL inclui aspectos importantes como manutenção da perviabilidade das vias aéreas superiores e, se necessário, internação em Unidade de tratamento intensivo. Medidas específicas destinadas à administração de antibióticos, anti- inflamatórios e analgésicos, bem como a drenagem cirúrgica devem ser planejadas por equipe multidisciplinar ( figura xx ). Além das complicações resultantes da invasão dos espaços da faringe e pescoço, citadas anteriormente, as causas de morte relacionadas a esta celulite cervical são: septicemia, empiema torácico, laringo-espasmos e insuficiência renal. Figura 14 . Localização extra-bucal dos locais de drenagem das infecções em região de cabeça e pescoço:1. Espaços submentoniano, sublingual e submandibular 2. Espaços submandibular, sublingual , ptérigo-mandibular e submassetérico 3. Espaços látero-faríngeo e retro-faríngeo 4. Espaços látero- faríngeo, retro-faríngeo e carotídeo e 5. Espaços temporal superficial e profundo. Adaptado de Miloro M, Ghali GE, Larsen PE, Waite PD. Peterson’s principles of oral and maxillofacial surgery (2004). Trombose do Seio cavernoso A trombose séptica do seio cavernoso ( TSSC) - descrita inicialmente por Duncan, em 1821- é um exemplo da possibilidade hematológica de disseminação de um foco infeccioso odontogênico para o Sistema nervoso central, isso ocorrendo pelo fato deste espaço venoso, localizado na base do crânio e formado por um desdobramento da dura-máter ( membrana meníngea externa), não possuir válvulas, permitindo a circulação sanguínea em vários sentidos, devido as suas anastomoses, em relação direta com a pressão sanguínea. Este seio da dura-máter relaciona-se, medialmente com a hipófise; abaixo e internamente, com o seio esfenoidal; lateralmente, com o cavum de Meckel; anteriormente, com a fissura orbital e posteriormente com os seios petrosos superior e inferior. Contém em sua parede lateral os nervos oculomotor, troclear e oftálmico e o nervo abducente e artéria carótida interna atravessam sua cavidade. Sua rica rede avalvular e anastomótica, que permite a circulação venosa em vários sentidos, pode sofrer trombose primária ou asséptica, evento que pode acometer também outros seios da dura-máter. Tal condição está associada a trauma craniano, gestação, puerpério, uso de anticoncepcionais orais, tromboflebites migratórias, colite ulcerativa, colagenoses, neoplasias e distúrbios hematológicos. Esta trombose primária tende a ocorrer mais comumente nos seios ímpares:reto, occipital e sagital superior e inferior. A trombose séptica pode ocorrer por embolismo infeccioso, periflebites em seios de drenagem para o local ou por contiguidade de focos de origem otológica, sendo mais comum nos seios pares: laterais, petrosos e cavernosos. A TSSC costuma se originar de processos supurativos ao nível da órbita, seios paranasais ou metade superior da face, tais como furúnculos, sinusite ou otite e infecções dentárias. Nos processos infecciosos de origem odontogênica, as bactérias podem migrar a partir da maxila para este seio da dura-máter, posteriormente via plexo pterigoide e veias emissárias ou anteriormente , via veia angular e veias oftálmicas superior e inferior ( Figura 16). Figura 16. Disseminação hematogênica da infecção dos maxilares para o seio cavernoso. Observe o foco infeccioso com evolução para espaço canino e a relação com a veia angular (1) e o plexo pterigoide(4) com suas veias emissárias( 6) em continuidade com o Seio cavernoso (9). As demais : 2. V. oftálmica superior 3. V. oftálmica inferior 5. V. facial 7. V. retromandibular e 8. V. jugular interna . Adaptado de Peterson, LJ; Ellis,EE; Hupp,JR; Tucker, MR. Cirurgia Oral e Maxilofacial contemporânea (2000). O espaço periorbital é um espaço potencial que se situa profundamente ao músculo orbicular do olho e se torna comprometido por meio da disseminação de infecção proveniente do vestíbulo maxilar ou do espaço canino (infraorbital), condição que comumente resulta de abscessos de caninos ou de pré-molares superiores ( Figura 17 ). Figura 17. Abscesso dentoalveolar em canino superior com difusão para espaço canino/infraorbital(1) e continuidade para espaço orbital com comprometimento da veia emissária angular ( 3). Relacionado àquele espaço, especificamente no ângulo da órbita, a artéria facial termina e a veia facial inicia com o nome de veia angular ( Figuras 16 e 17), vaso comunicante do seio cavernoso
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